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terça-feira, 31 de janeiro de 2017

ALTERAÇÕES NA LEI TRABALHISTA SÃO CRITICADAS POR MINISTÉRIO

Um grupo será criado para debater e aprimorar projeto de lei que prevê a modernização das leis trabalhistas.


Análise realizada pelo Ministério Público do Trabalho aponta que as alterações das leis trabalhistas propostas no Projeto de Lei 6787/2016 contrariam a Constituição e convenções internacionais firmadas pelo Brasil, geram insegurança jurídica e têm impacto negativo na geração de empregos. 

O PL 6787 prevê a negociação entre os sindicatos e as empresas de alguns pontos como o parcelamento das férias em até três vezes; estabelecimento do limite de 220 horas para jornada mensal; o direito à participação nos lucros da empresa; a formação de um banco de horas (sendo garantida a conversão da hora que exceder a jornada normal com um acréscimo mínimo de 50%); e o estabelecimento de um intervalo de no mínimo 30 minutos na jornada de trabalho.

De acordo com o procurador-geral do Trabalho Ronaldo Fleury, o argumento de que a flexibilização das leis incentivaria a criação de empregos é enganoso. “Essas propostas já existiam antes da crise. Eram defendidas pelos mesmos grupos econômicos e políticos quando o Brasil tinha uma economia pujante.” Segundo Fleury, para superar a crise, é preciso proteger os trabalhadores. ”Em todos os países onde ocorreu a flexibilização fundamentada na crise, houve a precarização do trabalho”, diz. 

Debate 
Um grupo será criado para aprimorar o PL 6787, que prevê a modernização das leis trabalhistas. Esta foi uma das decisões tomadas no último dia 20, em reunião com a participação do ministro do Trabalho Ronaldo Nogueira, de seis centrais sindicais e o DIEESE.

Antonio Neto, presidente da Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), acredita que a proposta não retira os direitos trabalhistas já consolidados. "Essa lei permite que um direito seja negociado, mas não extinto. Com relação às férias, é dada a possibilidade de discutir como elas serão usadas. Já o horário intrajornada pode ser de meia hora, mas reduzindo também o horário de saída do trabalhador", exemplifica.



O AMARELINHO

domingo, 29 de janeiro de 2017

Descubra se você é um brasileiro com tendência neonazista ou fascista







A regra das analogias nazistas do advogado norte-americano Mike Godwin diz que à medida que a discussão cresce, a chance de um dos interlocutores chamar o outro de nazista é grande. Se você for chamado de nazista ou fascista em uma discussão é bom saber se seu interlocutor está certo ou errado.


Você pode pensar que não existem neonazistas brasileiros porque uma das principais características do nazismo seria justamente a questão da raça ariana. É por isso que se usa o termo neonazista. Ou seja, estamos falando dos princípios, das linhas de pensamento e ações humanas que afloraram na Alemanha do início do século passado.

Um dos amigos mais próximos de Hitler, Emil Maurice, que foi seu motorista, era um dos nazistas mais violentos. E por incrível que pareça, Maurice era descendente de judeus. Outra situação bastante estranha era a de Ernst Röhm, um dos chefes da S.A, a polícia violenta do nazismo. Röhm era homossexual e foi assessor de Hitler para questões militares.(p. 77). Então você pode ser brasileiro, negro, latino e ter o comichão neonazista ou fascista a espera de um grande líder, de um mito.

Não dá para entender o neonazismo limitado, por exemplo, ao ódio aos judeus, comunistas e homossexuais, sendo que sua essência é ódio em si. Você pode ser um homossexual e odiar politicamente, você pode ser um judeu e odiar. Veja o que acontece com os palestinos; vivem numa espécie de campo de concentração promovido por judeus. Ironia do ódio.

A essência do nazismo está na própria condição de interpretação da realidade. Todos nós podemos agir como nazistas. O nazismo e o fascismo são uma espécie de estado de espírito político do ser humano. O nazismo é um fascismo que chegou às últimas consequências.

Mas o neonazismo tem suas características fundadas na história do próprio nazismo. Para fazer essas analogias, vamos usar citações de uma obra da pesquisadora brasileira Sílvia Bitencourt, que mora na Alemanha e fez um livro sobre o jornal que combateu os nazistas desde o nascimento do partido em Munique, ao sul da Alemanha. Num trabalho minucioso, Silvia conta em detalhes o nascimento do movimento nazista na Baviera.

Um dos primeiros pontos é que o ódio define o pensamento político e a compreensão da realidade. Se você acha a esquerda, comunistas, índios, gays, negros, putas, integrantes do MST, PT, tudo um lixo, você está em sintonia com os nazistas, historicamente.

Veja que muitos integrantes do futuro partido nazista vieram da Sociedade Thule, uma sociedade secreta e antissemita criada em 1918. Criada para combater a revolução, os comunistas e o governo socialista, dela saíram vários membros do futuro partido de Adolf Hitler. “Seus associados eram, sobretudo, acadêmicos, aristocratas e empresários, que se reuniam no luxuoso hotel Quatro Estações, no Centro de Munique” (p. 54).

Então, se você tem simpatia pelo discurso raivoso de direita, também tem linha próxima dos nazistas. Antes mesmo de fundar o partido, Hitler “ingressara no DAP (Partido dos Trabalhadores da Alemanha), um agrupamento de extrema direita ainda sem recursos”(p. 70). Quando teve mais recursos, o partido nazista comprou o jornal de extrema-direita Völkischer Beobachter, ligado à Sociedade de Thule.

Os nomes dos partidos na Alemanha daquela época podem te confundir, mas não significam nada. O partido de Hitler era tão socialistas quanto o PSDB no Brasil de hoje é “social-democrata”. É a prática política que define o partido e não o nome. Se um partido, por exemplo, abriga um deputado que diz que “quilombolas, índios, gays, lésbicas são tudo gente que não presta”, o partido abriga um pensamento que está em sintonia com o nazismo. Não adianta ter no nome a palavra “democrático”.

Outro componente no nazismo é o discurso conservador machista. Os nazistas buscavam a “decência alemã”, a família alemã, assim como acontece hoje no Brasil nos discursos em “defesa” da família. O machismo de Hitler se estabelecia na própria relação com a sobrinha, Geli Raubal. “Os historiadores concordam que Geli se suicidou, tentando provavelmente se livrar do controle e do ciúme do tio”. (p. 241)

Então, até o momento já temos um perfil: ser de direita, ter ódio e defender a decência da ordem machista da família. Mas continuemos…

Além do ódio como componente de entendimento da realidade e da política, uma outra característica no nazismo é aceitar a violência como estratégia e condição necessária da realidade. Ódio é a parte intelectual e a violência é a prática da solução dos problemas para os nazistas. Se você odeia, você precisa eliminar seu adversário ou inimigo.

Em 1920, Hitler fez o seguinte discurso: “Chegará o dia no qual nossos objetivos serão realizados, e para isso precisamos de ação e violência; mesmo com uma polícia que não quer saber de ação e violência, o fato é que precisamos de violência para impor nossa luta”. (p. 81). Hitler é um pouco sofisticado para quem grita hoje no Brasil que “bandido bom é bandido morto” e que “Direitos Humanos servem para defender bandido”. Esse discurso bem brasileiro é mais nazista que o próprio nazismo; tem todos os componentes do ódio e da violência com a clareza racional de um capitão do mato.

Outra característica das tendências nazistas é a defesa da eliminação (morte) ou o encarceramento, a ampliação das prisões, um estado policial que prende infinitamente, que todo o controle do Estado é dado ao sistema de aprisionamento. Os campos de concentração dos nazistas foram uma consequência do excesso de presidiários, de prisões abarrotadas e superlotadas como as brasileiras atualmente. “Em uma Alemanha dominada por nós, não haverá guerra civil. Em uma Alemanha com a nossa bandeira, a disciplina e a ordem voltarão a ser a lei máxima” (p.258).

Se você odeia e vê a violência como solução, você provavelmente não teria pudores em caluniar e publicar notícias falsas. Talvez por isso a internet esteja cheia de notícias falsas, temos mais nazistas do que imaginamos. Há inúmeros domínios que publicam matérias totalmente distorcidas ou mesmo mentirosas em sua maioria de perfil ideológico de direita. O jornal comprado pelos nazistas, o Völkischer Beobachter, publicou uma série de artigos caluniosos contra o editor do jornal social-democrata Münchener Post, Erhard Auer. O caso foi parar na Justiça e os nazistas foram condenados (p. 95).

O jornal nazista Völkischer Beobachter disparava e alarmava a população com um discurso em que falava de “Terror vermelho”, dos “socialistas traidores”, do “perigo vermelho”, da “mentira internacional” e dos “caciques do marxismo judaico”. Algo como “Vai pra Cuba!”, “Fidel Assassino”, “foro de São Paulo” etc. “Na madrugada de 10 de agosto, um assassinato em particular abalou o país. Nove homens uniformizados da SA invadiram a casa do agricultor desempregado Konrad Pietzuch, militante comunista na cidade de Potempa (hoje Polônia), pisoteando-o e espancando-o até a morte, na frente de sua mãe” (p. 260). Hitler não hesitou em defender os assassinos, assim como no Brasil alguns defendem execução de bandidos e inocentes por policiais ou chacinas em presídio e na periferia das grandes cidades.

Outra característica dos nazistas é o desprezo pela democracia, mesmo uma democracia como a brasileira totalmente controlada pela compra de políticos com o dinheiro de empresas nas eleições, legal ou ilegalmente. Os nazistas tentaram dar um golpe em 8 de novembro de 1923, que fracassou. A história ficou conhecida como o golpe da cervejaria (p. 128).

Como diz Silvia, Hitler abominava a democracia. Assim também pensam alguns brasileiros que sem constrangimento saíram às ruas em 2016 pedindo “intervenção militar”. Para Hitler e para alguns brasileiros, só um governo ditatorial coloca ordem na casa. Ou seja, desprezar e destruir a democracia não passa de um pensamento alinhado ao nazismo. “O tema preferido do líder nazista em seus pronunciamentos passou a ser o colapso da Alemanha. No lugar dos judeus, seus ataques se voltaram contra o sistema parlamentarista e a democracia” (p. 226). Até o termo “Terceiro Reich”, que significa ‘terceiro império’, dá o sentido de negação da democracia.

Os “Documentos de Boxheim”, redigidos por líderes do partido nazista, “postulavam a revogação da Constituição democrática de Weimar e a instauração de uma ditadura militar pela SA” (p. 245). No Brasil de hoje, não existe coisa mais neonazista do que pedir uma ditadura militar.

Uma outra característica dos nazistas é o ‘culto ao líder”, ou na Alemanha, ‘culto ao Führer. O modelo nazista é o mesmo dos fascistas italianos com o duce Benito Mussolini. O culto começou a acontecer nos grandes acontecimentos do partido. “Os eventos comeram a girar exclusivamente em torno de Hitler, que deles sempre saía ovacionado” (p. 114). Para os seguidores, os nazistas produziam Hitler como um mito. Para o jornal Münchener Post, “os nazistas estariam fabricando um messias, a partir de um mero demagogo de rua” (p.114)

Família, decência, ordem, líder, mito, violência, intervenção militar etc são discursos comuns no Brasil do século 21. E você pode até se identificar com toda essa ladainha que parece ser a panaceia de todos os problemas. Mas o recado que a história nos deixa é mais cruel.

Quando você defende o Estado como promotor da violência, em algum momento ela vai voltar as caras para você. Após exterminar os adversários, os nazistas começaram a ver seus adversários dentro do próprio do ninho nazista. Entre 30 de junho e 1 de julho de 1934, no episódio conhecido como Pacto da Alemanha, um agrupamento de nazistas promoveu uma onda de assassinatos dos próprios nazistas. Entre as vítimas, estava o ex-chefe da SA, Ernest Röhm e vários integrantes do partido. Mas o caso de Herbert Hentsch talvez tenha sido mais ilustrativo:

“Já passa das dez e meia da noite quando o jovem Herbert Hentsch, membro da SA de Dresden, na Saxônia, recebeu um telefonema. Três camaradas da organização chamaram-no para um encontro. O rapaz de 26 anos vestiu seu uniforme pardo (da SA nazista) e despediu-se de sua mãe, a viúva Klara Bochmann, prometendo não demorar. Ele não voltaria mais para casa. Seu corpo foi encontrado várias semanas depois daquela noite de 4 de novembro de 1932. Herntsch havia sido espancado e assassinado com um tiro no peito. Amarrado pelas pernas e enfiado num saco plástico cheio de pedras, seu corpo foi jogado numa represa” (p.265)

100 anos da Revolução de Outubro





A Revolução de Outubro, cujo centenário será comemorado em alguns meses, pode ser analisada pelo que produziu concretamente e também pelo que simboliza.

A tomada do poder pelos bolcheviques abriu espaço para um momento extraordinário de efervescência cultural e de experimentação de novas e melhores relações sociais. Não apenas no que se refere às relações de produção e à posição social dos trabalhadores, como se pensaria a partir da ideia estereotipada de que "marxistas só olham para classe". Houve um intenso debate sobre a maneira efetiva de promover a emancipação feminina, socializando as tarefas domésticas e minimizando o papel social da família. O aborto foi legalizado e o divórcio, facilitado ao extremo, a partir da compreensão de que as relações deviam ser mantidas apenas pela vontade livre dos participantes. As relações homoafetivas foram descriminalizadas.

Ninguém está à frente do próprio tempo, mas os bolcheviques se encontravam na vanguarda de sua época no que se refere aos múltiplos eixos da luta pela emancipação humana. Em outro momento histórico, com as limitações decorrentes, a agenda de gênero dos revolucionários russos incluía muito daquilo pelo qual continuamos lutando cem anos depois.

Muito do que foi pensado não foi posto em prática, em grande medida pelas circunstâncias dramáticas do cerco à revolução e pelo atraso gigantesco da Rússia. A guerra civil também estimulou tendências autoritárias que já estavam presentes no próprio bolchevismo. A crença, que se revelou profundamente equivocada, no rápido desaparecimento do Estado, levou ao desinteresse pela produção de mecanismos de controle da autoridade. Com Stálin, o exercício do poder se tornou plenamente discricionário.

Ainda que a propriedade dos meios de produção tenha sido socializada, permaneceu a desigualdade quanto ao controle destes meios e também quanto aos padrões de consumo. Lembro de um trecho, acho que n'A revolução traída, em que Trótski extrai esta conclusão a partir da informação de que estava sendo construída uma fábrica de margarina na União Soviética: a revolução estava dando origem a uma sociedade segmentada entre aqueles que comeriam manteiga e aqueles que teriam que se contentar com margarina! (Eu, que odeio margarina com todas as forças do meu ser, entendo perfeitamente o que Trótski estava dizendo.)

A deriva autoritária do stalinismo permitiu que, após a Segunda Guerra Mundial, prosperasse a categoria do "totalitarismo", para a qual contribuíram desde filósofas brilhantes como Hannah Arendt até ideólogos vulgares como Zbigniew Brzezinski. A noção de totalitarismo permitia que se recusasse o entendimento de que o fascismo e os regimes liberais eram formas alternativas de dominação burguesa em favor de uma nova linha divisória, segundo a qual a União Soviética e a Alemanha hitlerista ficariam de um mesmo lado, o lado oposto às "democracias liberais". A partir daí, de Raymond Aron a François Furet, muitos vão tentar afirmar que a simpatia pelo comunismo, que cativou as melhores mentes de várias gerações, seria equivalente à adesão ao fascismo. Nada mais longe da realidade. A despeito dos múltiplos problemas da União Soviética, o sonho comunista sempre foi o de uma sociedade igualitária, livre e solidária, o oposto do culto à violência, do racismo e da exaltação da hierarquia, próprios dos fascismos.

A herança do stalinismo inclui a burocratização, o autoritarismo e também a perda da imaginação revolucionária. A União Soviética passou a ter como objetivo vencer o Ocidente de acordo com os critérios capitalistas da sociedade de consumo - a "ultrapassagem", para usar o termo de Nikita Kruschev, seria a comprovação da superioridade do socialismo. Mas a lógica da obsolescência, do desperdício e da ostentação serve ao capitalismo, não a uma ordem social que busque superá-lo. A intensificação da corrida armamentista, que levava esta lógica ao paroxismo, desempenhou papel relevante para que os Estados Unidos vencessem a Guerra Fria.

A sina da União Soviética serviu, enfim, como demonstração absoluta da superioridade do "mercado" e do absurdo do planejamento econômico. Para matizar tal veredito, convém lembrar que, em 1917, a Rússia era um país mais atrasado do que o Brasil. Passados 40 anos, os soviéticos estavam colocando na órbita da Terra o primeiro satélite artificial, enquanto nós continuávamos lutando contra a esquistossomose, brincando com ioiôs de plástico trazidos dos Estados Unidos e dependendo das exportações de café e cacau.

A história da Revolução Russa não deve nos mostrar que a transformação do mundo social é impossível ou fadada ao fracasso. Mostra, isso sim, que ela é árdua, que atalhos ou ilusões cobram um alto preço. Mas que vale a pena lutar por ela, mesmo com todas as dificuldades.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Viva, creia, ame e faça.

A vitória do escárnio





O declínio de uma nação ou de uma cultura nunca se dá de uma só vez. Tem suas fases. Uma delas é a hipocrisia, quando se naturaliza o "dois pesos, duas medidas". O hipócrita estabelece um critério aos amigos e outro aos inimigos.

Sinal da vitória da hipocrisia por aqui foi a derrubada de um governo com o argumento do uso de procedimentos fiscais corriqueiros em todos os anteriores e então tolerados. Ou a condenação exemplar de membros de um grupo político, associada à tolerância aos membros de outros grupos, que tiveram precisamente as mesmas práticas.

Para uns, a presunção de inocência, para outros, a de culpa. Mas o hipócrita ainda preserva uma preocupação com aparências de legitimidade. Constrói um discurso para camuflá-lo, sua justificativa perante a opinião pública. Seu predomínio, porém, pode dar lugar a uma fase mais perigosa: a do escárnio.

Quando o escárnio toma conta do ambiente cultural desaparecem as mínimas preocupações de decoro com o que se diz e o que se faz. Os cínicos ganham autoconfiança e ousam fazer em público aquilo que todos imaginavam, mas não se via. Falam abertamente sinceridades antes reservadas aos cochichos de corredor. Rompe-se então as regras do jogo social. A fase do escárnio tem um lado positivo: ela é incrivelmente reveladora. Mas, no geral, expressa a mais completa indiferença dos donos do poder em relação ao que vá pensar a sociedade. Às favas com a opinião pública.

Fiquemos apenas com fatos da última semana. Quando o ministro Eliseu Padilha diz, com o cadáver de Teori Zavascki ainda quente, que a morte vai fazer com que "a gente tenha mais tempo"; quando Gilmar Mendes, presidente do Tribunal que julgará Temer, é consultado sobre a indicação de seu novo par e vai a rega-bofes no palácio presidencial; quando, ainda em relação a Teori, operadores do mercado financeiro comemoram sua morte sem maiores pudores; quando fatos assim passam sem ser notados é porque o escárnio estabeleceu-se na vida pública do país.

Na República do escárnio não há limites. Ante a perda de referência crítica e valorativa, tudo torna-se possível e, ademais, muito natural. Dostoiévski escreveu certa vez que, se Deus não existisse, tudo seria permitido. Falava é claro de um padrão de conduta –no caso, estabelecido pela religião– para delimitar o campo das ações humanas. Sem referência valorativa não há limites. Assim funciona o escárnio.

A hipocrisia antecede o escárnio. Este, por sua vez, funciona como antessala da barbárie. Ou da revolta.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Uma reflexão sobre o trabalhismo

Sobre a dificuldade da esquerda em entender o trabalhismo como uma prática progressista, fundamental para o desenvolvimento do Brasil

A esquerda brasileira, principalmente a que foi formada na segunda metade dos anos 1970, na esteira das greves de São Bernardo do Campo, e em toda a região do Grande ABC, tem dificuldade de enxergar o trabalhismo como prática política progressista. Informados e formados pela sociologia paulista de inspiração contrária ao varguismo, os marxistas da luta contra a ditadura civil-militar associaram o trabalhismo ao populismo. É como procurar agulha no palheiro um intelectual uspiano que seja simpático ao legado de Vargas, Jango e Brizola . Pudera! A USP, fundada em 1934, é a consequência das derrotas de São Paulo em 1930 e na Revolução Constitucionalista de 1932.

Getúlio Vargas

Há uma tradição reacionária em matéria de política em São Paulo. A imprensa paulista sempre foi contra os interesses nacionais. A “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, que foi uma das manifestações que desencadearam o golpe de 1964, teve o apoio entusiasmado de Carlos Lacerda, que com os olhos lacrimejantes disse: “São Paulo começa a salvar o Brasil”. O II Exército, sediado em São Paulo e sob o comando o general Amaury Kruel , foi decisivo para o sucesso dos militares.

A USP foi criada para formar líderes que, baseados nas metodologias científicas, pudessem entender o país e governá-lo. Qual intelectual uspiano se levantou, na época, contra o golpe? Qual deles esocreveu algo positivo sobre João Goulart? Em que livro o professor Florestan Fernandes analisou Vargas, Jango e Brizola? Aliás, Florestan criticou Brizola por seu “nacionalismo machão”. Alfredo Bosi foi o único intelectual uspiano que abriu o jogo: A USP não se interessou pelo golpe de 1964. Em 1994, quando a USP chega ao poder, Fernando Henrique Cardoso em discurso de posse soltou o verbo: precisamos enterrar a Era Vargas.

Origem e evolução do trabalhismo

Com origem na Inglaterra, a partir da Revolução Industrial, o trabalhismo se estabeleceu e começou a se organizar enquanto movimento objetivando lutar por melhores condições de vida para os trabalhadores. Formou-se, então, um conjunto de doutrinas com ênfase no cenário econômico. Com seu crescimento, o movimento trabalhista dialogou com diferentes ideologias sob a mesma matriz, como democracia-cristã, social-democracia, socialismo, anarquismo e comunismo. No Brasil, começou a ganhar corpo no início do século XX, durante a fase final da República Velha, tornando-se mais presente em 1945, com a fundação do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), inspirado por Getúlio Vargas. Teve um papel fundamental como principal braço político da esquerda moderada, durante as décadas de 1950 e 1960, especialmente porque atraía pessoas que não se identificavam com os extremos (direita e comunismo). No final dos anos 1970, o PTB perdeu seus ideais originais trabalhistas, principalmente depois da morte de Ivete Vargas, sobrinha de Getúlio Vargas. O grupo liderado por Leonel Brizola criou o Partido Democrático Trabalhista (PDT), que reuniu grande parte dos trabalhistas de esquerda. Outras pequenas correntes do trabalhismo se concentraram em outras legendas, como o Partido Trabalhista do Brasil e o Partida Trabalhista Nacional.

TEORIA DO POPULISMO

A teoria do populismo etiquetado com grife de Weffort fez muito mal à interpretação da história política do Brasil. Populismo entendido como prática política que usa o povo como massa de manobra é um conceito que liga nada a coisa nenhuma. O pior é que esse conceito é responsável por uma das maiores esquizofrenias do pensamento sociológico brasileiro. Faz com que a chamada esquerda marxista seja contra o golpe militar de 1964 e, ao mesmo tempo, contra os trabalhistas que foram apeados do poder.

Amaury Kruel » General de exército, depois marechal, Amaury Kruel (1901-1996) formou-se na Escola Militar do Realengo e participou da Força Expedicionária Brasileira durante a Segunda Guerra Mundial. Era chefe do Gabinete Militar e, depois, ministro da Guerra de João Goulart. Aderiu, porém, ao golpe de 1964.

Octavio Ianni » Professor emérito na Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), além de ter lecionado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Octavio Ianni (1926-2004) foi um dos maiores sociólogos da história do Brasil. Produziu trabalhos sobre racismo, desenvolvimento, mudança social, populismo, teoria sociológica e nova ordem global.

A teoria do populismo teve o disparate de fazer com que o maior inimigo da esquerda fosse o trabalhismo. Octavio Ianni chega a dizer que Vargas impediu o desenvolvimento do comunismo no Brasil. Será apenas fruto da manipulação das massas o fato de Getúlio Vargas ter sido idolatrado pelos trabalhadores? Como um ex-ditador “sanguinário” e “fascista” que defendia os empresários e iludia o povo volta eleito para a Presidência em 1950?

Usando o raciocínio lógico: se o trabalhismo deveria ser eliminado suas realizações tinham que ter o mesmo destino. Uma árvore ruim não pode dar frutos bons. Então são péssimas as seguintes realizações: a criação do Ministério do Trabalho; a CLT; o voto secreto; o voto feminino; a nacional Vale do Rio Doce; a luta contra o imperialismo; o aumento de 100% do salário mínimo em 1953; a criação da Petrobras; o anteprojeto de criação da Eletrobrás e a lei contra a remessa de lucros. Todas essas ações, portanto, são execráveis porque contribuíram para tirar a autonomia organizacional da classe trabalhadora. 
A deportação de olga Benário, companheira de Prestes, para a Alemanha nazista foi um episódio lamentável da era Vargas

Confinar Getúlio Vargas ao período de Estado Novo, de 1937 até 1945, é um reducionismo histórico. É outro Vargas de 1950-1954. Tancredo Neves, no episódio do atentado da rua Toneleros, quando Vargas abriu desnecessária e temerariamente o Palácio do Catete à devassa da República do Galeão, disse que o ex-presidente tinha complexo de ditador. Ou seja, que tinha bode com esse passado, de modo que não criou nenhum empecilho às investigações.

A crítica mais emblemática a Vargas é em relação à deportação para a Alemanha de Olga Benário, que viria a morrer numa câmara de gás. É absolutamente lamentável esse fato. Contudo, é sintomático que Luiz Carlos Prestes tenha defendido a Constituição com Getúlio logo que deixou a prisão. Só para constar: Prestes era marido de Olga Benário. E não deixa de ser curioso que os trabalhadores conquistaram seus maiores direitos no Estado Novo.

Jango e Brizola foram outras vítimas da direita e da teoria do populismo dos marxistas brasileiros. Os dois são responsabilizados pelo golpe de 1964. O primeiro era visto como fraco, com desejo insaciável pelo poder, um despreparado e incapaz de governar o Brasil. Quem fugiu dessa interpretação reacionária foi Darcy Ribeiro. Para o antropólogo, Jango foi deposto por causa de suas virtudes. O segundo foi chamado de populista, demagogo, dinossauro, lunático, radical, descolado da realidade, etc. Num congresso da UNE de 1998, quando Leonel Brizola começou a discursar os estudantes do PT começaram a entoar o seguinte coro: “Eu vou, eu vou, eu vou entrar de sola, fazer reforma agrária, na fazenda do Brizola”. Um absurdo revelador da falta de conhecimento histórico do que representou Leonel Brizola na política brasileira.

Qual líder da esquerda no Brasil fez o que Brizola conseguiu em 1961 na época da campanha da legalidade? foi a primeira e única vez que a esquerda (…) teve apoio da opinião pública.

A CAMPANHA DA LEGALIDADE

Leonel Brizola morreu antes de conseguir realizar o seu destino histórico: ser presidente do Brasil
Qual líder da esquerda no Brasil fez o que Brizola conseguiu em 1961 na época da Campanha da Legalidade? Foi a primeira e única vez que a esquerda (situo o trabalhismo à esquerda do espectro político) teve apoio da opinião pública. Pelas ondas do rádio, Brizola armou a população do Rio Grande do Sul, dividiu o Exército e poderia ter subido com o povo até Brasília e feito uma transformação social e política no Brasil. Atitude populista? Inclusive Carlos Lacerda, que se referia à Campanha da Legalidade como “gracinha trágica”, disse que Brizola ganhou a batalha das comunicações.

Quando governador do Rio Grande do Sul fez a primeira reforma agrária do país – em Sarandi. Aos trabalhadores acampados colocou toda a estrutura do Estado para apoiá-los. Desapropriou terras e realizou o assentamento. Nacionalizou duas multinacionais, a ITT e a Bonde & Share. Criou o Banco Estadual para fomentar o desenvolvimento industrial. No Rio de Janeiro criou os CIEPs e enfrentou como nenhum outro político brasileiro o poder de Roberto Marinho. O conceito de perdas internacionais como uma bomba de sucção drenando nossas riquezas, Brizola o desenvolveu vinculando a partir de sua prática como governador, quando sentiu de perto a espoliação que os estados menos desenvolvidos e o país sofriam.


Roberto Marinho » Empresário da comunicação, Roberto Pisani Marinho (1904-2003) é uma das figuras mais controversas da história do Brasil. Construiu um verdadeiro império, as Organizações Globo, porém seu maior crescimento ocorreu durante a ditadura civil-militar. Católico, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras. O lado sombrio de sua trajetória é narrado no documentário britânico Muito além do cidadão Kane (1993), exibido pela emissora pública do Reino Unido Channel 4.

Palavras de Gilberto Vasconcellos

“[…] Às vezes eu me pergunto se o balé antipopulista da USP sociológica não é uma paranoia elitista inimiga do folclore, pois no Sul a figura lendária do caudilho se origina de gaudério, assim como no Nordeste o jagunço cangaceiro é uma invenção sertaneja. O cineasta Glauber Rocha já dizia, num artigo belíssimo sobre o romancista José Lins do Rego, que a prosa brasilianista da sociologia substituiu o ciclo épico do cangaço, ou seja, o boom sociológico dos anos 60, fabricado pela ideologia automobilística dos Esteites, é uma armação colonialista para eliminação do nosso imaginário a linguagem do romance nordestino de 1930 […].” (VASCONCELLOS, 1989, p. 53)

“Somos governados pelas palavras. Então a consulta ao dicionário torna-se fundamental, antes, durante e depois da campanha. Não nos esqueçamos de que a crise brasileira é também a crise da linguagem. O que é autoritário? Qual a definição de populista? E caudilho, o que significa?

Autoridade é o direito de tomar decisões, o poder legítimo de se fazer obedecer. É o caso do piloto de avião que exerce uma autoridade racional. Inquestionável. Portanto, sem autoridade é impossível viver.

Autoritário é o abuso da autoridade que procura se impor pela força. Despótico. Quem manda sem o poder legítimo de mandar. Arrogante. Violento. Ditatorial. Dominador. Golpista.

Populista é o amigo do povo.

Caudilho ou chefe, civil e militar. Aquele que conduz o povo. Sem líder não há povo.” (VASCONCELLOS, 1989, p. 99)


“[…] Segundo as análises sociológicas, cabe ao governo João Goulart a culpa do golpe de 64, porque foi um governo que provocou a agitação política das massas, e não a agitação política de classe. Trata-se de raciocínio abstrato, mera inadequação do ‘tipo ideal’ weberiano, construído por quem passou inteiramente alheio à vida política em 1964. A sociologia da USP sobre o fracasso janguista é post factum. Os sociólogos metapopulistas não estão interessados em explicar o destino trágico e sim preocupados apenas em testarem os conceitos de suas teses acadêmicas […].” (VASCONCELLOS, 1989, p. 107-108)

O que estamos presenciando no atual estágio político brasileiro não deixa de ser interessante. Primeiro deixa claro que a direita, quando perde seguidamente, como a UDN nos anos 40, 50 e 60 do século passado, recorre ao expediente golpista. Antes usaram os militares, agora usam politicamente a Justiça. Segundo: o único movimento teórico e político que efetivamente se contrapõe ao modelo hegemônico neoliberal é o trabalhismo. De modo que o PSDB e o PT, amlenin bos gestados na ideologia antigetulista, jogaram água no moinho de gastar gente do grande capital.

Lenin dizia que a prática é o único critério da verdade. lendo a história do Brasil, o trabalhismo foi a única força que enfrentou na prática o imperialismo. Portanto, não é incompatível com o socialismo

Não dá para desconhecer que com todos os avanços sociais que vivenciamos nesses últimos anos com o PT na Presidência nunca os empresários e principalmente banqueiros ganharam tanto. Agora que a política de conciliação de classes entrou em crise por conta da queda no preço das commodities, a direita se rearticula para implementar políticas de superexploração do trabalho. Trocando em miúdos: o desmonte de direitos que foram implantados pelos líderes trabalhistas. A prosódia é horrorosa: custo Brasil, flexibilização das leis trabalhistas, privatizações, choque de capitalismo, mais mercado menos estado, etc.

O PT nunca enfrentou o capital internacional. Qual a contradição do partido com as privatizações? As denúncias contra as privatizações foram usadas como retórica marqueteira contra o PSDB. No governo, o PT também privatizou. Henrique Meirelles, eleito deputado pelo PSDB, foi catapultado a presidente do Banco Central. Até essa onda de denúncias pela imprensa – que se transformou em partido político -, qual a contradição real do PT com a Rede Globo? Só agora, em 2016, Lula resolveu enfrentar a Globo.

Quando Brizola volta do exílio, em 1979, vai até o sindicato dos metalúrgicos se encontrar com Lula e propor uma aliança entre o trabalhismo e o sindicalismo paulista. Lula o faz esperar por duas horas e quando conversa com Brizola o trata de forma fria e absolutamente deselegante. Deu no que deu! Gilberto Vasconcellos em 1989 escreveu um livro chamado Brizulla, em que defende a aliança para as eleições presidenciais de Brizola e Lula. O samba Brizulla da democracia atravessou. Collor é eleito, Itamar, empossado depois do impeachment, e FHC, com o Plano Real, cumpre a função de vender o Brasil.

POLARIZAÇÃO POLÍTICA

Nesse momento de polarização extrema da política brasileira, Lula deveria fazer uma profunda autocrítica. Simbolicamente deveria ir até São Borja, e se reconciliar com Vargas, Jango e Brizola e, diante dos túmulos dos líderes trabalhistas, assumir o compromisso histórico de tomar a Carta-Testamento em suas mãos e lutar em defesa da soberania nacional. Não há povo sem líder, de modo que essa aversão ao caudilho é incompatível com o momento decisivo em que nos encontramos.

É visível o fracasso da interpretação histórica uspiana que desaguou na tragédia do desmonte do Estado nacional. É urgente a retomada do fio da história. Usar como discurso que a perseguição que sofre da imprensa é igual à que Vargas e Jango também sofreram como Lula vem fazendo não basta. Vargas e Jango foram vítimas de uma campanha sórdida porque bateram de frente com os latifundiários; com a burguesia; com os banqueiros; com o capital internacional e com os EUA.
Contra as manifestações elitistas recentes, é preciso investir no trabalhismo e no desenvolvimentismo de esquerda
Lula tem a chance histórica, como o maior líder de massa no Brasil atual, de pegar a bandeira do trabalhismo. A Petrobras está mais uma vez no epicentro da crise política. As mesmas forças que hoje se assanham para se apossar do nosso petróleo são as mesmas que levaram o presidente Vargas ao suicídio. O capital internacional de olho em nossas riquezas faz alianças com setores entreguistas da Nação, e com a mesma estratégia de sempre utiliza a imprensa para preparar a opinião pública.

Não dá para desconhecermos uma verdade inquestionável: o Brasil está sob o bombardeio do imperialismo das multinacionais que, se precisar, em conluio com os Estados de maior poderio bélico, roubam os bens naturais de que não dispõem. O trabalhismo era o obstáculo. Em 1964 foi eliminado. Brizola não poderia nunca chegar à Presidência, não conseguiu. Tiraram dele a sigla PTB, depois de uma campanha sem tréguas para desmoralizá-lo promovida principalmente pela Rede Globo. Inclusive o PT foi um dos responsáveis pela não eleição de Brizola em 1989. Leonel Brizola morreu sem cumprir seu destino histórico: ser presidente do Brasil.

Lenin dizia que a prática é o único critério da verdade. Lendo a história do Brasil, o trabalhismo foi a única força que enfrentou na prática o imperialismo. Portanto, não é incompatível com o socialismo. Aliás, Brizola acreditava que o trabalhismo era o caminho para o socialismo. Por isso, não resta outra opção para o PT – e Lula – que não seja brizolar.


Yago Junho é sociólogo e mestre em Teoria da literatura e identidade cultural pela Universidade federal de Juiz de fora (UfJf) e autor do livro sociologia Pau Brasil (multifoco, 2014). e-mail: yeuzebio@gmail.com.


REFERÊNCIAS


BANDEIRA, moniz. O governo João Goulart – as lutas sociais no Brasil (1961-1964). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. 187 p.
____________ Brizola e o trabalhismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. 203 p.
CAZARRONI, André. Getúlio Vargas. Rio de Janeiro: José olympio, 1939. 295 p.
FERREIRA, Jorge. João Goulart, uma biografia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. 713 p.
FREITAS, décio; LARANGEIRA, Álvaro (orgs.). A serpente e o dragão. Porto Alegre: Sulina, 2003. 160 p.
LEITE FILHO, F. C. El caudillo – Leonel Brizola, um perfil biográfico. São Paulo: Aquariana, 2008. 543 p.
NETO, lira. Getúlio. São Paulo: Companhia das Letras, 2014. 3 v
RIBEIRO, Darcy. Jango e eu. Brasília: UnB, 2010. (Darcy no Bolso), 107 p.
RIBEIRO, José augusto. A Era Vargas. rio de Janeiro: casa Jorge editorial, 2001. 3 v.
VASCONCELLOS, Gilberto Felisberto. Brizulla – o samba da democracia ou a parafernália do populismo. Brasília: Pajelança, 1989.
____________________ Jangada do Sul. são Paulo: casa amarela, 2005. 133 p.
VILLA, marco antonio. Jango, um perfil (1945-1964). são Paulo: globo, 2004. 287 p.


Revista Sociologia Ed. 64 ( Texto completo, com imagens )

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

A grande e a pequena política nas eleições do Senado e da Câmara




por Lindbergh Farias

A discussão sobre qual a melhor atuação das bancadas do PT nas eleições das mesas diretoras do Senado e da Câmara deve ser feita com o máximo serenidade e respeito; afinal, essa não é uma questão de princípios. No entanto, ela é uma decisão política importante, dada a presente conjuntura de polarização política do país.

Por isso, se deve reconhecer que, mais que um problema de funcionamento interno, endógeno, a ser decidido no circuito fechado das bancadas parlamentares do legislativo federal, o tema bordeja elementos importantes da tática de atuação do PT, bem como da esquerda em geral, pelos próximos dois anos.

Em condições políticas de estabilidade democrática, o mais comum são situações em que os partidos concertam um acordo entre as partes e compõe uma mesa proporcional às bancadas.

Contudo, nos dias de hoje, o Brasil vive tempos de anormalidade institucional e democrática, desde que a maioria da Câmara admitiu, em abril, e o Senado consumou, em agosto do ano passado, um golpe parlamentar, votando o impeachment da presidenta Dilma, sem que ficasse provado crime de responsabilidade. 

A partir daqueles fatos, a antiga oposição, mais uma parte fisiológica da base de apoio ao governo - hoje governo Temer -, cometeu um ato consciente de deslealdade ao pacto político da constituição de 1988. A lição a ser apreendida dos fatos recentes é que o principal motivo de ter havido relativa estabilidade institucional de 1988 até a pouco, foi que os partidos de oposição fizeram política a partir da premissa de respeito ao mandato de governos legitimamente eleitos. A situação mudou, desde que o PSDB não reconheceu o resultado das eleições presidenciais de 2014 e decidiu fazer uma oposição sem princípios e golpista ao governo Dilma.

Eis a conjuntura anormal em que ocorre o processo eleitoral de escolha das novas mesas do Senado e da Câmara, sendo, portanto, impossível fazer vistas grossas, desconhecendo tudo o que houve e ainda não foi socialmente cicatrizado. Por isso, embora Câmara e Senado sejam duas casas distintas, com as particularidades inerentes a cada uma, a questão política principal, neste momento, é idêntica.

Todos nós sabemos que o objetivo do golpe contra Dilma visava, de fundo, não apenas substituir a presidenta legitimamente eleita. O golpe foi político e de classe. 

Fazendo jus à vocação autoritária universal do neoliberalismo, que começou com Pinochet no Chile, o que está em curso é uma ofensiva gigante de pseudo reformas, através de emendas à constituição, no sentido de retirar direitos conquistados pelos trabalhadores e entregar a soberania nacional sobre o território em terra, água e ar - neste caso, principalmente através da entrega de bandeja das riquezas do Pré-Sal às multinacionais do Petróleo. 

O governo Temer chegou com muita sede ao pote, visando destruir em prazo acelerado a obra de nossos governos, buscando restaurar e avançar o neoliberalismo no Brasil com uma inaudita violência. Basta ver o aumento da repressão aos movimentos sociais, a exemplo da prisão nesta semana do companheiro Guilherme Boulos, terça-feira (17/01) em São Paulo. 

Estamos no curso de batalhas decisivas. Neste interim, se põe a pergunta: como resistir a tantos ataques? Como é possível passar a atual defensiva para uma nova ofensiva em breve tempo? Como massificar o fora Temer e as diretas-já, articulando essas duas bandeiras com o lançamento da campanha de Lula? Qual o nosso papel como deputados e senadores de oposição em meio a isso tudo? Como podemos, parlamentares de compromisso com a esquerda, melhor combinar a luta no parlamento com a luta social? 

Para melhor travar a guerra, antes de tudo, é fundamental melhor reconhecer o território. Sabe-se que, no momento, a correlação de forças internas partidárias na Câmara e no Senado nos é totalmente adversa. Para alterar a correlação de forças, só há uma forma de obtermos vitórias na adversidade. O caminho é difícil e acidentado, mas é o único caminho. Os atalhos são ilusórios. A receita é de fato priorizarmos as lutas sociais, unificarmos o campo de oposição, dialogarmos com humildade com a nossa base social, que foi e tem ido às ruas com muita valentia, primeiro na defesa do governo Dilma contra o golpe e agora contra as reformas neoliberais. 

A nossa atuação no parlamento tem que ter um foco de identidade com a voz das ruas. Temos que falar mais para fora - a sociedade - que para dentro. A nossa atuação tem que ser instrumento de agitação para levantar amplos setores da sociedade contra este governo e seu projeto nefasto. Nos termos de Gramsci, uma nova hegemonia contra o neoliberalismo e o governo Temer, uma nova ética política só será constituída se privilegiarmos mais atuação na sociedade civil que na sociedade política (o Estado). 

Infelizmente, a história está repleta de exemplos de parlamentares originalmente de esquerda, ontem e hoje, que acabam superestimando o papel do parlamento, como se o mundo se resumisse a essas quatro paredes. Já é longa a saga - dois séculos - do que ficou conhecido como “cretinismo parlamentar”. 

Marx, em um texto de balanço da revolução de 1848, dizia que o “… 'cretinismo parlamentar’ consistia numa espécie de delírio que acometia as suas vítimas, as quais acreditavam que todo o mundo, o seu passado e o seu futuro se governavam por uma maioria de votos ditada por aquela assembleia (…) e tudo o que se passava fora daquelas quatro paredes muito pouco ou nada significavam ao lado dos debates importantes”.

Alguém, de boa intenção, pode perguntar assim: em que a participação numa chapa conjunta com Rodrigo Maia (DEM), Rogério Rosso (PSD), Jovair Arantes (PTB) ou o senador Eunício Oliveira (PMDB) atrapalharia a nossa prioridade no tocante às mobilizações sociais?

Tenho escutado uma argumentação de justificação do acordo que não é verdadeira. Se diz - "Ah! A participação na mesa é importante porque podemos interferir na pauta”. Não é verdade. Todo mundo sabe que, no senado e na câmara, a pauta não é feita pela mesa. É feita pelo presidente que, às vezes, consulta o colégio de líderes. Tanto no senado como na câmara, o poder unipessoal do “presidente” é muito forte. Exatamente em torno da disputa desse poder unipessoal - que Gramsci chamava de cesarismo parlamentar -, as eleições pelo comando de ambas as casas são muito acirradas.

Para mim, em que pese a boa intenção, este conjunto de argumentos revela distanciamento da realidade. Pior, pode revelar que uma parcela de nosso partido se descolou perigosamente das forças sociais que estiveram a nosso lado nas duras refregas do presente; forças sociais, vale observar, não necessariamente filiadas ao PT, mas que persistem nos tendo como referência - a exemplo de coletivos de juventude, movimentos feministas, intelectuais que voltaram a atuar na luta contra o golpe, sem-terra, sem-teto, sindicalistas, etc. Uma militância que foi de uma valentia extraordinária no difícil ano de 2016 e que continua a postos para as lutas de 2017. 

Não se enganem, esses movimentos e pessoas têm uma posição clara contra qualquer tipo de chapa em conjunto com os que perpetraram o golpe contra a democracia brasileira. Elas sentem que é necessário construir uma identidade, um campo oposicionista contra o golpe e seu programa de ataques aos trabalhadores. 

A conjuntura é complexa e exige, antes de tudo, mais humildade da parte de nós, parlamentares e dirigentes do PT. Anos passados, o nosso partido era claramente majoritário na esquerda brasileira. Quando as instâncias do PT decidiam, por assim dizer, todos iam atrás. Hoje, não é mais assim. 

Se quisermos manter e ampliar a nossa relação com esses movimentos sociais e setores intelectuais, bem como a nossa militância, temos que ter uma postura de mais diálogo. Falar mas também saber ouvir. 

Neste mês de janeiro, tive a oportunidade de participar de plenárias abertas do PT em João Pessoa (PB) e Natal (RN). Em ambas igualmente apareceu certa expetativa e angústia com a possibilidade de o PT concertar chapas comuns, no senado e na câmara, com os setores que conduziram o golpe e todo o mundo sabe quais são. Em seguida, vem a pergunta da militância, também praticamente em uníssono: "o PT não aprendeu com tudo o que enfrentou?”. 

Sem meias palavras, o nosso militante está querendo dizer o seguinte: concertar acordos nas eleições de ambas as mesas diretoras (câmara e senado) significa a continuação das ilusões com uma política de conciliação e contemporização. São setores que aparentemente ainda não acordaram para a dura crueza do golpe. Neste caso, a conciliação, que parece um atalho suave, na verdade é o melhor caminho para a irrelevância. Pretendem manter a conciliação com o PMDB e o centrão mesmo depois de passado o golpe e da perseguição criminosa contra o Lula. Impressionante. 

Algum metido a esperto pode dizer que essas angústias da militância são expressão do senso comum. Chega-se a dizer que este é um “discurso fácil”. Engano de quem assim pensa. Neste caso, o sendo comum da militância, de tão óbvio e ululante, se transformou na expressão da mais pura e cristalina verdade.

Parem! Prestem atenção no que aconteceu no Rio de Janeiro. Há muito, dizíamos vários de nós, nas reuniões do PT/RJ, que estávamos perdendo nossa identidade, diluídos na aliança com o PMDB do Rio de Cabral et caterva. “Bobagem", diziam! "É o preço da governabilidade". 

Pois bem, estamos pagamos o nosso preço, perdendo uma parte expressiva de nossa base social e ainda tendo que ver a traição do PMDB fluminense. Chega! Vamos escutar os movimentos, vamos escutar o PT. 

Obter cargos de segundo time na mesa em uma negociação atrapalhada, caso aconteça, pode se configurar uma clássica vitória de Pirro. Gastamos uma energia imensa numa discussão que nos divide, e, ainda por cima, pode levar a um movimento de questionamento do próprio PT. O erro político sempre cobra o seu preço.

Devemos estar abertos a participar de articulações alternativas nas eleições para a presidência e mesa de ambos os parlamentos, com base em propostas de democratização das decisões da mesa e transparência administrativa do senado e da câmara. O deputado André Figueiredo (PDT) ensaia uma postulação na câmara. Pode-se movimentar uma ação semelhante no Senado. Mais vale um cargo na mesa ou um passo a mais na consolidação de uma frente de oposição?

Gramsci, que além de grande filósofo e dirigente político foi parlamentar em um tempo convulsionado de ascensão do fascismo, costumava diferenciar a “grande” da “pequena” política. Para ele, a grande política era aquela que se preocupava com os temas universais, principalmente a fundação do Estado e a alteração da relação de forças adversas, ao passo que a pequena política compreende as questões parciais e cotidianas, como ele mesmo dizia “a política de bastidores". Façamos a grande política. 

Lindbergh Farias - Senador PT/RJ



Menos Estado de bem-estar social leva a mais Estado penitenciário



Depois de 134 mortes registradas nos últimos 15 dias em prisões brasileiras, o presidente Michel Temer anunciou na terça-feira (17) a liberação das Forças Armadas para atuar em presídios estaduais, lembrando os tempos da monarquia, que reservava ao Exército tarefas típicas dos capitães do mato, como a prisão de escravos em fuga.

Além da falta de preparo dos militares para esse tipo de situação, a medida recebeu a mesma crítica que o anúncio da abertura de novas vagas em prisões feito anteriormente: nenhuma delas ataca a origem do problema.

Como bem descreveram Julita Lemgruber e Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo no artigo "Show de horrores" publicado nesta Folha em 10/01/2017, não há solução estrutural para o problema prisional que não passe pela redução do número de presos provisórios, cuja maior parte está presa ilegalmente, e pela revisão da atual política de drogas, que, além de superlotar presídios com usuários e pequenos traficantes, confere cada vez mais poder a facções criminosas.

A experiência internacional aponta uma terceira precondição para evitar o problema da superlotação carcerária, algo que certamente não está no horizonte do governo Temer ou, o que é ainda mais grave, do debate político-econômico brasileiro atual.

Conforme sugere o estudo empírico seminal dos sociólogos Katherine Beckett e Bruce Western, que utiliza dados dos Estados norte-americanos entre 1975 e 1995, a taxa de encarceramento costuma ser maior onde o Estado de Bem-Estar Social é mais fraco.

A conclusão dos autores é que a redução dos programas sociais nos EUA durante os anos 1980 e 1990 refletiu a emergência de um novo sistema de administração do que chamam de "a marginalidade social".

O achado vai na linha do que havia exposto o sociólogo Loïc Wacquant em "As prisões da miséria".

Em vez da redução da intervenção estatal na vida social, a opção por "menos Estado" econômico e social, que é a própria causa da escalada generalizada da insegurança objetiva e subjetiva nos vários países, leva à necessidade de "mais Estado" policial e penitenciário.

As evidências apresentadas por Richard Wilkinson e Kate Pickett no best-seller "The Spirit Level", publicado em 2009, parecem conferir generalidade a tais argumentos. Os dados compilados para um conjunto de países ricos indicam que, quanto maior o nível de desigualdade, maior também é a taxa de encarceramento por habitante.

O cruzamento de dados mais recentes de encarceramento apresentados pelo ICPR (Institute for Criminal Policy Research) com o índice de Gini divulgado pelo Banco Mundial sugere que essa relação positiva vale para o conjunto de países do G20 e que o Brasil não foge à regra.

Em uma sociedade como a nossa, que nunca deixou de estar entre as mais desiguais do mundo, a opção por medidas de redução estrutural da rede de proteção social, em vez da via da tributação mais justa e do fortalecimento do Estado de bem-estar social, renova a escolha por uma abordagem exclusivista e punitivista de administrar a marginalidade social.

A proteção aos mais vulneráveis sempre pode caber no Orçamento, mas o genocídio jamais caberá na civilização.

Enquanto a insustentabilidade do sistema previdenciário em meio à elevação da expectativa de vida for vista pela maioria como mais dramática do que a insustentabilidade de um sistema penitenciário em meio à produção de um número cada vez maior de excluídos, estaremos condenados à barbárie.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Uerj: uma universidade na UTI




A instituição enfrenta problemas devido à falta de repasses do governo do Rio, que já dura mais de um ano


Por Lu Sudré, na revista Caros Amigos:

O estado de calamidade pública do Rio de Janeiro - reconhecido pela Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) em novembro de 2016 - pode causar sérios danos à Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), 11ª melhor universidade do País, de acordo com o ranking da Times Higher Education, também do ano passado. Nesta terça-feira (10), o reitor Ruy Garcia Marques e a reitora Maria Georgina Munis Washington divulgaram uma carta afirmando que a crise financeira pode fazer com que a universidade não seja aberta no início do ano letivo, que começa nesta segunda-feira (16).

A instituição, que está entre as melhores da América Latina, enfrenta problemas devido ao corte de repasses do governo, que já dura mais de um ano. A falta de verba se agravou no segundo semestre de 2016 e resultou em atrasos no pagamento dos técnicos-administrativos, dos docentes e dos funcionários terceirizados. 

Em assembleia nesta terça-feira (12), os técnicos deliberaram greve a partir de segunda (16), quando deve começar o ano letivo; já os professores realizarão assembleia ao longo da semana para discutir a situação. Os salários referentes a novembro e dezembro não foram pagos até o momento, assim como o 13º, informa a reitoria em um ofício ao governador Luiz Fernando Pezão (PMDB), enviado em 6 de janeiro.

O documento da reitoria reforça a necessidade do pagamento integral dos servidores e da liberação dos recursos orçamentários para o funcionamento imediato e permanente da universidade. O custeio para manutenção mensal de todas as unidades da Uerj é de R$ 23 milhões.

Em outro manifesto, a carta aberta intitulada “A Uerj e o Futuro do Rio de Janeiro”, os reitores se posicionaram em defesa da educação e afirmaram que esta é a maior crise da Uerj desde sua fundação, em 1950.

"A Uerj está sendo sucateada, numa absoluta falta de visão estratégica por parte dos governantes do nosso Estado, a quem incumbe o financiamento de uma universidade pública e inclusiva como a nossa”, diz trecho da carta. "Desprezar o ensino superior, a pós-graduação e a pesquisa é apostar na miséria, na violência e num futuro sem perspectivas positivas. Forçar o fechamento da Uerj é não pensar no futuro de nosso Estado e de nosso País. A Uerj e o Estado são perenes, os governantes não", continua o texto, assinado também por seis ex-reitores.

Terceirizados 

Maria Luiza Tambellini, uma das diretoras da Associação de Docentes da Uerj (Asduerj), explica que a situação financeira da instituição se agravou com o não pagamento de empresas responsáveis por limpeza, manutenção e segurança a partir de setembro de 2015. Na ocasião, as aulas foram suspensas por insalubridade e a falta de pagamento levou à rescisão de contrato com as empresas. Em julho do ano passado foram abertos novos processos de licitação mas as dívidas anteriores permaneceram irregulares. Atualmente, os terceirizados não receberam os salários referentes a dezembro.

"Eles são os mais precarizados, ou seja, os que mais sofrem com o impacto da crise. Estamos 'em suspenso'. As aulas deveriam voltar na próxima semana, mas a universidade não pode funcionar sem as devidas condições. Não temos segurança, limpeza e manutenção da estrutura", lamenta Tambellini, afirmando que o processo de desfinanciamento da universidade é antigo. Ela endossa a gravidade da situação, que já havia sido denunciada pelos três setores - professores, estudantes e funcionários - durante a greve que ocorreu entre março e julho de 2016.

Segundo Renê Forster, docente do Instituto de Letras, há risco de paralisação total dos serviços terceirizados se os pagamentos não forem realizados. Ele ressalta que a falta de verba prejudica o Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe), que, segundo a Uerj, conta com mais de 500 leitos, 10.000 internações e 180.000 consultas ambulatoriais especializadas por ano.

"O Hospital Universitário está funcionando com menos da metade da capacidade, muitos leitos foram fechados. Isso afeta a comunidade. A universidade vive há muito tempo com falta de coisas básicas. A manutenção é totalmente precária. Tem dia que não temos nem mesmo energia, elevador, limpeza e segurança. Livros, por exemplo, nós compramos com o próprio dinheiro", afirma Forster, em entrevista à Caros Amigos.

Sobre o atraso e parcelamento de salários, o docente não visualiza uma resolução a curto prazo. "O governo do Estado efetivamente deu um calote. Não há qualquer perspectiva de pagamento dos salários atrasados. A situação dos docentes substitutos, com contratos de emergência, é ainda pior: não recebem desde setembro. As contas não esperam, temos dificuldades para ir à universidade e de custear os materiais das próprias atividades".

Segundo João Edilson, aluno do curso de Letras e militante do coletivo Rua - Juventude Anticapitalista, os estudantes também pagam a conta da crise. "A política de assistência estudantil da Uerj nunca foi satisfatória, mas os ataques e cortes do governo estão retirando até mesmo o mais simples. Estamos indo para a terceiro mês sem pagamento da bolsa de assistência estudantil, que é essencial para muitos estudantes. O valor é pouco, mas muitas vezes é a única fonte de renda que o estudante tem para, pelo menos, estar na universidade", explica o estudante.

Para ele, Pezão demonstra pouca vontade política de manter a Uerj como uma instituição pública. “O Pezão deu continuidade ao projeto de sucateamento da universidade. O PMDB conseguiu quebrar o Estado e quer fazer a educação pagar a conta”, critica.

Diante da gravidade da situação e após um longo processo de greve, a comunidade acadêmica já sinaliza reorganização em defesa da Uerj e do Hupe. Nesta quinta-feira (12), o Centro Acadêmico Sir Alexander Fleming (Casef) organizou um ato que contou com a presença de estudantes, ex-alunos e entidades. Outra manifestação está sendo articulada para próxima segunda-feira (16), data que marcaria o início das aulas.

Críticas à atuação dos governos

Em 21 de dezembro do ano passado, o governo pagou o 13º salário da Procuradoria Geral do Estado, enquanto a maioria das categorias do Estado teve o salário parcelado em nove vezes ou ainda não recebeu o benefício. O pagamento foi mais uma ação de Pezão criticada pelos movimentos sociais, principalmente pelo Movimento Unificado dos Servidores Públicos Estaduais (Muspe), que reúne dezenas de sindicatos e tem articulados manifestações.

Na opinião do professor Renê Forster, o governo estadual tem sido irresponsável e injusto com os servidores públicos ao implementar uma política que privilegia o pagamento de certas categorias. "Pessoas com salários imensos receberam antes. É muito nocivo. Por exemplo, privilegiar um coronel aposentado, que ganha R$ 15 mil, é prejudicar os demais. Ele vai receber antes e atrasar o pagamento de um professor aposentado que ganha um pouco mais de um salário mínimo na educação básica. O ideal seria pegar o fluxo de caixa e dividir. Pagar primeiro quem recebe menos", argumenta o docente, que credita grande parte da falência do Estado às isenções fiscais de empresas e gastos com as Olímpiadas.

Os números confirmam. De acordo com o Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ), o Rio, que iniciou 2016 com um déficit estimado em R$ 20 bilhões em suas contas, concedeu, entre 2007 e 2015, R$ 185,85 bilhões em benefícios fiscais para empresas. Em relação às Olimpíadas, com custeio previsto de R$ 28,8 bilhões, foram gastos R$ 37,6 bilhões. “Só a verba das isenções fiscais daria para custear o trabalho dos servidores por mais cinco anos integralmente. O que há de mais grave na atuação do PMDB no estado do Rio é a relação que eles têm com o poder privado, de fazer com que o fundo público financie empresas privadas efetivamente”, aponta Forster. No segundo semestre do ano passado, o Estado divulgou que possui R$ 66 bilhões para receber entre dívidas e créditos vencidos de pessoas físicas e pessoas jurídicas.

Na visão de movimentos como Muspe, a atuação do governo federal tem sido insuficiente para auxiliar a crise no Rio e criticada publicamente. No final de dezembro de 2016, o presidente em exercício Michel Temer sancionou a renegociação das dívidas dos estados, mas vetou parte do texto que trata do Regime de Recuperação Fiscal, criado para socorrer estados em situação financeira mais grave como Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. No mês anterior à decisão, a União bloqueou R$ 170 milhões das contas do governo do Rio por atraso no pagamento de parcelas da dívida.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Se o Estado age como o PCC, decidindo quem vive ou morre, como espera julgá-lo?



"Ali não tinha nenhum santo." Foi com tal sentença que o governador do Amazonas veio a público comentar o massacre que ocorreu em prisão de Manaus. De fato, santo lá não havia, como, ao que tudo indica, não há em nenhum outro lugar do mundo sublunar. 

Os presidiários não são santos, você também não é, nem eu e muito menos o senhor governador. 
Se estivéssemos em uma sociedade de santos, não haveria necessidade de justiça, nem mesmo de governo. 

Se existe direito, justiça e governo é porque aqui também, ou seja, fora do presídio, não há nenhum santo, há seres humanos com suas trajetórias erráticas e seus acordos precários. A justiça é uma construção humana para lidar com humanos. 

Por isso, é possível que a frase do senhor governador quisesse dizer outra coisa. Talvez algo como: "Quem estava lá era sub-humano, não há porque estarmos concernidos com suas mortes". Essa é uma estratégia que os governos brasileiros se eximem em implementar desde há muito, impulsionados por uma parcela da própria população. 

Trata-se de espoliar massas inteiras de sujeitos de qualquer forma de humanidade. Se eles morrem, não haverá nem nomes nem histórias. Haverá apenas números: 60 presos mortos. Você nunca saberá quem são, se eles estavam lá por assassinar a ex-mulher, o filho e seus parentes ou por ter vendido meia dúzia de cigarros de maconha. 

Você nunca verá seus rostos. Até porque, desde que entraram na cadeia, eles já estavam desaparecidos, eles já não existiam mais, dessubjetivados, prontos para uma morte indiferente patrocinada pelo Estado e aplaudida por "pessoas de bem". 

Entender como o governo brasileiro funciona é entender como ele administra o desaparecimento e o direito de matar. Esta é sua verdadeira forma de governo. 

Com uma mão ele massacra parte de sua população, com outra ele lembra, à outra parcela, que o medo espreita e que é necessário "ser ainda mais duro". 

Matar esses "60 presos" é visto, no fundo, como um direito soberano do Estado, como foi um direito soberano matar "111 presos" no Carandiru sem que isso tenha gerado maiores consequências, sem que houvesse rastos. 

Não, não foi uma luta de gangues o que produziu o massacre em Manaus, mas uma política deliberada e pensada de administração da morte, feita nas pranchetas da omissão, do descaso, da perpetuação de condições medievais e da cumplicidade. 

Então virão aqueles que aplaudem o ocorrido, seja com aplausos explícitos, seja com satisfação implícita. "Ali não tinha nenhum santo", dizem todos. Os que aplaudem sempre estiveram lá, no mesmo lugar, desde as execuções públicas medievais, as torturas públicas de escravos em fuga até os massacres policiais de hoje, com o mesmo rosto de "fizeram por merecer". 

Desde tempos imemoriais eles repetem o mesmo raciocínio que confunde justiça e vingança, que acredita estar seguro quando submetido a um poder sem limites, que dirá "se você não faz nada, nada acontecerá contigo". 

Mas o que você precisa fazer para ser preso no Brasil? Pouco mais de 10% dos presos brasileiros estão lá por homicídio (simples ou qualificado). Os outros 90% são pessoas que cometeram furtos e roubos de toda sorte, pichadores, pessoas que "desacataram" a autoridade e, principalmente, sujeitos com problemas ligados a drogas que não tiveram um bom advogado ou um sobrenome capaz de libertá-los. 

Ou seja, em larga medida, pessoas que deveriam estar fora de presídios, cumprindo outra forma de pena –e estariam cumprindo se não fossem de classes sociais massacradas. 

"Tem pena, leve para casa", grita a turba. Mas, sabe turba, não, não temos pena. Temos indignação, o que é algo totalmente diferente. 

Não queremos levar ninguém para casa, queremos que o Estado brasileiro saia do banditismo que muitos aplaudem. Já os gregos sabiam, ao menos desde "Antígona": retirar a humanidade daqueles que o Estado julga criminosos é a forma mais rápida de destruir o próprio Estado, de fazer do Estado outro criminoso. 

O Estado brasileiro age como o PCC, decidindo soberanamente quem irá viver e quem será deixado para morrer. Como ele espera julgá-lo?

A falência do sistema carcerário




Certo dia, ao chegar ao fórum, avistei uma moça que me aguardava na entrada do gabinete. À medida que me aproximava, ela baixava os olhos para o chão, acuando-se num canto entre a parede e a porta.

- Olá! Posso te ajudar em algo?

- Oi, doutora. Meu marido pediu para que eu falasse com você.

- Quem é seu marido?

- É o João (*nome fictício*). Ele está preso.

- Ah, sim. O que aconteceu?

Nesse momento, a moça de corpo franzino começou a chorar. Suas lágrimas eram acompanhadas por intensos soluços e, por conta disso, não conseguia falar. Eu, surpresa e sem jeito com a situação, pedia para que ela se acalmasse, o que foi acontecendo aos poucos.

- O que há? Por que chora tanto?

- Eu só queria saber quando meu marido sai da cadeia, doutora.

Eu, então, me calei. Tendo em vista o estado emocional daquela mulher, que me olhava com tanta tristeza, não podia simplesmente dizer que seu companheiro ainda enfrentaria mais sete longos anos de prisão. Contudo, enquanto pensava em como dar a notícia, ela se adiantou:

- Acabei de sair do hospital. Sangrei uma noite inteira sozinha. Pedi ajuda, mas os vizinhos não escutaram. Perdi meu filho. Perdi a criança que preencheria a minha solidão. Estou só, doutora. Não tenho ninguém.

E começou a chorar novamente. Eu, diante dela, experimentava mais uma vez o sentimento que tem sido para mim uma constante na Vara de Execuções Penais: a impotência.

Por que conto esse episódio?

Conto para que não esqueçamos que o cárcere esconde dramas e histórias de vida que vão além, muito além daquelas paredes mofadas e mal cheirosas, daqueles corpos amarelados e abatidos. Conto para que saibamos que existem pais, mães, esposas e filhos que, apesar de não estarem fisicamente presos, encontram-se em intenso sofrimento psíquico. Conto para dizer que é absolutamente possível ser solidário às vítimas da violência e lutar para que o sistema carcerário não faça mais vítimas; afinal, ser a favor da vida não admite meio-termo. Conto para que lembremos que diariamente pessoas são entulhadas como lixo, muitas delas sem decreto condenatório definitivo, a fim de que seja saciada a sede de vingança de uma sociedade doente. Conto para que saibamos que seres humanos "pagam" pelos erros cometidos num lugar que, ao invés de ressocializar, é a barbárie na Terra. Conto para lembrar que cabe ao Estado, sim, a sua proteção, e que a Constituição Federal prevê a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República, sendo um de seus objetivos a promoção do bem estar de todos. TODOS, sem exceção. Conto para dizer que não quero, não posso e não vou me conformar com a situação dessas pessoas, e que no dia em que achar natural a morte de 60 seres humanos, no dia em que não enxergar nada além de "bandidos" naqueles corpos atrás das grades, a magistratura já não estará mais viva em mim. Eu já não estarei mais viva.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Tragédia anunciada em Manaus



O esperado fim de 2016 não permitiu nem ao menos dois dias de contentamento com o novo ano. O massacre de 56 detentos no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus, chocou a todos e trouxe à tona mais uma vez a realidade do sistema prisional brasileiro. Tão chocante quanto a chacina foram as reações públicas a ela, com destaque para Michel Temer e José Melo, governador do Amazonas.

O primeiro foi incapaz de dar sequer uma declaração de solidariedade aos familiares das vítimas. O governador, por seu lado, não se contentou com o silêncio e abriu a boca para dizer que entre os mortos "não havia nenhum santo". Santo é ele, que está sob o risco de perder o mandato no TSE por acusação de compra de votos com dinheiro público na última eleição e de usar a Polícia Militar para intimidar eleitores em seu favor.

A chacina de Manaus, lamentavelmente, não é um ponto fora da curva. Nada teve de imprevisível e é muito provável que tenhamos episódios semelhantes no próximo período. A guerra entre facções é na verdade um subproduto cruel do atual sistema penitenciário, regido pela lógica de encarceramento em massa.

Segundo dados do próprio Ministério da Justiça, o Brasil possui a quarta população carcerária do mundo, com mais de seiscentos mil presos. O crescimento tem sido avassalador: em 1990, havia 90 mil presos; em 2014 o número subiu para 607 mil e a previsão é que chegue a 1 milhão em 2022. O perfil dos encarcerados é o mesmo dos acometidos pelo extermínio policial: a juventude negra e pobre. Dois de cada três detentos é negro e mais da metade possui de 18 a 29 anos.

Ninguém razoável imagina que ter mais presos diminua a violência na sociedade. Jogar pessoas indiscriminadamente em cárceres superlotados e com condições indignas só aprofunda o ciclo da violência, como mostram os elevados índices de reincidência criminal. Mesmo assim, temos um Poder Judiciário cada vez mais punitivo. O próprio STF, que se mostrou consternado com o massacre, decidiu recentemente a favor de prisão após julgamento na segunda instância, o que agravará ainda mais o problema.

Cerca de 40% da população carcerária, 240 mil pessoas, são presos provisórios, ou seja, permanecem presos sem sequer ter tido julgamento em primeira instância. As vozes cada vez mais relevantes que corretamente apontam a ameaça ao Estado de Direito com a recente escalada de punitivismo judicial e o abuso das prisões provisórias não podem, no entanto, esquecerem-se de que para esta massa carcerária o Estado de Direito sempre foi uma ficção. 240 mil pessoas presas sem julgamento e, em geral, por crimes leves é uma excrescência que envergonharia qualquer ditadura.

Os mesmos que defendem o Estado Mínimo com a PEC 55 e a retirada de direitos sociais não têm pudor algum de exigi-lo máximo, quando se trata de enjaular os desvalidos. A política de encarceramento em massa é de fato uma política de contenção social com forte viés de classe.

Não custa lembrar ainda, aos que venham propor como solução a privatização das cadeias, que o presídio do massacre em Manaus é gerido pela iniciativa privada. Aliás, peritos de órgão ligado ao próprio Ministério da Justiça afirmaram que a gestão privada facilitou as condições para o massacre.

É preciso colocar em debate o punitivismo judicial e a naturalização do regime fechado. Crimes leves devem ter penas leves. Cerca de um terço dos presos responde por pequenos furtos ou roubos. É preciso colocar em debate a insana "guerra às drogas", motivada muito mais por disputa de mercado do que por preocupação com a saúde pública. 27% dos presos brasileiros respondem por tráfico.

O juiz amazonense Luís Carlos Valois, que acompanhou a chacina do Anísio Jobim, foi um dos poucos que tiveram a coragem de por o dedo neste ferida. O resultado foi um inquérito que tenta associá-lo covardemente ao tráfico de drogas. Agora, após uma reportagem irresponsável do jornal "O Estado de S. Paulo" nesta mesma direção, passou a ser ameaçado de morte. Isso apenas revela que questões como o punitivismo e a guerra às drogas são tratadas como intocáveis tabus em nossa sociedade.

Mantê-las assim continuará custando vidas.

Empatia

Luis Fernando Verissimo


“Empatia”, nos diz o dicionário, é a capacidade de sentir o que sentiria na situação ou nas circunstâncias experimentadas por outro. Ou seja, a capacidade de se colocar no lugar do outro e sentir o que ele sente, um requisito não só para a solidariedade e a caridade, mas para a vida civilizada. Há situações refratárias à empatia que, por mais que você tente, não consegue imaginar. Você pode se imaginar preso, mas não consegue imaginar, por ser tão distante das suas expectativas, estar numa cela em que cabem cinco, com 15 - ou mais. O sistema carcerário brasileiro é um escândalo que atravessa os tempos e os governos e só se agrava. O ódio e a revolta nutridos pela condição desumana das cadeias superlotadas explodem, como nesse horror em Manaus, ultrapassam o nosso imaginário e destroçam qualquer tentativa de empatia.

A empatia falta porque não temos como experimentar o monstruoso, mas também falta em quem tem a responsabilidade de enfrentá-lo, e diminuir o escândalo. Nossa empatia com o que sofrem os apenados vai até a selvageria de Manaus e do Carandiru, depois entramos no território do inimaginável, onde a empatia não alcança. Já o descaso de sucessivos governos com a desumanidade das nossas prisões, o outro nome da falta de empatia, é criminoso. Tanto a nossa falta de empatia quanto o descaso das autoridades, que gera o horror, vem do nosso passado escravocrata, do tempo da chibata. Persiste um sentimento não declarado, mas evidente, de que criminoso tem que sofrer mesmo, que condições mais humanas nos cárceres são um luxo imerecido. Vale lembrar que os policiais acusados pelas mortes no Carandiru foram absolvidos. 

Em Manaus, duas facções se enfrentaram ferozmente, e os perdedores foram mortos e, em muitos casos, desmembrados. Você lê a notícia terrível e tenta pensar em algum alento. Eram bichos, não eram homens. Não tenho nada a ver com eles. Somos de raças diferentes, vivemos em países diferentes. Mas o consolo não funciona. Sou da raça dos responsáveis pelo que eles se tornaram. Vivemos no mesmo país, mas não há nada que eu possa oferecer aos meus conterrâneos. Nem minha empatia.