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domingo, 21 de fevereiro de 2016

A Folha é pluralista o suficiente? Não



Se pluralismo é dar voz, com equilíbrio, a visões políticas opostas, a Folha não é um jornal pluralista. Ela tem uns cem colunistas permanentes. É óbvio que nem todos falam de política. Mas, dos que tratam do tema, os simpatizantes de esquerda são poucos. Nem dez. (nem cinco, na verdade)

Destes, quase nenhum simpatiza com o governo federal ou com o PT. Aliás, três colunistas que tinham alguma simpatia por suas políticas –Luiz Carlos Bresser-Pereira, Barbara Gancia e Xico Sá– foram desligados nos últimos dois anos. Há assim, no Brasil, um partido que venceu as últimas quatro eleições presidenciais e conta com a segunda maior bancada na Câmara, mas não tem voz na Folha.

O contraste é grande com o espaço dado a articulistas de direita, incluindo alguns que se dizem liberais, mas que não defendem o princípio básico, supremo, de todo liberalismo genuíno: que haja igualdade de oportunidades, ou seja, que ninguém seja prejudicado ou avantajado pela loteria do nascimento em berço miserável ou rico.

Não penso que a Folha tenha obrigação de dar voz ao PT. Apenas assinalo que, se não pratica o pluralismo, não deve se dizer pluralista. Só isso.

A mesma desigualdade de espaço entre direita e esquerda aparece nas reportagens. É inegável que a Folha aponta falhas ou mesmo crimes nos políticos de direita, mas a proporção de críticas ou ataques é maior à esquerda do que à direita.

Num tema que perpassa nossa política, a corrupção, referências à esquerda são expostas como incontestes, enquanto alusões aos partidos conservadores são comedidas. Há uma diferença de pesos e critérios que é preocupante.

A reportagem é o coração do jornalismo. Apurar informações é essencial, caro e difícil. Exige uma separação clara entre fatos e opiniões. Qualquer estudante de jornalismo sabe que não há fatos em si, que a própria apuração já é marcada por uma convicção prévia.

Todavia, o jornal ou o jornalista deve acreditar no mito de que é preciso haver uma divisão entre o fato e a opinião, entre a informação e o editorial. Porém, nos últimos anos, à medida que se reduziu a apuração de notícias, que se baixou a produção de reportagens relevantes, a fronteira entre fato e opinião diluiu-se.

Em todo curso de jornalismo prega-se "a separação da igreja e do Estado", ou seja, a Redação e o departamento de publicidade devem estar divididos por uma muralha intransponível, para que o jornal tenha credibilidade.

Essa separação é respeitada, sim, e é uma condição para o jornalismo. Mas a outra muralha, entre as notícias e os editoriais, perdeu importância.

A Folha continua tendo qualidades. Alguns colunistas são realmente bons. O jornal denuncia falhas de partidos de direita, embora em menor número. Entretanto, por opção ideológica ou por outra razão, descuidou das reportagens.

Posso dizer que muitos assuntos importantes na área educacional são omitidos. Em 2013, um colunista de economia descobriu por puro acaso a existência de uma importante política do Ministério da Educação, o programa Caminho da Escola que transportava milhões de crianças para as escolas na zona rural.

Nesta semana, a mídia apenas soube que o governo Alckmin havia reduzido a duração das aulas nas escolas porque uma pessoa postou a informação no Facebook.

Seria bom se o jornal recuperasse o investimento em reportagens que estivessem claramente separadas de opiniões. Opinião quem deve formar é o próprio leitor; o jornal deve lhe dar meios para isso, nada mais.


RENATO JANINE RIBEIRO, 66, professor titular de ética e filosofia política da USP, foi ministro da Educação.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Os inimigos de Lula e os milhões de Silvas

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"Lula não é adversário, é inimigo. Ao adversário se estende a mão, reconhece-se a sua dignidade humana e se respeita as regras do jogo. Lula nunca foi aceito", analisa o antropólogo e professor Jaime Amparo Alves, em artigo para o 247; "A Folha de S. Paulo investigou uma tal propensão genética da família Silva ao álcool, a Revista Veja já celebrou o 'câncer do presidente' e o Globo já apresentou Lula como presidiário em suas charges. Tudo isso sem falar na violência sanitarizada dos telejornais da Globo com seus apresentadores cinicamente consternados com a corrupção no país, enquanto a empresa segue mergulhada em fraudes fiscais", observa; para o colunista, "Lula não é atacado porque fez menos do que o Brasil precisa, mas sim porque ousou arranhar a centenária estrutura hierárquica do país trazendo os pobres para o debate nacional"; leia a íntegra





"Não parece razoável o que estão fazendo com o Lula". A frase do tucano Luís Carlos Bresser-Pereira poderia ser o sinal da tão esperada distensão política, mas não é por um único motivo: Lula não é adversário, é inimigo. Ao adversário se estende a mão, reconhece-se a sua dignidade humana e se respeita as regras do jogo. Lula nunca foi aceito. Desde o primeiro dia do primeiro mandato, Lula tem sido submetido a um ataque sistemático. A Folha de S. Paulo investigou uma tal propensão genética da família Silva ao álcool, a Revista Veja já celebrou o 'câncer do presidente' e o Globo já apresentou Lula como presidiário em suas charges. Tudo isso sem falar na violência sanitarizada dos telejornais da Globo com seus apresentadores cinicamente consternados com a corrupção no país, enquanto a empresa segue mergulhada em fraudes fiscais. Na ausência absoluta de padrões éticos jornalísticos, nos resta perguntar se a raiva irracional de William Waack contra Lula, Hugo Chavez e Cristina Kirchner, por exemplo, não seria o caso de tratamento psiquiátrico.

No fundo no fundo, até os incendiários Aécio Neves e Carlos Sampaio sabem que "não é razoável" como a imprensa trata o ex-presidente Lula. Mas Lula da Silva foi longe demais em sua loucura política de desafiar o establishment; e olhe que, para aqueles de nós frustrados com o PT, Lula fez muitas concessões e perdeu a oportunidade de fazer as mudanças radicais que o Brasil tanto precisa; entre elas, a urgente e cara ley dos médios, a reforma agrária, e a justiça tributária. Inútil chorar o leite derramado aqui porque segue derramando. O governo Dilma Rousseff segue implacável no mesmo script com o agravante de que em sua tecnicidade Dilma nega a política, se afasta do povo e afasta de vez a esperança na tão sonhada virada de mesa do primeiro governo, do segundo, do terceiro, do quarto.

Ainda que Lula tenha alimentado os seus próprios predadores na esperança inútil de que fazendo concessões estratégicas, a elite permitiria um governo popular, ir às ruas defendê-lo é um dever de todos aqueles com um mínimo de educação politica e de perspectiva histórica. A perseguição implacável que sofre é um indicativo das suas virtudes, não dos seus defeitos. Lula não é atacado porque fez menos do que o Brasil precisa, mas sim porque ousou arranhar a centenária estrutura hierárquica do país trazendo os pobres para o debate nacional. A não ser que as forças políticas de esquerda corroborem com o moralismo dirigido do conglomerado policial-midiático segundo o qual o PT é o partido mais corrupto da história, a perseguição implacável a Lula deveria despertar uma solidariedade política estratégica. A mensagem é clara aqui: se Lula, com suas concessões pragmáticas, se converteu em inimigo mortal, imagine a máquina de guerra que seria montada contra um hipotético governo muito mais à esquerda? Talvez o tratamento editorial da Globo ao presidente venezuelano Hugo Chavez – o sorriso mal disfarçado dos apresentadores da Globo News com a sua morte - nos dê uma milésima dimensão de como seria o terror midiático a um projeto político radical que as forças mais à esquerda do PT defendem e que o Brasil urgentemente precisa.

Que a imprensa trate Lula como inimigo é explicável e deveria até fazer bem ao ego do ex-presidente. Ter a mídia como inimiga é um termômetro importante. O que não é razoável é o silencio das esquerdas com a violência politica da qual o ex-presidente é vitima, como se os movimentos sociais e os partidos neste espectro políticos não fossem os próximos da fila. Eles virão por nós!

Não é uma incongruência defender o legado de Lula da Silva e criticar o pragmatismo político que nos trouxe ao momento atual. Tampouco se trata de relativização moral porque o que está em questão aqui não é provar sua inocência. Tarefa inútil. Há neste momento toda uma estrutura estatal, incrivelmente sob o comando do ministro da Justiça do PT, para encontrar um 'crime' praticado pelo ex-presidente. Perguntar não ofende: quem de nós sobreviveria a tamanha cruzada policial-midiática? Não me refiro a uma checagem de antecedentes criminais ou a uma varredura em contas no exterior, mas a todo um aparelho policial estatal orientado a encontrar um crime, um arranhão na biografia, um desvio na conduta dos filhos, dos vizinhos, dos amigos.

Não há tempo a perder. Se há alguma lição a se aprender do julgamento do 'mensalão' é que a defesa de Lula da Silva deve acontecer nas ruas e nas mídias sociais porque é perda de tempo lamentar a inimputabilidade tucana sob a plutocracia judiciária. Juízes, promotores e delegados têm alma, classe social e partido político. Senão, como explicar as aberrações jurídicas com assento na suprema corte e com suas retóricas anti-petistas nos e fora dos autos? Leigos nos assuntos legais, eu e meu sobrinho de sete anos sabemos que "não é razoável" que um juiz falastrão utilize suas prerrogativas (e o nosso dinheiro!) para militância político-partidária e que seja endossado pelo silêncio ensurdecedor dos seus pares. Mania de perseguição? Nas mãos petistas um cartão corporativo, uma tapioca, uma canoa de lata ou o empréstimo de um sítio em Atibaia têm mais peso policial-midiático do que um apartamento na Avenida Foch, no centro de Paris, um helicóptero com 450 toneladas de cocaína, as fraudes do metro paulistano, ou cinco milhões de dólares em bancos suíços.

A tentativa de assassinato da biografia da figura mais marcante da vida política nacional contemporânea tem um outro significado importante. Com o assassinato político de Lula abre-se caminho para o desmonte da política soberana do pré-sal e para o retrocesso nas conquistas sociais como o Bolsa Família e as cotas raciais nas universidades públicas. É o que está por trás da violência contra Lula da Silva e é o que deveria nos unir em sua defesa.

A história haverá de colocar em seus devidos lugares dois presidentes, em dois brasis e com duas trajetórias distintas. Um, o presidente sociólogo, poliglota, membro da Academia Brasileira de Letras, descendente de imigrantes portugueses, frequentador dos círculos acadêmicos norte-americanos - levou a cabo um criminoso programa de privatizações do patrimônio público e alienação da soberania nacional. O outro, o presidente nordestino, metalúrgico, sem formação superior, e sem etiquetas no falar - resgatou a esperança de milhões de brasileiros submetidos à humilhação da fome e da seca. Nossos netos lerão nos livros de história sobre um presidente semi-analfabeto, que abriu as portas do ensino superior para milhões de jovens condenados por um presidente-sociólogo a repetir os passos dos seus pais envelhecendo fora das universidades. A história não poderá apagar o nome do presidente nordestino que, não sendo poliglota como o presidente-sociólogo, inseriu o Brasil como país soberano na cena política mundial. Talvez quem hoje tenha 20 anos de idade ou nasceu sob o governo do PT não tenha um parâmetro para comparar o que era a vida dos mais pobres há uma década. Eu tenho. Como jovem e membro da Pastoral da Criança, durante os últimos resquícios da teologia da libertação no interior da Bahia, eu conheci de perto a fome, a desnutrição e a morte. Pesávamos crianças raquíticas, de pais raquíticos, com salários raquíticos. Era morte produzida pelas políticas sociais do presidente sociólogo e sua turma. Agora eles perseguem a capa do jornal matutino com Lula da Silva algemado. Talvez ganhem a foto, mas perderão o sono. Somos Lula! #‎LulaEuConfio‬‬


Jaime Amparo Alves, Doutor em Antropologia Social pela Universidade do Texas em Austin e professor de sociologia e antropologia da City University of New York (CUNY/CSI)

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Ensaio sobre o fascismo atual



Juremir Machado da Silva

Fenômeno histórico datado, o fascismo transformou-se num conceito intemporal. Ressurge a todo momento. Assume novas roupagens para dissimular a sua velha postura. O fascista sempre se apresenta como homem de bem, representante da moral, dos bons costumes e dos valores familiares. Prega ideias simples que fascinam simplistas: violência se combate com mais violência para além dos limites do Estado de Direito. Bandido bom é bandido morto e sem a perda de tempo dos demorados julgamentos. Olho por olho, dente por dente. Quem mata, deve ser “pedalado”. Não existe idade para ser condenado por crime cometido. Tortura pode ser um instrumento válido, mas é jogar conversa fora com vagabundo. Melhor não gastar mais do que uma bala.

O neofascista viceja nas redes sociais. Pode ser também o tiozinho que, na rua, provoca o seguinte diálogo com falsa candura:

– Viu o que está acontecendo?

– Onde?

– Ora, onde! Em Brasília.

– Que houve?

– Estão roubando como nunca.

– A polícia, o Ministério Público e a justiça estão atuando.

– Perda de tempo. Ninguém faz nada. É só enrolação.

– O que se deveria fazer?

– Botar todo mundo na cadeia na hora e deixar lá até apodrecer.

O fascista tem pressa. Não gosta dos “formalismos” da lei. Prefere atalhos. Não se constrange em atropelar as regras. Viola a Constituição de acordo com as suas conveniências. Vê nos defensores dos Direitos Humanos nada mais do que protetores de criminosos hediondos. Sonha com a volta da ditadura militar e com a paz dos cemitérios. Acha um desperdício gastar dinheiro com deputados e senadores. Para que Congresso Nacional? Para que eleições? Detesta liberdade de expressão. Para ele, neutralidade jornalística é quando a opinião do jornalista coincide com a sua. Isento é quem defende o seu lado. Existem fascistas de esquerda e de direita. O fascista padrão costuma ser homofóbico, racista, machista, elitista e ditatorial. Não se trata, muitas vezes, de calcificação ideológica, mas de deficiência intelectual. O fascismo usa fórmulas tão simples que, sendo falsas, parecem mais verdadeira do que a verdade.

Frase de efeito: o fascismo é sempre hiper-real: mais real do que o real. Tão irreal que seduz como se fosse super-real. O fascismo é a realidade sem as impurezas da realidade, um imaginário sem imaginação, uma distopia (utopia em forma de pesadelo) sem sindicatos, greves, manifestações em dias úteis, ruas interrompidas e sexualidades “destoantes”. O fascismo padroniza, uniformiza e elimina diferenças não autorizadas. A principal característica do fascismo é a naturalização conformista da cultura: sempre foi assim, assim é que dever ser, é assim desde que o mundo é mundo, o resto seria doença. O problema de fascismo é que vivemos em sociedades complexas, multiculturais, abertas, baseadas num equilíbrio de diferenças. O fascismo odeia pluralidade. Vai perder a guerra.

Viva o dissenso.

Só pode ser chamado de fascista quem se encaixa em todos os elementos listados acima.

A falha de um só descaracteriza o rótulo.