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segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Não foi Nietzsche que matou, mas Deus está morto!

Deus está morto! – Com essa frase provocativa Nietzsche sintetizou um momento histórico de sua época. Aqui, Nietzsche não quis dizer o que comumente as pessoas acreditam significar a frase, isto é, enquanto expressão do ateísmo, Nietzsche enquanto o “assassino” de Deus, uma crítica aos religiosos, a morte física de Deus, entre outras interpretações vagas que não buscam além de uma mera interpretação literal de uma frase fora de contexto.
Nietzsche tem muitas frases que chamam a atenção do leitor, é justamente para provocá-lo, para exigir que não o ouça enquanto um devoto mas que busque interpretações, para instigá-lo à lançar mais do que um olhar à realidade e desconfiar de tudo: ir para além do bem e do mal.
Buscarei aqui apresentar alguns desdobramentos dos vários que são possíveis dentro dessa instigante provocação de Nietzsche: a morte de Deus. Quem o matou? Por quê?
A morte de Deus é anunciada inicialmente na obra A Gaia Ciência (1882) no aforismo 125:
O homem louco – “Não ouviste falar daquele homem louco que, em plena manhã clara, acendeu um candeeiro, correu para o mercado e gritava incessantemente: Estou procurando Deus! Estou procurando Deus! Então como lá se reunissem justamente muitos daqueles que não acreditavam em Deus, provocou ele então grande gargalhada. (…) O homem louco saltou em meio a eles e disse: nós o matamos, vós e eu! (…) Não sentimos o cheiro da putrefação divina? – também os deuses apodrecem! Deus está morto! Deus continua morto! E nós o matamos! (…) A grandeza deste feito não é demasiado grande para nós? Não teríamos que nos tornar, nós próprios, deuses, para apenas parecer dignos dela?”
Primeira constatação é que não foi Nietzsche que disse “Deus está morto”, foi o homem louco, isto é, o homem que não está preso à razão, à metafísica e a um sistema de valores moral que coloca o mundo em oposições dualistas entre o “certo” e o “errado”, a “verdade” e a “mentira”, entre outras que, ingenuamente, o homem até então, acredita que são marcas inerentes à vida.
Este homem, o louco, é antes de tudo aquele que lança sobre a vida diferentes olhares e perspectivas, não estando interessado em encontrar nenhuma “verdade” ou “mentira”, pois sabe que a vida não comporta medidas. Desse modo, ele dança alegremente com várias melodias, busca ouvir os seus impulsos e o seu corpo, usa a razão e o conhecimento para o bem-viver e sabe que as leis da razão foram inventadas por nós. Assim, ele se vê diante do inaudito, isto é, de um mundo e de uma vida que emanam uma multiplicidade de forças casuais da qual ele jamais poderá apreender em sua totalidade, e seu próprio corpo também entra nessa relação, de tal forma que os potenciais que se revelam no instante somente são apreendidos enquanto representações.
Dentro do contexto da época, a morte de Deus é um olhar de Nietzsche sobre a história, mostrando uma ruptura da teologia com o homem moderno que coloca a razão acima de todas as coisas. É interessante levar em conta que a crítica de Nietzsche não é a razão enquanto capacidade do homem, mas sim enquanto objeto de supremacia humana, isto é, como se a razão fosse a chave para todos os enigmas. Nesse sentido, a ciência moderna é tão dogmática quanto o cristianismo, na medida em que acredita que o mundo e os fenômenos carregam uma “verdade” inerente na qual o homem, debruçando-se através da razão, passa a descobrir.
O homem louco percebeu que a ciência moderna, a revolução científica, os ideais renascentistas e iluministas, o pensamento racional de Descartes, Kant e outros, tinham destronado Deus na medida em que os homens deixaram, cada vez menos, de precisar das explicações teológicas e passaram a acreditar na razão enquanto divindade. Nesse sentido, Deus apenas perdeu o trono para o “deus Razão”. Também é esta razão que os ateístas da época tomavam como fio condutor para denegrir as religiões, mas Nietzsche também atinge os ateus, pois eles deixaram de crer em Deus e passaram a crer na Razão, isto é, estão presos a dogmas, protocolos, leis e ao pensamento linear de causa e efeito.
As pessoas, por mais religiosas que fossem, passaram a ir menos até o padre buscar uma cura para suas doenças e passaram a ver na ciência uma solução melhor. Doenças que antes eram incuráveis passaram a ser facilmente tratadas graças ao desenvolvimento científico que vinha numa crescente desde o século XVII. É assim que a humanidade vai matando Deus; religiosos, ateus, cientistas e homens comuns, todos nós o matamos. A idade moderna representa então, o destronamento de Deus e, como “a grandeza deste feito é demasiada grande para nós”, o homem louco nos provoca: “Não teríamos que nos tornar, nós próprios, deuses, para apenas parecer dignos dela?” – Deixando em aberto a vinda do homem que iria transceder os valores para além do bem e do mal, o além-do-homem.
“Deus está morto” é uma “imagem” nietzschiana do homem moderno que passa a negar os valores cristãos, isto é, retira Deus do trono e coloca no lugar o Homem-racional. Este homem é aquele que despreza o corpo, os instintos, os impulsos e tudo aquilo da qual ele não pode conhecer; ele passa a acreditar que tudo tem um selo de “verdade” ou “mentira”, que algo “é” ou “não é”, além de ser dominado por um pensamento linear que não consegue olhar para os fenômenos e apreendê-los enquanto multiplicidade de relações interagindo das quais ele jamais poderá conhecer em totalidade.
A constatação de que “Deus está morto” não é uma novidade que só surgiu em Nietzsche, a razão já começava a mostrar suas limitações e o cheiro do apodrecimento de Deus já exalava forte. No bojo das transformações, os séculos XIX e XX, trazem desconfiança à razão. Marx e Freud dão força a esse movimento, apontam que aquilo que achamos conhecer não é de autoria do nosso próprio “Eu-Razão”; de um lado, em Marx, há os processos sociais que transformam nosso conhecimento, e em Freud, os processos inconscientes. Ainda, viriam as guerras e a crença da humanidade no progresso proporcionado pela razão e visto enquanto salvação e redenção de todos os problemas seria abalada.
E é aqui que surge o grande pensador Nietzsche, revelando-se quase que um “profeta” de um momento que viria a se instaurar: o contexto atual que uns chamam de pós-modernismo, mas mais importante que o termo, é conseguir ver que nossa época é marcada pelo “nada”. Nem Deus e nem Razão, o Nada e o Vazio são características do pensamento do homem atual.
Pouco nos importamos com o conhecimento enquanto busca de sentido e superação num fazer-desfazer criativo da vida; os problemas existenciais e as angústias dos homens são ocultadas em nome do homem liberal que só tem tempo para o trabalho e o acúmulo de riquezas. Buscamos aquele “conhecimento receituário”, rápido, dos cursos técnicos e operacionais que formam cada vez mais “especialistas” que só conseguem ver o mundo sob a ótica de sua lente e nada mais além disso; de tal forma que os desencontros entre os conhecimentos são gritantes; ao invés de uma multidisciplinaridade de integração dos conhecimentos, presenciamos os marxistas, liberais, psicanalistas, biólogos, historiadores, médicos, advogados, economistas, Deus e o Diabo, que se debatem em defesa de suas “verdades” na ingênua crença de que o conhecimento que eles possuem são o retrato fiel do mundo. Buscamos consolo nas mercadorias de tal forma que nossa felicidade sempre está na vitrine e nunca conosco, somos “isso” ou “aquilo” dependendo do que consumimos.
Esse homem, chamado por Nietzsche de niilista passivo, penso que é a grande contribuição enquanto desdobramento da constatação da morte de Deus. Nietzsche no século XIX anunciou o que estaria por vir. Porém, Nietzsche também vê nesse momento, onde o “nada” diante da vida surge como sintoma do homem contemporâneo, potencialidades para superação, para transvaloração dos valores de sua época. Aponta-nos o cristianismo como exemplo: o cristianismo mudou radicalmente a concepção de mundo e homem, transformou os valores até então vigentes e, quem acreditou que uma religião clandestina, surgida da miséria de alguns não iria se alastrar por todo ocidente, e ainda, influenciando boa parte do oriente, acabou se enganando. Mas isso demorou séculos, de tal forma que não devemos nos render diante da vida, no sentimento pessimista ou niilista que nos convida para adotar uma postura passiva diante de um contexto que parece esgotar todas as forças.
Para Nietzsche, são em momentos de grandes inquietações e questionamentos que podem surgir condições para que o homem resgate o seu Ser. Resta-nos saber se esse homem, que transformará os valores até então vigentes de sua época, irá criar valores para viver a vida sem ser escravo de si mesmo, isto é, aquele homem que deixa de viver somente em função de uma idéia de julgamento criada por ele mesmo, ou se os novos valores irão “quebrá-lo” novamente.
O homem louco sabia que os homens da sua época não estavam preparados para se tornarem órfãos, de tal forma que as massas riam de suas idéias. Esse viés também está presente em Zaratustra, o profeta persa e o próprio Nietzsche sabiam que suas idéias eram para homens póstumos: aqueles que conseguissem se libertar dos preconceitos e dos pesos de sua época, tornando-se espíritos livres capazes de experimentar diferentes perspectivas para além do pensamento racional linear, do platonismo, do socratismo, da metafísica e da moral que se coloca acima da vida.
Os desdobramentos da morte de Deus em Nietzsche fogem às pretensões desse artigo, encontrando sustentação não só nas conseqüências niilistas, como também, na superação à partir da compreensão da vida enquanto vontade de potência e seus enlaces com o eterno retorno. No entanto, por ora, foi a intenção mostrar o quanto a frase “Deus está morto!” é tão mal compreendida.
Uma má compreensão tipicamente do homem pós-moderno que não tem tempo para o que não flui rapidamente. Assim, folhear um livro que não for uma leitura fácil, rápida e que lhe prometa sucesso e felicidade está fora de seu interesse.
Para o “conhecimento” ele apenas reserva um olhar que passa entre frases ou trechos fora do contexto e acredita que compreendeu quem era, quem foi, e o que pensou o autor. – De tal forma, essa compreensão compreende apenas a própria ignorância que olha para o passado com os olhos do presente pedindo suplício no futuro.

Filosofia

2 comentários:

  1. este Nitsche é muito pragmático cara!!!não curto muito as idéias dele não.

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  2. Respeito sua posição..As provocações do Nitsche faz o leitor buscar novas "janelas" de interpretações e possibilidades.Ir para além do bem e do mal.

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