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quarta-feira, 30 de setembro de 2015

O que mais Eduardo Cunha tem que fazer para ser detido?


O que mais Eduardo Cunha tem que fazer para que o detenham?

Assaltar um banco à luz do sol? Bater na sogra no Dia das Sogras?

Um, dois, três, quatro, cinco depoimentos coincidem em acusá-lo de coisas pesadíssimas no terreno da corrupção.

Daqui a pouco não haverá mais dedos para fazer essa contagem macabra.

E o que se vê é Eduardo Cunha conspirando como se estivesse livre de qualquer suspeita.

Sabe-se que ele quer agora derrubar uma decisão, a um só tempo, do STF e de Dilma, a que vetou dinheiro de empresas nas campanhas.

Cunha tenta achar uma gambiarra que permita a manutenção dessa que é a fonte primária de corrupção no país.

Em qualquer situação, seria um acinte. Nas presentes circunstâncias, é um crime de lesa pátria.

Como sempre, ele legisla em causa própria. Cunha simplesmente não existiria sem os milhões que as empresas investem nele para que, no Congresso, defenda os interesses delas.

Ele se elege com este dinheiro e, como sua capacidade arrecadadora é enorme, ajuda a eleger outros políticos que comerão depois em sua mão.

Foi assim que virou presidente da Câmara.

Tantas evidências se acumulam contra ele e Cunha age como um Napoleão do Congresso, para vergonha do país.

Por que essa impunidade não termina?

Cunha simplesmente desmoraliza a tese de que o Brasil trava um combate épico contra a corrupção.

Ao contrário, ele reforça a suspeita de muitos de que este combate épico é seletivo, cínico e demagógico. É fácil engaiolar Dirceu, Genoíno, Vaccari. E virtualmente impossível dar o mesmo destino ao outro lado, mesmo com a folha corrida de um Eduardo Cunha

Fiz a pergunta que abre este artigo no Facebook: o que Cunha tem que fazer para responder por suas delinquências?

Uma resposta foi aplaudida por muitos internautas: filiar-se ao PT.

Parece que esta é uma condição na Lava Jato de Moro e da PF: ser do PT.

Rir ou chorar?

Os filósofos sempre recomendaram rir da miséria humana em vez de chorar.

Riamos, então, da miséria da Justiça brasileira.

Ao tentar blindar Cunha, jornalismo da Globo coleciona vexames



TV dos Marinho parece manter acordo com Eduardo Cunha e "terceiriza" acusações contra presidente da Câmara


por Helena Sthephanowitz

Em depoimento na sexta-feira (25) aos investigadores da Operação Lava Jato, João Augusto Henriques, preso como operador do PMDB, afirmou ter aberto uma conta na Suíça para pagar propina ao presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Segundo Henriques, o pagamento teria sido ordenado por Felipe Diniz, filho do falecido deputado federal Fernando Diniz (PMDB-MG). A propina seria ligada à negociação de um campo de petróleo em Benin, na África, pela diretoria internacional da Petrobras, onde Cunha teria influência na época.

A notícia foi publicada primeiro no jornal O Estado de S. Paulo. Diante da grande repercussão, no sábado (26) o Jornal Nacional foi obrigado a reproduzir trechos do jornal impresso, sem fazer qualquer apuração própria. Os fatos até foram narrados de acordo com a notícia original, mas a chamada e principalmente a conclusão da matéria foram mais um vexame jornalístico da TV Globo.

O telejornal soltou esta pérola ao vivo e em cores para encerrar a matéria: "O Jornal Nacional não conseguiu falar com Eduardo Cunha sobre a nova denúncia, mas quando foi citado pelo delator Júlio Camargo como destinatário de US$ 5 milhões, Cunha disse que desmentia com veemência o que chamou de 'mentiras do delator'".

Traduzindo: Eduardo Cunha e sua assessoria fugiram de dar explicações sobre a nova denúncia, então o JN "vestiu a camisa do deputado" e publicou uma resposta antiga de uma denúncia anterior.

Isso não é jornalismo. O JN agiu como a própria assessoria de imprensa do deputado. Não é a primeira vez, como já mostramos em nota anterior aqui na Rede Brasil Atual.

Diante disso fica a pergunta: que acordo tem a TV Globo com Eduardo Cunha para dar tanto vexame jornalístico?

Quase toda a imprensa tradicional blindou Cunha quando ele se lançou candidato à presidência da Câmara dos Deputados, ignorando episódios polêmicos de sua biografia. Mas, a partir de que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, persistiu em investigá-lo, a cada dia surgem fatos novos que complicam a situação do parlamentar. Fica cada vez mais difícil, pra não dizer impossível, esconder a investigação no noticiário.

Ontem (28), a Folha de S.Paulo desengavetou outra "novidade" antiga. Publicou que Cunha é investigado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) por ter recebido dinheiro desviado do Prece – fundo de pensão da Companhia Estadual de Água e Esgoto (Cedae) do Rio de Janeiro – entre 2003 e 2006.

A "novidade" é antiga porque a processo na CVM foi aberto em 2012. Será que se a Folhativesse publicado antes da eleição para presidente da Câmara, em fevereiro deste ano, Cunha teria chegado a presidente da Casa?

Na noite de ontem, novamente o Jornal Nacional reproduziu a notícia da Folha, também sem fazer apuração própria. Parecia até estar se justificando ao "amigo" Cunha: "Foi a Folha que soltou, então não teve como abafar".

É assim que vemos a imprensa tradicional se comportando como os ratos que abandonam o navio quando começa o naufrágio. Enquanto Cunha estava em ascensão, o bajulava, blindava e mantinha seu passado engavetado. Só quando despontou a real ameaça de cair em desgraça começaram a desengavetar os malfeitos sabidos há tempos.

Notícias desses desvios no Prece existem desde 2006, quando este fundo de pensão foi investigado na CPI dos Correios. O que seria novidade de fato é porque ainda "não veio ao caso" até hoje uma investigação séria feita pela Procuradoria-Geral da República, mesmo havendo um processo administrativo aberto há três anos na CVM.

Mas isso nenhum jornal da imprensa tradicional quer saber. Ainda.


segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Carteira cheia, carteira vazia



Fui criado, como diz Gil Brother Away, a leite com pera. Toda segunda-feira meus pais me davam cinquenta reais -uma pequena fortuna para um adolescente do ano dois mil. Conseguia a proeza de gastar tudo com balas Garoto, milk-shakes do Bob's e o aluguel de fitas de Nintendo 64 (em geral a mesma fita: "007 contra GoldenEye").

No domingo eu estava invariavelmente quebrado. E nunca fiquei em casa porque não tinha dinheiro.

Ir à praia sem um centavo no bolso é um esporte, e eu era craque da camisa número 9. O primeiro desafio era o ônibus. Eram muitas as formas de não pagar. Lembro de duas. A primeira consistia em curvar-se humildemente, com olhar de súplica e voz chorosa, usando termos que denotassem afeto ("irmão") e polidez ("na moral"): "Irmão, na moral, tem que condição de me quebrar essa, na humildade, só dessa vez, na moral, irmão? Fui assaltado, irmão, quebra essa pra mim, na moral".

A segunda opção era mais trabalhosa, mas quase infalível: consistia em perguntar ao trocador se o ônibus passava por um bairro pelo qual ele certamente não passaria. "Passa no Grajaú?" "Não". "Obrigado, vou descer no próximo ponto". No ponto seguinte, a mesma coisa: "Passa no Grajaú?" Até chegar em Ipanema.

Só falhou uma vez. Perguntei: "Passa no Grajaú?" E o trocador: "Passa". Tive que responder: "Que pena, tô proibido de entrar no Grajaú".

Chegando na praia, quase tudo era de graça: o mar, o sol, o pôr do sol, o futebol, a altinha. Na fome, filava-se um biscoito Globo, pedia-se um golinho de mate de galão, às vezes um amigo mais abastado emprestava dois reais e isso era suficiente para um banquete de queijo coalho. E a gente era feliz.

Para impedir arrastões, a polícia, sob o comando do secretário de segurança, está parando os ônibus que vão do subúrbio em direção à praia de Ipanema. Os passageiros que não têm dinheiro na carteira são detidos. Segundo o secretário, um jovem com a carteira vazia vai ter que assaltar pra voltar pra casa.

Secretário: existem mil maneiras de se viver sem dinheiro. Carteira vazia não é crime previsto por lei. Crime é pedir para alguém abrir a carteira com base na sua procedência ou cor de pele.Para se investigar alguém é preciso que pesem acusações sérias, como as que pesam, por exemplo, sobre os políticos para quem o senhor trabalha. Mas talvez no seu critério sejam todos inocentes, pois têm a carteira cheia.

domingo, 27 de setembro de 2015

Quem tem o direito de falar?

VLADIMIR SAFATLE


Estabelecer que minorias só podem falar dos problemas de seu grupo é uma forma astuta de silenciamento


A política não é uma questão apenas de circulação de bens e riquezas. Ou seja, ela não se funda simplesmente em uma decisão a respeito de como as riquezas e os bens devem circular, como eles devem ser distribuídos.

Embora essa seja uma questão central que mobiliza todos nós, ela não é tudo, nem é razão suficiente de todos os fenômenos internos ao campo que nomeamos "política". Na verdade, a política é também uma questão de circulação de afetos, da maneira com que eles irão criar vínculos sociais, afetando os que fazem parte destes vínculos.

A maneira com que somos afetados define o que somos e o que não somos capazes de ver, o que somos e não somos capazes de sentir e perceber. Definido o que vejo, sinto e percebo, define-se o campo das minhas ações, a maneira com que julgarei, o que faz parte e o que está excluído do meu mundo.

Percebam, por exemplo, como um dos maiores feitos políticos de 2015 foi a circulação de uma mera foto, a foto do menino sírio morto em um naufrágio no Mar Mediterrâneo.

Nesse sentido, foi muito interessante pesquisar as reações de certos europeus que invadiram sites de notícias de seu continente com posts e comentários. Uma quantidade impressionante deles reclamava daqueles jornais que decidiram publicar a foto. Por trás de sofismas primários, eles diziam basicamente a mesma coisa: "parem de nos mostrar o que não queremos ver", "isto irá quebrar a força de nosso discurso".

Pois eles sabiam que seu fascismo ordinário cresce à condição de administrar uma certa zona de invisibilidade. É necessário que certos afetos não circulem, que a humanização bruta produzida pela morte estúpida de um refugiado não nos afete. Todo fascismo ordinário é baseado em uma desafecção.

Toda verdadeira luta política é baseada em uma mudança nos circuitos hegemônicos de afetos. Prova disso foi o fato de tal foto produzir o que vários discursos até então não haviam conseguido: a suspensão temporária da política criminosa de indiferença em relação à sorte dos refugiados.

Mas essa quebra da invisibilidade também se dá de outras formas. De fato, sabemos como faz parte das dinâmicas do poder decidir qual sofrimento é visível e qual é invisível. Mas, para tanto, devemos antes decidir sobre quem fala e quem não fala, qual fala ouvirei e qual fala representará, para mim, apenas alguma forma de ressentimento.

Há várias maneiras de silêncio. A mais comum é simplesmente calar quem não tem direito à voz. Isso é o que nos lembram todos aqueles que se engajaram na luta por grupos sociais vulneráveis e objetos de violência contínua (negros, homossexuais, mulheres, travestis, palestinos, entre tantos outros).

Mas há ainda outra forma de silêncio. Ela consiste em limitar sua fala. Assim, um será a voz dos negros e pobres, já que o enunciador é negro e pobre. O outro será a voz das mulheres e lésbicas, já que o enunciador é mulher e lésbica. A princípio, isto pode parecer um ato de dar voz aos excluídos e subalternos, fazendo com que negros falem sobre os problemas dos negros, mulheres falem sobre os problemas das mulheres, e por aí vai.

No entanto, essa é apenas uma forma astuta de silêncio, e deveríamos estar mais atentos a tal estratégia de silenciamento identitário. Ao final, ela quer nos levar a acreditar que negros devem apenas falar dos problemas dos negros, que mulheres devem apenas falar dos problemas das mulheres.

Pensar a política como circuito de afetos significa compreender que sujeitos políticos são criados quando conseguem mudar a forma como o espaço comum é afetado.

Posso dar visibilidade a sofrimentos que antes não circulavam, mas quando aceito limitar minha fala pela identidade que supostamente represento, não mudarei a forma de circulação de afetos, pois não conseguirei implicar quem não partilha minha identidade na narrativa do meu sofrimento. Minha produção de afecções continuará circulando em regime restrito, mesmo que agora codificada como região setorizada do espaço comum.

Ser um sujeito político é conseguir enunciar proposições que implicam todo mundo, que podem implicar qualquer um, ou seja, que se dirigem a esta dimensão do "qualquer um" que faz parte de cada um de nós. É quando nos colocamos na posição de qualquer um que temos mais força de desestabilização de circuitos hegemônicos de afetos.

O verdadeiro medo do poder é que você se coloque na posição de qualquer um.

Bancada da pizza da CPI do HSBC: Depois de livrar cunhada do tucano Tasso Jereissati, terá moral para investigar outras contas suspeitas na Suíça?

A bancada da pizza do HSBC: Ricardo Ferraço (PMDB/ES), Otto Alencar (PSD/BA), Paulo Bauer (PSDB/SC), Blairo Maggi (PR/MT), Ciro Nogueira (PP-PI), Davi Alcolumbre (DEM /AP) e Sérgio Petecão (PSD/AC)





No Brasil, Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) contra os poderosos de direita, invariavelmente apoiados pela grande mídia, não emplaca. Quando se torna realidade, morre por conluio entre parlamentares e os setores envolvidos, manobras ilícitas e lícitas, inclusive covardia.

Cercada de muita expectativa, a CPI do HSBC teria a oportunidade de investigar e mostrar que muitos dos que hoje esbravejam “abaixo a corrupção” esconderam fraudulentamente bilhões no HSBC Private Bank, em Genebra, Suíça. Segundo dados divulgados no início de fevereiro deste ano, 8.867 correntistas do Brasil, titulares de 6.606 contas secretas no HSBC suíço, tinham aí depositados cerca de US$ 7 bilhões, de 9 de novembro de 2006 a 31 de março de 2007.

Porém, reunião fatídica da CPI do HSBC, realizada reunião de 16 de julho, demonstrou que ela provavelmente seguirá a regra, morrendo de inanição ou de indigestão por farta distribuição pizza.

A evidência: o abafa bem organizado pelos senadores nessa reunião, que, queiram ou não, macularam indelevelmente os trabalhos do grupo.

A CPI do HSBC, como devem se lembrar, havia aprovado em sessão anterior, no final de junho, a quebra do sigilo de, entre outros:

* Jacks Rabinovich, empresário e ex-diretor do Grupo Vicunha. Ele aparece vinculado a nove contas no HSBC da Suíça (a maioria em conjunto com a família Steinbruch), que somam US$ 228 milhões.

* Jacob Barata, conhecido como o “Rei do Ônibus” no Rio de Janeiro, e os filhos Jacob Barata Filho, David Ferreira Barata e Rosane Ferreira Barata. Segundo registros do HSBC de Genebra, entre 2006 e 2007, Jacob mantinha US$ 17,6 milhões em conta conjunta com sua mulher, Glória, e os três filhos do casal.

* Paula Queiroz Frota, uma das executivas do Grupo Edson Queiroz, de sua família e do qual faz parte o maior conglomerado de comunicação do Ceará. Integra-o: TV Verdes Mares (afiliada da Globo), Rádio Verdes Mares, TV Diário, FM 93, Rádio Recife, Diário do Nordeste e portal Verdes Mares. Paula, a irmã Lenise, o irmão Edson (morto em 2008) e a mãe Yolanda, também membros do conselho de administração do grupo empresarial, tinham, em 2007, US$ 83,9 milhões na conta 5490 CE aberta em 1989 no HSBC de Genebra.

Na véspera dessa reunião, os trabalhos da CPI do HSBC haviam ganho força devido a uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Em 15 de julho, o ministro Celso de Mello negou o mandado de segurança impetrado por Jacks Rabinovich que reivindicava a não quebra do seu sigilo bancário.

Só que, em vez de aproveitarem-se dessa sentença altamente positiva para quem deseja investigar a lavagem de dinheiro e evasão de divisas, via contas secretas no HSBC suíço, os senadores a ignoraram e levantaram adiante o abafa, conforme o combinado.

Acompanhe-o:

1) Dos onze titulares, apenas dois não estavam presentes à reunião de 16 de julho, devido a agendas externas, portanto não participaram da manobra: Fátima Bezerra (PT/RN) e Acir Gurgacz (PDT-RO).

2) Consequentemente, nove compareceram. Nunca a CPI do HSBC teve quórum tão alto.

3) De 24 de março de 2015, quando foi instalada no Senado, a 16 de julho, a CPI do HSBC realizou onze reuniões. No entanto, entre 5 de maio e o final de junho, nenhuma. Foram 49 dias sem uma única sessão.

4) Três senadores protocolaram então requerimento extra-pauta, para que fossem reconsideradas as aprovações de quebra de sigilo dos seis correntistas citados acima. Objetivo óbvio: livrar a cara dos seis.

Ciro Nogueira (PP-PI) agiu em socorro do empresário Jacks Rabinovich.

Davi Alcolumbre (DEM /AP) intercedeu por quatro: Jacob Barata e os filhos David, Jacob e Rosane.

Paulo Bauer (PSDB/SC) tirou da fogueira Paula Queiroz Frota, simplesmente a cunhada de outro senador também tucano. Paula é irmã de Renata Queiroz Jereissati, esposa do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE). Ambas são filhas de Yolanda Vidal Queiroz, que também tinha conta no HSBC de Genebra.

O resultado, todos já conhecem: 7 a 1, a favor da manutenção do sigilo bancário desses seis correntistas.

O senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) foi o único que votou pela quebra do sigilo de cinco dos seis correntistas mencionados. Ele se absteve na votação referente a Paula Queiroz Frota, cunhada do colega Tasso Jereissatti.

Além de Ciro Nogueira, Davi Alcolumbre e Paulo Bauer, votaram a favor da manutenção do sigilo, contrariando a decisão do STF, mais quatro senadores:

* Ricardo Ferraço (PMDB/ES), por sinal relator da CPI do HSBC

* Otto Alencar (PSD/BA)

* Blairo Maggi (PR/MT)

* Sérgio Petecão (PSD/AC)

Para que os eleitores não se esqueçam, repetimos os nomes dos sete integrantes da bancada da pizza da CPI do HSBC: Ciro Nogueira, Davi Alcolumbre, Paulo Bauer, Ricardo Ferraço, Otto Alencar, Blairo Maggi e Sérgio Petecão.

– E o senador Paulo Rocha (PT-PA)?

Devido à condição de presidente de CPI, ele não votou.

Segundo matéria do jornalista Fernando Rodrigues, no UOL, “a operação abafa foi comandada pelo petista Paulo Rocha”.

Ao Viomundo, Paulo Rocha, via sua assessoria de imprensa, nega.

Em texto que nos foi encaminhado, a assessoria do senador do Pará ainda explica:

O presidente da CPI, senador Paulo Rocha (PT-PA), foi questionado sobre qual seria sua interpretação quanto à revogação das quebras de sigilos já aprovadas há uma semana. O senador observou que, desde o início dos trabalhos, garantiu que iria dirigir os trabalhos sem transformar a CPI num palco, sem espetáculo, assegurando amplo direito de defesa e evitando que direitos individuais fossem colocados em xeque.
"Assim me comportei na reunião de hoje. No entanto, acho que dada às dificuldades das informações que a CPI têm, e que mexem com direitos individuais e coletivos, é claro que a CPI tem momentos de firmeza e momentos de dúvida, justamente por causa das fragilidades dos documentos que são enviados para cá”, afirmou.

Em tempo, quatro questões:

Com essa bancada da pizza tão “generosa” com os suspeitos de contas fraudulentas no HSBC, você ainda acredita que essa CPI vá investigar e revelar outros brasileiros que usaram o banco suíço para lavagem de dinheiro e evasão de divisas? Sinceramente, esta repórter acredita que não.

Depois desse abafa organizado, a CPI do HSBC ainda teria condições morais de levar o seu trabalho adiante?

Mas será que ela vai se dispor de agora em diante a fazer um trabalho realmente sério, sem aliviar para financiadores de campanha, amigos e parentes de senadores e donos da mídia, por exemplo?

Como ficará a situação dos seis correntistas já beneficiados pela bancada da pizza? Suas contas no HSBC de Genebra ficarão realmente livres de qualquer investigação?

Aguardemos os próximos passos.

sábado, 26 de setembro de 2015

A radicalização conservadora

por Marcos Coimbra

Ela ganha terreno no mundo, mas exibe particularidades no caso brasileiro


A radicalização conservadora em avanço no Brasil é semelhante àquela que assola as principais sociedades democráticas. Mas tem, como seria de esperar, características próprias.

Em praticamente todo o mundo, o crescimento das organizações e da militância de extrema-direita é uma marca dos últimos 30 anos. Saímos do século XX e entramos no XXI obrigados a conviver com algo que parecia extinto desde quando o nazifascismo foi derrotado na Segunda Guerra Mundial.

A base da cultura democrática generalizada no pós-Guerra foi a tolerância e o reconhecimento da legitimidade do outro na interlocução política. Ao mesmo tempo que admitia a existência de interesses e pontos de vista distintos na sociedade, estabelecia o princípio de que ninguém tinha o direito de impor os seus aos demais, muito menos agir para eliminar aqueles de quem discordasse. Paradoxalmente, até as ditaduras do período, como a brasileira a partir de 1964, buscaram nesses valores sua racionalização, apresentando-se como “etapa” e “mal necessário” no processo de concretizá-los.

Como mostram os estudos disponíveis, até meados da década de 1980, o típico cidadão norte-americano considerava que republicanos e democratas, apesar de suas discordâncias, eram igualmente bem-intencionados. Os eleitores podiam filiar-se a partidos diferentes e acreditar em coisas diferentes, mas reconheciam-se como iguais. Dissentir em matéria política não os tornava adversários e, muito menos, inimigos.

Esse quadro se desfez. Como revela um trabalho de 2014 dos professores S. Iyengar, da Universidade de Stanford, e S. Westwood, da Universidade de Princeton, “(...) no ambiente político norte-americano contemporâneo, constata-se uma crescente hostilidade entre os cidadãos (...), quem se identifica com um partido expressa visão negativa em relação ao outro e a seus simpatizantes. Enquanto os republicanos percebem seus correligionários como patrióticos, bem informados e altruístas, julgam os democratas como se possuíssem os traços opostos”. 

O pior, segundo os autores, é que a crescente polarização baseada em identidades político-partidárias as extravasa: elas “(...) fornecem os elementos para juízos de valor e comportamentos não políticos (...) levando os indivíduos a frequentemente discriminar aqueles com quem não se sentem identificados”. Para eles: “(Hoje) na sociedade norte-americana, a animosidade entre aqueles que se identificam com algum partido é mais alta do que a hostilidade racial”. 

Outras pesquisas mostram que os níveis de antagonismo tendem a ser significativamente maiores entre conservadores e republicanos. Os “fortemente republicanos”, entre eles os integrantes do ultrarreacionário Tea Party, são aqueles que mais discriminam. Na Europa, os exemplos de crescimento de organizações de extrema-direita são tão conhecidos que nem é preciso enumerá-los. 

Portanto, não somente no Brasil aumenta a radicalização conservadora, embora tenha, entre nós, especificidades.

A primeira é a velocidade com que emergiu. Nos Estados Unidos ela precisou de décadas, aqui, de pouquíssimos anos. No início de 2013, ninguém acreditaria que teríamos uma direita furiosa nas ruas dali a meses, como vimos nos “movimentos” de junho e julho daquele ano. 

A segunda é a inexistência, no Brasil de hoje, um elemento integrado há séculos no cenário político democrático: uma imprensa plural, com alguns veículos ligados aos partidos e outros equidistantes de todos. Se, nos EUA e na Europa, os dois (ou mais) lados vão à guerra partidária com suas tropas políticas, seus militantes e suas máquinas de comunicação, enquanto instituições como o Judiciário e a imprensa independente arbitram o conflito, aqui, a bem dizer, só existe um lado. 

A velocidade com a qual cresceu a extrema-direita brasileira é consequência de nossa “grande” imprensa funcionar como uma única e imensa Fox News, a emissora de televisão partidarizada e retrógrada de Rupert Murdoch. A onda conservadora teria se formado mais rapidamente nos EUA se lá existisse um despropósito semelhante ao nosso, um conglomerado de empresas de comunicação que monopoliza a mídia de massa e se proclama como “fazendo de fato a posição oposicionista deste país”, nas inesquecíveis palavras da ex-presidente da Associação Nacional dos Jornais. 

A terceira é nosso passado recente de ditadura, em uma sociedade cronicamente hierárquica. Para inspirar-se, a direita brasileira tem apenas de olhar para trás. De lá vem a sua truculência.

Que horas ela volta?: Com medo de Jéssica

Carta Maior

Léa Maria Aarão Reis*


O filme de Anna Muylaert mobiliza e provoca furor. Até a semana passada, 250 mil espectadores assistiram a saga da doméstica Val e da sua filha Jéssica. Oitenta mil deles apenas num fim de semana. Isto faz Que Horas Ela Volta? aprumar-se para chegar perto da bilheteria dos blockbusters americanos feitos de boçalidade e de músculos. Escolhido para representar o Brasil na competição de Oscar de melhor filme estrangeiro da edição de 2016, sua carreira reafirma o trabalho da cineasta paulista como autora de bons filmes: o premiado Durval Discos, É proibido fumar, Chamada a cobrar e, sobretudo, como corroteirista do excelente O ano em que meus pais saíram de férias, de Cao Hamburguer.

Qual a explicação para o sucesso, para a explosão do filme da Anna – nos festivais estrangeiros e nas principais cidades do país -, além da narrativa relatada com talento, e de contar com a experiente atriz Regina Casé fazendo com brilho e garra a empregada doméstica nordestina que trabalha para a alta classe média paulistana? Uma personagem emblemática, mas tão ‘banal’ e pouco original?

Simples: com habilidade, Anna toca num nervo infeccionado, até então camuflado, da classe média brasileira. Seu filme expõe e escancara a hierarquização feroz das classes no Brasil dentro da intimidade dos grupos familiares. Uma situação inspirada na sua própria experiência, quando, em certa época, ela precisou contratar uma babá para ajudá-la a cuidar dos filhos então pequenos. Sem esse suporte não poderia continuar trabalhando por um bom tempo. Esta é a origem do roteiro que criou.

Da figura da babá, resquício da escravatura, à empregada doméstica modelo nacional, um outro entulho largado no caminho pela escravidão no país, foi um pequeno passo para expandir o argumento. Sem o trabalho das outras milhares de Vals existentes neste país, sejam elas babás, diaristas ou moradoras em um quarto infecto, na casa dos patrões, a família burguesa brasileira emperra e não funciona. A dependência dos patrões é absoluta - até para o mínimo gesto de levantar da cadeira e ir à geladeira para se servir de um copo de água. É isto que Anna mostra serenamente, com simplicidade. E a dependência estampada no espelho que é a telona deixa a plateia burguesa nervosa. 

Não surpreende que algumas mulheres, nas sessões de cinemas de zonas ditas nobres das grandes cidades, cheguem a se levantar, revoltadas, para ir embora, como já ocorreu, no meio da exibição.

Mas Muylaert vai além e introduz outro elemento definitivamente perturbador na história: a filha Jéssica, que, pequena, foi deixada pela mãe no Nordeste quando Val parte para trabalhar e sobreviver como doméstica em São Paulo. Agora, já mocinha, Jéssica chega para prestar vestibular para a faculdade de Arquitetura (escândalo!) na capital paulista e é hospedada na opulenta casa dos patrões, no quartinho minúsculo e abafado onde vive sua mãe. “Uma casa meio modernista!”, se deslumbra a futura arquiteta quando percorre a mansão. Ao chegar, a menina “subverte todas as regras”, como observa a cineasta. 

Acaba instalada no confortável quarto de hóspedes para desespero da patroa, mergulha na piscina na companhia do filho da casa, também ele um vestibulando, e, a transgressão mais grave: come o sorvete da marca fina e cara, mas destinada aos patrões. O sorvete barato é reservado aos empregados.

Camila Márdila, de 26 anos, vinda de Taquatinga, na periferia de Brasília, é a jovem atriz que defende bem o personagem da filha de Val neste que é o seu segundo filme.

Com a a introdução – ou intromissão – no universo burguês, Jéssica desequilibra a ‘harmonia’ da casa, expõe o nervo podre disfarçado e estabelece uma nova equação familiar como ocorre no célebre filme Teorema, de Pier Paolo Pasolini. “Na cabeça dela,” acrescenta Muylaert, “aquelas regras não significam nada. Mas há quem ache Jéssica arrogante e há quem ache maravilhosa. Dependendo do que você acha da Jéssica fica claro em quem você vota.”

Bingo para Muylaert. Jéssica representa o Brasil novo que começou a ser parido há 12 anos por um governo progressista. Jéssica é a mudança, é o país em que porteiro embarca no avião e senta ao lado da madama no aeroporto. E madama agora é obrigada a cumprir a PEC 72 em vias de entrar em vigor na sua integralidade, e pagar direitos trabalhistas às mulheres que nunca mais serão semiescravas.

Jéssica é o Brasil que, obsessivamente, mesmo sem ainda plena consciência do fato, procura dirimir as diferenças de classe para se tornar um lugar mais igualitário, menos injusto e hipócrita. Mais do que raiva, ódio e menosprezo, os que se encontram instalados no topo da pirâmide sentem é medo de Jéssica. Ela é o ‘anjo’ do Teorema, de Pasolini, que vem anunciar os tempos e os arranjos novos. Um alerta para o início do fim da era da submissão.

O recado do Que Horas ela Volta? é singelo e firme apesar do seu final entreaberto: para a frente nada será como antes. Aconteça o que tiver que suceder, convém lembrar-se do clichê que, no caso, aqui cai como uma luva. A pasta de dentes que saiu do tubo nunca mais caberá dentro dele.


*Jornalista

Oito materiais para entender Paulo Freire

Por Dafne Melo do, Centro de Referências em Educação Interal


No mês do nascimento do educador, o Instituto Paulo Freire selecionou, a pedido do Centro de Referências, textos, áudios e vídeos sobre o pernambucano




Dia 19 de setembro de 1921, nascia em Recife (PE) Paulo Freire, patrono da educação brasileira e um dos pedagogos mais prestigiados do mundo.

Apesar do reconhecimento, a vasta obra de Freire ainda é pouco estudada no Brasil. Na data de seu aniversário, o Instituto Paulo Freire - a pedido do Centro de Referências em Educação Integral- selecionou, a partir de seu Acervo, alguns materiais que permitem entrar em contato com a obra do educador. Confira abaixo a seleção de materiais, todos disponíveis online.

Saiba +Paulo Freire em seu devido lugar


Nesse artigo, que leva o subtítulo “Lembranças sobre sua vida e seu pensamento”, o professor da Universidade de Campinas (Unicamp), Carlos Rodrigues Brandão, faz um relato pessoal e afetivo do educador, traçando um perfil de sua personalidade e abordando aspectos importantes de sua obra, como a ideia da consciência humana como uma construção e a centralidade do diálogo em seu método pedagógico. 

2. ”Freire: tudo sobre o homem e o educador“, Maria José Ferreira. 

Nesse pequeno texto, Maria José faz uma breve resenha do livro Convite à leitura de Paulo Freire, de Moacir Gadotti, um dos grandes parceiros de Freire durante a vida. “Pelos 15 anos de convivência, e possivelmente pela amizade pessoal que os une, temos no livro acima um dos mais completos sobre Paulo Freire”, escreve.


A monografia se dedica a analisar as contribuições político-pedagógicas do pernambucano para a educação brasileira, destacando o Método Paulo Freire. O texto descreve suas propostas, traçando as bases nas quais se assentam. A autora também salienta o aspecto revolucionário da concepção metodológica proposta por ele, posto que institui uma nova relação entre educador e educando.

4. Educação e conscientização, Paulo Freire. 

Trata-se do capítulo IV da obra Educação como prática da liberdade, de 1967. Nele, o autor fundamenta historicamente sua concepção de educação, vista sempre em uma relação indissociável da conscientização política. Dessa forma, o processo de ensino-aprendizagem envolve a transformação de homens e mulheres em sujeitos de transformação social. As pessoas devem saber ler não apenas letras, mas ler o mundo, a partir de uma perspectiva crítica e autônoma.

5. Paulo Freire: uma biobibliografia, Moacir Gadotti (organização).

Essa obra reúne diversos estudiosos da obra do educador, bem como dezenas de pessoas que conviveram com ele. A característica do livro é buscar relacionar sua biografia com sua bibliografia, ou seja, descrever as imbricações entre o que Freire escrevia e o que fazia: entre teoria e práxis. Extratos da obra também estão disponíveis em formato audiolivro.


Uma das obras mais famosas e traduzidas do educador está disponível no Acervo em formato de audiolivro, lido pelo seu filho, Lutgardes Costa Freire. O livro foi escrito no Chile, em 1968, quando Freire estava no exílio, durante a Ditadura Militar brasileira. No Brasil, foi lançado apenas 6 anos depois. O trabalho é fruto das reflexões e da prática de Freire, a partir de sua experiência com a alfabetização de adultos. O educador escreve sobre a concepção “bancária” da educação como um instrumento da opressão e propõe uma ruptura a partir de um novo modelo, pautado por uma educação conscientizadora e libertadora. Os áudios podem ser baixados separadamente e o livro, inteiro, em formato mp3, aqui.

7. Paulo Freire Contemporâneo, Toni Venturi.

O documentário, feito para a TV Escola, é assinado pelo cineasta Toni Ventura, que dirigiu filmes como Cabra Cega, Dia de Festa e Latitude Zero. Em 50 minutos, somos apresentados às ideias, vida e obra do educador pernambucano, por meio de depoimentos de seus familiares, amigos e estudiosos. O filme aborda a perseguição a Freire e ao seu método, no período da ditadura militar, e também resgata experiências contemporâneas herdeiras do pedagogo.



8. Educar para Transformar, Tânia Quaresma.

O vídeo-documentário percorre os cenários urbano e rural, mediante várias linguagens, trazendo a vida e a obrado pedagogo. Usando linguagens como o rap, hip-hop, grafite e cordel, o vídeo reúne ainda depoimentos de familiares, amigos e estudiosos, que ajudam a construir um panorama sobre a história de Paulo Freire, registrando e divulgando um legado expressivo de nossa cultura. O vídeo faz parte de um conjunto de ações do Projeto Memória 2005.


A esquerda depois do PT




É possível dizer que é injusta a maneira pela qual o Partido dos Trabalhadores se tornou o emblema de todos os vícios da política brasileira, enquanto seus concorrentes da direita são preservados sistematicamente por uma cobertura de mídia manipulada. É verdade. Caixa dois, loteamento do Estado, relações de compadrio com grandes grupos econômicos, corrupção: o PT não inventou nada disso; pelo contrário, tornou-se participante tardio de uma festa que começara muito antes (e, aliás, para a qual nem fora convidado). Nem por isso, os efeitos do desgaste do PT no eleitorado deixam de ser sentidos. Para a classe média, que se sentiu ameaçada pelo pequeno avanço dos mais pobres nos três mandatos presidenciais petistas, o discurso da indignação moral permite extravasar sua insatisfação, de maneira mais legítima do que se ficasse apenas no registro do simples egoísmo. E a maioria politicamente desmobilizada, com menor acesso a outros canais de informação, tem poucos recursos para resistir ao bombardeio da mídia.

Ao mesmo tempo, os grupos mais politizados à esquerda se sentem cada vez menos contemplados pelo partido que é responsável por um governo que implanta políticas altamente prejudiciais aos interesses dos trabalhadores e que, na busca da permanência no poder, não imagina outro caminho além de uma submissão cada vez mais profunda ao capital. Em nove meses de segundo mandato, a presidente Dilma Rousseff não foi capaz sequer de fazer um aceno simbólico aos movimentos populares, certamente por imaginar que tal gesto assustaria aqueles que ela tenta desesperadamente agradar. Na visão política de Dilma e seu círculo, os movimentos populares não existem. Todas as equações que fazem para sair da crise incluem os mesmo elementos: os grandes grupos econômicos, as elites políticas tradicionais, as oligarquias partidárias. Por mais que a conta nunca feche, não se cogita agregar um novo fator.

No início deste segundo mandato ainda era possível imaginar que, apesar de todo desgaste, o PT possuía lastro nos movimentos sociais para manter sua relevância como força política. Hoje, está claro que não. Por mais que o golpismo dos defensores do impeachment seja evidente, por mais que ver Fernando Henrique Cardoso e Aécio Neves entronizados no papel de guardiães da moralidade pública cause repulsa, quem quer defender um governo cujo único programa é o aumento do desemprego e a redução do investimento social?

Espremido entre a campanha ascendente da direita, uma mídia cada vez mais abertamente hostil e o seu governo, que age diariamente contra sua base social, o PT caminha para se esfarelar com uma velocidade inimaginável um ano atrás. Movimentos sociais acomodados com a interlocução com o PT estão percebendo que o partido perdeu a capacidade de expressar suas demandas. Mas também muitos deputados, prefeitos e vereadores petistas buscam novas legendas, por vezes até na direita, em geral por simples oportunismo – o que revela, por si só, como o PT se tornou parecido com os partidos tradicionais.

Evidentemente, tudo isso não é efeito apenas do descalabro do segundo governo Dilma. O PT nasceu com um projeto – inacabado, em aberto, contraditório. Apontava para um horizonte de transformação profunda da sociedade, incluindo algum tipo indefinido de socialismo, alguma forma nova de fazer política e também a revalorização da experiência das classes trabalhadoras. A busca de relações radicalmente democráticas, de uma política efetivamente popular, fazia parte da “alma do Sion”, como André Singer definiu o espírito original do partido, fazendo referência à sua fundação no Colégio Sion, em São Paulo, em 1980.

Para pessoas treinadas nas tradições organizativas da esquerda, o PT original possuía uma perigosa indefinição programática, além de ser vítima de um basismo e de um purismo paralisantes. De fato, o partido surgiu num momento em que essas tradições estavam em xeque. Os equívocos do PT foram fruto de sua vontade de não repetir o trajeto dos partidos leninistas ou da social-democracia, que, cada um a seu modo, tenderam a se fossilizar em estruturas hierárquicas e burocráticas. Tratou-se de uma experiência inovadora, inspiradora para a parte da esquerda que tentava se renovar em muitos lugares do mundo.

Tal inovação apresentava custos crescentes, à medida em que o partido crescia. Na famosa lei de ferro das oligarquias, no início do século XX, Robert Michels afirmou que “quem fala organização, fala oligarquização”. Deixando de lado seu determinismo retrógrado, é possível dar crédito ao pensador alemão nos dois eixos centrais de sua reflexão: as camadas dirigentes tendem a desenvolver interesses próprios, diferenciados daqueles da massa de militantes, e a eficiência organizativa trabalha contra a democracia. De fato, é fácil “discutir com as bases” quando se é um ator político pouco relevante. Depois, fica cada vez mais claro que o timing da negociação política prevê a concentração das decisões nas mãos dos líderes.

Como costuma ocorrer em organizações políticas inovadoras, o crescimento levou a tensões crescentes entre percepções mais “realistas”, que julgavam necessário um esforço de adaptação ao mundo da política tal como ele é, e outras mais principistas. A conquista das primeiras prefeituras municipais foi, em muitos casos, dramática. Mas até então o partido lutava para não renunciar à possibilidade do exercício localizado do poder político sem abrir mão dos princípios gerais que orientavam sua organização.

É possível datar com precisão o momento em que o PT iniciou sua caminhada para se transformar naquilo que é hoje: o anúncio do resultado do primeiro turno das eleições de 1989. Quando Lula passa à etapa final da disputa, ao lado de Fernando Collor, parecia se tornar claro que um bom aproveitamento do clima político, aliado a um marketing eleitoral competente, proporcionaria um acesso mais rápido ao poder do que o trabalho de mobilização no qual o partido apostava desde sua fundação. O fato de que o partido hesitou em aceitar, no segundo turno, o apoio de políticos conservadores, mas democratas, é em geral apontado como uma demonstração de seu caráter naïf e de seu despreparo para a política real. É provável. Mas não dá para não respeitar tal purismo, sobretudo à luz do PT posterior, para o qual ninguém, de Maluf a Collor, de Sarney a Jader Barbalho, de Kátia Abreu a Michel Temer, está fora do alcance de uma possível aliança.

Entre a hesitação inicial de 1989 e a política de alianças indiscriminada adotada a partir de 2002 houve uma evolução paulatina, eleição após eleição. Evolução também no discurso, no programa político, na forma de fazer campanha. É razoável dizer que o PT abandonou a ideia de que a campanha eleitoral era um momento de educação política. Quando Duda Mendonça assume, na quarta candidatura presidencial de Lula, já está claro que não se deve mais disputar a agenda, nem os enquadramentos ou valores dominantes. Para ganhar a eleição, é mais fácil mudar o candidato para se encaixar nas expectativas vigentes. Estava surgindo o Lulinha paz e amor, que não é só uma persona do marketing eleitoral, mas a indicação da visão de que seria possível fazer política transcendendo os conflitos.

Só que os conflitos não são transcendidos, são escamoteados. E quando são escamoteados, isso sempre trabalha em favor daqueles que já estão em posição privilegiada. O governo Lula vendeu ao capital sua capacidade de apaziguar os movimentos sociais. Com a elite política, prosseguiu no toma-lá-dá-cá típico brasileiro, agravado pelo fato de que, dada a desconfiança que o PT precisava enfrentar, os termos da troca eram piores. Graças a isso, ganhou a possibilidade de levar a cabo uma política de combate à miséria. Sem negar sua importância, o fato é que foram 12 anos em que o avanço social se mediu exclusivamente pelo acesso ao consumo. A fragilidade de uma política que não enfrentou nenhuma questão estrutural nem desafiou privilégios fica patente pela facilidade com que os supostos avanços da era petista vão sendo desmontados. Voltamos ao momento do desemprego, da redução do poder de compra dos salários, do desinvestimento nos serviços públicos. E, como o ambiente parece propício, de roldão são acrescentados retrocessos ainda maiores: precarização das relações de trabalho, criminalização da juventude, legislação retrógrada no campo da família e da sexualidade.

O momento, em suma, é o da maior derrota das forças progressistas no Brasil após o golpe de 1964. E uma parcela considerável da responsabilidade recai sobre um partido que não soube ou não quis aproveitar as oportunidades de que dispôs para consolidar algum tipo de avanço político e social.

Ao fim do processo, a esquerda brasileira parece órfã. Nos últimos 30 anos, o PT ocupou uma posição de absoluta centralidade neste campo, seja sob a chave da utopia, seja sob a chave do possível. Mesmo os críticos, mesmo os não petistas, encaravam o partido com um pilar incontornável da esquerda. Hoje, é cada vez mais evidente que a única maneira de ler o PT é como um experimento fracassado. Torna-se necessário pensar novas formas de organização e ação, novos instrumentos para fazer política, superando o saldo de desencanto e de desesperança que o final melancólico dos governos petistas deixa.

***

Luis Felipe Miguel é professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília, onde edita a Revista Brasileira de Ciência Política e coordena o Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades – Demodê, que mantém o Blog do Demodê, onde escreve regularmente. Autor, entre outros, de Democracia e representação: territórias em disputa (Editora Unesp, 2014), e, junto com Flávia Biroli, de Feminismo e política: uma introdução (Boitempo, 2014). Ambos colaboram com o Blog da Boitempo mensalmente às sextas.

Cavaleiros do impeachment

demétrio magnoli

Na madrugada, os oportunistas votaram. Dos 51 deputados federais do PSDB que participaram da sessão coruja da Câmara de quarta-feira consagrada à análise do veto presidencial à flexibilização do fator previdenciário, apenas um conservou-se fiel à regra instituída por FHC. Samuel Moreira (SP), o deputado coerente, explicou-se apelando ao óbvio: "Criar mais despesas para a Previdência não é prudente no momento em que o país está vivendo, com os cofres públicos dilapidados". Sob o encanto do impeachment, todos os demais revelam-se dispostos a queimar o navio para limpar um de seus porões. O principal partido de oposição, que não tinha rumo nos tempos áureos do lulopetismo, segue sem bússola na hora da mudança.

Meses atrás, José Serra disse que "impeachment não é programa de governo". O alerta não foi ouvido por um setor crucial do partido que abrange Aécio Neves e a bancada tucana na Câmara. Seduzidos pelo canto das ruas, os cavaleiros do impeachment reduziram a política à sua menor dimensão, substituindo o imperativo de derrotar uma narrativa sobre o Estado e a sociedade pela meta exclusiva de derrubar a presidente. No caminho, enfiados em armaduras medievais, atrelaram o PSDB ao jogo de conveniências do PMDB de Michel Temer, Renan Calheiros e Eduardo Cunha. De fato, em nome de um objetivo que depende de outros, renunciaram a fazer o que está a seu alcance.

O fator previdenciário não se confunde com o ajuste fiscal de Dilma Rousseff, essa desastrada tentativa de cobrir o rombo orçamentário pela via da tributação aleatória. Uma coisa é votar contra os remédios falsificados que se fabricam pela improvisação no laboratório recessivo de Joaquim Levy. Outra, bem diferente, é retroceder à época da irresponsabilidade fiscal crônica anterior ao Plano Real. Na madrugada do oportunismo, os deputados tucanos desperdiçaram a oportunidade de desmascarar a narrativa lulopetista, revezando-se ao microfone para explicar que o veto presidencial é a homenagem prestada compulsoriamente pelo vício à virtude. Mas, no lugar de confrontar o FHC do fator previdenciário à Dilma do colapso fiscal, escolheram perder duas vezes, nas esferas do voto e dos princípios. Os cavaleiros do impeachment não passam de moleques brincando de Idade Média.

Certo ou errado, justo ou inevitável, o impeachment situa-se fora do território controlado pelos tucanos. O impedimento presidencial depende de decisões prévias de instituições de Estado (TCU, TSE, STF) e, em seguida, de uma maioria qualificada no Congresso que só se formará pela ruptura do PMBD com o governo. Os cavaleiros do impeachment não têm poder para obter uma coisa nem a outra. Mas se desqualificam perante a opinião pública ao cortejar inutilmente os caciques peemedebistas envolvidos nos escândalos de corrupção.

A obsessão dos cavaleiros do impeachment envia a mensagem errada à sociedade brasileira. No fundo, eles estão dizendo que o problema chama-se Dilma, quando a presidente é apenas a manifestação terminal de um sonho retrógrado chamado lulopetismo. Dilma passará, cedo ou tarde, recolhendo-se ao lugar apropriado: uma nota de pé de página no livro da história, destinada a ilustrar a simbiose teratológica do anacronismo ideológico com a incompetência e a arrogância. O lulopetismo, porém, tem raízes profundas, fincadas no solo do patrimonialismo, do corporativismo e de um neonacionalismo de araque, salpicado do autoritarismo típico da esquerda latino-americana. Os cavaleiros do impeachment desviam-se do alvo certo, enquanto exibem às ruas suas espadas reluzentes.

"Programa de governo", disse Serra, em meio ao alvoroço da molecada. Na crise do lulopetismo, os tucanos têm a chance de desenhar na lousa vazia algumas ideias básicas sobre o futuro. Mas, pelo visto, seu futuro é mesmo uma lousa vazia. Viva Samuel Moreira!

Corrupção e impedimento


Adeptos da tese do impeachment têm se aproveitado da Lava Jato para vender gato por lebre. Procuram associar os problemas de Dilma Rousseff ao megaescândalo da Petrobras, quando sabem que uma coisa nada tem a ver com a outra. Tanto é assim que no pedido protocolado por Hélio Bicudo e Miguel Reale Jr. não há palavra a respeito.

Os juristas justificam o requerimento "por crimes de responsabilidade que atentam contra a lei orçamentária". Qual teria sido o atentado de Dilma ao Orçamento? Ter atrasado repasses destinados a benefícios sociais, como Bolsa Família, seguro-desemprego e Minha Casa Minha Vida em 2013 e 2014. E, sobretudo, o pecado grave de, para evitar que os beneficiários fossem prejudicados, ter acionado recursos de estatais, como a Caixa Econômica Federal, e do FGTS.

Para além de constituir tema mais do que controverso, pois todos os governos da República se utilizam das estatais, cujo caráter público, aliás, é compatível com o apoio aos referidos programas, o assunto tem zero apelo popular. Como bem disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso: "O impeachment depende de você ter uma argumentação convincente, não só para o Congresso, mas para o povo".

Por isso, os promotores do golpe branco tentam se aproveitar da justificada indignação dos cidadãos com a corrupção para atingir a mandatária. É triste ver ex-combatentes pela democracia (?!), como Bicudo e Reale Jr(???!!!)., se disporem a legitimar tal farsa. E, no caso de Reale Jr., que há pouco tempo escrevia que "a pena do impeachment visa exonerar o presidente por atos praticados no decorrer do mandato. Findo o exercício da Presidência, não se pode retirar do cargo aquele cujo governo findou" (O Estado de S. Paulo, 7/3/2015), a contradição é patente.

As pesadas acusações que surgem contra membros do Partido dos Trabalhadores são outra coisa. Embora seja nocivo que, como no mensalão, todo o peso das denúncias se concentre de um só lado do espectro ideológico, o PT perderá muito se não der respostas efetivas às narrativas que dia a dia inundam a mídia. Não adianta repetir declarações de inocência. É necessário fundamentá-las ou afastar os envolvidos até tudo se esclarecer.

Mas o mandato presidencial nada tem a ver com os problemas que recaem sobre o partido mais popular do Brasil. Dilma Rousseff tem garantido o pleno funcionamento das instâncias investigatórias, doa a quem doer. Basta ver os indicados para o STF e a Procuradoria-Geral da República.

Os golpistas afirmam que isso é obrigação. Concordo. Porém, a mesma atitude republicana se exige de quem é contra a presidente.

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

“O pior analfabeto é o que lê a Veja” e mais 11 frases sobre o jornalismo brasileiro.




1) O pior analfabeto é o que lê a Veja.

2) A Globo não resolve nem o problema da novela das 9 e acha que tem a fórmula para resolver o problema do país.

3) O surdo irremediável é o que ouve a Jovem Pan.

4) Não dá para confiar mais nem na exatidão do dia que aparece na Folha.

5) Fé obtusa é acreditar não nos pastores evangélicos, mas nos editores do Jornal Nacional.

6) Os barões da imprensa merecerão respeito no dia em que aprenderem a fazer uma legenda.

7) Numa redação, você tem inteira liberdade para dizer sim, sim ou mesmo sim.

8) Jornais e revistas exigem toda sorte de corte de gastos do governo, excetuada a publicidade que é colocada neles.

9) O mundo fica subitamente melhor quando você não abre um jornal.

10) Não há uma pastilha na sede das Organizações Globo que não tenha sido fruto de dinheiro público.

11) Um macaco teria feito a Globo ser o que é, tantas as mamatas que Roberto Marinho recebeu dos governos.

12) Nenhum dono de jornal passaria num bafômetro que medisse a parcialidade.

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Estado brasileiro é Robin Hood ao contrário: tira dos pobres e dá aos ricos, diz líder dos sem-teto


Mariana Schreiber Da BBC Brasil em Brasília

Em meio à instabilidade política e econômica que cerca o governo Dilma Rousseff, a presidente enfrenta desgaste também junto aos movimentos sociais, tradicional base de apoio do PT.


O Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) realizou na manhã desta quarta-feira manifestações em mais de dez capitais – entre elas São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília – contra os cortes dos gastos sociais, especialmente a redução de recursos para o Minha Casa, Minha Vida.

As contratações para construção de novas moradias na faixa 1 do programa – a que atende as famílias de menor renda e exige subsídios maiores do governo – estão paralisadas e sem previsão de retomada.

Em entrevista à BBC Brasil, Guilherme Boulos, principal liderança do MTST, diz que os mais pobres não aceitam pagar a conta da crise e cobra mais impostos sobre os segmentos de maior renda da sociedade.

Ele defende, por exemplo, a taxação de grandes fortunas e dos lucros e dividendos das empresas. Por outro lado, critica os gastos do governo com a dívida pública, que consomem mais de 40% do Orçamento.

"A carga (tributária) é ridícula em relação a quem de fato pode pagar. O grande problema é a má distribuição (da cobrança de impostos). O Estado brasileiro funciona como um Robin Hood ao contrário: tira dos pobres pelos impostos e dá aos ricos pelos juros da dívida pública", afirma.

Segundo Boulos, o movimento repudia as tentativas de impeachment da presidente, não vê ganhos em um eventual governo do atual vice Michel Temer, mas nem por isso deixará de criticar a política econômica.

"O MTST não aceita esta política, independentemente de quem esteja aplicando seja o governo liderado pelo PT, na esfera federal, ou pelo PSDB em Estados como São Paulo. Pau que bate em Chico bate em Francisco", disse.

"Se o governo quer ser defendido, ele precisaria primeiro tornar-se defensável", acrescentou.

Os protestos desta quarta-feira contam com o apoio de funcionários públicos, que convocaram uma paralisação nacional por meio do Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais.

O MTST não deve voltar às ruas no dia 2 de outubro, quando outros movimentos estão convocando uma manifestação "contra o golpe" para retirar Dilma da Presidência.

Leia abaixo a entrevista concedida à BBC Brasil por email e telefone.

BBC Brasil - Qual a motivação dos protestos?

Guilherme Boulos - As mobilizações desta quarta ocorrem pela opção do governo em cortar mais investimentos sociais, particularmente em moradia, como forma de responder à crise.

O orçamento do Minha Casa, Minha Vida enviado para o Congresso, de R$ 15,6 bilhões em 2016, já seria muito insuficiente. Os novos cortes (anunciados em R$ 4,8 bilhões) comprometem ainda mais. Já dissemos e repetimos: não aceitamos pagar a conta da crise. Há outras saídas possíveis.

BBC Brasil - Os protestos são contra o governo? Por quê?

Boulos - São contra a política de austeridade e cortes, que está sendo implementada pelo governo Dilma e também pelos governos estaduais.

O MTST não aceita essa política, independentemente de quem esteja aplicando - seja o governo liderado pelo PT, na esfera federal, ou pelo PSDB em Estados como São Paulo. Pau que bate em Chico bate em Francisco.

BBC Brasil - Em meio à instabilidade política e às tentativas de impeachment contra a presidente, o movimento não teme enfraquecer mais o governo com os protestos?

Boulos - Veja, achamos que o que enfraquece este governo é sua definição de aplicar um programa oposto em relação ao que foi eleito pela maioria.

O que enfraquece este governo é, a cada grito da banca (mercado financeiro), da mídia ou do PMDB, anunciar novas medidas de austeridade. Fica refém e perde base de apoio na sociedade. Se o governo quer ser defendido, ele precisaria primeiro tornar-se defensável.

BBC Brasil - O governo parece cada vez mais fraco. Os processos contra a presidente têm avançado no TCU e no TSE. O movimento está preocupado com uma possível queda da presidente?

Boulos - O MTST repudia qualquer saída à direita para a crise política. Acreditar que (o vice-presidente Michel) Temer representaria algum avanço para os interesses populares é de uma cegueira impressionante. Surfar na onda do impeachment achando que os trabalhadores podem ganhar com isso é tolice ou oportunismo.

Não caímos nessa e vemos que a tentativa do PSDB e de setores amplos do PMDB, articulados com figuras como (o ministro do STF) Gilmar Mendes no Judiciário, querem derrubar Dilma para implantar algo ainda mais agressivo à maioria popular.

Mas, ao mesmo tempo, isso não vai nos deixar imobilizados ante os ataques que têm vindo do governo. O governo tem tomado a opção de repactuar com o PMDB e setores da direita a qualquer custo. Essa opção tem um preço.

BBC Brasil - Como o movimento vai reagir no caso de um impeachment?


Boulos - O MTST está e estará mobilizado contra os ataques aos direitos sociais e também contra qualquer saída mais à direita para a crise.

BBC Brasil - A terceira fase do Minha Casa, Minha Vida aumentou o valor das prestações para as famílias mais pobres. Além disso, as concessões para faixa 1, destinadas aos mais pobres, estão paralisadas. Qual a avaliação do movimento sobre o MCMV 3?

Boulos - O anúncio do Minha Casa, Minha Vida 3 no dia 10 pela presidenta incorporou pautas importantes do MTST e dos movimentos de luta por moradia, como maior prioridade ao Entidades (modalidade em que as moradias subsidiadas no programas são erguidas pelos movimentos sociais, e não por construtoras), aumento do limite da faixa 1 (teto da renda familiar nesta faixa subiu de R$ 1.600 para R$ 1.800), recurso para equipamentos públicos (escolas, postos de saúde, etc), entre outros pontos.

Houve essa redução do subsídio, que de fato prejudica a capacidade de pagamento das famílias que ganham entre R$ 800 e R$ 1.800 (ao elevar as prestações). Mas, além disso, o que é pior é que criou-se uma situação de "ganhar e não levar". Não adianta melhorar pontos no programa e não dar orçamento, não ter meta de contratação. Esse é o principal problema e é por isso que estaremos nas ruas nesta quarta.

BBC Brasil - Como foi a reunião com a presidente para discutir o programa na semana passada?

Boulos - A reunião em si, como disse, atendeu pautas dos movimentos. Mas quatro dias depois lá estava o governo em cadeia nacional anunciando novos cortes. Aí não dá!

BBC Brasil - Já que o movimento se opõe aos cortes de gastos, quais medidas o MTST defende para resolver o problema do Orçamento?

Boulos - O movimento defende que quem pague a conta da crise seja o andar de cima, não o andar de baixo. Você não tem imposto sobre grandes fortunas, você não tem imposto sobre distribuição de lucros e dividendos.

Um recurso inacreditável da União é destinado a juros e amortizações da dívida pública (mais de 40% do Orçamento). A Constituição de 88 prevê uma auditoria da dívida pública que nunca foi feita nesses quase 30 anos. O movimento defende esse tipo de medida para equacionar o preço da crise.

BBC Brasil - O movimento não entende que a carga tributária no Brasil já é alta, como dizem muitas pessoas?

Boulos - Alta para quem, né? Mais de 50% da carga incide sobre consumo. Imposto sobre a renda é 20% no total, imposto sobre propriedade é 4%. Então, a carga é ridícula em relação a quem de fato pode pagar.

Você pode inclusive reduzir imposto sobre consumo e aumentar a taxação sobre capital financeiro, especulativo e sobre propriedade, sobre imóveis, tanto rurais quanto urbanos.

A carga do Brasil é alta para os mais pobres e até para os setores médios. Quem ganha até dois salários mínimos deixa 54% de seus gastos em impostos. Já quem ganha mais de 30 salários deixa 29%.

Ou seja, o grande problema é a má distribuição. O Estado brasileiro funciona como um Robin Hood ao contrário: tira dos pobres pelos impostos e dá aos ricos pelos juros da dívida pública.

BBC Brasil - Qual balanço faz do Minha Casa, Minha Vida?

Boulos - O programa Minha Casa, Minha Vida é importante na medida em que o Brasil ficou 20 anos, desde o BNH (Banco Nacional da Habitação, extinto em 1986), sem programa habitacional. Mas é um programa cheio de contradições. Ele precisa ser alterado, precisa ser modificado.

A questão do papel das empreiteiras em produzir habitação de baixa qualidade e tamanho ruim precisa ser revisto. Quem ganha mais hoje com o programa são as empreiteiras.

Agora, mais do que isso, precisamos de uma política urbana de combate à especulação imobiliária. Combater essa lógica de cidade que na prática é uma máquina de criar novos sem-teto.

Você constrói novas habitações pelo Minha Casa, Minha Vida, mas tem novos despejos a cada dia, especulação imobiliária crescendo, as pessoas sendo expulsas das regiões por conta do valor proibitivo do aluguel e da especulação imobiliária.

BBC Brasil - A Câmara dos Deputados aprovou na semana passada uma Medida Provisória que permite que unidades do Minha Casa, Minha Vida sejam disponibilizadas para profissionais envolvidos na Olimpíada antes da entrega para os usuários. Agora, segue para votação no Senado. O movimento vê algum problema?

Boulos - Achamos que deveriam utilizar os imóveis novos de alto padrão na Barra da Tijuca para isso...
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quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Espaço- Abdias do Nascimento

Direito de ir e vir não é direito de dirigir, diz ativista em mobilidade urbana



Bruno Bocchini - Repórter da Agência Brasil



Diretor da Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo (Ciclocidade), uma das entidades mais ativas na defesa do uso de bicicletas na capital paulista, Daniel Guth defendeu o desestímulo ao uso de veículos na cidade e o incremento a outros modais de transporte como a bicicleta e o transporte coletivo.

Para ele, a instalação de vias exclusivas de ônibus na cidade, assim como para as bicicletas, a retirada de vagas de estacionamento para carros e o fechamento de rua aos veículos motorizados tem gerado nos motoristas o sentimento de perda de espaço e a falsa sensação da perda de direitos.

“As pessoas estão confundindo o direito de ir e vir com o direito de dirigir. Não pode haver essa confusão. Quando não é permitido a você circular de carro, não está se cerceando o seu direito de ir e vir, você pode muito bem se deslocar, a pé, de bicicleta, de transporte público, uma série de outros modos de transporte. As pessoas confundem, muitas vezes, o direito constitucional de ir e vir com o direito de dirigir”, disse Guth, em entrevista à Agência Brasil, para marcar o Dia Nacional sem Carro, comemorado hoje (22).

A seguir, a íntegra da entrevista:

Agência Brasil: os modais bicicleta e carro não têm como se complementar sem que haja um enfrentamento entre as partes, como hoje vemos em São Paulo?

Daniel Guth: não é que existe um enfrentamento deliberado, do ponto de vista do discurso. Quando você tira uma faixa de estacionamento na rua e coloca uma ciclovia, os motoristas têm visto isso como enfrentamento. Mas isso não é enfrentamento, isso é só uma política de inclusão.

Quem se desloca de automóvel na cidade de São Paulo representa pouco menos de um terço da população, e esse um terço ocupa 80% da via pública. A via pública é para todos, não é só para o automóvel. Um único meio de transporte está ocupando 80% do espaço que é para todo mundo. Isso é chocante, isso é falta de equidade.

Quando você tira um pouco desse espaço para dar a outros modais, que têm tantos direitos ou mais, como diz a legislação, então as pessoas veem isso como enfrentamento. Mas isso tem a ver muito mais com um século de narrativa da indústria automobilística, da publicidade, do que efetivamente um enfrentamento na prática, como você citou.

Tem muito mais a ver com a sensação de perda de direitos que, na verdade, não são direitos, são privilégios. Estacionar na rua nunca foi um direito, sempre foi um privilégio, e um privilégio que a gente tem que aprender a abrir mão. Estacionar na via pública é uma privatização tosca do espaço público. Quando se retira estacionamentos, as pessoas sentem que perderam direito.

Há uma confusão entre direito de ir e vir e direito de dirigir. Não pode haver essa confusão. Quando não é permitido a você circular de carro, não está se cerceando o seu direito de ir e vir, você pode muito bem se deslocar, a pé, de bicicleta, de transporte público, uma série de outros modos de transporte. As pessoas confundem muitas vezes o direito constitucional de ir e vir com o direito de dirigir.

No caso do fechamento de ruas para carros, como ocorre na Avenida Paulista, o debate, em vez de ser feito no sentido de entender que esse espaço tem de ser devolvido às pessoas, que podem usufruir a avenida de outra maneira, as pessoas elas encaram isso como um enfrentamento, como se tivessem perdendo direitos. Isso tem a ver muito mais com uma análise subjetiva, social, cultural, do que com enfrentamento direto, um embate, uma acareação de ideias, de argumentos.

Agência Brasil: há muita resistência dos motoristas?

Guth: não há nenhuma medida de desestímulo ao uso do carro que não seja acompanhada de uma resistência dos motoristas. E não é falta de diálogo, não é falta de argumentos, não é falta de campanhas, é simplesmente o fato de que essas pessoas estão sentindo a perda de privilégios.

Todas as cidades do mundo que entenderam que o modelo “rodoviarista” tem um limite - há um ponto em que a cidade não anda mais porque não há sistema que comporte a quantidade de automóveis - passaram a criar medidas e políticas públicas que, de certa forma, criaram resistências porque tiveram que tirar espaço desse único modal que reinou nas cidades.

Nova York, Londres e Paris passaram por isso, Bogotá passou por isso, Buenos Aires tem passado por isso, a Cidade do México tem passado por isso, e não estou só falando de cidades europeias, estou falando de cidades vizinhas nossas. São Paulo tem de enfrentar isso com serenidade, com argumentação, porque não é uma questão de bicicleta contra o carro, transporte público contra o carro, não.

É uma questão de dar maior equidade àqueles que merecem ser incluídos, aqueles que sempre estiveram marginalizados, e isso significa obviamente tirar espaço do carro. Isso não é um enfrentamento, isso é um processo natural, que tem que acontecer.

Agência Brasil: em que medida o uso da bicicleta pode dar mais acesso à cidade e à cidadania?

Guth: a bicicleta é um veículo porta a porta. Você consegue sair da sua origem e chegar a seu destino com esse único meio de transporte. Isso dá autonomia, garante direito ao deslocamento. É um veículo econômico, não apenas porque é mais barato comprar uma bicicleta, mas também porque a manutenção é mínima, é com a sua própria energia que você vai se deslocar.

Ela não requer nenhuma outra mediação de combustível, a não ser a sua própria energia, o que também garante maior direito à cidade, uma vez que ela pode ser acessível a todos, todos que tenham condições físicas de utilizá-la. Outro elemento importante é a velocidade, a bicicleta traz um elemento importante para a relação com a cidade que é velocidade mais baixa.

Faz com que a pessoa tenha uma relação de maior troca, de maior diversidade de trocas com a cidade, seja com o comércio de rua, seja com as pessoas. Ao pedalar a uma média de 10 a 15 quilômetros por hora, você está muito mais afeito a consumir em uma loja, a parar para cumprimentar alguém, a conversar com as pessoas, a interagir com a cidade de outra maneira, coisa que com outros meios de transporte, no caso o carro, ônibus ou o metrô e trem, você não consegue fazer.

Há vários outros elementos, como promover a saúde, seja para a cidade seja para si mesmo, a sensação de pertencimento e de senso crítico da cidade, Todo mundo que passa a se deslocar de bicicleta naturalmente acaba tendo uma visão mais crítica sobre o meio urbano. Passa a sentir as agruras da cidade de uma maneira mais intensa, seja a violência do trânsito, sejam os cheiros, a falta de infraestrutura, a qualidade do asfalto, a feiura e a beleza da arquitetura. Ou seja, em cima de uma bicicleta você consegue perceber a sutileza dos elementos urbanísticos de maneira muito mais intensa, o que aguça o senso crítico.

Agência Brasil: hoje se comemora o Dia Mundial Sem Carro. Como você avalia as alternativas a esse meio de transporte em São Paulo?

Guth: é um dia de concentração de esforços para mostrar que outra cidade, do ponto de vista da mobilidade, é possível. São Paulo chegou a um esgotamento do modelo “carrocêntrico”, de só nortear as políticas de mobilidade em uma visão exclusivista nesse modelo “rodoviárista”. Um novo paradigma para a mobilidade urbana é necessário, e ele está em curso.

Nós temos o amparo bastante forte de legislações, sejam elas federais, estaduais ou municipais, que colocam a devida prioridade para a mobilidade urbana a partir do transporte coletivo, e depois dos modos ativos de transporte, que são majoritariamente a bicicleta e o pedestre.

Tendo esses marcos legais importantes, a gente entende que a cidade de São Paulo tem feito isso, talvez com um pouco mais de intensidade, e por isso tem gerado mais debates. [A cidade] tem passado a inverter a lógica que sempre foi vigente. E, necessariamente para isso, é preciso desestimular o uso do carro.

São Paulo tem tomado diversas medidas para desestimular o uso do carro, de maneira piloto. Mudanças que precisam ser feitas, como por exemplo a remoção de faixas de estacionamento nas ruas, a criação de mais infraestrutura cicloviária, a criação de corredores e faixas exclusivas de ônibus, a ampliação de calçadas, a retirada de vagas de estacionamento para ampliar as calçadas, para que quem queira caminhar a pé possa fazer isso com conforto e segurança.

O que o Poder Público faz ao dar prioridade ao transporte coletivo, aos modos ativos de transporte, não é nada mais do que seguir o que a legislação já manda. Então, não há nenhuma grande iluminação de um gestor, político ou prefeito. O que há é o cumprimento do que está na legislação. Que precisa ser intensificado.