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segunda-feira, 27 de agosto de 2018

PERVERSIDADE



Trabalhadores do mundo, uni-vos – não que vá fazer alguma diferença. Os trabalhadores do mundo são vítimas da globalização perversa, que aboliu as fronteiras para empregadores atrás de mão de obra barata e desregulada, mas não para eles.

Nenhuma solidariedade é possível num mundo em que o capital vai atrás do lucro onde quer e o único internacionalismo permitido ao trabalho é a migração ilegal e o tráfego tétrico de empregos exportados cruzando com desemprego importado.

Economistas neoclássicos dizem que o exercício continuado do livre-comércio dará razão ao ur-clássico David Ricardo, que no século 18 teorizou que Estados nacionais explorando suas respectivas vantagens em recursos naturais, capacidade industrial e mão de obra acabariam se complementando e todos ganhariam com isso, inclusive os trabalhadores, no melhor de todos os modelos econômicos possíveis.

Mas o Ricardão tinha outra teoria, que chamava de “a lei férrea dos salários”. Para ele, mesmo no melhor dos mundos teóricos, os salários tenderiam a se estabilizar ao nível da subsistência mínima, já que o trabalho é um recurso universalmente disponível e infinitamente substituível.

A organização do trabalho a partir do século 19 e o crescimento dos sindicatos parecia desmentir esse fatalismo de Ricardo, pois os trabalhadores aos poucos deixaram de ser o lado indefeso do modelo ideal.

A legislação social, em maior ou menor grau, nos países industrializados – ou em países como o Brasil, em que a legislação de Vargas precedeu a industrialização – inviabilizava a teoria de Ricardo, pelo menos em tese, e retirava as condições para a confirmação da sua lei férrea.

A globalização perversa está restaurando essas condições.

O trabalho organizado perde a sua força até em países como a França e a Alemanha, onde sindicatos e movimentos sociais sempre tiveram grande participação política, e a receita para “responsabilidade” econômica aqui no quintal passa pela flexibilização de leis trabalhistas e outros eufemismos para roubar do trabalho o seu poder de barganha.

Trabalhadores do mundo inteiro, hoje incapazes de se unir, só têm a perder uns 200 anos de luta, mais ou menos.

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

O neofascismo no Brasil e na história

Por Leonardo Boff, em seu blog:

O fascismo é uma derivação extremada do fundamentalismo que tem larga tradição em quase todas as culturas. S. Huntington em sua discutida obra Choque de civilizações denuncia o Ocidente como um dos mais virulentos fundamentalistas. Imagina que sua cultura é a melhor do mundo, possui a melhor religião, a única verdadeira, a melhor forma de governo, a democracia, a melhor tecno-ciência que mudou a face do planeta e que lhe conferiu a capacidade de destruir todos os seres humanos e parte da biosfera com suas armas letais. Os USA depois dos atentados às Torres se tornou um Estado terrorista com claros sinais de fascismo particularmente agora sob D. Trump. Até hoje, nem com Obama, foi abolido o “ato patriótico” pelo qual qualquer cidadão pode ser preso americano ou não sob qualquer suspeita de ligação com o terrorismo. A pessoa pode ser sequestrada e a família nem ser comunicada.

Conhecemos o fundamentalismo islâmico e outros, também de grupos da Igreja Católica oficial que ainda creem ser ela a única e exclusiva Igreja de Cristo, fora da qual não há salvação. Tal visão errônea abre espaço para a satanização e até a perseguição de outras denominações cristas e não cristas. Graças a Deus temos o Papa atual da razoabilidade e do bom senso que invalida tais distorções.

Todo aquele que pretende ser portador exclusivo da verdade está condenado a ser fundamentalista e fechar-se sobre si mesmo, sem diálogo com os outros.

Aqui vale recordar as palavras do grande poeta espanhol António Machado:”Não a tua verdade. Mas a verdade.Vem comigo buscá-la. A tua guarde-a para ti mesmo”. Se juntos a procurarmos, ela será plena para nós.

O fascismo nasceu e nasce dentro de um determinado contexto de anomia, desordem social e crise generalizada como está ocorrendo atualmente no Brasil. Desaparecem as certezas e as ordens estabelecidas se debilitam. A sociedade e os indivíduos têm dificuldade em conviver com tal situação. Cientistas sociais e historiadores como Eric Vögelin (Order and History,195; L. Götz, Entstehung der Ordnung 1954; Peter Berger, Rumor de Anjos: a sociedade moderna e redescoberta do sobrenatural,1973), mostraram que os seres humanos possuem um tendência natural para a ordem. Lá onde chegam criam logo uma ordem e o seu habitat. Quando esta desaparece usa-se comumente a violência para impor certa ordem sem a qual não se forma a coesão social mínima para convivência.

O nicho do fascismo encontra nesta desordem seu nascedouro. Assim, com o final da Primeira Guerra Mundial gerou-se um caos social, especialmente na Alemanha e na Itália. A saída foi a instauração de um sistema autoritário, de dominação que monopolizou a representação política, mediante um único partido de massa, hierarquicamente organizado, enquadrando todas as instâncias, a política, a econômica e a cultural numa única direção. Isso só foi possível mediante um chefe (Führer na Alemanha e o Ducce, na Itália) que organizaram um Estado corporativista autoritário e de terror.Dizia-se na Alemanha:”Der Führer hat immer Recht”(O Führer sempre tem razão). E na Itália: “Il Ducce ha sempre ragione”( O Ducce sempre tem razão).

Como legitimação simbólica cultuavam-se os mitos nacionais, os heróis do passado e antigas tradições, geralmente num quadro de grandes liturgias políticas com a inculcação da ideia de uma regeneração nacional. Especialmente na Alemanha os seguidores de Hitler se investiram da convicção de que a raça alemã branca é “superior”às demais com o direito de submeter e até de eliminar as inferiores.

A palavra fascismo foi usada pela primeira vez por Benito Mussolini em 1915 ao criar o grupo “Fasci d’Azione Revolucionaria”. Fascismo se deriva do feixe (fasci) de varas, fortemente amarradas, com um machado preso ao lado. Uma vara pode ser quebrada, um feixe, dificilmente. Em 1922/23 fundou o Partido Nacional Fascista que perdurou até sua derrocada em 1945. Na Alemanha se estabeleceu a partir de 1933 com Adolf Hitler que ao ser feito chanceler criou o Nacionalsocialismo, o partido nazista que impos ao país dura disciplina, vigilância total e o terror de Estado.

O fascismo se apresentou como anti-comunista, anti-capitalista, como uma corporação que supera as classes e cria uma totalidade social cerrada. A vigilância, a violência direta, o terror e o extermínio dos opositores são características do fascismo histórico de Mussolini e Hitler. Atualmente os neo-fascistas usam com frequência a violência para se impor. São contra os valores democráticos, homofóbicos, racistas, difamadores de seus opositores. Usam as mídias sociais para propagarem seu ódio e seu propósito de um Brasil regido por meios violentos, em nome de uma nova ordem.

O fascismo nunca desapareceu totalmente, pois sempre há grupos que, movidos por um arquétipo fundamental, o da ordem, buscam esta ordem a qualquer preço.

É o neo-fascismo atual. Hoje no Brasil há uma figura mais hilária que ideológica que propõe o fascismo em nome do qual justifica a violência, a defesa da tortura e de torturadores, da homofobia e outras desviações sociais. Sempre em nome de uma ordem a ser forjada contra a atual desordem vigente com recurso da violência e não do diálogo e por meios democráticos.

O fascismo sempre foi criminal. Criou a shoa (eliminação de milhões de judeus). Usou a violência como forma de se relacionar com a sociedade, por isso nunca pode nem poderá se consolidar por longo tempo. É a perversão maior da sociabilidade humana. No Brasil não será diferente. Aqui não não terá chances de se impôr em razão de seu exacerbado radicalismo que tangencia o ridículo.