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domingo, 20 de dezembro de 2015

Não aprendem nada, não esquecem nada

Valter Campanato/Agência Brasil

Essa direita sempre se caracterizou pelo golpismo. Nunca foi boa em ganhar eleições. Sempre tentaram o golpe, pela força ou por artifícios jurídicos.


Tocqueville dizia que quando o passado não ilumina o futuro o espírito vive em trevas.

Ainda vivemos a luta entre forças sociais e políticas que emergiram no final da II Guerra.

Derrotado o nazi-fascismo, dois blocos se estruturaram globalmente. O reflexo disto entre nós está na gênese da direita contemporânea brasileira, especialmente desprezível. Entreguista, sempre de joelhos perante os interesses dos EUA, arrogante e incapaz de disfarçar o desprezo pelo povo.

No imediato pós-guerra esta direita se aglutinou e se articulou na oposição ao ditador Vargas na UDN, abrigando alguns liberais de boa cepa, mas também, ao longo de seu triste percurso, o mais deslavado golpismo.

Por uma opção estratégica, na perspectiva dos dois blocos globais e não por alguma estima a Vargas, que havia massacrado os comunistas, a esquerda e forças populares apoiam Getúlio e Prestes divide palanques com o ditador que entregou sua mulher grávida, judia, à Alemanha nazista, para morrer em um campo de concentração.

Essa direita sempre se caracterizou pelo golpismo. Nunca foi boa em ganhar eleições. Perdendo-as, seguia-se imediatamente a tentativa de golpe, pela força ou por artifícios jurídicos.

Getúlio candidato em 1950, o golpista Lacerda profere a célebre frase: "o Sr. Getúlio Vargas, senador, não deve ser candidato à presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar." Começamos a ver que não há exatamente algo de novo neste nosso momento: após a vitória de Vargas, a UDN vai ao TSE defender a tese, extravagante diante da Constituição de 1946, de que havia necessidade de maioria absoluta e assim impedir a posse do presidente eleito. Não é original a prática de arregimentar juristas amigos para estraçalhar textos constitucionais claros.

Eleito e empossado, Vargas no segundo governo não se alinha automaticamente aos EUA e adota medidas populares. Surge a Petrobrás, alvo permanente e obsessivo da direita brasileira. O ministro do Trabalho João Goulart é forçado a demitir-se por pressão dos militares ao conceder reajuste de 100% do salário-mínimo. Sob feroz ataque da imprensa, a crise de agosto de 1954 leva Getúlio ao suicídio, gesto que adia por 10 anos o golpe.

A UDN perde novamente as eleições de 1955 e mais uma vez, liderada pelo renitente golpista Lacerda, recorre aos Tribunais ressuscitando a tese da maioria absoluta para impedir a posse de Juscelino.

A renúncia de Jânio dá ensejo a nova tentativa de golpe, derrotada pela corajosa resistência de Brizola, que garante a posse de Goulart.

Em 1964, por fim, triunfa o ansiado golpe da direita que atrasou o desenvolvimento do país, manteve e aprofundou a estrutura desigual da sociedade brasileira, alinhou definitivamente o Brasil aos EUA e aos interesses imperialistas e, para tudo isso, exilou, matou e torturou.

Olhando para 1946, 1950, 1954, 1961 e 1964 contemplamos agora algo de novo? Vimos nas eleições de 2014 que Lacerda não morreu. Proclamado o resultado das eleições, imediatamente a palavra de ordem da direita golpista é impeachment. Os fundamentos exatos eles veem depois.

O espírito de Lacerda vive em Aécio, Serra e cúmplices, mas suspeito que Lacerda talvez tivesse algum pudor de dar sustentação e proteger a delinquência de Eduardo Cunha.

Realmente, nada de novo. Nos métodos e nos fins. Nos anos 50, o objetivo era entregar o petróleo a interesses estrangeiros, arrocho salarial, etc. Hoje, aprofundar o neoliberalismo, eliminar direitos sociais, entregar o pré-sal, como persegue obsessivamente Serra, garantir um superávit primário que remunere parasitas rentistas, abocanhando recursos da saúde, educação, previdência, moradia, etc. Nunca e nenhuma palavra, por exemplo, sobre a histórica e iníqua desigualdade que condena milhões de brasileiros a uma subvida, ou sobre o massacre de jovens e negros nas periferias.

Não se trata de barrar o impeachment como defesa político-partidária do governo Dilma, o que, per se, é uma tarefa inglória, do mesmo modo como era inglório subir aos palanques de Vargas em 1945. Ela cometeu erros em série que aplainaram os caminhos da tentativa de golpe. Isolamento das forças que a elegeram com um ajuste fiscal torpe, lei antiterrorismo, indiferença ante a brutalidade do aparato repressivo do Estado, completa ausência de uma política de direitos humanos (como ocorreu também, aliás, nos anteriores governos do PT). O corpo humano não consegue distinguir a porrada no Estado de Direito e a porrada nos regimes autoritários. Elas doem igualzinho.

Há, no entanto, dois aspectos que levam à defesa do seu mandato.

Em primeiro lugar, do outro lado está o adversário extremo e histórico das forças populares, a velha direita golpista brasileira e seu projeto antipopular que, em seu arco de alianças, reúne hoje tudo que há na sociedade de retrógrado, obscurantista e pré-iluminista.

Um segundo aspecto expresso com as palavras de Ivo Tonet, professor de Filosofia da Federal de Alagoas: “Marx já afirmava que a democracia burguesa é o melhor espaço para o proletariado levar a sua luta contra a burguesia até o fim. O que significa que a democracia é um meio, não um fim. O fim é a emancipação humana. Então, certamente, defender a democracia é do interesse dos trabalhadores, mas, enquanto isso, é preciso avançar em direção ao objetivo maior: a revolução, o socialismo, a efetiva liberdade humana, o fim de toda exploração e dominação do homem pelo homem”

De qualquer modo, e ainda que a perspectiva não seja a estritamente marxista, não interessa aos excluídos a quebra da ordem constitucional conquistada após a ditadura militar, mormente com este assustador avanço das forças retrógradas. 

Ajudaria se a presidenta Dilma deixasse de adotar o programa dos que querem derrubá-la, supondo que de joelhos defende melhor seu mandato e sua trajetória política. A lógica mais trivial assegura que é melhor amparar-se nos aliados do que nos adversários e que não é razoável esperar que seu mandato seja defendido nas ruas pelos que sofrem na carne os efeitos das duras medidas adotadas no segundo mandato.

Enfrentando o histórico golpismo da repugnante direita brasileira, que nada aprende e nada esquece, que Dilma olhe o passado e não nos arraste de vez para as trevas.


Marcio Sotelo Felippe é pós-graduado em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de São Paulo. Procurador do Estado, exerceu o cargo de Procurador-Geral do Estado de 1995 a 2000. Membro da Comissão da Verdade da OAB Federal.

sábado, 12 de dezembro de 2015

Voz das ruas vai derrotar o impeachment

Carina Vitral


Haverá uma grande reação da sociedade civil, dos movimentos sociais e das diversas forças democráticas do Brasil se avançar a proposta chantagista de impedimento da presidente Dilma Rousseff, protocolada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha.

A mesma postura terão os estudantes. Não há como esperar algo diferente da UNE, que ao longo de 80 anos sempre esteve ao lado do interesse nacional, da soberania do país e da luta contra todas as formas de golpe e autoritarismo.

Ao contrário do que previu delirantemente nesta Folha o líder fake Kim Kataguiri, coordenador do Movimento Brasil Livre (MBL), as ruas não causarão o impeachment da presidente, mas, na verdade, derrotarão a movimentação baseada em farsas políticas e pouco respeito à normalidade institucional tão dolorosamente conquistada ao longo das últimas décadas.

No Brasil, a voz das ruas cisma de estar é do lado correto do jogo, a favor da democracia e da garantia dos direitos, no caminho dos avanços e não do retrocesso.

Talvez Kim Kataguiri e outros arremedos de liderança congêneres não o saibam porque se mobilizam apenas a favor de seus próprios interesses –ou daquilo que interessa a seus obscuros financiadores.

Onde estava Kataguiri quando mais de 200 escolas de São Paulo foram ocupadas na bravíssima batalha dos estudantes pela educação pública e contra o fechamento das instituições de ensino? Onde estava o MBL na primavera das mulheres pela liberdade, contra o machismo e a violência de gênero?

Aliás, onde estão as representantes femininas desses pseudomovimentos? Não são eles que representam os trabalhadores, os negros, a população rural, indígena e muito menos a juventude.

A UNE não respeita a proposta de impeachment por desconhecer sua base legal e por reconhecer no processo a reles motivação de vingança de um parlamentar imerso até o pescoço em denúncias de corrupção.

O movimento estudantil está, na verdade, totalmente empenhado na campanha "Fora Cunha!", reconhecendo nele um grande inimigo das conquistas sociais do país e da população mais desfavorecida.

A campanha contra a redução da maioridade penal, o levante feminista e os estudantes mostraram o caminho e compreendem que o presidente da Câmara representa o que há de pior e de mais asqueroso na política nacional.

Há aqueles que tentam traçar paralelo entre o processo de impeachment contra Fernando Collor e a presidente Dilma, nunca acusada de absolutamente nada.

O cenário, no entanto, parece muito mais o de 1964 do que o de 1992. A rapinagem dos que desejam derrubar a república não difere tanto daquela promovida pelos golpistas que depuseram João Goulart.

O resultado dessa ação foi a ditadura que manchou a história do Brasil, cassou as liberdades civis, perseguiu, torturou e matou aqueles que pensavam diferente, em grande parte jovens e estudantes.

Coube ao movimento estudantil resistir, ser um dos protagonistas da luta contra o regime, pela reconstrução institucional do país.

Procure pela democracia e nos encontrará. Procure pela afirmação dos direitos, pela luta a favor da educação brasileira, e nos encontrará. Procure pela transformação da sociedade, pelo combate às injustiças, pelo apoio aos que mais precisam, e nos encontrará.

A UNE tem lado. Procure pelo golpe, pela chantagem e pela mentira daqueles que não gostam das regras do jogo e estaremos sempre na direção oposta. As ruas derrotarão o impeachment. A começar pelo próximo dia 16 de dezembro, data em que os movimentos sociais tomarão as ruas contra o golpe, em defesa da democracia e do Brasil.



CARINA VITRAL, 27, é estudante de economia da PUC- Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e presidente da UNE - União Nacional dos Estudantes

Chamem o Cunha





Em 64, a casa-grande recorreu ao Exército. Hoje basta-lhe o presidente da Câmara, que já deveria ter sido cassado

Em 1964, a casa-grande teve de chamar o Exército para dar o golpe. Hoje, basta chamar o Cunha. Os fatos que se interpõem entre a derrubada de João Goulart e a atual tentativa de derrubar Dilma Rousseff explicam paradoxalmente a diferença entre os executores do passado e do presente. Ao fim da ditadura, o Brasil pretendeu apresentar-se ao mundo como país de democracia reencontrada, e houve quem acreditasse, aqui e lá fora, que era para valer. E é à sombra de um simulacro que se movem as personagens do novo enredo.

Bem ou mal, alguns agiram com empenho e sinceridade. No caso, cito de saída Ulysses Guimarães, que seria o primeiro presidente eleito da dita redemocratização não tivesse sido derrotada a campanha das Diretas Já. Sobrou-lhe o consolo de comandar a elaboração da nova Carta, finalmente concluída em 1988. Há falhas inegáveis naquele processo desenrolado durante o governo Sarney, a começar pelo fato de que aquele Congresso não foi Constituinte exclusiva. Mas era infinitamente melhor do que esse a encenar o espantoso espetáculo em cartaz.

Democracia incipiente, manquitolante, tanto mais em um país de desequilíbrio social insuportável, onde anualmente morrem assassinados mais de 60 mil cidadãos, na maioria sem consciência da cidadania. E ainda nos assustamos com o terrorismo e as guerras que assolam diversos cantos do mundo... Terror e guerra moram aqui mesmo, com suas formas peculiares, típicas da terra da casa-grande e da senzala. Cunha age ao sabor de tecnicalidades introduzidas por uma grotesca pretensão democrática em pleno vigor da Idade Média.

Difícil classificar o espetáculo profundamente brasileiro que somos obrigados a assistir conforme os usuais padrões teatrais, rico, denso, de todo modo, a levar ao palco personagens vivas e os fantasmas de antanho, gerações e gerações. Quem sabe mistura de tragédia, ópera-bufa, farsa, teatrinho dos Pupi sicilianos com patrocínio mafioso. Obra em vários atos, de desfecho incerto, embora desfraldada a posição das forças em confronto.

Ao chamar Cunha e visar o impeachment, arma-se a frente ferozmente disposta a rasgar de vez a Constituição de 88 e a enterrar o nosso penoso arremedo de democracia. As razões do pedido de impedimento são inconsistentes, é do conhecimento até do mundo mineral, a ser claro, aliás, que os formuladores das motivações jurídicas não atingiram o estágio do quartzo ou do feldspato. É que alardeamos ser o que não somos. Em países democráticos, a trama tecida a partir das demandas da casa-grande seria impossível.

Qual é o papel do vice-presidente Michel Temer? Um Judas, um Iago? Não parece. Sabe, apenas, da simpatia de que goza nos ambientes graúdos e levanta o braço para dizer “estou aqui”. Para tanto, com gesto obsoleto (romântico?) em tempos de redes sociais, escreve uma carta. Aproveita-se do descaso que em diversas ocasiões lhe reservou Dilma e se dispõe, sem demitir a expressão sonsa, a oferecer colaboração a Eduardo Cunha, sinuosa, poderosa porém. Um Talleyrand de arrabalde. Resultados imediatos já os obteve, com a demissão de Leonardo Picciani da liderança do PMDB na Câmara, enquanto o partido se recompõe em torno do seu tradicional oportunismo.

Atenção, Aécio Neves surge na ribalta e faz objeções à participação de Temer: em lugar de apontar as mazelas petistas, observa o tucano, parte para queixumes fisiológicos. Surpresa? Nem um pouco: se houver impeachment, e Temer for presidente, será candidato à reeleição em 2018 e Aécio mira na mesma data. E se ao cabo prevalecer a razão, e Dilma sair incólume do ataque da insensatez, que será de Temer? Soltem a imaginação, ao cogitar das alternativas.

Quanto a Cunha, o grande operador, já deveria estar cassado, a amargar o julgamento do STF. Ah, sim, a Justiça... Em qual país civilizado e democrático um Cunha poderia arcar com o rol que o momento lhe atribui diante da indiferença de muitos e a aprovação, até eufórica, de outros tantos?

Do outro lado, existem belos exemplos de resistência. Vem, por exemplo, de Ciro Gomes, a evocar Leonel Brizola em defesa de Jango, ou de 16 governadores, ou de grandes juristas que não hesitam em identificar impeachment como golpe, ou de inúmeros cidadãos anônimos prontos a expor sua revolta. Dilma ao dizer, em nome do governo, “nós não cometemos delitos”, como se aos adversários quisesse amparar-se em provas de mazelas imperdoáveis para sustentar o impeachment, não percebe que a intenção não é provar coisa alguma, e simplesmente enxotar do Planalto sua legítima inquilina, à revelia da Constituição.

Vale a pena tirar os olhos do palco, para encarar a plateia. Quantos ali acreditam que o impedimento equivale a salvar o País em meio a um ciclone causado exclusivamente pelo PT e seus dois presidentes? Quantos esquecem o que representou para o Brasil a Presidência de Lula, e também a de Dilma, ao menos nos três primeiros anos? Quantos ignoram que a maioria das acusações desfechadas pela Lava Jato precisam ser provadas, bem ao contrário dos trambiques de Cunha? Quantos caem no engodo urdido diariamente pela mídia nativa, alinhada como sempre de um lado só, compactamente a favor do impeachment e, portanto, dedicada a promover o arbítrio, a irresponsabilidade, a ignorância? 

A esperança há de ser oposta àquela destes espectadores, que o impedimento naufrague e Dilma permaneça onde está. Ainda há tempo para impedir o desastre final. Ainda há tempo para dar outro rumo à política econômica, embora seja evidente que a crise não se deve apenas aos erros do governo. Pesam também os efeitos da Lava Jato, as tempestades a varrer o mundo e as debilidades do Brasil, até hoje exportador de commodities.

O País viveu dois momentos bastante promissores: a década de 50 e o tempo do governo Lula, reconhecidos como tais em todo o planeta. O golpe de 64 não foi precipitado pelo risco de cubanização de uma terra tão pouco parecida com a ilha do Caribe, e sim pela perspectiva do surgimento de um autêntico proletariado, capaz de tornar-se mola do progresso e da contemporaneidade, como se dera bem antes na Europa. O ingresso na cena de um operariado consciente da sua força representaria uma mudança insuportável para os tradicionais donos do poder.

Hoje para a casa-grande é indispensável impedir a permanência do PT no comando. Por mais decepcionante que tenha sido o comportamento do partido depois da eleição de 2002, há decisões que um governo petista jamais tomaria. Com o golpe, fica aberto o caminho da privatização da Petrobras, incluída a negociação do pré-sal com as Sete Irmãs, e do retorno à condição de satélite de Washington.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

A historiadora Anita Leocádia Prestes, fala sobre o seu novo livro, Luiz Carlos Prestes - Um comunista brasileiro


O Estado Oligárquico de Direito



Neste exato momento, a população brasileira vê, atônita, a preparação de um golpe de estado tosco, primário e farsesco. Alguém poderia contar a história da seguinte forma: em uma república da América Latina, o vice-presidente, uma figura acostumada às sombras dos bastidores, conspira abertamente para tomar o cargo da presidente a fim de montar um novo governo com próceres da oposição que há mais de uma década não conseguem ganhar uma eleição. Como tais luminares oposicionistas da administração pública se veem como dotados de um direito divino e eterno de governar as terras da nossa república, para eles, "ganhar eleições" é um expediente desnecessário e supérfluo.

O vice tem como seu maior aliado o presidente da Câmara: um chantagista barato acostumado, quando pego em suas mentiras e casos de corrupção, a contar histórias grotescas de fortunas feitas com vendas de carne para a África e contas na Suíça com dinheiro depositado sem que se saiba a origem. Ele comanda uma Câmara que funciona como sala de reunião de oligarcas eleitos em eleições eivadas de dinheiro de grandes empresas e tem ainda o beneplácito de setores importantes da imprensa que costumam contar a história do comunismo a espreita e do bolivarianismo rompante para distrair parte da população e alimentá-la com uma cota semanal de paranoia. O nome de sua empresa diz tudo a respeito do personagem: "Jesus.com".

O golpe ganha um ritmo irreversível enquanto a presidenta afunda em suas manobras palacianas estéreis e nos incontáveis casos de corrupção de seu governo. Ela havia dado os anéis para conservar os dedos; depois deu os dedos para guardar os braços. Mais a frente, lá foram os braços para preservar o corpo, o corpo para guardar a alma e, por fim, descobriu-se que não havia mais alma alguma. Reduzida à condição de um holograma de si mesma e incapaz de mobilizar o povo que um dia acreditou em suas promessas, sua queda era, na verdade, uma segunda queda. Ela já tinha sido objeto de um golpe que tomou seu governo e a reduziu à peça decorativa. Agora, nem a decoração restou.

Bem, este romance histórico ruim e eternamente repetido parece ser a história do fim da Nova República brasileira. Que ela termine com um golpe de estado primário, fruto de um pedido de impeachment feito em cima da denúncia de "manobras fiscais" em um país no qual o orçamento é uma ficção assumida por todos, isto diz muito a respeito do que a Nova República realmente foi. Incapaz de criar uma democracia real por meio do aprofundamento da participação popular nos processos decisórios do Estado e equilibrando-se na gestão do atraso e do fisiologismo, ela acabou por ser engolida por aquilo que tentou gerir. Para justificar o impeachment, alguns são mais honestos e afirmam que um governo inepto deveria ser afastado. É verdade, só me pergunto por que então conservar Alckmin, Richa, Pezão e cia.

O fato é que, no lugar da Nova República, o Brasil depois do golpe assumirá, de vez, sua feição de Estado Oligárquico de Direito. Um estado governado por uma oligarquia que, como na República velha, transformou as eleições em uma pantomima vazia. Uma oligarquia que já mostrou seu projeto: uma política de austeridade que não temerá privatizar escolas (como já está sendo feita em Goiás), retirar o caráter público dos serviços de saúde, destruir o que resta dos direitos trabalhistas por meio da ampliação da terceirização e organizar a economia segundo os interesses não mais da elite cafeeira, mas da elite financeira.

Mas como a população brasileira descobriu o caminho das ruas (haja vista as ocupações dos estudantes paulistas), engana-se aqueles que acreditam poder impor ao país os princípios de uma "unidade de pacificação". Contem com um aumento exponencial das revoltas contra as políticas de um governo que será, para boa parte da população, ilegítimo e ilegal. Mas como já estamos dotados de leis antiterroristas e novas peças de aparato repressivo, preparem-se para um Estado policial, feito em cima de leis aprovadas, vejam só vocês, por um "governo de esquerda". Faz parte do comportamento oligarca este recurso constante à violência policial e ao arbítrio para impor sua vontade. Ele será a tônica na era que parece se iniciar agora. Contra ela, podemos nos preparar para a guerra ou agir de forma a parar de vez com este romance ruim.