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sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Seminário "Juventude Negra: Preconceito e Morte" - Profº. Dr. Kabengele ...

A Democracia arrombada

Por Janio de Freitas

Crise, crise mesmo — não os quaisquer embaraços que os jornalistas brasileiros logo chamam de crises — desde o fim da ditadura tivemos apenas a que encerrou o governo Collor. Direta ao objetivo, exposta como se nua, escandalosa e inutilmente previsível, começou e se encerrou em cinco meses e dias. Estava reafirmado, provava-se vivo e são, o mau caráter histórico do Brasil.

Mas, aos quatro anos, a Constituição resistiu e respondeu aos safanões, não muitos nem tão graves. Não se deu o mesmo com a crise em que fiz minha estreia como jornalista profissional. Aos oito anos em 1954, a primeira Constituição democrática do Brasil, em quase 450 anos de história, não pôde sequer esperar que um golpe militar e um revólver matassem Getúlio.

As tantas transgressões que sofreu desde a posse do Getúlio eleito já eram o esfacelamento da Constituição democrática, com o desregramento político, legal, ético e jornalístico da disputa de poder que ensandecia o país.

O Brasil deixara de ser democracia bem antes do golpe que o revólver de Getúlio deixou inconcluído como ação, não como objetivo. Reduzido o regime de constituição democrática a mera farsa, em poucos meses seguiram-se o impedimento do vice de Getúlio, a derrubada do terceiro na linha de sucessão, que era o presidente da Câmara, e a entrega da presidência ao quarto até a posse do novo presidente eleito. Estes foram golpes militares do lado até então perdedor, antecipando-se aos golpes que o lacerdismo e seus subsidiários prepararam, com os militares de sempre, para impedir a posse do eleito Juscelino.

Em termos políticos, a vigência da Constituição democrática foi restaurada por Juscelino. Lacerda, seus seguidores e aliados fizeram mais para derrubá-lo, e por longos cinco anos, do que haviam feito contra Getúlio. Dois levantes de militares ultralacerdistas (o primeiro delatado ao governo pelo próprio Lacerda, temeroso de represália). Mas os desmandos administrativos, ainda que acompanhados de grandes realizações, corromperam a vigência plena da Constituição.

A Constituição que Jânio Quadros encontra é desacreditada, e por isso frágil. Seus princípios são democráticos, mas, dada a sua fraqueza, o regime não é de democracia de fato. Um incentivo a aventuras inconstitucionais, portanto. Primeiro, a que se frustrou na indiferença ante a renúncia presidencial. Depois, o levante militar contra a posse do vice. Não foi a Constituição democrática que impediu a guerra civil entre seus violadores e seus defensores. Foi um acordo que nem por ser sensato deixava ele próprio de segui-la.

O Brasil do período em que se deu o governo Jango está por ser contado. As liberdades vicejaram, o que deu certos ares de regime constitucional democrático. Mas os desregramentos de todos os lados e o golpismo tanto negaram a constitucionalidade como a democracia. As eleições para o Congresso estavam viciadas por dinheiro norte-americano e brasileiro, grande parte do Congresso seguia ordens de um tal IBAD, que era uma agência da CIA, a agitação governista e oposicionista criava um ambiente caótico e imprevisível mesmo no dia a dia. As liberdades não bastavam para configurar uma democracia, propriamente, por insuficiência generalizada do pressuposto democrático.

Passados os 21 anos de serviço ostensivo dos militares brasileiros aos interesses estratégicos e econômicos dos Estados Unidos, a Constituição de 1988 apenas embasou e aprimorou a democratização instituída com a volta do poder aos seus destinatários por definição e direito –os civis, em tese, os agentes de civilização. De lá até há pouco, o que houve no governo Collor foi como um mal-estar. Não afetou as instituições e sua prioridade democrática.

Não se pode dizer o mesmo do Brasil atual. Há dez meses o país está ingovernável. À parte ser promissor ou não o plano econômico do governo, o Legislativo não permite sua aplicação. E não porque tenha uma alternativa preferida, o que seria admissível. São propósitos torpes que movem sua ação corrosiva, entre o golpismo sem pejo de aliar-se à imoralidade e os interesses grupais, de ordem material, dos chantagistas. Até o obrigatório exame dos vetos presidenciais é relegado, como evidência a mais dos propósitos ilegais que dominam o Congresso. A Câmara em particular, infestada, além do mais, por uma praga que associa a criminalidade material à criminalidade institucional do golpe.

A ingovernabilidade e, sinal a considerar-se, o pronunciamento político contra a figura presidencial, pelo comandante do Exército da Região Sul, são claros: se ainda temos regime constitucional, já não estamos sob legítimo Estado de Direito. A democracia institucional desaparece. Como indicado no percurso histórico, sempre que assim ocorreu e não foi contido em tempo, o rombo alargou-se. E devorou-nos, com nossa teimosa e incipiente democracia.

Lembo ataca o impeachment



O ex-governador Cláudio Lembo entrou na campanha contra o impeachment. Aos 77 anos, ele escreveu um parecer sobre o tema. Sustenta que o afastamento de presidentes se tornou "uma nova patologia" na política da América Latina.

"Os golpes militares da época da Guerra Fria estão sendo substituídos pelo impeachment. A função do Congresso é fiscalizar os governos, e não derrubá-los. Isso é o mesmo que bater às portas dos quartéis", diz.

Professor de direito da USP e do Mackenzie, Lembo cita o jurista Pontes de Miranda (1892-1979) ao afirmar que o afastamento de um presidente "só se permite, nas democracias, em caso de extrema necessidade".

"Não se deve buscar interromper o mandato eletivo. Isso é um desrespeito à população, seja quem for o eleito. O impeachment é um instrumento violento, que causa instabilidade à economia e ao país", afirma.

O ex-governador contesta a tese de que o impeachment é um instrumento legal, diferente de um golpe. "A lei exige um crime de responsabilidade, o que não vejo. Ninguém diz que a presidente enriqueceu. Sua honra está preservada", defende.

Lembo também critica a ideia, já sugerida por Fernando Henrique Cardoso, de que Dilma Rousseff deveria renunciar. "Um ex-presidente não devia falar isso. Eu também acho que ele poderia ter renunciado quando comprou a reeleição", provoca.

Conhecido pela ironia, ele desdenha as manifestações que pedem a queda da presidente. "A elite branca está furiosa. Não entendeu que o Brasil mudou, por isso está perdida."

Aplica o mesmo adjetivo aos políticos de PSDB e DEM, seu partido até 2011. "A oposição não aceitou o resultado da eleição e quer derrubar o governo a qualquer custo. Só sabem falar em impeachment. Estão perdidos, em estado de neurose coletiva."

Hoje filiado ao PSD, do ministro Gilberto Kassab, Lembo diz que não tem conversado sobre a crise com os antigos aliados. "Estou velho. Não querem mais saber de mim."

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

A criminalização do pensamento crítico





Por Luis Felipe Miguel.



Entre as múltiplas ameaças de retrocesso que surgem do Congresso Nacional hoje, uma das mais graves é a voltada à educação. O espantalho da “doutrinação” dos alunos por professores esquerdistas é um pretexto para a criminalização do pensamento crítico em sala de aula, frustrando o objetivo pedagógico de produzir cidadãos e cidadãs capazes de reflexão autônoma, respeitosos das diferenças, acostumados ao debate e à dissensão, conscientes de seu papel, individual e coletivo, na reprodução e na transformação do mundo social. Em seu lugar, voltamos à ultrapassada compreensão de uma educação limitada à transmissão de “conteúdos” factuais, dos quais o professor é um mero repetidor e o aluno, receptáculo passivo. O slogan vazio da “escola sem partido” busca passar a ideia de que o ensino acrítico é “neutro”, quando, na verdade, ao naturalizar o mundo existente e inibir a discussão sobre suas contradições internas, é um mecanismo poderoso de reprodução do status quo.

São diversos projetos em tramitação no Congresso, que partem do veredito comum de que haveria um esforço de doutrinamento em curso, seja pelo PT, seja pela esquerda de modo geral, que faria com que as escolas tivessem se tornado centros de difusão do socialismo e/ou do feminismo. É uma reação ao arejamento – na verdade, ainda muito insuficiente – das práticas pedagógicas; uma reação que não vem de hoje, mas que se intensificou com a ofensiva diretista dos últimos anos. Alguns talvez se lembrem que, nos anos finais da ditadura militar, pré-escolas alternativas eram acusadas de adotar cartilhas marxistas. É o mesmo tipo de paranoia, mas agora vendo o pretenso doutrinamento como política de Estado, que está por trás das fantasias do movimento Escola Sem Partido, do repúdio a Paulo Freire nas manifestações públicas da direita ou da reação histérica à recente prova do ENEM.

Cada vez que a escola se desloca, por pouco que seja, de seu papel tradicional de aparelho ideológico reprodutor da ordem social, erguem-se as bandeiras de “doutrinamento”. A manobra argumentativa é evidente. A reprodução transita como “não ideológica” porque a ordem social vigente é naturalizada. É como se ela não fosse o fruto de processos históricos, de conflitos sociais com ganhadores e perdedores, mas um dado da realidade que existe por si só. A “neutralidade” do discurso que não questiona o porquê do mundo social ser como é, nem indica que essa ordenação não é uma necessidade, é falsa: ele é um elemento ativo de perpetuação, uma maneira de bloquear as potencialidades de mudança presentes do mundo em que vivemos.

Na atual ofensiva da direita brasileira, há dois alvos simultâneos. Permanece o ódio ao marxismo e, de modo mais geral, a qualquer forma de questionamento à desigualdade de classe. É sustentado por uma leitura delirante da teoria de Gramsci, difundida pelo astrólogo Olavo de Carvalho, em que a ideia de uma luta pela produção de sentido no mundo social é transformada num plano diabólico de lavagem cerebral em massa.

Mas há uma grande ênfase também na denúncia contra qualquer tentativa de desnaturalizar os papéis estereotipados atribuídos a mulheres e homens. É a “ideologia de gênero”, termo que foi cunhado pelos setores conservadores da Igreja Católica, mas adotado também por denominações protestantes, e colocada em curso em vários países do mundo, entre eles o Brasil, como forma de organizar a oposição aos avanços – mais lentos do que gostaríamos, mas inquestionáveis – na direção de maior igualdade entre os sexos e maior respeito a gays e lésbicas. Ao afirmar que “ideológica” é a luta contra a discriminação de gênero, fica implícito que a desigualdade e a intolerância seriam naturais.

O rótulo “ideologia de gênero” foi rapidamente incorporado à linguagem destes grupos. Sintético, ele permite que se descarte, sem discussão, tudo aquilo que já se sabe sobre a produção social do feminino e do masculino. Quando militantes conservadores reagem à frase de Simone de Beauvoir incluída na prova do ENEM escrevendo coisas como “eu nasci mulher sim, nasci com vagina”, como se viu nas redes sociais, revelam, mais do que apenas uma ignorância brutal e constrangedora, uma impermeabilidade deliberada a qualquer discussão sobre o tema.

Ao lado da ameaça que a emancipação feminina e a conquista dos direitos degays e lésbicas de fato representa aos privilégios de homens e de heterossexuais, e ao lado também do fundamentalismo religioso de alguns, há no destaque dado à “ideologia de gênero” uma demonstração de oportunismo político. Como afirmei em outro lugar, hoje a homofobia é o ópio do povo. Deslocando o eixo do conflito para as questões “morais” (que, na verdade, são questões de direitos individuais), a direita se põe em sintonia com uma parcela do eleitorado que, sobretudo a partir das políticas compensatórias do governo Lula, se movimentava na direção de seus adversários. Também por isso, para as forças da esquerda a luta pela igualdade de gênero e contra a homofobia não pode ser considerada uma pauta secundária.

Entre os projetos em tramitação no Congresso, vários têm o fantasma da “ideologia de gênero” como alvo. O PL 7180/2014 e o PL 7181/2014, ambos de autoria de Erivelton Santana (PSC/BA), determinam a mesma coisa: que “os valores de ordem familiar [têm] precedência sobre a educação escolar nos aspectos relacionados à educação moral, sexual e religiosa, vedada a transversalidade ou técnicas subliminares no ensino desses temas”. O primeiro projeto visa instituir esta regra na Lei de Diretrizes e Bases da Educação e o outro, redundantemente, quer torná-la obrigatória nos parâmetros curriculares (que já devem obedecer à LDBE).

A intocabilidade da família, como sujeito coletivo com direitos próprios, irredutíveis aos de seus integrantes, é o que fundamenta tal proposta. Muitas vezes, mesmo os grupos mais progressistas têm receio de discutir o statusatribuído à unidade familiar, preferindo deslocar a luta para a necessidade de pluralizar o entendimento do que é família. Claro que que é importante dar a todos que o queiram a possibilidade de buscar formar famílias, no formato que desejem, mas ainda precisamos dessacralizar a “família”. A família é também um lugar de opressão e de violência. A defesa de uma concepção plural de família não pode colocar em segundo plano a ideia de que, em primeiro lugar, estão os direitos individuais dos seus integrantes. E entre estes direitos está o de ter acesso a uma pluralidade de visões de mundo, a fim de ampliar a possibilidade de produção autônoma de suas próprias ideias.

As propostas do deputado baiano impedem a educação sexual e o combate ao preconceito e à intolerância nas escolas, sob o argumento de preservar a soberania da família na formação “moral” dos mais novos. Com isso, retiram da escola a possibilidade de contribuir para disseminar os valores de igualdade e de respeito à diferença, que são cruciais para uma sociedade democrática. E retiram dos jovens o direito de ter acesso a informações que são necessárias para que eles possam refletir sobre sua própria posição nesse mundo e avançar de maneira segura para a vida adulta.

Ainda mais bisonho, o PL 1859/2015, de autoria de Izalci Lucas (PSDB/DF), Givaldo Carimbão (PROS/AL) e outros, propõe que a LDBE inclua dispositivo que proíba as escolas de apresentar conteúdo “que tendam a aplicar a ideologia de gênero, o termo ‘gênero’ ou ‘orientação sexual’”. A política linguística destes deputados incorpora ao vocabulário legislativo o termo “ideologia de gênero”, inventado recentemente pela direita fundamentalista, e veta do vocabulário escolar os termos “gênero” e “orientação sexual”, impedindo assim que vastos setores do conhecimento produzido na sociologia e na psicologia cheguem ao ensino. O objetivo é evitar qualquer questionamento da percepção naturalizada dos papéis sexuais. É por isso que, quase 70 anos depois, Simone de Beauvoir ainda causa arrepios.

Na mesma linha, o PL 2731/2015, de Eros Biondini (PTB/MG), quer incluir, no Plano Nacional de Educação, uma proibição à “utilização de qualquer tipo de ideologia na educação nacional, em especial o uso da ideologia de gênero, orientação sexual, identidade de gênero e seus derivados, sob qualquer pretexto”. Para além do absurdo do texto (uma “ideologia” é “utilizada” na “educação nacional”?), o PL é significativo pelas punições previstas. O profissional de educação que descumprir a norma, isto é, que tematizar a desigualdade de gênero ou a homofobia, ou mesmo que apresente qualquer raciocínio crítico que seja rotulado como “ideológico”, perderá o cargo e estará sujeito às punições previstas, no Estatuto da Criança e do Adolescente, àqueles que submetem “criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou constrangimento ilegal”: seis meses a dois anos de prisão.

O projeto mais ambicioso, porém, é o PL 867/2015, novamente de Izalci Lucas, que é representante da ala do PSDB mais despreparada intelectualmente e retrógrada politicamente. Seu objetivo é incluir, nas diretrizes e bases da educação nacional, um programa intitulado “Escola sem Partido”. De fato, o deputado simplesmente apõe seu nome à iniciativa do “movimento” de mesmo nome. Assim, a educação deve ser baseada na “neutralidade política” e a escola não pode desenvolver nenhuma atividade que possa “estar em conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais ou responsáveis pelos estudantes”. Embora escolas confessionais privadas possam exercer seu proselitismo, desde que contem com a anuência dos pais. O artigo 5º prevê que serão afixados cartazes nas escolas para que os estudantes saibam que podem denunciar seus professores. O programa se aplica ao material didático e a todos os níveis de ensino, incluindo o superior.

Os dois pilares são, portanto, a soberania da família, que se sobrepõe ao direito do estudante de obter elementos para produzir de forma autônoma sua visão de mundo, e uma ideia de “neutralidade” que se baseia na ficção de um conhecimento que não é situado socialmente. Um relato da história do Brasil ou do mundo que se limite a nomes ou datas, como no ensino do regime militar, pode parecer “neutro”, por não assumir expressamente juízos de valor. Mas, ao negar ao aluno as condições de situar os processos históricos e de compreender os interesses em conflito, cumpre um inegável papel conservador.

Se a “neutralidade” não existe, uma vez que toda produção de conhecimento parte de um lugar social específico, qual é o contrário da doutrinação? É o pensamento crítico, aquele que permite que os estudantes sejam não objetos, mas sujeitos da aprendizagem, refletindo sobre os conteúdos e construindo suas próprias percepções, no diálogo com professores e colegas. É esse pensamento crítico que assusta os promotores da “Escola sem Partido”. Seu discurso ensaiado não disfarça o fato de que são eles que desejam uma escola doutrinária, que imponha aos estudantes um pensamento fechado – o conformismo – e os impeça de pensar com as próprias cabeças e, pensando, quem sabe inventar um mundo novo.

***

Luis Felipe Miguel é professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília, onde edita a Revista Brasileira de Ciência Política e coordena o Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades – Demodê, que mantém o Blog do Demodê, onde escreve regularmente. Autor, entre outros, de Democracia e representação: territórias em disputa (Editora Unesp, 2014), e, junto com Flávia Biroli, de Feminismo e política: uma introdução (Boitempo, 2014). Ambos colaboram com o Blog da Boitempo mensalmente às sextas.

domingo, 25 de outubro de 2015

A quem serve a despolitização do Brasil



Por Mú Adriano, no site da UJS:

O Brasil vive um paradoxo, após treze anos de governos populares e progressistas no governo central do país, o sufrágio universal consagrou nas urnas o congresso mais conservador desde 1964, podendo, dada as devidas ponderações, o título de um dos piores da história republicana brasileira.
Esse fato é derivado do acumulo de forças dos campos ideológicos que disputam o projeto de nação brasileira, facilitado pelo sistema político adotado por nós, um tanto quanto confuso e que facilita esse tipo de anomalia, onde o executivo e o legislativo são eleitos separadamente e a correlação de forças no congresso, não é necessariamente a mesma do executivo.

Ainda tem um fato que se sobressai e eu fico com a impressão de ser um fator preponderante que contribui para essa situação. Existe uma crescente despolitização no Brasil, setores da grande mídia, jogam todos os políticos na mesma vala comum, todos os políticos são ladrões, o governo não funciona e existe apenas para sugar impostos do povo de bem, trabalhador, não é difícil escutar de pessoas mais humildes até as mais “esclarecidas” que “se chegassem lá, também roubariam”, afinal todo mundo rouba!

Com esse discurso que se perpetualiza, o tal de “rouba, mas faz”, abrindo margem para se personificar os indivíduos que estão na representação em especial parlamentar, que agem segundo os interesses mais escusos que podem existir, transformando nosso congresso nacional em um verdadeiro balcão de negócios, esse é o chamado lobby, uma das principais fontes de corrupção no país.

Essa opção de setores brasileiros de afastar o seu João a dona Maria, o menino José e a jovem Mariana é uma opção clara de mais e mais empobrecer o debate político nacional, no período eleitoral aqueles candidatos que se preocupam em defender ideias e não oferecer vantagens materiais aos eleitores são vistos como os Et’s, coisa típica da esquerda sonhadora, e quanto mais isso acontece, menos mudanças significativas ocorrem na estrutura do Estado, sendo esse ainda elitista e atrasado, mesmo o Brasil tendo o seu maior período de democracia ininterrupta, ainda resta muito o que se avançar.

Reequilibrar essa balança é necessário e urgente, porém é uma situação das mais complexas, construir uma nova hegemonia na sociedade é algo que requer determinação, vontade política e tempo. Este último junto com o segundo me parece o mais difícil, a proibição ao financiamento privado me parece um bom começo para dar uma depurada ainda que superficial no legislativo brasileiro, mas é necessário uma virada de postura em relação a mídia e a mobilização social. Não basta encarar essa mobilização apenas do ponto de vista “adesista” é sobretudo necessário que ela seja propositiva e transformadora.

Uma tragédia histórica nas mãos de Cunha

Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:

Há um aspecto trágico na situação política brasileira. No momento em que escrevo estas linhas, o destino imediato de uma democracia conquistada com tantas dores e muitas dificuldades pode depender de um único fator. O interesse pessoal de Eduardo Cunha, deputado apanhado com R$ 23 milhões em contas secretas na Suíça, em abrir uma investigação contra Dilma Rousseff, presidente eleita com mais de 54 milhões de votos, contra a qual não se aponta o mais leve desvio de conduta.

Em função do caráter presidencialista da Câmara de Deputados, Cunha tem a prerrogativa de dar início – ou não – ao processo de impeachment. Caso resolva disparar o gatilho, como gesto à beira do abismo, cujo sacrifício inevitável se mostra cada vez mais próximo, no dia seguinte a oposição esquecerá as envergonhadas manifestações de constrangimento a respeito das denúncias contra Cunha.

Estará na rua para mobilizar seus eleitores para avançar sobre deputados e senadores para pedir a cabeça de Dilma – ou aguardar pelo troco nas próximas eleições.

O quórum qualificado de 2/3 é sempre uma garantia nessas situações. Verdade que, ao contrário do que ocorria com Fernando Collor, nada pode ser apontado contra Dilma. Convém recordar, contudo, que os humores de quem depende da simpatia do eleitor se tornam volúveis em situações de tumulto político. Traições podem transformar-se em fenômeno de massa, até porque são estimuladas pelos meios de comunicação, desde já empenhados em fazer o próprio povo vender a alma para o diabo e esquecer as regras elementares da democracia.

As contas suíças de Cunha deveriam ser um impeditivo a seus movimentos, especialmente os mais temerários do ponto de vista institucional. Severino Cavalcanti renunciou à presidência da Câmara, em 2005, uma semana depois que se comprovou que recebia suborno do dono de um quilo no Congresso, interessado em renovar contratos na casa. O cheque era de R$ 10.000. Em valores de hoje, os depósitos de Cunha na Suíça reúnem uma quantia 23.000 vezes maior.

Não estamos e nunca estivemos falando de ética, aprendemos mais uma vez.

Severino Cavalcanti foi derrubado porque, eleito como adversário, tornara-se um aliado do governo Lula.

Cunha sobrevive porque seu prêmio é muito maior: um PIB superior a US$ 2 trilhões e uma influência que se projeta por todo Hemisfério Sul. Pode entregar aquilo que Severino jamais seria capaz. 

Do ponto de vista dos adversários do PT, de Lula e de Dilma, Cunha pode prestar um serviço único e, no momento, insubstituível. Eles acreditam que o presidente da Câmara é um político tão leviano e inconsequente que seria capaz de um gesto irracional, semelhante aos instintos de um assassino bestializado, capaz de cometer crimes em série porque está convencido de que não tem mais nada a perder.

Essa é a tragédia do momento.

sábado, 24 de outubro de 2015

Afinal, o que os evangélicos querem da política?

A pesquisadora Bruna Suruagy conta o que descobriu sobre a bancada da bíblia, alvo de sua tese de doutorado


A professora de psicologia Bruna Suruagy, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, fez 42 entrevistas para sua tese de doutorado Religião e política: ideologia e ação da ‘Bancada Evangélica’ na Câmara Federal”. Ouviu parlamentares da bancada evangélica (de 2007 a 2011), assessores e jornalistas. Continuou acompanhando o movimento dos políticos evangélicos e o crescimento da bancada no Congresso. Em entrevista à Pública, Bruna explica como acontece a seleção dos candidatos dentro das igrejas, o esquema político das principais denominações pentecostais e o que querem os políticos evangélicos.

Leia a reportagem: Os pastores do Congresso



Como começou sua pesquisa sobre a bancada evangélica?

Meu objetivo era entender como se processava a articulação entre os discursos religiosos e políticos. Foi na legislatura de 2007 a 2011, que aconteceu logo após a CPI das Sanguessugas que apresentou alguns nomes de parlamentares evangélicos. Na ocasião, a Igreja Universal retirou a candidatura de muitos parlamentares e o início da legislatura de 2007 foi bastante tenso por conta desse processo. Teve uma redução significativa da bancada. Na época eles estavam com 45 membros.

Quando os evangélicos passaram a se organizar politicamente?

Antes da década de 1990, já existiam vários parlamentares evangélicos, mesmo antes da Constituinte – muitos protestantes históricos e alguns pentecostais, mas não existia uma organização institucional da campanha desse grupo específico. Eram evangélicos que decidiam se candidatar e eventualmente recebiam o apoio de suas igrejas. Claro que, embora independentes, havia na Câmara uma certa articulação em nome sobretudo da manutenção dos interesses e valores morais próprios desse grupo. Mas no início da década de 1990 a Universal passou a protagonizar a participação política entre os evangélicos e já começou atuando com um plano político. Ela criou uma forma de fazer política no sentido de quase atuar como partido.

Funciona assim: A cúpula da igreja, formada por um conselho de bispos da confiança de Edir Macedo, indica candidatos em um procedimento absolutamente verticalizado, sem a participação da comunidade. Os critérios para a escolha desses candidatos geralmente têm base em um certo recenseamento que se faz do número de eleitores em cada igreja ou em cada distrito. E cada templo, cada região, tem apenas dois candidatos, que seriam o candidato federal e o estadual. Ela desenvolve uma racionalidade eleitoral a partir de uma distribuição geográfica dos candidatos e a partir de uma distribuição partidária dos candidatos. Isso mudou um pouco agora porque existe um partido que é da Universal, o PRB, que fica cada vez mais forte no Congresso. Na época, havia uma distribuição por vários partidos para garantir a eleição. E são escolhidos bispos com um carisma midiático, que conduziram programas, radialistas e mesmo não bispos, mas figuras que se destacavam como comunicadores. Porque existe uma interface da mídia religiosa com a igreja e a política.

Não são parlamentares que se destacam na questão litúrgica como grandes estudiosos da Bíblia – até porque a tradição pentecostal está mais na produção de emoções e de momentos afetivos do que de fato na liturgia. Então os bispos e líderes religiosos que promovem essas catarses coletivas e demonstram esse carisma institucional são normalmente os escolhidos para candidatos. A Universal se tornou um modelo para outras igrejas porque a cada novo mandato havia um aumento significativo dos parlamentares da Universal. A Assembleia de Deus, que hoje tem a maioria dos deputados, mas que não funcionava assim, passou a ter a Universal como modelo. Não atuando da mesma forma porque o funcionamento institucional é outro. A Assembleia é uma igreja com muitas dissidências e muitas divisões internas, por isso não é possível estabelecer hierarquicamente os candidatos oficiais. As igrejas têm fortes lideranças regionais e uma fragilidade do ponto de vista nacional. A sede não tem tanta força e, por isso, eles criam prévias eleitorais. As pessoas se apresentam voluntariamente ou são levadas pela própria igreja e ainda há a ideia de que alguns são indicados por Deus porque mobilizam grandes multidões, ou contagiam, como dizia Freud, também termina sendo um critério.


ainda há a ideia de que alguns são indicados por Deus porque mobilizam grandes multidões

Então tem uma lista, depois uma pré-seleção que passa por um conselho de pastores – isso em cada ministério [a Assembleia de Deus é uma igreja com muitas ramificações]. É interessante que os que pretendem se candidatar assinam um documento se comprometendo a apoiar o candidato oficial caso ele não seja escolhido. Na Universal, como o poder é nacional, tem uma sede hierarquizada que consegue controlar a instituição, candidaturas independentes não acontecem. Até porque os parlamentares que foram eleitos com esse apoio institucional e que na segunda legislatura tentaram se candidatar de forma independente não ganharam as eleições. A vitória está totalmente atrelada à instituição. Existe uma estratégia bem construída porque eles preveem uma fidelidade de 20%, que não é alta. A Assembleia de Deus está tentando construir essa fidelidade e essa unidade política que são extremamente difíceis devido a essa fragmentação interna. E faz as prévias nacionais com a participação de pastores e obreiros, novamente sem a participação da comunidade – não é um processo transparente. No Congresso então você tem essas lideranças religiosas que demonstram uma maior habilidade na interlocução com o sujeito, um carisma que gera catarse, contágio, impacto afetivo e as lideranças que foram identificadas e constituídas pela igreja como nomes importantes para ocupar o cenário nacional.

A bancada evangélica é homogênea?

Na bancada evangélica no Congresso e também nas bancadas estaduais e municipais, você tem uma diversidade tão grande de integrantes que não dá pra pensar esse grupo como um bloco coeso, homogêneo. Muitos vêm representando a Assembleia de Deus e a Universal e algumas neopentecostais que tentam imitar essa estratégia, como, por exemplo, Sara Nossa Terra, de onde saiu o Cunha. Você tem muitos parlamentares das chamadas protestantes históricas [batistas, presbiterianas, luteranas, metodistas] que têm uma candidatura totalmente independente porque não há um plano político já estabelecido dentro das igrejas. Eles simplesmente são evangélicos, mas a trajetória política geralmente não se dá dentro da igreja e não há uma vinculação direta ao exercício da fé. Esses parlamentares gostam de dizer que separam bem a fé no âmbito privado da política na esfera pública. Mas é uma distinção contraditória porque eles tomam, sim, como referência algumas crenças e valores para orientar suas práticas parlamentares e votações como quando se discute aborto e homofobia,a por exemplo.


a Universal passou a protagonizar a participação política entre os evangélicos e já começou atuando com um plano político

Lembro que um parlamentar me disse na época em que fiz as entrevistas que não há como fazer uma separação absoluta porque um marxista, por exemplo, vai acabar se submetendo a essa orientação de consciência na hora de atuar. E que ele, como cristão, se submete a essa orientação de consciência. Mas que vota orientado pela consciência, e não por uma filiação religiosa ou institucional específica. Então, nas protestantes históricas, não há essa presença ostensiva da instituição. A pentecostal, que traz consigo a teologia da prosperidade, que tem a presença do neoliberalismo, do conservadorismo institucional e moral, já tem essa coisa de práticas políticas fisiológicas e clientelistas. É um grupo heterogêneo, mas os parlamentares pentecostais têm uma posição mais orientada pelas instituições religiosas. O mandato não é do parlamentar; é pouco do partido, é mais da instituição.

Isso já é combinado com relação aos temas que eles vão defender? “Te ponho lá mas você me garante que o aborto não sai!”

No começo, a gente tem a impressão de que a igreja interfere totalmente em tudo. Mas o Edir Macedo, por exemplo, é um líder muito complexo. Alguns parlamentares me contaram que ele determinou que eles precisavam ter uma formação política. Então eles frequentam cursos de formação política na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Alguns outros cursos são dirigidos para bispos e parlamentares da Igreja Universal. Eles disseram isso explicando que não iam totalmente despreparados. “A gente tem uma formação, antes de vir tenta entender e conhecer.” O grande paradoxo da Universal é que no período eleitoral há uma mistura entre religião e política que é clara, não é velada. Ela se dá dentro do templo, o templo vira palco, o púlpito vira palanque político e as discussões pragmáticas sobre as eleições acontecem no púlpito. Tem toda uma pedagogia eleitoral que acontece dentro do templo. E no Parlamento eles tentam separar o discurso político do discurso religioso. Na verdade, isso começou a ser exigido pela cúpula da Universal depois de aparecerem escândalos e irregularidades envolvendo parlamentares evangélicos. Na época, quem era o grande líder político era o Bispo Rodrigues, que era o braço-direito do Edir Macedo. Depois dos escândalos do caso Waldomiro e do mensalão [que o levou à condenação a seis anos e três meses de prisão por lavagem de dinheiro], ele renunciou em 2005, perdeu o título de bispo e retiraram todas as candidaturas dos parlamentares justamente para não arranhar a imagem da igreja. Dizem que o Edir Macedo tem o privilégio de não participar desses momentos.


O templo vira palco, o púlpito vira palanque político e as discussões pragmáticas sobre as eleições acontecem no púlpito

Tem até um líder de outra igreja, o Robson Rodovalho, que é da Sara Nossa Terra, que se candidatou e se elegeu, que dizia que era muito difícil para ele como líder estar ali. Que para o Edir Macedo era muito mais fácil porque, se algum parlamentar fosse citado ou cometesse alguma irregularidade, ele simplesmente diria que não sabia de nada. No caso dele, a igreja correria o risco de se enfraquecer. O que me chamou atenção quando fiz as entrevistas foi que nenhum tinha mais o título de bispo. Com os outros, eu começava sem perguntar nada sobre a religião, e eles mesmos em algum momento entravam nessa parte da fé. Já os parlamentares da Universal não falavam de Deus, era um discurso totalmente parlamentar. Não mais progressista, mas eles queriam separar os processos. E, segundo um deles, o próprio Edir Macedo orienta os parlamentares a seguir as orientações do partido nas votações exatamente para que eles não tenham divergências e eventualmente percam as verbas públicas destinadas às emendas parlamentares.

Então qual é o grande interesse da Universal?

Quando as temáticas são institucionais, relacionadas a isenção fiscal, alvará de funcionamentos das igrejas, doações de terrenos, distribuição de concessão de rádios e TV, a transformação de eventos evangélicos em eventos culturais pra receber financiamento da Lei Rouanet, questões relacionadas à lei do silêncio. Aí eles atuam de forma articulada, como um bloco, convergem em nome desses interesses, como em relação a questões morais. Com algumas diferenças, mas muitas aproximações. Alguns cargos dos gabinetes têm que ficar à disposição da igreja, que indica quem vai ocupar. É uma igreja pragmática, tem muito mais interesses institucionais do que morais. Se for analisar do ponto de vista moral, é muito mais flexível e aberta do que igrejas como a Assembleia de Deus. Essa, sim, tem um discurso de natureza moral além do institucional, de manutenção da ordem. Quando há convergência nesses temas institucionais e morais, a bancada se articula. É importante salientar que poucas vezes você verifica a articulação desse bloco de forma totalmente coesa. Eles excluem a política nessa discussão de pauta dos parlamentares evangélicos para criar uma falsa aparência de unidade. Muitas vezes a imprensa anuncia a bancada evangélica como um ser único, e para a bancada é muito interessante aparecer assim como um corpo único, um bloco suprapartidário…

E dizer “a bancada” convenientemente não dá nomes, né?

Exatamente, uma entidade com um poder e as divisões não aparecem. Mas no discurso desses parlamentares que estão à frente e que normalmente são os das igrejas pentecostais apresentam a bancada dessa forma. “A bancada decidiu”.

Eles se reúnem?

A mídia faz parecer que sim, mas não. Porque eles estão filiados a partidos e a movimentação na Câmara se dá por partidos. Eles ficam muito indignados com a falta de poder que têm, porque têm poder na igreja, mas a divisão por partido privilegia o alto clero. Você tem alguns líderes partidários que definem as orientações e eles tem que seguir ou são punidos de alguma forma, principalmente não tendo as verbas públicas para realização das emendas parlamentares. “Estou aqui mas não tenho muito poder de decisão, tenho sempre que obedecer partido, não tenho autonomia” eram reclamações constantes. Estou falando principalmente desse grupo pentecostal, que é o mais barulhento e que fala pela bancada, principalmente os assembleianos [da Assembleia de Deus]. Eles têm o Feliciano, o Cunha, o João Campos, que é o líder da Frente. Engraçado que na época em que eu fiz a pesquisa o Eduardo Cunha era superinexpressivo como integrante da bancada evangélica. Mas eles se reúnem muito pouco, às vezes no dia do culto, quarta de manhã, fazem o ritual religioso e têm alguma discussão sobre projetos de lei e discussão de pauta.

O interessante é a atuação dos assessores. Eles acompanham os projetos diariamente, em uma tentativa de mapeamento dos projetos em tramitação e seleção dos mais importantes, projetos “anticristãos”. Você também tem uma distribuição dos parlamentares pelas comissões que eles consideram mais importantes como a de Seguridade Social, de Direitos Humanos, de Constituição Justiça e Cidadania. Aí eles vão tentando barrar a tramitação dos projetos. Alguns mais ativos tentam conseguir posto de presidente ou relator. Você tem uma estratégia bem elaborada, mas não conta com uma participação tão ativa quanto parece. É uma bancada barulhenta, intempestiva, aguerrida, beligerante, e esse barulho cria a impressão de volume, de quantidade de poder, de coesão. Acho que também é uma estratégia de parecer maior do que é pelo grito. Que é o que acontece nas próprias igrejas. As igrejas têm esse discurso de guerra, de combate. O exército da Universal que deixou todo mundo perplexo, mas isso sempre aconteceu, é o discurso de todas as igrejas. A convocação nas igrejas tem todo esse ritual bélico mesmo. E o soldado é aquele que está ali para obedecer e para combater. A bancada usa isso também. Você valoriza o tamanho do adversário para convocar os integrantes. Mas eu ouvi muitos relatos de parlamentares que estavam acompanhando votações e que tinham poucos para impedir a continuação da votação. Aí o assessor ligava para a lista da FPE: “Esse é pró-vida, vou chamar”. Aí liga: “Deputado, vem aqui, pede vista”. Eles têm uma assessoria que conhece os procedimentos regimentais e que orienta os parlamentares que muitas vezes não sabem nem o que está acontecendo ali. Tem uma disponibilidade em participar quando convocados e uma entrega total de alguns pela causa.


É uma bancada barulhenta, intempestiva, aguerrida, beligerante, e esse barulho cria a impressão de volume, de quantidade de poder, de coesão

Qual é a missão da bancada evangélica nesse sentido? Ao meu ver, é de preservação, não de criação. Eles não querem criar projetos, querem manter tudo intacto. É uma atuação ideológica, se posicionar contra projetos inovadores, transformadores. Agora que houve algumas críticas, eles estão tentando elaborar projetos mais numa perspectiva de manutenção de uma ordem do que de transformação. É uma ação mais combativa, defender uma ordem social hegemônica. Os projetos que estão surgindo são pra fazer frente a projetos que estão em andamento, por exemplo, com relação a projetos do grupo LGBT. Criminalização da homofobia – criminalização da heterofobia. São projetos estapafúrdios. Aborto, drogas, criminalização da homofobia, casamento entre pessoas do mesmo sexo, são contra a discussão de gênero, a favor do ensino religioso, contra todos os projetos pedagógicos e educativos que combatem qualquer tipo de discriminação de gênero, sexual…

Você acha que é uma causa legítima? Eles acreditam mesmo nisso?

Antes do Eduardo Cunha, eles estavam caminhando para um discurso mais coerente com aquele espaço. No fim de 1980, os discursos condenavam o aborto e justificavam trazendo passagens bíblicas, dizendo que Deus não permite. Depois a bancada amadureceu um pouco nesse sentido, entendeu que não dava pra usar esse discurso porque não tinha coerência e começaram a argumentar de forma mais legislativa, aderir a um discurso que tinha mais ressonância naquele contexto. Toda moral é um sistema de controle. A sexualidade é um tema central na igreja com um discurso muito forte constante porque a sexualidade de alguma forma expressa liberdade. Então, você tem um sistema normativo de controle. É genuíno no sentido de que eles acreditam nessas coisas, mas virou, sim, um jogo de poder com os movimentos LGBT, por exemplo. O aborto é um tema controverso. Alguns acham que o aborto deveria ser crime hediondo, que é um assassinato. Mas outros, como os da Universal, acham que o aborto é uma possibilidade. É uma defesa genuína de posições morais que eles querem transferir para a realidade social. É legítimo que um grupo pense assim. O que não é legítimo é trazer esse discurso para a esfera pública de um Estado laico.


sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Um governo que fecha escolas





O que dizer de um governo que anuncia a política de fechar centenas de escolas em nome da "melhora na gestão do ensino"?

Como alguém diz uma coisa dessas – aliás, um secretário de Estado – sem corar de vergonha? Como se pode chamar isso pelo eufemismo de "reorganização"?

É o mesmo que dizer que vai melhorar a gestão do SUS (Sistema Único de Saúde) fechando leitos hospitalares ou reorganizar o lazer de uma cidade fechando praças e parques. É simplesmente absurdo. Indefensável.

Mas é o que está ocorrendo no estado de São Paulo, por iniciativa do governo de Geraldo Alckmin (PSDB).

Os argumentos oficiais foram trazidos à cena pelo secretário de educação Herman Voorwald e também pela ex-secretária Rose Neubauer. Esta última tem notório saber quando o assunto é "fechar escolas". Em 1995, Rose era secretária de educação no governo Covas e conduziu outra "reorganização", que levou ao fechamento de 150 escolas, mais de 10 mil classes e a milhares de professores demitidos.

O argumento apresentado por eles é de ordem pedagógica. A proposta seria dividir as escolas de acordo com três ciclos de ensino: do 1º ao 5º ano; do 6º ao 9º; e o ensino médio. Assim, os equipamentos escolares poderiam estar melhor adaptados às especificidades de cada faixa etária de estudantes.

Pois bem, suponhamos a validade desse argumento. Agora, que diabos isso tem a ver com fechar escolas?

A resposta dada pelo secretário Herman é que "há uma ociosidade na rede". Ociosidade com 50 alunos por sala? Ociosidade com lista de espera em várias escolas da periferia? A única ociosidade, no caso, parece ser de política educacional no estado de São Paulo.

A "reorganização", se mantida por Alckmin, trará efeitos desorganizadores para a rede pública de educação. Estima-se que mais de 1 milhão de alunos sejam deslocados de suas escolas para outras com até 1,5 km de distância. Muitas crianças e jovens vão sozinhos para a escola dada a proximidade de suas casas. Como ficará agora? O Estado bancará o transporte e garantirá sua segurança? Parece que não.

Além disso, segundo a Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo), 155 escolas já foram notificadas quanto ao fechamento e milhares de professores serão demitidos.

Quando somamos o fechamento de escolas com a demissão de professores começam a ficar claros os verdadeiros motivos — nada pedagógicos — da reorganização: dinheiro, dinheiro e dinheiro. Trata-se simplesmente de arrochar as contas do Estado cortando verbas da educação.

É a versão paulista e tucana do ajuste fiscal que tem sido conduzido por Dilma e Levy no governo federal. Adequação a "necessidades pedagógicas" e à "ociosidade da rede" são apenas o blá-blá-blá necessário para encobrir uma política antipopular de ajuste. Cai no embuste quem quer.

Estudantes, professores e pais já começaram a manifestar os primeiros sinais de resistência, com várias mobilizações nas últimas semanas. Têm ocorrido atos praticamente todos os dias em escolas da periferia de São Paulo.

A esperança é que a ampliação dessas manifestações populares faça o governo do Estado recuar da política desastrosa de fazer caixa fechando escolas.

Como Sempre







Mais um pronunciamento político de general. Desta vez, o comandante do Exército na Região Sul, general Antonio Hamilton Martins Mourão. Até neste último sobrenome faz lembrar o iniciante do dia 31 de março de 64.

O que o general chamou de "dever de esclarecer a opinião pública" incluiu coisas assim: "a vantagem da mudança", na "mera substituição da PR" (a presidente), "seria o descarte da incompetência, má gestão e corrupção". Em qualquer tempo, opinião perfeita para gerar uma crise.

Foi sempre assim que começou. O "esclarecimento" de um, e aí vem uma "análise de conjuntura" de outro, logo alguma coisa mais. Foi sempre assim que seguiu. Entardece depressa. E vem a noite, de chuva e trovões.

Diários de um Golpista: as confissões tardias de FHC

A herança que deixou ao Brasil


Por Leandro Fortes


Esses tais “Diários da Presidência” foram bolados para que Fernando Henrique Cardoso possa, ainda em vida, usar o espaço decrépito da velha mídia para tentar se projetar como estadista – e não como o triste golpista cercado de reacionários em que se transformou.


Mas, apesar de os quatros livros anunciados se anunciarem, também, como lengalengas intermináveis sobre o cotidiano de FHC, alguma aventura há de se extrair das elucubrações do velho ex-presidente do PSDB.


A primeira delas, referente à confissão de que, em 1996, FHC soube dos esquemas de corrupção da Petrobras, mas nada fez, é extremamente emblemática.


Eu era repórter, à época, do saudoso Jornal do Brasil, cujo alinhamento com o governo era permanente, mas sutil. Diferentemente de O Globo, por exemplo, que só faltava detalhar as partes íntimas das autoridades federais, a fim de excitar os idólatras que lhes frequentavam as páginas. Padrão semelhante se espalhava por todas os demais veículos de comunicação, à exceção honrosa da CartaCapital – que, por isso mesmo, era mantida à distância de verbas oficiais de publicidade, porque é assim a “democracia” tucana.


Havia, portanto, uma blindagem geral em relação ao governo federal, tanta e de tal monta, que em um dos famosos grampos do BNDES, pelos quais foi possível entender como o PSDB montou o esquema criminoso de privatização de estatais, FHC mostrava-se assustado com tanto apoio.


Em uma das fitas dos grampos, o então ministro das Comunicações, Mendonça de Barros, diz a FHC: “A imprensa está muito favorável, com editoriais.”


Do outro lado da linha, o presidente tucano responde, galhofeiro: “Está demais, né? Estão exagerando, até.”


E bota exagero nisso. Nessa mesma época, a TV Globo mandou para o exílio europeu a jornalista Miriam Dutra, supostamente grávida de FHC, uma estratégia que iria deixar o presidente da República, até o último dia de seu segundo mandato, refém absoluto da família Marinho.


Mais tarde, o mundo ficaria sabendo que o filho da jornalista sequer era de Fernando Henrique.


O tucano fora vítima de uma fraude, um golpe da barriga ao contrário.


Mas é ainda confiante nessa blindagem, nesse descaramento editorial que se transferiu integralmente com os tucanos para a oposição, que FHC se dá ao desfrute de confessar absurdos como este, da Petrobras.


Sabe que, apesar de ter admitido um fato criminoso e moralmente inaceitável, terá o noticiário a seu lado, nem que seja por omissão.


Mas, dessa inusitada confissão, surge um questionamento moral e ético mais profundo.


Em abril, em nota amplamente divulgada na imprensa, FHC mostrou-se apoplético com declarações da presidenta Dilma Rousseff sobre, justamente, acusações de delatores da Operação Lava Jato dando conta da corrupção na Petrobras, durante os governos tucanos.


Exatamente o que, agora, Fernando Henrique confessa, em seus diários.


Assim escreveu FHC:


“Trata-se [a corrupção na Petrobras] de um processo sistemático que envolve os governos da presidente Dilma (que ademais foi presidente do Conselho de Administração da empresa e ministra de Minas e Energia) e do ex-presidente Lula. Foram eles ou seus representantes na Petrobras que nomearam os diretores da empresa ora acusados de, em conluio com empreiteiras e, no caso do PT, com o tesoureiro do partido, de desviar recursos em benefício próprio ou para cofres partidários”.


Ou seja, escreveu isso mesmo sabendo que os esquemas tinham sido iniciados no governo dele. E, ainda assim, nada fez.


Foi um covarde.


E, agora, ao revelar-se como tal, tornou-se um hipócrita.


Por isso, algo me diz que esses diários irão, muito em breve, para o lixo da História.


Como, de resto, o próprio FHC.

Procuradoria estuda pedir o afastamento de Cunha do cargo

GRACILIANO ROCHA ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA 
MÁRCIO FALCÃO DE BRASÍLIA





Após o STF (Supremo Tribunal Federal) autorizar o sequestro de R$ 9,6 milhões depositados em contas na Suíça atribuídas a Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a Procuradoria-Geral da República intensificou a busca de provas para instruir um pedido para afastá-lo da presidência da Câmara.

Assessores do procurador-geral, Rodrigo Janot, reúnem indícios que apontariam que Cunha utilizou o cargo para atrapalhar os desdobramentos da Lava Jato. Se isso for comprovado, a Procuradoria deverá formalizar o pedido.

Como a medida é considerada delicada, isso só será feito se houver prova incontestável de uso das prerrogativas do cargo para atrapalhar as investigações.

O deputado Sílvio Costa (PSC-PE), vice-líder do governo, entrou nesta quinta (22) com uma representação na Procuradoriapelo afastamento de Cunha alegando que ele usa o cargo para atrasar as apurações. Cunha é acusado de corrupção e lavagem de dinheiro e suspeito de esconder contas na Suíça.

Já o resgaste do dinheiro foi solicitado por Janot ao ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no STF, pois há elementos de que as contas foram abastecidas com propina de contratos da Petrobras.

A medida é necessária porque as investigações da Suíça sobre Cunha foram transferidas para o Brasil. Assim, havia o risco do bloqueio feito pelas autoridades daquele país perder efeito, permitindo a ele a retomada dos valores.

Em abril, as autoridades da Suíça bloquearam 2,469 milhões de francos suíços (R$ 9,6 milhões) em duas contas: uma controlada por Cunha (R$ 9 milhões), outra por sua mulher, a jornalista Cláudia Cruz.

O Ministério Público da Suíça associou quatro contas ao deputado, com cópia de passaporte diplomático, endereço de sua casa, no Rio, e assinatura. O material embasou a abertura de um novo inquérito da Procuradoria para apurar suspeita de envolvimento de Cunha com os desvios na Petrobras.

O objetivo do sequestro é assegurar que, caso fique comprovado que a quantia é produto de crime, os valores sejam logo incorporados aos cofres públicos. Os recursos serão transferidos para uma conta judicial no Brasil.

"Tem-se como justificada a necessidade da medida requerida, pois efetivamente demonstrada a existência de indícios suficientes de que os valores eram provenientes de atividades criminosas diante da farta documentação apresentada pelo Ministério Público", disse Teori.

O ministro também negou nesta quinta pedido de Cunha para que as investigações ficassem sob segredo de Justiça. Com a autorização do STF para investigar Cunha, a mulher e uma das filhas, a Procuradoria vai agora perguntar ao Banco Central se o dinheiro no exterior foi declarado.


Colaborou DÉBORA ÁLVARES, de Brasília

Introdução aos estudos de mitologia política

Capitalistas Espertos e Reacionário Ingênuos

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Dilma acusa o golpe, rechaça o golpe e ataca o golpe em discurso que “inaugura” o seu segundo mandato






Nesta terça-feira 13, dia em que o Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, poderia receber e encaminhar um pedido de impeachment sem fundamento e até pavimentar o caminho para se tornar Presidente interino do Brasil, Dilma Rousseff realizou um dos mais contundentes e agudos discursos de sua carreira política.

Foi durante a cerimônia de abertura do 12º Congresso Nacional da CUT – CONCUT, em São Paulo, quando o STF já havia sepultado de vez o golpe articulado pela oposição.

Ladeada pelos Ex-Presidentes Pepe Mujica, do Uruguai, Luiz Inácio Lula da Silva e pelo Presidente da Central Única dos Trabalhadores, Vagner Freitas, Dilma fez valer as três liminares não contestadas que sua base ganhou no Supremo. Ela foi na jugular dos golpistas. “O que era inconformismo por terem perdido a eleição transformou-se em desejo de retrocesso e ruptura institucional, em golpismo. O golpe que os inconformados querem cometer é, mais uma vez, e como sempre, contra o povo. Mas podem ter certeza: não vão conseguir.”

Não por acaso, o Presidente Lula fez questão de afirmar, em discurso posterior, que Dilma, com este discurso incisivo, deixava de ser alguém que iria simplesmente se manter ali, no cargo de Presidente, para se tornar uma verdadeira líder política do país. Dilma realmente fez uma fala de força, e chamou para si a responsabilidade política do consenso – como desejava o Vice Michel Temer, meses atrás – “A hora é de unir forças. A hora é de arregaçar as mangas e combater o pessimismo e a intriga política. Quem quiser dialogar, construir a paz política, construir o futuro, terá meu governo como parceiro.”

Depois da ducentésima quadragésima sétima vez que Aécio Neves perdeu a oportunidade de virar Presidente, as suas credenciais foram direta e seriamente cobradas. Afinal de contas, culpa no cartório também é uma questão de comportamento social, responsabilidade administrativa e companhias, como insistem os moralistas de plantão. “Quem tem força moral, reputação ilibada e biografia limpa suficientes para atacar a minha honra? Lutarei para defender o mandato que me foi concedido pelo voto popular, pela democracia e por nosso projeto de desenvolvimento.” Disse a presidente, ovacionada de pé por um auditório lotado de líderes sindicais de todo o país.

Ataques à democracia não são novidade. O Brasil já passou, por exemplo, por tentativas malfadadas de transformar um conjunto de mestiços em arianistas fanáticos, um projeto fascista que pretendeu hegemonia. Um de seus líderes, depois jurista de renome, deu cria a um dos que subscrevem as peças jurídicas dos golpes de hoje. Pois é. As elites fascistas não só vingaram como se multiplicaram no país, insistindo em projetos demófobos, nefastos e autocráticos.

Então, a preocupação da Presidente tem fundamento. Ela identifica grupos que desejam o poder a qualquer custo e por quaisquer meios, inclusive os anti-democráticos – as elites gostam menos que tudo do povo, e a democracia, se sabe, é forma de governo que se sustenta pelo procedimento do voto popular. “Vivemos uma crise política séria, que se expressa na tentativa dos opositores ao nosso governo de fazer o terceiro turno. Essa tentativa começou após as eleições. Agora, ela se expressa na busca incessante da oposição de encurtar seu caminho ao poder. Querem chegar ao poder dando um golpe, com impedimento de um governo eleito pelo voto direto de 54 milhões de pessoas.”

O golpe foi sepultado. Os golpistas não. Eduardo Cunha ainda é Presidente da Câmara dos Deputados. Aécio, Serra e Aloysio – sem suspeitas na “Operação Lava-Jato” e sem alcaguetes na “Operação Zelotes” – ainda são Senadores da República. A mídia hegemoniza a pauta a favor dos grupos políticos golpistas e partes politicamente relevantes do judiciário ainda controlam delações, vazamentos seletivos e prisões sem fundamento, trazendo o terror usual das ditaduras veladas.

Mas a Presidente sentiu que este era o momento para funcionar politicamente. E, com certeza, com o apoio e influência de gente do gabarito de Jacques Wagner e do próprio Lula, que não escondia o orgulho de ver a sua sucessora ir para a batalha da política, sem medo de bater.

Dilma encarou o desafio e reafirmou porque todos deveriam estar ali pelo governo, pelo projeto político e pelo Brasil. Não restou dúvidas. “Sou presidenta porque fui eleita pelo povo, em eleições lícitas. Tenho a legitimidade das urnas, que me protege e a qual tenho o dever de proteger. Sou presidenta para dar continuidade ao processo de emancipação do nosso povo da pobreza e da exclusão, e para fazer do Brasil uma nação de oportunidades para todas e todos.”

Depois de responder a uma reivindicação insistente da militância, de que reafirmasse seus compromissos com um projeto de esquerda, sobrou um afago para o já lendário Pepe Mujica, o quixotesco cruzado pela democracia social e política da América Latina. “Democracia não se reduz, se amplia.” E se pode dizer, sem sombra de dúvida que Dilma, finalmente, iniciou o seu segundo mandato.

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

sábado, 10 de outubro de 2015

Licença para matar

O paradigma da polícia é a guerra. Uma guerra contra os pobres

Polícia Militar tem no DNA, desde a criação, a cultura da violência contra pobres e negros, aumentada a partir do combate aos traficantes



Não surpreendeu o assassinato recente de um menor no Morro da Providência, Rio de Janeiro, por soldados da Polícia Militar integrantes da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). O jovem traficava drogas e estava armado. Não reagiu. Entregou-se. Mesmo assim foi fuzilado.

Há uma diferença nesse acontecimento quase corriqueiro nas favelas cariocas. O crime, filmado por um morador, flagra os PMs assassinos montando a cena para legitimar a execução que na sequência seria mascarada como “auto de resistência”.

Por que a PM mata?

“A cultura do extermínio está na história da polícia. Isso foi magnificado pela guerra às drogas e pela inculcação da mídia quanto à necessidade de tratar penalmente problemas sociais. O paradigma da polícia é a guerra. Uma guerra contra os pobres”, denuncia a professora Vera Malaguti Batista, mestre em História Social e integrante do Instituto Carioca de Criminologia.

Ela identifica na trajetória da corporação militar a permanência cultural de violência contra os pobres e negros. Teria se estabelecido a partir daí “um padrão duplo de cidadania” que, entre outras razões, tornou a ação truculenta nas favelas um cenário natural. E aponta um agravante na extensão da barbaridade.

Seria uma oficiosa “licença para matar” muito mais profunda porque “é facilitada pelo sistema como um todo”. Aí estão incluídos promotores e juízes.

Vera Malaguti foi uma das primeiras, se não a primeira, a criticar o modelo das UPPs quando o aplauso era quase unânime. O que ela, então, percebia?

“Minha crítica baseava-se na vergonhosa cobertura dada pelos meios de comunicação ao projeto para a cidade como um todo. Eu também conhecia a experiência de Medellín, na Colômbia, e seus efeitos negativos. Sabia que nunca foi um projeto social, e sim uma replicação das técnicas bélicas de controle do território.”

Segundo ela, “construiu-se, na democracia brasileira, uma ambiência que naturaliza essa matança pelo paradigma da guerra às drogas. Tudo é legitimado se o menino é traficante. A grande mídia destila seu veneno cotidianamente incutindo uma mentalidade exterminadora. Passamos da resistência à truculência policial à sua naturalização e, agora, ao aplauso”.

Malaguti tem um arsenal de perguntas disparadas para embaraçar as mais impolutas autoridades e os mais distintos públicos. Eis algumas:

“Que sentido tem uma operação policial com aparato bélico como caveirões e helicópteros, quando os trabalhadores estão saindo de casa e as crianças estão indo para a escola? A prisão de alguns comerciantes varejistas vale as mortes por balas perdidas e escolas fechadas? Estamos mais seguros com essas ações ou elas produzem mais danos?”

Vera Malaguti lança em seguida uma questão provocante que, entretanto, ganha força em todo o mundo: os efeitos do proibicionismo.

“A proibição alimenta a indústria bélica e a do controle do crime. O tráfico é consequência disso, como a Máfia estadunidense foi consequência da proibição do álcool. A guerra às drogas está desmoralizada pela seletividade letal e pela ineficácia.” Aqui termina ela: “Aumentou o abismo entre o asfalto e a favela”.

A cadela udenista está no cio


Aquilo não foi um julgamento, porque o TCU não é um tribunal, mas um cartório de políticos aposentados e apadrinhados de ocasião - alguns lá colocados pelo PT, diga-se de passagem.

O TCU é um apêndice do Poder Legislativo com estafetas de luxo autoproclamados "ministros" por conta de uma herança colonial provinciana.

Ao recomendar a reprovação das contas de Dilma, o TCU apenas cumpriu uma tarefa encomendada pelos tutores da oposição, que precisam voltar ao comando dos cofres públicos, ainda que com suas marionetes de sempre alçadas ao poder.

Pelo voto, perceberam, essa missão tornou-se quase impossível, ainda mais depois da decisão do STF que decretou inconstitucional as doações empresariais para campanhas eleitorais.

Sem falar na indigência das lideranças de direita, que oscilam entre os surtos fascistas da turma de Bolsonaro e a inoperância legislativa dos tucanos.

A solução foi voltar às origens, aos sobreviventes da Arena, aos herdeiros do udenismo lacerdista.

À tigrada.

Apostam, ainda, no envenenamento diário da mídia e na sobrevida de Eduardo Cunha na presidência da Câmara dos Deputados, no que já pode ser classificado como a mais espúria aliança política da República desde o golpe de 1964.

Essa farsa do TCU, embalada numa fachada técnica cafajeste e hipócrita, exige uma reação política à altura, e não esse republicanismo barato que transformou os políticos do PT em clientes clandestinos de hospitais e restaurantes, Brasil afora.

Exige um grande e decisiva mobilização social e política, com todos os aliados dos movimentos sociais, com as forças democráticas, e não apenas de esquerda, que estão enojados com esse movimento golpista bancado, como de costume, pelos barões da mídia e pela escória fisiológica da política nacional.

Exige a voz das massas, de grandes lideranças populares e de políticos que não têm medo de enfrentar a manada e o senso comum.

Políticos como Lula, Ciro Gomes e Roberto Requião.

Exige uma nova Dilma Rousseff e um novo Partido dos Trabalhadores.

Exige um novo Brasil.

Quem julga o TCU?



O Tribunal de Contas da União (TCU) rejeitou ontem o julgamento das contas do governo Dilma em 2014. O que seria uma votação protocolar –até então nunca uma conta presidencial havia sido rejeitada– converteu-se em grande evento nacional.

O PSDB e a parte do PMDB menos satisfeita com a distribuição do butim ministerial enxergam na rejeição a chance de atribuir crime de responsabilidade à presidenta da República, abrindo caminho para o impeachment. As contas de 2014 tornaram-se o atalho para governar o país sem ganhar eleições.

As tais "pedaladas fiscais" –atraso nos repasses orçamentários aos bancos públicos para atingir a meta fiscal– não foram inventadas pelo governo Dilma. Começaram em 2001, na gestão de Fernando Henrique Cardoso e repetiram-se anos a fio. Agora, 14 anos depois, parecem ter virado motivo para derrubar presidentes.

É claro que o buraco a que chegou o governo Dilma foi cavado, antes de tudo, por ele próprio. Desde as eleições iniciou-se uma comédia de erros e opções antipopulares. A agenda foi marcada pela política econômica recessiva e ataques a direitos sociais. Quanto mais a direita avança, mais o governo se endireita.

A política deste governo é a grande responsável por sua impopularidade recorde e não deve ser defendida. Isso é uma coisa. Outra coisa é usar essa situação para manobras golpistas –seja pelo TCU, pelo TSE ou pelo Congresso– que institucionalizem uma saída à direita ante da crise do governo petista.

Ministros do TCU decidiram de uma hora para a outra apresentarem-se como arautos da moralidade pública. E, embora as conspirações de bastidores vazem aqui e acolá, tentam tingir seu julgamento como imparcial e apolítico.

Apolítico é tudo o que o TCU não é. Dos nove ministros, seis são indicados pelo Congresso Nacional e três pelo presidente da República, com regras mais restritivas.

O atual presidente do Tribunal, Aroldo Cedraz, foi deputado federal pelo então PFL (hoje DEM). O relator das contas de Dilma, Augusto Nardes, começou a carreira na ditadura militar, como vereador pela Arena. Quando foi indicado ministro era deputado pelo PP, o partido mais comprometido na Lava Jato.

O ministro Vital do Rego Filho, o Vitalzinho, era senador pelo PMDB. Raimundo Carreiro e Bruno Dantas foram indicados pela proximidade com Renan Calheiros. E por aí vai, passando por PTB, PSB e indicados por Fernando Henrique. A maquiagem "técnica" e "apolítica" fica um tanto desbotada quanto se considera a procedência dos ministros.

Quanto à defesa da moralidade pública, convenhamos que há ministros do TCU devendo algumas explicações à sociedade, a começar pelo relator das contas de Dilma.

Augusto Nardes, novo herói da oposição, está sendo investigado pelo Ministério Público e pela Polícia Federal sob suspeita de ter recebido irregularmente R$ 1,65 milhão de uma empresa envolvida em fraudes fiscais, de acordo com a Operação Zelotes. Em mensagens interceptadas pela PF, os investigadores supõem que o ministro recebia a carinhosa alcunha de "tio", dado que seu sobrinho e sócio também tinha participação no negócio.

Nardes –ao lado do também ministro do TCU Mucio Monteiro– já havia aparecido nas páginas de jornais em 2013 no caso conhecido como dos "supersalários". Os ministros acumulavam o salário do TCU com a aposentadoria do Congresso Nacional, chegando a receber até R$ 47 mil por mês, quase o dobro do teto do serviço público.

Já Vital do Rego foi alvo de denúncia em julho deste ano por suposto desvio de R$ 10 milhões em contrato da Prefeitura de Campina Grande (PB) com uma empreiteira. O prefeito era seu irmão e, de acordo com o denunciante (ex-tesoureiro da prefeitura), o dinheiro teria ido para a campanha ao Senado do atual ministro.

Aroldo Cedraz, atual presidente do Tribunal, e seu vice Raimundo Carreiro foram citados na delação premiada de Ricardo Pessoa, que disse ter comprado por R$1 milhão uma decisão favorável do TCU à continuidade da licitação da usina de Angra 3 (http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/06/1648578-delator-diz-que-comprou-decisao-no-tcu.shtml).Pessoa disse ainda que pagava uma mesada de R$50 mil a Tiago Cedraz, filho de Aroldo, para obter informações sobre o processo.

Isso para citar os casos mais recentes e emblemáticos envolvendo ministros do TCU. Causa estranheza que o Tribunal e seus ministros sejam a grande esperança daqueles que dizem querer limpar o país da corrupção.

A indignação seletiva está se tornando um mal epidêmico no Brasil. Os novos "caçadores de marajás" andam de mãos dadas com Eduardo Cunha e exaltam a probidade do TCU. Não convencem.

As contas do governo foram julgadas pelo TCU. Agora, fica a pergunta: quem julgará as condutas dos ministros do TCU?

Onde você esconde seu racismo?

Joice Berth
Urbanista e Ativista Feminista Negra


É necessário que as pessoas brancas olhem para as suas vidas com honestidade e não apenas reconheça seus privilégios, mas trabalhe para que dentro do meio onde se relacionam socialmente, essas distâncias sejam eliminadas. Os avanços na questão racial são ínfimos, apesar de estarmos exatamente há 127 anos do pós-abolição. Tivemos um hiato de quase um século e meio e as distâncias entre negros e brancos são abismais.

No vocabulário técnico das práticas racistas e machistas, chamamos de TOKEN quando uma pessoa acusada de ser opressora usa pessoas de suas relações sociais que pertence as ditas minorias para se defender e justificar sua atitude ofensiva e preconceituosa.

O grupo de humoristas do programa Porta dos Fundos, exemplificou isso de maneira brilhante e ousada, no vídeo intitulado “Amiguinho” onde um casal que mantém filho em escola particular vai questionar a direção da escola sobre a expulsão de um aluno negro. Eles imploram para que a diretora mantenha o aluno negro, porque sem esse aluno eles não teriam como se desviar das acusações de racismo.




Grande sacada. Não é a primeira vez que o programa esboça críticas sociais desse nível, eu por acaso já vi mais dois vídeos sobre a questão, um deles que descreve uma excursão na favela e outro que fala da questão da dificuldade de se dizer a palavra ‘negro’.

Esses vídeos, embora explorem de maneira bem humorada questões sérias para discussões sobre racismo, desperta questionamentos que casam com a fama da democracia racial que nosso país ostentava antes dos apontamentos da ONU que visitou o Brasil em dezembro de 2013.

É justamente esse mito que representa o grande entrave na luta contra o racismo institucionalizado, pois seus efeitos são bastante convincentes no senso comum da sociedade. Para quem vê o vídeo humorístico entre outras manifestações de pessoas brancas em outras mídias (como o #somostodoshumanos por exemplo), inevitavelmente acredita nas eficácias das boas intenções e a impressão que fica é que todos estão lutando juntos pela igualdade de oportunidades para as raças estruturais que ocupam nosso país.

Mas, olhando de perto, facilmente se destrói esse pensamento. Apesar do bem intencionado programa expor uma situação típica de tokenização, faltou a crítica de suas próprias práticas e condutas. Ora, se uma turma de brancos jovens, talentosos e intelectualizados o suficiente para captar a sutileza dessa prática racista e retratá-la de maneira consciente, porque a mesma precisão de raciocínio não se volta para o fato de que no seu elenco não há pessoas negras?




Temos aí uma segunda situação de tokenização, só que dessa vez inconsciente até certo ponto, pois apesar de assertiva, a crítica racial não vem acompanhada de um mea culpa capaz de identificar que embora os roteiristas sejam supostamente contra a situação exposta, não caminham em direção a solução da situação de racismo.

Ou seja, racismo é ruim quando é com os outros, comigo é naturalizado a ponto de eu nunca ter notado que não há representatividade negra no meu programa.

Isso é bem costumeiro na rotina das relações sociais entre negros e brancos no Brasil. Temos um contingente de cerca de 90% de pessoas que afirmam que racismo existe e que já presenciaram situações de racismo contra 92% de pessoas que se afirmam não racistas. Essa discrepância entre discurso e realidade é resultante da falta de crítica da pessoa branca, que grosso modo, não se inclui no conjunto de práticas que fomentam o racismo. Ela na verdade nem cogita o fato de que pode (e é!) racista

Também devemos considerar a total falta de interesse por parte das pessoas brancas em estudar a fundo o que de fato é o racismo.

Sendo assim, não sabem exatamente do que se trata em termos teóricos, prioritariamente reduzem a uma simples expressão de preconceito e acham que conviver com pessoas negras de maneira aceitável o excluí do conjunto de práticas que constituem a institucionalização do racismo.

Pergunte a uma pessoa branca, quantos autores negros ela já leu, em quantos eventos que discutem essas questões com seriedade ela já participou, entre outras coisas que pessoas negras promovem e a resposta não virá, porque não fazem isso.

Pergunte a uma pessoa branca, quais são os reais problemas que a população negra sofre e como lidam com as inúmeras limitações que enfrentam no seu cotidiano e ela não saberá. Peça para uma pessoa branca identificar uma situação de racismo, daquelas extremamente sutis que só quem convive com a sua pele negra desde o nascimento reconhece, e ela não vai passar do lugar comum.

Mas sejamos francos, há uma necessidade urgente de cada pessoa branca fazer uma autocrítica e perguntar a si mesmo:

Onde eu escondo MEU RACISMO?

Porque vivendo em uma sociedade estruturada pelo sistema de poder onde um grupo está acima do outro e um dos determinantes que estabelece essas relações é o fator raça, é mais do que óbvio que dificilmente alguma pessoa branca consegue escapar. Todos são racistas, em escalas diferenciadas, guardadas as devidas desconstruções a que alguns se permitem, mas à medida que usufruem livremente dos privilégios que esse sistema de poder lhes garante já está automaticamente enquadrado na estrutura racial que oprime pessoas em função da manutenção desses privilégios.

É necessário que as pessoas brancas olhem para as suas vidas com honestidade e não apenas reconheça seus privilégios, mas trabalhe para que dentro do meio onde se relacionam socialmente, essas distâncias sejam eliminadas. Os avanços na questão racial são ínfimos, apesar de estarmos exatamente há 127 anos do pós-abolição. Tivemos um hiato de quase um século e meio e as distâncias entre negros e brancos são abismais.

O racismo, como bem observou a ONU, é institucionalizado. Ele está nos hospitais, nas escolas, na mídia, nas rodas de conversa, nas bibliotecas, nos centros de consumo, nas relações afetivas, nas relações familiares, em toda parte. Ele está lá naturalizado e é preciso que se diga o óbvio: não estamos falando de uma entidade autônoma que se mantém à revelia das dinâmicas sociais e sim de um conjunto de práticas onde pessoas brancas são protagonistas ativas e/ou passivas.

Mas em todos os lugares onde o assunto racismo é abordado, há sempre uma pessoa branca usando a presença de pessoas negras em suas vidas como passaporte para a absolvição do posto de racista.

No Brasil, ser racista é considerado abominável pelo senso comum justamente pela ignorância que a sociedade mantém sobre o assunto. Essa ignorância vem da recusa em não se aprofundar no assunto, que por sua vez vem da falta de importância dada ao assunto. E não é importante para quem não é atingido diariamente por ele. E esse o maior cinismo do racista brasileiro: achar o racismo insuportável, mas nadar no raso quando a oportunidade de se mudar a situação é apontada por pessoas negras.

Assim, uma sociedade inteira mantém as diferenças gritantes entre indivíduos da raça negra e da raça branca, simplesmente porque não se permite ouvir e refletir para além da superficialidade de considerar casos de preconceito racial como racismo propriamente dito.

No nível coletivo, a culpabilidade do racismo alheio é unânime, vide o caso do Goleiro Aranha. As pessoas brancas que condenaram pareciam estar convencidas de que não são racistas tanto quanto a acusada. Mas no nível individual, se permite, por exemplo usar o problema central da vida de pessoas negras para garantir sua visibilidade e ao mesmo tempo rejeitar a presença de pessoas negras no mesmo lugar em que ocupa.

Quando a pessoa branca se permite retirar a venda dos olhos, um mundo novo se abre e os efeitos do racismo na vida de pessoas negras, passa a constituir para essa pessoa motivo de vergonha. Mas isso é ainda muito raro. Para nossa tristeza.



O racismo de uma pessoa pode estar escondido atrás da falta de autocrítica, como no caso dos redatores do programa Porta dos Fundos, pode estar escondido atrás da afirmação de que não se relaciona afetivamente com pessoas negras por questão de gosto pessoal, pode estar escondido atrás da suposta falta de oportunidade de conhecer a cultura negra e seus principais atores, pode estar escondido na recusa da empregabilidade de pessoas negras em lugares de poder e alta intelectualidade, pode estar escondido na aparente inocência em negar seu próprio racismo. Enfim, em algum lugar ele está escondido e em algum momento vai fugir do controle.

Então, chegamos a uma conclusão óbvia: pessoas brancas escondem seu racismo, principalmente de si mesmas, por covardia, por conforto, por ignorância e por conveniência. Mas ele continuará lá, atuando silencioso, independente do seu amigo/amor/familiar/colega participar da sua vida e independente da frequência com que você convive com essas pessoas.

A ausência de pessoas negras no cotidiano de pessoas brancas é sim sintomático, mas a presença também não é indicativo de um lugar onde racismo é inexistente, principalmente quando fica muito visível que a pessoa negra está ali para cumprir cotas e proteger pessoas brancas de suas próprias consciências pesadas (ou não!).

E esse racismo que age livremente, embora silencioso para quem é branco, porque para negros ele é extremamente ruidoso, vai continuar alimentando o caos social em que vivemos e do qual em maior escala atinge negro, mas em menor escala atinge brancos também. E ele precisa da sua sinceridade para ser expurgado de maneira eficiente para que seja desconstruído a passos curtos e não vai ser com acusações e apontamentos isolados ao racismo do outro que esse processo será implementado.



Joice Berth é Arquiteta e Urbanista pela Universidade Nove de Julho e Pós graduada em Direito Urbanístico pela PUC-MG. Feminista Interseccional Negra e integrante do Coletivo Imprensa Feminista.