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quarta-feira, 31 de julho de 2013

MPL anuncia nova onda de protestos contra corrupção no governo de São Paulo


Correio do Brasil


“O Movimento Passe Livre (MPL) anuncia uma nova onda de manifestações a partir do dia 14 de agosto. Nesta data, o grupo irá realizar uma manifestação em parceria com o Sindicato dos Metroviários de São Paulo, por conta do suposto propinoduto esquematizado nos contratos para as obras do Metrô, que pode ter desviado R$ 400 milhões dos cofres públicos. O caso, ocorrido em gestões do PSDB, foi denunciado pela multinacional Siemens.

– Nossa posição é que é um absurdo que o dinheiro público esteja sendo desviado do transporte. São mais de R$ 400 milhões desviados, isso daria para reduzir a tarifa a R$ 0,90 – afirma Matheus Preis, militante do MPL-SP.
A manifestação do dia 14 de agosto ainda não tem um local definido. No dia 6 de agosto, o MPL vai divulgar, em parceria com os metroviários, uma carta à população, informando o local do protesto.

Corrupção

A denúncia parte do recente acordo feito pela multinacional alemã Siemens com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), no qual, em troca de imunidade civil e criminal, a companhia revelou como ela e outras empresas se articularam para formar cartéis que atuavam nas licitações públicas do setor de transporte sobre trilhos. Mesmo sendo alvo de investigações desde 2008, as empresas envolvidas continuaram a disputar e ganhar licitações.

Entre os nomes que apareceram na investigação dos promotores está o de Robson Marinho, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE) nomeado por Mário Covas, e que, no período em que as propinas teriam sido negociadas, trabalhava diretamente com o governador. Marinho foi prefeito de São José dos Campos e participou da coordenação da campanha eleitoral de Covas em 1994, tendo sido chefe da Casa Civil do governo paulista de 1995 a abril de 1997. Promotores de São Paulo e da Suíça identificaram uma conta bancária pertencente a Marinho que teria sido abastecida pela francesa Alstom e o ministério público conseguiu bloquear cerca de US$ 1 milhão depositados.

Duas das principais integrantes do cartel apurado pelo Cade, Siemens e Alstom, faturaram juntas até 2008 R$ 12,6 bilhões em contratos com o governo de São Paulo. Atualmente, além da investigação do Cade, há 15 processos no Ministério Público a respeito do esquema.”

Via:http://saraiva13.blogspot.com.br

sábado, 27 de julho de 2013

Não deu no Jornal Nacional, nem na Folha, Estadão, Veja: O escândalo do metrô de São Paulo



POR QUE ALCKMIN É TÃO BLINDADO PELA MÍDIA?

Nas duas últimas semanas, a revista Istoé dedicou capas ao escândalo do metrô de São Paulo. Na primeira, obteve o depoimento de um ex-funcionário da Siemens, que revelou como era paga a propina nos governos tucanos. Na mais recente, revela o superfaturamento de R$ 425 milhões. Sabe quantos segundos esse assunto mereceu no Jornal Nacional? Ou quantas linhas ganhou no Estado de S. Paulo ou mesmo na Folha, a primeira a revelar o caso Siemens? Zero. Por que será?

do Brasil 247

Duas semanas atrás, no dia 14 de julho, a Folha de S. Paulo revelou ao País o chamado "caso Siemens". De acordo com a reportagem, a empresa denunciou um cartel na venda de equipamentos ao metrô, do qual ela própria fazia parte, e aceitou um acordo de delação premiada, para reduzir suas penalidades (leia mais aqui ).

Nos dias que se seguiram, a Folha, curiosamente, tirou seu time de campo e praticamente não voltou ao assunto.

No fim de semana passado, a revista Istoé, da Editora Três, dedicou sua primeira capa ao tema. A publicação obteve o depoimento de um ex-funcionário da Siemens, que revelou até o nome da empresa que recolhia a propina, chamada MGE, que dizia agir em nome dos governos tucanos (leia aqui ).

A contrapartida da propina, naturalmente, era a possibilidade de vender os equipamentos a um preço mais alto. Neste fim de semana, a nova capa de Istoé sobre o tema aponta superfaturamentos de até R$ 425 milhões no metrô de São Paulo (o suficiente para vários mensalões) (leia aqui).

Dito isso, algumas questões intrigantes:

1) por que a Folha não voltou ao assunto?

2) por que jornais concorrentes, como Estado ou Globo, não decidiram apurar o caso Siemens?

3) por que o Jornal Nacional não dedicou nenhum mísero segundo ao tema?

Cada veículo de comunicação adota seus próprios critérios. Mas o fato é que Geraldo Alckmin, ao menos junto à chamada "grande imprensa", conseguiu se blindar. Por que será?

“Um estadista não emerge da chama das ruas, forma-se ao longo da vida”


por Luiz Eduardo Soares

Com os olhos do mundo voltados para o Rio de Janeiro, quando a cidade é palco de eventos mundiais esportivos e religiosos, os manifestantes que tomam as ruas parecem conseguir mais alcance para seus gritos. Acompanhado por câmeras e repórteres de diversos países, o cenário da cidade, com semelhanças ao quadro de outras do país, pode ter se tornado mais permanente e talvez mais violento. Assim avalia o cientista político Luiz Eduardo Soares, ex-secretário nacional de Segurança (2003) e ex-coordenador de Segurança, Justiça e Cidadania do Rio (1999-2000), para quem o Brasil vivencia o colapso da representação política.

Um dos maiores especialistas do país em violência urbana, Soares lamenta que a reforma da polícia não seja pauta da sociedade. E diz que o centro da violência no Rio é a degradação das polícias. As dez mortes no Complexo da Maré e o desaparecimento do pedreiro Amarildo, na Rocinha, não suscitaram entrevista coletiva com a cúpula da segurança do Estado, como a convocada às pressas no dia seguinte às cenas de quebra-quebra no Leblon, bairro de elite onde mora o governador Sérgio Cabral (PMDB), lembra. “Escândalo é o vandalismo de manifestantes. O genocídio é parte da paisagem”, diz.

Para Soares, centenas de milhares de pessoas tomaram as ruas para tornarem-se protagonistas da história. “A massa rompeu expectativas e a tradição de apatia, e inventou um movimento que será, por suas lições e seus efeitos, o verdadeiro legado às gerações futuras”.

A seguir, os principais trechos da entrevista ao Valor:

Valor: Quem são os manifestantes que vão as ruas no Rio? São “os mesmos” em outras cidades?

Luiz Eduardo Soares: A resposta exigiria uma pesquisa empírica que ainda está por ser feita, seja no Rio, seja em outras cidades. Seria necessário também evitar tratar os protestos como um bloco uniforme: no Rio, houve uma mobilização com mais de 300 mil participantes – eu diria: muito mais do que isso. Houve outras com duas ou três mil pessoas. São distintas na escala e, provavelmente, na composição. De todo modo, tudo leva a crer que a marca das grandes manifestações foi a diversidade, seja de pautas, seja de recursos expressivos, seja de origens sociais. A supremacia de jovens parece constituir outra característica constante. Estou inclinado a crer que não houve diferenças significativas entre as grandes manifestações que ocorreram no Rio e em outras cidades.

Valor: O que os manifestantes do Rio querem?

Soares: Se eu lhe respondesse estaria atestando o meu mais absoluto alheamento da experiência coletiva em curso nas ruas. O protesto parece recusar mediadores ou tradutores, o que nos remete para sua reiterada dramatização (mais do que declaração verbal): o rei está nu, o instituto da representação ruiu, a sociedade brasileira está vivenciando o colapso da representação política; e talvez isso valha também para nós, cientistas sociais e acadêmicos com pretensões de produzir diagnósticos e soluções, em aliança com a tecnocracia autoritária onipresente no Estado brasileiro. Os protestos são, nesse sentido, a performance que assinala, vocaliza, enuncia, proclama e, sobretudo, realiza em praça pública, dramaturgicamente, a ruptura com a representação política confinada em partidos e submetida aos jogos hipócritas e despudorados, sob títulos elegantes como governabilidade. A agenda é múltipla e prescinde de intérpretes, mas o modo como tem sido construída nas ruas, com base no novo protagonismo individualizado e dos pequenos coletivos, aponta para o desejo de participação.

Valor: Os movimentos no Rio ganharam proporção maior?

Soares: Não diria necessariamente maior proporção, talvez maior visibilidade, porque o crivo seletivo da mídia focaliza o Rio, por ser o palco dos grandes eventos esportivos e religiosos. O extraordinário é que, ao tomar as ruas, a sociedade brasileira apropriou-se do título que lhe custara bilhões de reais e, por decisões autocráticas, a excluíra: o grande evento. Centenas de milhares de pessoas deslocaram o campo de futebol para o meio da rua e vestiram a camisa do país, assumindo um protagonismo como nunca antes na história do Brasil. O interesse público tinha sido traído pela tecnocracia, associada a empreiteiras e subserviente à tutela arrogante da Fifa. A sociedade revogou expectativas, rompeu a tradição de apatia e inventou um movimento que será, por suas lições e seus efeitos, o verdadeiro legado às futuras gerações.

“Lojas saqueadas no Leblon merecem mais destaque que as milhares de execuções de jovens pobres e negros”

Valor: Por que a crítica à polícia ganhou destaque no Rio? A reforma da polícia é pauta aqui?

Soares: Gostaria de responder afirmativamente, mas creio que seria apenas um autoengano. Lamento ser obrigado a dizer que não. Não vejo a sociedade carioca, em seu conjunto ou como tendência predominante, mostrar-se sensível para a necessidade imperiosa e urgente de uma refundação das polícias, nem mesmo de uma reforma. Lojas saqueadas no Leblon, fato sem dúvida lamentável, merecem mais destaque do que as milhares de execuções extrajudiciais de jovens pobres e negros, perpetradas pelas polícias nas favelas. Entre 2003 e 2012, as ações policiais provocaram, no Estado do Rio, 9.231 mortes de civis. O desaparecimento de Amarildo, na Rocinha, levado para depor na sede da UPP e nunca mais localizado, não suscitou entrevista coletiva com a cúpula das polícias e o secretário de Segurança, nem as dez mortes na Maré. A pauta da mídia ajuda a formar e ao mesmo tempo expressa pontos de vista que acabam por se impor, quando se trata de definir a agenda das políticas públicas. Por isso, sou pessimista: acho que o que vai acabar predominando é apenas o raso e velho discurso da “falta de preparo dos policiais”. Estamos longe ainda de reconhecer que, apesar de numerosos contingentes de policiais honrados e competentes, o centro nevrálgico da criminalidade violenta no Rio é a degradação de nossas polícias e que, portanto, antes de qualquer ação para enfrentar o crime é indispensável transformar as corporações radicalmente. Sem as polícias como instrumentos legais, rigorosamente submetidas aos mandamentos constitucionais e a controle externo, não avançaremos e colocaremos em risco o futuro dos bons projetos como as UPPs. No Rio, as desigualdades são muito profundas e enraizadas, a tal ponto que a morte dos jovens negros provocada pelo braço do Estado é naturalizada. Escândalo é o vandalismo de manifestantes. O genocídio é parte da paisagem.

Valor: A principal pauta é a polícia ou a oposição ao governador?

Soares: A pauta é muito diversificada como eu disse. As pessoas participam, não apenas demandam o direito de participar. Mas é claro que, equilibrando-se sobre um fio, esticando a corda, o movimento se arrisca a virar o jogo político em favor do governador e de suas forças policiais. É nisso que têm apostado o governador e o comando da PM, quando, por exemplo, no Leblon, por astúcia maquiavélica, deixaram as ruas entregues à babel dos manifestantes. Essa babel era composta por uma explosiva mistura dos seguintes ingredientes: uma boa dose de ingenuidade e inexperiência; falta de acordo interno entre manifestantes que estabelecesse limites consensuais; ação de ativistas radicais, inspirados na velha teoria simplista de que ao aumento da força destrutiva empregada pelos ativistas corresponde o enfraquecimento político dos adversários; intervenção de provocadores, como policiais e outros agentes infiltrados; e a ajuda luxuosa de alguns aproveitadores, que visavam um “ganho” individual e não estavam ali por nenhuma razão política. Qual a diferença entre a postura sustentável de um estadista, voltada para fins estratégicos superiores, e a política de alta emissão de carbono do governador Cabral, intensiva em gás, bombas, cassetetes e manobras estritamente táticas? O estadista extrairia das manifestações uma agenda o mais próxima possível do espírito das ruas e de sua intensidade. Um governador com a estatura de estadista ousaria traduzir esses temas em uma ousada agenda de reformas para o país – que ele levaria a Brasília – iniciando, aqui e agora, no Estado do Rio, o que fosse legalmente viável. E haveria muito a fazer no interior dos marcos legais vigentes, antes que o Congresso Nacional promovesse mudanças de fôlego. Entretanto, lamentavelmente, qual foi a atitude do governador Cabral? Defensiva. Se os protestos dirigiam-se a ele, nominalmente, ele reagiu como um adolescente insultado, acuado, e buscou, sorrateiramente, montar ciladas para a ingenuidade indisciplinada do movimento. Além disso, tendo sido hostilizado nas ruas, respondeu na mesma moeda como faz um indivíduo inseguro, um cidadão imaturo ou um torcedor de futebol, mas como jamais faria um estadista. A mesma moeda dos cânticos adolescentes contra Cabral é o canto de guerra do governador, que joga a pedra de volta na vidraça alheia, acusando adversários políticos e denunciando o caráter, imaginem só, “político” das manifestações. Quem jamais pensou que o caráter fosse religioso ou esportivo? É de política que se trata do começo ao fim e de sua ressignificação. Patética a reação personalizada e defensiva do governador, que apenas reforça seu lugar no alvo dos protestos. Entretanto, é bom que se diga, um estadista não emerge da chama das ruas, como suco instantâneo. Forma-se ao longo da vida. Quem viaja de helicóptero da Lagoa a Laranjeiras no Estado mais desigual do país não tinha mesmo a compreensão e a sensibilidade típicas do estadista.

Valor: A polícia só sabe usar a violência ou cumpre ordens?

Soares: A PM mimetizou a postura de seu chefe supremo, o governador. Foi defensiva, em vez de ser profissional. Reagiu como se os seus membros estivessem sendo injuriados pessoalmente. Adotou o modelo das torcidas organizadas que reagem a hostilidades com hostilidades; se eles podem, eu posso etc. O discurso comovido do comandante geral da PM [coronel Erir Ribeiro da Costa] foi inacreditável para quem sabe distinguir a suscetibilidade personalista do ofício que corresponde a um mandato constitucional ou do papel que equivale a uma responsabilidade pública. Se o comando psicologiza e evoca o moral ofendido da tropa, é fácil deduzir o moral da tropa nas ruas, transposto para a prática. Por isso, os sinais da vingança estampados no sorriso de escárnio que testemunhei em ataques arbitrários na Lapa de policiais a transeuntes que apenas caminhavam de volta para casa, depois de uma das manifestações. Em vez de aproveitar a energia desprendida para ajudar a reinventar as práticas políticas no país, infundindo renovada credibilidade no mundo político, o governador zangou-se e tentou jogar a opinião pública contra o movimento, preocupado apenas em contabilizar seu futuro desgaste eleitoral e os eventuais danos sobre o projeto de poder de seu grupo político.

Fonte:http://www.geledes.org.br

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Um novo modelo de medicina: As pessoas precisam de pessoas que as vejam por inteiro

As pessoas precisam de pessoas que as vejam por inteiro. Logo, é o modelo de medicina ensinado nas escolas, aliado a uma política de acesso ao curso, que precisa ser transformado

Elaine Tavares - Brasil de Fato

Ontem passei algumas horas dentro do HU, o Hospital Universitário da UFSC. Desde bem cedinho já se pode ver muita gente por ali. Nas primeiras horas começam a chegar as ambulâncias do interior do estado. É gente demais. Descem com os olhos aflitos, semblante perdido. Estão muito longe de casa, doentes, frágeis, sozinhos. Tudo o que querem é chegar e serem atendidos por alguém que lhes segure a mão e diga que as coisas vão ficar bem. Mas, nem sempre é assim. Seguem-se horas e horas de espera nos corredores lotados de outros seres como eles: perdidos, sozinhos, frágeis na dor.

Cada corredor de cada especialidade é um mundo. Ali se acotovelam vidas, sofrimentos, angústias. Afinal, estar doente é estar submetido a nossa condição mortal, é ficar cara a cara com a ceifadora. Daí esse medo que nos toma. Na sala de espera do raio-x algumas pessoas choram. Devem sentir muita dor. Por um átimo, os olhos se encontram e tudo o que se percebe é um atormentado pedido de ajuda, sem eco. Não há nada a fazer. Há que esperar. Nos salas de quimioterapia, os que esperam evitam olhar nos olhos como se tivessem vergonha de estarem doentes. Ficam ali, fixados no nada, ruminando uma profunda solidão.

A visão dos corredores do HU não é diferente de outros tantos hospitais públicos pelo Brasil afora. Gente demais, buscando algum alívio para essa dor de estar doente. No mais das vezes, não encontrando. Mas, a lotação dos hospitais decorre muito mais por conta do modelo de cuidado com a saúde que nossa sociedade escolheu. Não se faz prevenção de doenças. A política é tratar o que já se instalou, e de preferência com remédios bem caros para que as “pobres” empresas farmacêuticas possam lucrar muito. O modelo brasileiro de um Sistema Unificado de Saúde é muito bom, mas acaba entravando nessa lógica que muito mais serve às empresas da morte do que ao ser que precisa de ajuda.

Para começo de conversa a melhor prevenção de doenças é uma vida saudável. Só que para isso a pessoa precisa ter condições de tê-la. Alimentação adequada, higiene, moradia digna, sossego emocional. Num país dependente, onde as diferenças econômicas são abissais, como conseguir isso?

Como pode uma pessoa que vive num lugar insalubre, sem comida, sem abrigo, colocada cotidianamente diante da violência, da miséria, da dor, pode prevenir enfermidades? A coisa deveria começar por aí. Mudar o modelo da organização da vida, destruir o sistema capitalista que exige a morte de um para que o outro viva. Uma pessoa que vive em condições dignas de vida tem menos chance de adoecer.

De qualquer sorte, mesmo com todo o cuidado e prevenção, e ainda que fôssemos um país soberano, com outra forma de organizar a vida, haveriam de existir doenças e doentes. E aí, o que fazer? Uma solução encontrada por países como Cuba é o cuidado da pessoa na sua totalidade. Através dos médicos de família, cada pessoa é monitorada e acompanhada nas suas enfermidades, de maneira sistemática. O médico visita a pessoa, sabe seu nome, conhece seus problemas e, com base da história completa de cada um, consegue dar soluções para os problemas de saúde que aparecem. Remédios, só quando realmente necessário. Não há uma política medicamentosa do cuidado com a vida. A saúde é vista como condição básica de ser no mundo.

Para qualquer um que já tenha precisado de atendimento médico em um hospital no Brasil, fica claro que há uma diferença gigantesca no modelo de medicina. O mesmo acontece nos Postos de Saúde. O modelo é o de atendimento por ficha. O médico, mesmo contratado para ficar no posto por quatro horas, atende apenas um número x de fichas. O que significa que se uma pessoa chegar depois da última ficha, não será atendida, mesmo que o horário do médico ainda não tenha terminado.

Essa lógica da ficha obriga a pessoa doente, além de ter de se enfrentar com toda a angústia de estar enferma, a chegar aos postos na madrugada para garantir a tão esperada ficha. Pessoas há que dormem no relento da noite para garantir a senha do atendimento. É um paradoxo. O doente, que deveria ser cuidado, amparado, acolhido, precisa enfrentar toda essa outra carga de dor, para além da doença. Tudo isso torna o atendimento nos Postos de Saúde uma farsa. Ali, só são possíveis os agendamento de rotina, o trabalho de acompanhamento de doenças crônicas. Se o vivente estiver mesmo doente, a única saída é o hospital.

Mesmo os médicos mais experientes afirmam que essa foi a forma que os pobres encontraram de furar o bloqueio da falta de atendimento. Como o Posto de saúde funciona por ficha, e no geral são poucas, uma ou duas vezes na semana, as pessoas preferem buscar diretamente o hospital. Mesmo que demore. Pelo menos lá o atendimento pode ser possível. Daí o inchaço dos hospitais, recebendo desde casos gravíssimos até pessoas com gripe. A hospitalização acaba sendo uma espécie de técnica de sobrevivência dos empobrecidos, ainda que isso acabe gerando toda a superlotação que pode, inclusive, fazer com que alguém que realmente precise do atendimento de urgência fique sem ele. É uma roleta russa Um jogo de sorte.

Mesmo a classe média, que pode pagar por planos de saúde, já está percebendo que os modelos de mercadologização da saúde avançam para o caos. Marcar uma consulta com um especialista através do plano de saúde pode demorar dois meses ou mais, tal qual no SUS. E o atendimento de emergência nas clínicas dos planos não se diferencia muito do que é dado nos postos de saúde, consultas de menos de cinco minutos e uma receita gigante de remédios caros.

Não poderia ser diferente, o médico que atende no plano é também o que atende no posto. Ele tem aprendido assim na escola. É um modelo de ensino da medicina. Cada vez menos a atenção com a pessoa, cada vez mais atenção nos exames. N. T. (54 anos) conta que foi ao médico por estar com sintomas de pressão alta. Era nova na cidade, não conhecia ninguém. Marcou consulta numa clínica particular. O médico recebeu, perguntou o que ela sentia, ela respondeu. A conversa não durou dois minutos e ele já começou a preencher a receita. “O senhor não vai me examinar?”, perguntou, perplexa. Ele largou a caneta, olhou para ela pela primeira vez e perguntou: “A senhora quer que lhe toque?” A mulher saiu dali horrorizada, chorando, sem chão. Seguiu mais doente do que entrara. Médico particular, 250 reais.

Agora, vivemos no Brasil um momento de “levante” por parte de alguns médicos. Não aceitam a proposta do governo de obrigar os estudantes de medicina a passarem dois anos em atendimento nos Postos do SUS. Isso não é surpreendente. Nem a solução dada pelo governo, nem a reação dos profissionais da medicina. Qualquer das duas não resolve de imediato a situação daqueles que sofrem o sistema. A medida governamental é pirotécnica. Não é obrigando os alunos a se defrontarem com a pobreza que os fará melhores médicos. Alguns até poderão mudar sua forma de pensar, mas, esses, que o fazem, certamente o fariam em algum momento da vida. Estão sensibilizados para isso.

Já os que estão contra a medida não poderiam atuar de forma diferente. Foram ensinados a ver a doença, não o ser humano. A esses tanto se lhes dá se o que está à frente é pobre ou rico. Eles veem papéis, números, exames, e estão treinados para receitarem as novidades da indústria farmacêutica. Talvez até acreditem mesmo que o que precisa é mais material, mais máquinas de exames e coisas assim.

A solução para toda essa pendenga tem de ser estrutural. Mudar o modelo de desenvolvimento, mudar o modelo de formação do profissional médico, investir cada vez mais na política de acesso às universidades, para que jovens da classe trabalhadora possam também ter a chance de formarem-se médicos, dentistas, psicólogos. Há que reestruturar a lógica do sistema de atendimento nos postos de saúde.

Coisas simples como a manutenção de um médico durante todo o dia, atendendo as pessoas que vão chegando. Nada de marcação de fichas. Chegou, tem médico, é atendido. Pronto! Não há que ceder a chantagens de pagar salários astronômicos para que um profissional vá trabalhar no interior ou em regiões inóspitas. Tendo bastante gente formada, gente inclusive oriunda da classe trabalhadora, que conhece o sofrimento do seu companheiro, as coisas vão se transformando naturalmente.

E se para que esse modelo vingue for necessário, por enquanto, buscar profissionais fora do país, já que a formação de um médico é cara e demorada, que venham aqueles que sabem atuar dentro de uma política de saúde, não de morte. Que atuem no sentido de ver a pessoa como um todo e não como um pedaço doente. Aqueles que compreendem que uma criatura doente é um ser frágil, precisando de amparo e carinho. Aqueles que já vivenciam um modelo de saúde onde o cuidado com a dor do outro é a única medida. Se fora assim, que venham os cubanos, os africanos, os espanhóis, qualquer um que possa começara a mudar esse triste cenário.

Mas esse médico tem de ser diferente, não pode estar contaminado com essa lógica da morte, do lucro, do estar ajoelhado diante das farmacêuticas.

Todo aquele brasileiro que um dia precisou de ajuda, e foi num posto, e ouviu o indefectível: “não tem ficha”, sabe muito bem do que estou falando. Há que ter gente para cuidar da gente. Muitas vezes, a presença de um médico nos apertando a mão, olhando nos olhos e dizendo que tudo vai ficar bem é mais curativa que os sintéticos produzidos nos laboratórios. As pessoas precisam de pessoas que as vejam por inteiro. Logo, é o modelo de medicina ensinado nas escolas, aliado a uma política de acesso ao curso, que precisa ser transformado.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Vamos de Música!!!

Até quando o Estado vai defender os interesses capitalistas?

Terreno cedido “de graça” para missa é de herdeiro do “rei dos ônibus” do Rio

Terraplanagem realizada pela Prefeitura multiplicará valor do terreno, que, em 2014, será comercializado em lotes para o levantamento de uma espécie de bairro



Rejane Hoeveler
No brasildefato
do Rio de Janeiro (RJ)

Cabral insiste na bênção papal para tentar recuperar sua imagem. Mas a cada passo têm ficado cada vez mais claras as ligações do Estado com as verdadeiras máfias capitalistas que controlam setores como transportes e a saúde privada – dessa vez, a serviço da “papafolia”.

Na última terça-feira (16), por exemplo, descobriu-se que o Loteamento Vila Mar, terreno em Guaratiba, onde será rezada a missa que encerrará a JMJ, é de propriedade de Jacob Barata Filho, herdeiro do “rei dos ônibus” do Rio. O terreno de mais de 200 campos de futebol teria sido cedido “gratuitamente” à organização do evento.

No mesmo dia, porém, foram fotografados caminhões da Prefeitura realizando obras de terraplanagem no local – o que, no mínimo, multiplicará o valor do terreno. Este escândalo só vem a se somar com diversas outras irregularidades que demonstram como esses governos são capazes de tudo para defender os interesses capitalistas.

Recentemente, uma licitação cercada de irregularidades transferiu para a Prefeitura gastos de 7,8 milhões de reais, em benefício de empresas privadas de saúde que prestarão serviço durante a JMJ.

Apenas pra papa ver

Os governos e a imprensa dizem que a cidade ganhará com os milhões de turistas. Porém, só quem realmente lucra são os empresários do setor de turismo, os mesmos que junto com a máfia dos ônibus financiaram as campanhas eleitorais milionárias de Cabral e Paes.

Outra das justificativas apresentadas para estes gastos seriam supostas melhorias para a cidade. Só que nenhuma melhoria significativa está sendo verificada, nem sequer na comunidade que o papa irá visitar.

A favela da Varginha, no Complexo de Manguinhos (zona norte do Rio), esperava que pelo menos fosse haver melhorias no asfalto, na coleta de lixo e no sistema de esgoto. Chegada a semana da visita, Varginha segue a mesma, com exceção da colocação de caçambas que substituirão os antigos tonéis de lixo, e alguns remendos nos buracos do asfalto.

A região faz parte de uma das áreas no Rio conhecidas como “faixa de Gaza”; e em janeiro deste ano, recebeu uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP).

Segundo matéria publicada no UOL, apenas uma semana antes da sagrada visita, “enquanto a reportagem visitava a comunidade, um motociclista parou e alertou que era melhor evitar fotografias. Além disso, diversos moradores evitaram entrevistas.” Ou seja: não “arrumaram” nem “onde o padre passa”, como diz o velho ditado, mas a UPP receberá a bênção.

Mudança de local

O prefeito Eduardo Paes anunciou, nesta quinta-feira (25), que a missa de encerramento da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) no domingo (28) foi transferida do terreno em Guaratiba para Copacabana. Apesar das obras feitas pela prefeitura no terreno particular, as chuvas deixaram o solo encharcado, impedindo a realização do evento.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Vamos de Música!!!

Linda voz..linda canção..!!!

Revistas vexatórias nos presídios: crianças assistem tudo, depois é a vez delas

Em São Paulo, crianças são obrigadas a assistir às revistas vexatórias das mães e a se despir diante das agentes para poder visitar os pais



Andrea Dip e Fernando Gazzaneo,

da Pública

“Meu filho não é bandido. Ele tem apenas 5 anos e o Estado quer castigá-lo como castiga o pai, que já está preso e pagando pelo que fez”. A frase, carregada de indignação, é pronunciada com punhos cerrados sobre a mesa, pela paulistana A., mãe de dois filhos, profissional de vendas e estudante de direito. O marido foi preso há 3 anos e, desde então, a cada dois ou três meses, ela leva o filho R. para ver o pai.

Todas as vezes, na revista da entrada, ela e o filho passam pelo mesmo ritual:

“Nós entramos em um box, eu tiro toda a roupa, tenho que agachar três vezes, abrir minhas partes íntimas para a agente penitenciária, sentar em um banquinho metálico detector de metais, dar uma volta com os braços para cima e às vezes me mandam tossir, fazer força, depende de quem está revistando. Meu filho assiste tudo. Quando preciso abrir minhas partes íntimas, peço para ele virar de costas”, diz.

“Então chega a vez dele. Na penitenciária onde o pai esteve antes de ser transferido, as agentes passavam a mão por cima da roupa, mas quando T. foi transferido para um CDP aqui da capital paulista, a revista do meu filho mudou. Da primeira vez, a agente pediu para eu tirar toda a roupa dele. Eu achei estranho, disse que isso nunca tinha acontecido e ela respondeu que eram normas de lá. De luvas, ela tocou no ombro meu filho para que ele virasse, para ela ver dos dois lados, sacudiu suas roupinhas. Na hora eu disse ‘Não toca no meu filho. Você sabe que não pode fazer isso’. Ela ficou quieta e eu não debati, porque queria entrar logo, meu filho estava sem ver o pai há meses. O R. não sabe que o pai está preso, eu digo que ele trabalha lá empurrando aqueles carrinhos de comida que ficam na porta. Quando pergunta sobre as grades e as muralhas, eu digo que é para ninguém roubar ele de mim. Neste dia, quando ela pediu para tirar a roupa dele, eu disse: ‘Filhão, lembra que você teve catapora? A gente precisa tirar sua roupa para ver se você ainda tem, para não passar para o papai, tá bom?’ Ele disse ‘Tá bom mamãe, mas eu não tenho mais catapora”.

A. explica que ficou muito incomodada com aquilo. “O ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente] diz que se uma mãe fizer seu filho passar por uma situação vexatória, de humilhação, deve pagar por isso. Mas o Estado, que criou essas leis, pode fazer meu filho passar por humilhação? Qual o sentido disso?” questiona. Ela conta que já quiseram até fazer seu filho passar sozinho pela revista masculina, com apenas 4 anos de idade, o que ela negou e conseguiu reverter. A situação ficou insustentável quando, num outro dia de visita, a mesma agente que havia feito o menino tirar a roupa, pediu para que além de ficar nu mais uma vez, R. levantasse os braços e desse uma volta.

“Ela fez igualzinho a revista de adultos e aquilo acabou comigo. Na hora eu perguntei se ela conhecia o ECA, se sabia que o que estava fazendo era crime e ela disse que não. Eu mandei chamar o coordenador do plantão, olhei bem para eles e disse ‘quero que vocês saibam que na segunda-feira vou processar o Estado pelo que vocês estão fazendo com o meu filho. O Estado vai prestar contas”, avisou.

Cada presídio uma sentença

A. procurou a Defensoria Pública de São Paulo, que abriu um procedimento junto à Corregedoria dos Presídios da Capital, pedindo que o caso fosse apurado e que o filho não precisasse mais passar por este tipo de revista, considerada vexatória, para ver o pai. Pediu também que fossem apuradas várias denúncias de revistas vexatórias de crianças e adolescentes nas unidades prisionais do Estado.

No processo, o diretor da unidade onde o pai de R. está, não nega que a revista íntima da criança tenha acontecido e diz que o procedimento é padrão. No mesmo documento, duas promotoras de justiça do Ministério Público de São Paulo dão determinações diferentes: uma diz que o pedido não merecia acolhimento já que todos são submetidos à revista por motivos de segurança e outra recomendou que as instituições penitenciárias não submetessem mais crianças e adolescentes a qualquer tipo de revista vexatória. O processo foi arquivado por falta de provas. A. e o filho R. não chegaram a ser ouvidos. “Eu pedi para ser ouvida. Pedi para que ouvissem meu filho. Mas nós fomos totalmente ignorados”, lamenta A.

Patrick Cacicedo, coordenador do Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria, que hoje recorre da decisão de arquivamento do processo de A., abriu um processo paralelo contra o Estado, para que indenize o menino R. Ele explica que não existe hoje no país uma lei específica sobre a revista. “Existe uma resolução do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária que diz que a revista manual íntima só pode ser autorizada em casos de fundada suspeita de que o revistando é portador de objeto ou substâncias proibidos legalmente e que deverá ter caráter objetivo, diante de fato identificado registrado pela administração, em livro próprio e assinado pelo revistado. Não é isso que se vê hoje nos presídios de São Paulo. Não existe qualquer norma que permita a revista de forma íntima e vexatória. Aqui a revista manual, íntima acaba sendo utilizada sempre, tanto para adultos quanto para crianças”, diz o defensor público.

A mesma resolução da CNPCP estabelece que a revista deveria ser feita de forma eletrônica – através de detector de metais, raio X e outros – na maioria dos casos. Em São Paulo, o Regimento Interno Padrão da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) diz que os agentes podem fazer revistas íntimas “quando necessário” e “em local reservado, por pessoa do mesmo sexo, preservadas a honra e a dignidade do revistado”.

No caso das crianças e adolescentes a revista manual é ainda mais grave, de acordo com o defensor: “Tocar em uma criança e fazer com que ela passe por situação constrangedora já fere o ECA de cara”, diz, referindo-se ao artigo 18 do Estatuto que estabelece: “É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”.

A. diz que continua levando o filho para ver o pai a cada dois ou três meses, mas que nas últimas vezes o menino resolveu que não vai mais tirar a roupa e diz para as agentes que “elas já sabem que ele não tem mais catapora e por isso não precisa ficar pelado de novo”. “Se a agente for bacana, entende a situação e só apalpa por cima da roupa. Outras já são grosseiras e mandam tirar de qualquer jeito, aí tenho que inventar outra história para ele”, diz A.

“Essa prática é totalmente ilegal, inconstitucional e das mais graves violações de direitos humanos que existem no Brasil”, denuncia Patrick. “O objetivo dessas revistas vexatórias é que as pessoas não visitem mais seus parentes. Que não vejam todas as violações de direitos humanos que acontecem lá dentro. Você passa a punição para a família e o Estado usa de vários mecanismos para isso”, acredita. “E o meio não atinge o fim porque se você faz essas revistas para que não entrem drogas e armas e celulares, e estes continuam entrando, é porque não está adiantando”.

A SAP foi procurada diversas vezes pela reportagem para se pronunciar a respeito das denúncias, mas informou não ter nada a dizer sobre o assunto e que desconhecia tais denúncias. O Ministério Público Estadual também não quis se pronunciar a respeito.

Depoimentos doloridos

Na sala da casa da líder comunitária Andreia Ferreira, em um bairro da periferia de Praia Grande, funciona como uma espécie de ouvidoria informal para as famílias de presidiários do litoral de SP. Por ali, é comum chegar, a qualquer hora do dia, pessoas que passaram por alguma situação constrangedora durante o acesso aos presídios. Na manhã do dia 12 de julho, várias mulheres se instalavam nos sofás e cadeiras distribuídas pela sala, para contar suas histórias. Após um longo silêncio, os depoimentos começam a surgir de forma tímida depois que elas foram avisadas de que suas identidades seriam guardadas.

A dona de casa M., de 24 anos, segurava a filha de 9 meses no colo, enquanto o outro filho, de 3 anos, desconfiado, brincava com a barra de sua saia. O garoto nasceu antes do pai, também de 24 anos, ir para o CDP de Praia Grande há pouco mais de dois anos. A segunda gravidez de M. aconteceu durante uma visita íntima na cela do companheiro. Durante a gestação, ela não deixou de visitar o marido. “A gente passa todo esse tempo sendo revistada e não se acostuma nunca com o jeito que eles fazem isso. É falta de dignidade”, diz antes de detalhar o procedimento. “Eu vou para uma sala pequena com outras quatro, cinco mulheres. Na frente dos meus filhos, eu tiro a roupa e agacho três vezes com as pernas abertas. Depois, sento em um banco de metal, que serve pra ver se tem coisa guardada dentro de mim. O menino observa tudo”. Então, é a vez do garoto. Para que o menino não fique assustado, M. costuma inventar uma história, de que aquilo é um exame médico ou que as carcereiras estão procurando um objeto perdido entre as roupas do filho. “Elas [carcereiras] não tocam em mim, mas sempre passam a mão no corpo dele. Tocam em todas as partes, por cima da roupa”. O jeito com que a revista é feita, diz ela, depende de cada funcionária. “Tem umas mais educadas, outras mais estúpidas, que gritam, ficam apressando. Às vezes, até xingam. Da minha menor, eu tenho que tirar a fralda, mostrar para a carcereira e depois vestir a menina de novo. Só depois disso passamos pelo detector de metais e vamos para o pátio onde meu marido está esperando a gente”. Uma vez, a revista de M. não terminou nos habituais 15 minutos. Isso porque uma agente penitenciária achou que a moça escondia drogas na vagina. Para confirmar a suspeita, M. foi levada para o PS, junto com os filhos. “Queriam que os médicos examinassem dentro de mim para ver se eu tinha droga. Fiquei das 11h às 16h esperando alguém para fazer isso. Nenhum médico quis. Decidiram então só me colocar em uma sala de Raio-X. Não tinha nada escondido. Me deixaram ir embora, mas não me permitiram ter uma cópia do exame que fizeram em mim”, lembra.

Depois da condenação, o marido de M. foi transferido para um presídio no interior de São Paulo. Mas a distância e o incômodo que disse sentir ao ver os filhos sendo revistados não são obstáculos para visitar o companheiro. “Vou continuar levando eles pra ver o pai. Eu vou fazer assim: um mês eu levo. Outro mês não. Meu marido pede pra ver os filhos”.

Mãe, você tá pelada?

Heidi Cerneka, do Instituto Terra Trabalho e Cidadania e da coordenação da Pastoral Carcerária de São Paulo, já ouviu muitos depoimentos como esse: “Segundo a Constituição, a pena não pode passar da pessoa do preso, mas o que a gente vê hoje é o contrário. Com estas humilhações, a família acaba não indo mais visitar ou o próprio preso pede para não ir. E a lei garante o vínculo familiar. Sem a visita, você garante como? Por carta? Que é violada e lida antes?”

Para Heidi, muitas mulheres acabam se convencendo de que aquela é uma situação tolerável para não sofrerem ainda mais: “São pessoas que vivem cotidianamente com violações. Para elas, essa é só mais uma violação. Muitas se convencem de que não é nada para conseguirem aguentar. Porque ficar indignada e horrorizada toda semana é difícil. Você tem dois trabalhos: se indignar e desindignar, porque se ela entra chorando, o preso fica agitado. E a maioria não sabe o que fazer, a quem recorrer”.

D., de 21 anos, cunhada de M., também tem um marido preso no CDP de Praia Grande. Ela conta que ela e o filho passam pelo mesmo procedimento de revista narrado por M. “É constrangedor por causa da ignorância das carcereiras. Elas têm que passar a mão no corpo do menino e eu não acho que deveria ser assim, porque é criança, né? Meu filho entende tudo, me pergunta: ‘Mãe, você tá pelada?’ Quando é revistado, ele tenta afastar a mão da carcereira, fica com um olhar assustado. Na escola, a professora me disse que ele imita pros coleguinhas como eu faço quando sou revistada. Abaixa e levanta, abaixa e levanta…isso já ficou marcado na cabeça dele”.

Em uma das visitas, uma agente penitenciária avisou que o filho de P., esposa de outro preso, não poderia entrar com o tênis de pisca-pisca na parte traseira. “Eu retruquei, disse que o moleque já tinha entrado outras vezes com o calçado, mas ela não cedeu. Precisei sair e rasgar o tênis para tirar o pisca-pisca. O menino chorou, porque o tênis era novinho”.

“Criança maiorzinha, com uns 10 anos, já passa sozinha na revista. O menino vai para uma fila e a mãe para outra. E não tem jeito. Se discutir não entra, e ainda corre o risco de ficar suspensa da visita”, relata ainda P.

Sentada em uma cadeira no canto da sala, E., de 14 anos, ouve em silêncio o relato das mulheres durante quase três horas. Quando decidiu se manifestar, a voz saiu fraca e as lágrimas lavaram seu rosto. Desde criança, a jovem visita o pai na cadeia. “Não me lembro como eles faziam a revista quando eu era menor. Só não esqueço dos xingamentos”, conta a jovem, chorando. Na fila, ela conta que sempre fica à frente da avó, mas nem sempre as duas entram juntas na sala para serem revistadas.

A adolescente passa pelos mesmos procedimentos pelos quais as mulheres mais velhas são submetidas. “Me sinto mal de ficar nua com um monte de mulher que não conheço. A cada 15 dias, preciso passar por essa situação. Uma vez, a carcereira me acusou de estar escondendo alguma coisa no sutiã. Ela me fez rasgar ele para provar que não tinha nada. Me sentia constrangida, com vergonha. Mas segurei o choro, porque tinha medo de não conseguir entrar para ver meu pai”.

“Coisa de campo de concentração”

Márcia Badaró, psicóloga que trabalhou por cerca de 30 anos na Secretaria de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro, diz que é impossível prever que tipos de danos psicológicos essas violações podem causar às crianças e adolescentes: “É claro que cada um vai reagir e perceber aquela situação de um modo particular. Mas principalmente para uma criança maior e para um pré-adolescente, que já têm consciência e preocupação com o corpo, ser obrigado a se expor assim diante de pessoas que não conhece, é de uma violência emocional absurda. Para os pequenos, aquilo causa um desconforto, mas eles ainda não entendem – só sabem que é algo inusitado, por isso levam a experiência para a escola, por exemplo. Mas a experiência pode resultar em uma desqualificação do próprio corpo e na banalização daquela violência”.

Para o desembargador Antonio Carlos Malheiros, coordenador da Vara de Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de São Paulo, a revista relatada pelas mulheres é “coisa de campo de concentração” e está “totalmente em desacordo com o ECA e a Constituição Federal”. Ele afirma que não sabia do procedimento em crianças e adolescentes e que, recentemente, apenas ele e mais um desembargador votaram a favor do fim da revista íntima de mulheres na Comarca de Taubaté. Na conclusão do acórdão, que você pode ler na íntegra aqui, são encontradas frases como “O texto não denota obrigatoriedade pois se trata de mera condição [a revista] àquele que insiste no contato pessoal com o presidiário”.

Malheiros vê um endurecimento criminal no Judiciário, no sistema penitenciário e na sociedade em geral: “Se você provocar um radical conservador ele vai dizer ‘quem manda ser casada com bandido?’ Falta normatização, falta vontade política, coragem política. Cuidar da dignidade de preso não dá voto, pelo contrário, você perde voto. Quanto mais você cercear os direitos do preso, quanto mais duro você for, mais você ganha. Falar de redução da maioridade penal, pena de morte, prisão perpétua, isso dá ponto. Tenho certeza que se eu perguntar na minha própria família, muita gente vai dizer ‘pô, você está se preocupando com isso? O cara é bandido, que se dane ele, a família, o filho, a mãe. Isso se reflete nas outras instâncias, infelizmente”. O desembargador também discorda de que estes procedimentos impeçam drogas, celulares e armas de entrar nos presídios: “Entram drogas, armas, com essa revista vexatória, ou não. O próprio pessoal do sistema que é comprado ou ameaçado deixa passar”.

Em comunicado por e-mail via assessoria de imprensa, Paulo Eduardo de Almeida Sorci, juiz assessor da Corregedoria Geral da Justiça do TJSP, afirmou: “A revista em crianças e adolescentes, quando de seu ingresso em estabelecimento penal por ocasião da visita ao preso, é atividade puramente administrativa e de responsabilidade direta do diretor do estabelecimento penal”. No mesmo e-mail, declarou: “Na verdade, não há muita diferença – no sistema carcerário – do que vem ocorrendo em estádios e aeroportos. Todos os visitantes de presídios devem ser revistados, independentemente da idade”.

Sorci disse ainda que “o Artigo 3º da Lei nº 10.792/2003 estabelece que os estabelecimentos penitenciários passarão a dispor de aparelho detector de metais, aos quais devem se submeter todos que queiram ter acesso ao referido estabelecimento, aos ainda que exerçam qualquer cargo ou função pública. Isso significa que o legislador legitimou a revista corporal direta (com contato físico) para toda e qualquer hipótese em que o dispositivo de segurança constatar objetiva e tecnicamente alguma irregularidade, ou seja, a possível presença de objeto de posse vedada e tipificada”.

Poderia ser diferente

Defensores dos direitos humanos e especialistas do direito como o Carlos Moriath, ex- coordenador de Elaboração e Consolidação de Atos Normativos do Departamento Penitenciário Nacional e professor de Investigação Policial da Academia Nacional de Polícia, concordam que uma solução à revista dos familiares seria a criação de um espaço reservado para as visitas onde, após o contato, os próprios presos seriam revistados antes de voltar para suas celas. “Por uma questão de lógica, penso que este tipo de revista nos visitantes não resolve. Se a revista íntima é realizada mesmo ao arrepio das normas e os males ainda permanecem, é sinal que algo vai mal. Se ela fosse a solução dos problemas de segurança, não haveria mais produtos ilícitos no interior dos presídios. O ideal seria que o preso sofresse forte revista, inclusive íntima se necessário, após cada visita”.

Segundo Gabriela Ferraz, advogada do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania, vários estados já proibiram a revista íntima vexatória de crianças, adolescentes e adultos em seus presídios. Entre eles estão Paraíba, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Goiás. “Isso já é alguma coisa, mas só acentua a desigualdade com os outros estados. Nosso objetivo hoje é levar à votação o projeto de lei criado pela deputada Iriny Lopes (PT-ES) que dispõe especificamente sobre a revista nos presídios de todo o país, proíbe a revista íntima de crianças e adolescentes e permite a de adultos somente em casos de fundadas suspeitas”, explica.

A deputada Iriny diz que pretende apresentar o projeto em 2014 ou quando o deputado Marco Feliciano (PSC) deixar a presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara. “Eu criei esse projeto porque recebi muitas denúncias desse tipo de conduta especialmente com crianças que tinham que expor suas partes íntimas durante a revista com espelho, para ver se não tinha algo dentro, de meninas e meninos, esposas e mães de detentos. Retirei o projeto da pauta de 2013, assim como outros colegas, em protesto pela eleição de Feliciano, mas pretendo retomar em 2014. Na verdade, lamento que haja a necessidade de se criar uma lei para isso. Essa conduta nos envergonha diante dos organismos internacionais de direitos humanos. É padrão e é escandaloso”, diz a deputada.

Segundo dados fornecidos pela SAP, foram encontrados 1.222 celulares nas unidades prisionais do Estado de São Paulo no primeiro trimestre de 2013. Destes, apenas 104 foram apreendidos durante a revista dos visitantes. A assessoria da Secretaria diz não possuir levantamento do número de drogas e armas apreendidas ou o quanto disso foi apreendido com crianças e adolescentes.

Baixe aqui, em primeira mão, cartilha produzida pela Defensoria do Estado de São Paulo que explica como e onde denunciar casos de revistas vexatórias.

Papa é um Feliciano com muito mais poder e o apoio da Globo

Homofobia, machismo, apego ao dinheiro, religião interferindo no Estado. Os motivos que inspiram o “Fora Feliciano” se aplicam ao papa. Com o agravante de que ele é bem mais poderoso

Por Lino Bocchini, na revistaCartaCapital:


Os evangélicos estão sendo injustiçados. O tsunami de críticas que atingiu Marco Feliciano, Silas Malafaia e demais líderes evangélicos fundamentalistas se aplica ao papa Francisco e à Igreja Católica. Explico: as mesmas bandeiras conservadoras levantadas pelo presidente da Comissão de Direitos Humanos do Congresso estão no centro da atuação da igreja católica há séculos. E o argentino Mario Bergoglio, agora chamado de Francisco, comunga destes ideais e não se mostra disposto a alterá-los. Pelo contrário.

Vamos por partes:

Primeiro, a homofobia

Muito se reclamou da atuação de Feliciano contra os direitos fundamentais dos homossexuais. A coleção de frases e a atuação do pastor não deixam dúvidas quanto à sua posição. Como é sabido, a igreja católica igualmente condena a homossexualidade, e considera pecado o amor da população LGBT.

O próprio Francisco, pessoalmente, demonstra preocupação com o que chama de “lobby gay” no Vaticano. Conforme revelou o site católico Reflexión y Liberación, o pontífice afirmou o seguinte em uma audiência recente com a diretoria da Confederação Latino-Americana e Caribenha de Religiosos: “Na Cúria há gente santa de verdade. Mas também há uma corrente de corrupção, é verdade. Fala-se de lobby gay, e é verdade, ele está aí... temos que ver o que podemos fazer”.

Segundo, os direitos da mulher

Em entrevista para o livro “Religiões e política”, o deputado do PSC-SP afirmou o seguinte: “Quando você estimula uma mulher a ter os mesmos direitos do homem, ela querendo trabalhar, a sua parcela como mãe começa a ficar anulada, e, para que ela não seja mãe, só há uma maneira que se conhece: ou ela não se casa, ou mantém um casamento, um relacionamento com uma pessoa do mesmo sexo; [assim] você destrói a família, cria-se uma sociedade só com homossexuais, e essa sociedade tende a desaparecer, porque ela não gera filhos”.

A igreja católica sempre tratou a mulher de forma diferenciada. A começar pelo fato de que elas não podem ser ordenadas. Aos homens (padres) cabe orientar os fiéis, ditar os rumos da igreja e do mundo. Às freiras cabem tarefas como cuidar dos enfermos e necessitados e, por exemplo, cozinhar, lavar e passar para o “homem simples de fala mansa” que está entre nós.

Mais: estão sendo distribuídas 2 milhões de cópias de um Manual de Bioética (em PDF) durante a visita do papa ao Brasil, sendo quase a metade da tiragem a versão em português, segundo informações da Confederação Nacional de Bispos Brasileiros. De suas 72 páginas, praticamente a metade traz pilhas de informações “científicas” e julgamentos morais contra o aborto. O restante divide-se entre a condenação de pesquisas com células-tronco, a condenação da inseminação artificial e a condenação da eutanásia.

O direito sobre o próprio corpo, uma questão que o movimento feminista do mundo todo considera vital desde a década de 1960, é classificado como “crime” em diversos pontos do texto. De acordo com o manual, mesmo em caso de estupro ou de inviabilidade do feto, a interrupção da gravidez não pode ser sequer aventada: “O direito de matar o próprio filho não pode ser fonte de liberdade nem de realização pessoal”. Todos os métodos contraceptivos, pílula e DIU inclusive, são considerados abortivos e criminosos.

Em terceiro lugar, o apego ao dinheiro

Causou espécie um vídeo que circulou recentemente, no qual o pastor Marco Feliciano pedia a senha de um cartão de crédito para um fiel, dizendo que, caso a senha não fosse revelada, “o milagre não viria”. Costuma ser igualmente criticada a cobrança do dízimo por parte de igrejas evangélicas –como se a igreja católica não o fizesse.

Tudo isso, contudo, é esmola perto do patrimônio misterioso e incalculável da igreja católica. A revista Exame fez umareportagem bastante reveladora sobre o Banco do Vaticano. Entre diversos casos de lavagem de dinheiro, escândalos sexuais, corrupção e má administração relatados pela publicação, destaco uma informação: o banco gere cerca de 6 bilhões de euros em ativos. Vou repetir: 6 bilhões de euros.

Isso sem contar as milhares de propriedades da igreja católica ao redor do globo todo. Não sou um estudioso do cristianismo, mas acredito que valores como ajuda ao próximo, desapego e amparo aos pobres não combinam com a acumulação de fortunas dessa grandeza. Mesmo que o chefe da instituição prefira andar num fiat “sem luxo” e dormir num “quarto simples”.

Em quarto lugar, a promiscuidade com o poder público

Muito se critica Feliciano e a bancada evangélica por usarem o poder público que detêm para obter vantagens para suas instituições. O que afronta o conceito de estado laico. O catolicismo faz o mesmo.

O amplo uso de estruturas e verbas públicas durante a visita de Francisco; o mesmo lobby para isenções fiscais e outras benesses financeiras; a mesma submissão dos governantes (de Dilma ao vereador de Pindamonhangaba). Mais: há crucifixos em repartições públicas (desrespeitando os evangélicos, inclusive) e mensagens religiosas nas notas de dinheiro, que são um símbolo nacional. E por aí vai.

(Parênteses: pedofilia)

Aqui não há o paralelo com Feliciano, mas vale lembrar das inúmeras acusações de abuso sexual contra padres no mundo inteiro, muitas cometidas contra menores e encobertas pelo Vaticano. A situação é tão grave que a ONU pediu, agora no começo de julho, esclarecimentos sobre os crimes cometidos por padres em todo mundo. Como o vaticano é membro das Nações Unidas e tem a falta de transparência como uma de suas marcas, a ONU quer saber o que a Igreja Católica têm feito de efetivo contra os criminosos que foram descobertos em suas fileiras.

Por fim, o apoio da mídia

Aqui, uma das maiores injustiças com Marco Feliciano. O pastor é hostilizado por todos, TV Globo inclusa. Suas posições, conforme demonstrado, são irmãs siamesas das defendidas por Francisco e pela religião que comanda. E dos dogmas vindos de Roma ninguém reclama.

Pior: a maior TV do país (bem como quase todos os outros veículos de imprensa) ajoelha-se ao mandatário da tv católica. E não acredito ser esta uma decisão baseada somente pela audiência. A missa de domingo está na grade da Globo há décadas --atualmente é celebrada ao vivo pelo Padre Marcelo. E a emissora, apenas recentemente, de olho na perda de audiência e de dinheiro, começou um flerte institucional com os evangélicos, inaugurado com o festival de músicas gospel Promessas.

Pare finalizar, deixo vocês com algumas frases do primeiro bloco do Jornal Nacional desta segunda-feira. Tentem imaginar Marco Feliciano ou qualquer outro líder evangélico sendo tratado desta forma pelo noticioso visto por quase metade da população brasileira toda noite:

“De papamóvel, fez um passeio que vai ficar na memória dos fieis”

“Distribuiu simpatia”

“Mais perto do povo, do jeito que o papa Francisco gosta”

Fiel: “Foi um presente de Deus, eu consegui estar perto dele e pude constatar que ele realmente é esse pastor humilde, amigo do povo e que veio pra resgatar mais fieis pra igreja católica”

“Deixou uma legião de fieis encantados”

“Santo, abençoado, humilde... os elogios vão brotando”

Fiel: “Ele é gente como a gente”

“A cada esquina ele faz novos amigos”

“Os gritos pareciam saídos de um show de rock”

“Se fosse só isso, já valeria a pena, e o papa Francisco acabou de chegar”.

Valeu, Dominguinhos!!!

O povo nordestino sentirá sua falta, mas quando a saudade bater sua música vai tocar mais forte por aqui. Descanse em paz.


Forró está de luto

O Brasil perde sua maior referência na música nordestina
Valeu, Dominguinhos!!!


terça-feira, 23 de julho de 2013

É estranha a reação violenta dos médicos contra a vinda de profissionais de outros países

Pela livre circulação de pessoas 

É estranha a reação violenta dos médicos contra a vinda de profissionais de outros países. Mais parecem representantes da extrema-direita xenófoba

por Vladimir Safatle - Carta Capital

Por que o capital pode circular sem problemas entre as ações e a mão de obra não?

Há algum tempo, o governo tem discutido a possibilidade de incentivar médicos estrangeiros a atuar no Brasil. Com as manifestações de junho, tal ideia entrou na pauta das prioridades. Ela foi a única resposta do Executivo à indignação popular contra um sistema público de saúde que sofre brutalmente de subfinanciamento. Todos conhecem a sina de problemas de infraestrutura, pessoal e baixos salários que atinge a saúde pública brasileira, ainda mais depois do fim da CPMF. Sem fonte suficiente de financiamento, a saúde pública parece fadada a ser um dos setores em que a falência do nosso modelo econômico fica mais evidente.

É de causar estranheza, porém, a reação violenta dos médicos contra a vinda de profissionais de outros países. São compreensíveis as manifestações que procuram insistir na maior amplitude dos problemas da área e que fazem questão de lembrar que ainda há muito para ser feito. Mas não é compreensível que isso sirva de justificativa para manifestações contra a possibilidade de estrangeiros serem chamados para trabalhar no Brasil.

No fundo, talvez sem perceber, os médicos acabam por protagonizar passeatas a favor dos “brasileiros, primeiro” que mais parecem saídos do álbum de família da extrema-direita xenófoba comum no mundo desenvolvido. Não é possível admitir nenhuma forma de reserva de mercado de trabalho, pois ela quebra um princípio caro à vida democrática: a livre circulação de pessoas. Pois durante muito tempo vimos com os olhos da indignação como países europeus e norte-americanos impediam indivíduos à procura de trabalho de circular livremente, tratando-os como criminosos em potencial. Muitos brasileiros e latino-americanos foram vítimas dessas práticas deploráveis. Por isso, não há razão alguma para repetirmos tais ações em nosso País.

Na verdade, achamos natural uma situação em que o capital tem direito à livre circulação e as pessoas têm circulação restrita. O capital pode transitar de um país a outro em qualquer momento, assim como os produtos, isso ao menos segundo os preceitos liberais da economia. Já os seres humanos devem obedecer aos limites da fronteira e ficar onde estão, a não ser se queiram fazer turismo ou trabalhem em áreas estratégicas para outras nações. Melhor seria se o inverso fosse realidade, ou seja, que o capital tivesse circulação restrita e os cidadãos tivessem liberdade de viver suas vidas onde quisessem.

Nesse sentido, o problema da validação do diploma poderia ser resolvido de maneira simples. Há uma confusão do Ministério da Educação em relação ao assunto. Ele diz respeito tanto a diplomas de graduação quanto àqueles de mestrado e doutorado. Veja o caso dos títulos de mestrado e doutorado. Se alguém faz uma tese em outro país, por exemplo, o ministério exige um pedido de validação de diploma em alguma universidade brasileira. Tal universidade comporá então uma segunda banca para avaliar a tese que já foi objeto de uma banca de avaliação em outro país. Nada mais irracional e corporativista. Muito melhor seria se o ministério estabelecesse, de uma vez por todas, uma lista das universidades consideradas compatíveis com o nível de exigência das universidades brasileiras, o que simplificaria em muito o processo de validação.

Com essas pequenas ações e reações acabamos por decidir o rosto do país que queremos. Não haveria nada pior do que utilizarmos a justa indignação contra condições aviltantes de trabalho e de infraestrutura para escondermos um estranho sentimento segregacionista que, em alguns casos, foi alimentado por reações dignas do Comando de Caça aos Comunistas (CCC), pelo fato de boa parte dos médicos a ser chamados ter nacionalidade cubana. Uma sociedade rica é uma sociedade que acolhe aqueles que procuram refazer suas vidas em outro lugar e auxiliar na construção do desenvolvimento social.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Intexto - Bertold Brecht

 
"Primeiro levaram os negros

Mas não me importei com isso 
Eu não era negro 
Em seguida levaram alguns operários

Mas não me importei com isso 
Eu também não era operário 
Depois prenderam os miseráveis

Mas não me importei com isso 
Porque eu não sou miserável 
Depois agarraram uns desempregados

Mas como tenho meu emprego 
Também não me importei 
Agora estão me levando 
Mas já é tarde. 
Como eu não me importei com ninguém 
Ninguém se importa comigo."


DE MUCAMA A DOMÉSTICA, UM BREVE RELATO DA MULHER NEGRA CONTEMPORÂNEA

Por Mara Gomes para as Blogueiras Negras

Acompanhei recentemente uma reportagem que dizia que a cada cem negras trabalhadoras vinte duas eram empregadas domésticas, com isso, concluí que essa profissão perpassa as mulheres negras com muito mais freqüência que qualquer outra profissão e obviamente esse fato acontece por causa do encargo social que acompanha a raça negra desde que o primeiro navio negreiro desembarcou no Brasil por volta de 1563. Mas também vão junto, além disso, questões fortes de gênero que incitam para que se dê repetidamente a ocorrência desse ofício entre as mulheres, questões como a explicitada nesta frase machista que está completamente naturalizada em nossa cultura: “Lugar de mulher é na cozinha”.

Percebi o quanto é difícil encontrar mulheres negras que não sejam domésticas ou, ao menos, filhas, netas, sobrinhas e irmãs de domésticas. De certo modo comprovamos que está cravado em nossa história que ser uma empregada doméstica é a única profissão que devemos seguir e que em apenas raras exceções não a seguiremos. A relação da mulher negra com o trabalho doméstico não acontece em uma forma de escolha, mas sim de coação, até mesmo de obrigação por muitas vezes. Por mais que pareça muito claro acredito que muitos não saibam qual é o grande problema que traz essa situação.

Em 1850, há exatos 38 anos antes da abolição, foi criada no Brasil uma lei chamada Lei de Terras, essa foi a primeira lei agrária do Brasil e tinha um motivo camuflado, que quase nunca é apresentado ao conhecimento do senso comum, o tal motivo era o de impedir que negros tivessem terras propriamente deles. Por causa disso por “coincidência” a Lei de Terras foi aprovada no mesmo ano da lei Eusébio de Queirós, que presumia o fim do tráfico negreiro e sinalizava que estava por perto a abolição da escravatura no Brasil. A terra se transformava a partir daí em uma mercadoria, só conseguiria ser propriedade de alguém se fosse recebida como herança ou comprada, logo por não ter dinheiro nem empregos bem remunerados após a abolição os negros foram jogados na periferia da cidade por isso hoje em dia existe uma porcentagem esmagadora de negros vivendo nas favelas brasileiras.

Ok, mas onde quero chegar com esses dados? É uma simples matemática feita da soma de dolorosas e falsas coincidências. Após o fim da escravidão, sem terras, sem educação e sem qualquer experiência profissional além de trabalho escravo, o negro se viu anulado de conseguir qualquer emprego além do que já fazia antes sem ganhar nenhuma remuneração. Se ele trabalhava antes de graça, por que agora dariam algum valor justo para o seu trabalho? Algumas das profissões destinadas ao negro eram: carregador de caixas, cozinheiro, copeiro, lavadeira, mucama/criado, carregador de cestos, padeiro, forneiro, carpinteiro, ama de leite, ajudante de cozinha, lavador de pratos e etc. Já que disputava os empregos com um grande número de imigrantes, sobravam sempre os serviços com as piores remunerações. Para a mulher negra continua sendo o de criada, que hoje apenas só mudou de nome.

Constatamos que a profissão doméstica é uma das mais negligenciadas e isso é um resultado claro do histórico escravista, ou melhor é visivelmente uma extensão da escravidão só que disfarçada. Afirmo isso por causa da falta de direitos trabalhistas, das longas e árduas horas de trabalho para um salário indigno que faz com que elas façam diversas diárias no mesmo dia para terem chance de pagar as contas. Quando mãe de família a mulher tem que abandonar seus filhos em casa para cuidar dos filhos de outras mulheres. O filme The Help (Histórias cruzadas) apresenta bem essa relação. Lembro da cena em que uma das mulheres leva a sua filha adolescente até a parada de ônibus para seu primeiro dia de trabalho como doméstica, as duas de uniforme, a mãe estava desempregada e por um empecilho não podia trabalhar, como sendo a mais velha das filhas a menina assumiria a função passada de geração por geração, sem ter nem o direito de escolha. Se tratava da profissão que era dada e deveria ser desempenhada, porque isso era natural e, de acordo com os dados atuais, ainda é.

Eu, mulher negra filha de uma mãe negra e trabalhadora doméstica me senti profundamente atingida por esse estereotipo profissional, mesmo não comprovando ele na prática. Dentro de onde cresci sempre fui coagida pelos meus pais a ter um futuro diferente do que eles tiveram, a estudar, ter um emprego que me fizesse feliz, dentre outras coisas que todos os pais desejam para os seus filhos. Mas mesmo assim, passando por escolas públicas precárias e um ensino ruim, sempre dentro de mim ficava aquele receio de um dia não conseguir o que eu sonhava e aceitar o destino que me era dado e colocado desde o meu nascimento aos meus pés. Acredito que essa situação com certeza não é apenas minha, mulheres negras passam por isso todos os dias o que o torna um dilema geral.

Nosso esforço para chegar a uma faculdade ou carreira de sucesso é duplamente difícil, porque no fim nossos caminhos sempre nos levam a crer que o nosso destino era o de nossas avós, tias, amigas de escola, mães, irmãs, destino que está na televisão, onde a mulher negra só aparece como empregada nos comerciais, filmes e novelas. Não quero por nenhum segundo aqui desmerecer essa profissão, porque tenho um orgulho imenso da minha mãe, ela se virava em mais de dez mulheres para criar eu e meus 4 irmãos, trabalhou desde os 7 anos de idade abafando dentro de seu peito o desejo de estudar e ser professora. O que é explicito aqui é o jeito que a profissão doméstica nos é dada e não escolhida por nós, quantas meninas não abafam sonhos todos os dias porque precisam trabalhar em casas de madame com direitos precários?

Essa profissão carregou até pouco tempo total falta de direitos trabalhistas, até que algo mudou, quando neste ano foi aprovada pelo Congresso Nacional a PEC das domésticas. Essa PEC é responsabilizada pela regularização do direito dos trabalhadores domésticos, entre eles, a remuneração igual ou superior a um salário mínimo, décimo terceiro salário, folga semanal remunerada, férias, licença-maternidade e paternidade e aposentadoria. Direitos que todo o trabalhador deve ter e só foram conquistados agora, ainda existem umas lacunas no projeto que não foram conferidas perfeitamente, mas a PEC é um avanço, todavia não deve parar por aí. Creuza Maria Oliveira mulher, negra e a frente da Federação Nacional dos Trabalhadores Domésticos (Fenatrad) em um de seus relatos afirma que se a PEC existisse antes ela não teria sofrido tanto, esse mesmo pensamento minha mãe carrega nos seus 63 anos.

Ambas têm uma história muito parecida, ambas começaram a trabalhar na infância e tem quase 30 anos de trabalho doméstico na história. Acredito ao mesmo tempo, se você for negra, que a sua mãe, irmã, tia, sobrinha, amiga, também tenham experiências ou estejam vivenciando situações semelhantes a essa. As chances de você também estar vivendo isso são igualmente grandes, nossa história foi construída com base no trabalho doméstico por isso não é estranho que essa seja uma das profissões menos valorizadas do Brasil, pelo contrário isso é apenas o que se espera.

Bibliografia

PEIXOTO, Ricardo Corrêa. Mucamas, Criadas ou Domésticas: sinônimos de uma história de exclusão. Disponível em:(http://www.brasilescola.com/sociologia/mucamas-criadas-ou-domesticas.htm).

domingo, 21 de julho de 2013

O esquema que saiu dos trilhos

Um propinoduto criado para desviar milhões das obras do Metrô e dos trens metropolitanos foi montado durante os governos do PSDB em São Paulo. Lobistas e autoridades ligadas aos tucanos operavam por meio de empresas de fachada

Alan Rodrigues, Pedro Marcondes de Moura e Sérgio Pardellas
DA REVISTA ISTO É

PROTEÇÃO GARANTIDA
Os governos tucanos de Mario Covas (abaixo), Geraldo Alckmin
e José Serra (acima) nada fizeram para conter o esquema de corrupção


Ao assinar um acordo com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a multinacional alemã Siemens lançou luz sobre um milionário propinoduto mantido há quase 20 anos por sucessivos governos do PSDB em São Paulo para desviar dinheiro das obras do Metrô e dos trens metropolitanos. Em troca de imunidade civil e criminal para si e seus executivos, a empresa revelou como ela e outras companhias se articularam na formação de cartéis para avançar sobre licitações públicas na área de transporte sobre trilhos. Para vencerem concorrências, com preços superfaturados, para manutenção, aquisição de trens, construção de linhas férreas e metrôs durante os governos tucanos em São Paulo – confessaram os executivos da multinacional alemã –, os empresários manipularam licitações e corromperam políticos e autoridades ligadas ao PSDB e servidores públicos de alto escalão. O problema é que a prática criminosa, que trafegou sem restrições pelas administrações de Mario Covas, José Serra e Geraldo Alckmin, já era alvo de investigações, no Brasil e no Exterior, desde 2008 e nenhuma providência foi tomada por nenhum governo tucano para que ela parasse. Pelo contrário. Desde que foram feitas as primeras investigações, tanto na Europa quanto no Brasil, as empresas envolvidas continuaram a vencer licitações e a assinar contratos com o governo do PSDB em São Paulo. O Ministério Público da Suíça identificou pagamentos a personagens relacionados ao PSDB realizados pela francesa Alstom – que compete com a Siemens na área de maquinários de transporte e energia – em contrapartida a contratos obtidos. Somente o MP de São Paulo abriu 15 inquéritos sobre o tema. Agora, diante deste novo fato, é possível detalhar como age esta rede criminosa com conexões em paraísos fiscais e que teria drenado, pelo menos, US$ 50 milhões do erário paulista para abastecer o propinoduto tucano, segundo as investigações concluídas na Europa.

SUSPEITOS
Segundo o ex-funcionário da Siemens, Ronaldo Moriyama (foto menor),
diretor da MGE, e Décio Tambelli, ex-diretor do Metrô, integravam o esquema

As provas oferecidas pela Siemens e por seus executivos ao Cade são contundentes. Entre elas, consta um depoimento bombástico prestado no Brasil em junho de 2008 por um funcionário da Siemens da Alemanha. ISTOÉ teve acesso às sete páginas da denúncia. Nelas, o ex-funcionário, que prestou depoimento voluntário ao Ministério Público, revela como funciona o esquema de desvio de dinheiro dos cofres públicos e fornece os nomes de autoridades e empresários que participavam da tramoia. Segundo o ex-funcionário cujo nome é mantido em sigilo, após ganhar uma licitação, a Siemens subcontratava uma empresa para simular os serviços e, por meio dela, realizar o pagamento de propina. Foi o que aconteceu em junho de 2002, durante o governo de Geraldo Alckmin, quando a empresa alemã venceu o certame para manutenção preventiva de trens da série 3000 da CPTM (Companhia Paulista de Transportes Metropolitanos). À época, a Siemens subcontratou a MGE Transportes. De acordo com uma planilha de pagamentos da Siemens obtida por ISTOÉ, a empresa alemã pagou à MGE R$ 2,8 milhões até junho de 2006. Desse total, pelo menos R$ 2,1 milhões foram sacados na boca do caixa por representantes da MGE para serem distribuídos a políticos e diretores da CPTM, segundo a denúncia. Para não deixar rastro da transação, os saques na boca do caixa eram sempre inferiores a R$ 10 mil. Com isso, o Banco Central não era notificado. “Durante muitos anos, a Siemens vem subornando políticos, na sua maioria do PSDB, e diretores da CPTM.

A MGE é frequentemente utilizada pela Siemens para pagamento de propina. Nesse caso, como de costume, a MGE ficou encarregada de pagar a propina de 5% à diretoria da CPTM”, denunciou o depoente ao Ministério Público paulista e ao ombudsman da empresa na Alemanha. Ainda de acordo com o depoimento, estariam envolvidos no esquema o diretor da MGE, Ronaldo Moriyama, segundo o delator “conhecido no mercado ferroviário por sua agressividade quando se fala em subornar o pessoal do Metrô de SP e da CPTM”, Carlos Freyze David e Décio Tambelli, respectivamente ex-presidente e ex-diretor do Metrô de São Paulo, Luiz Lavorente, ex-diretor de Operações da CPTM, e Nelson Scaglioni, ex-gerente de manutenção do metrô paulista. Scaglioni, diz o depoente, “está na folha de pagamento da MGE há dez anos”. “Ele controla diversas licitações como os lucrativos contratos de reforma dos motores de tração do Metrô, onde a MGE deita e rola”. O encarregado de receber o dinheiro da propina em mãos e repassar às autoridades era Lavorente. “O mesmo dizia que (os valores) eram repassados integralmente a políticos do PSDB” de São Paulo e a partidos aliados. O modelo de operação feito pela Siemens por meio da MGE Transportes se repetiu com outra empresa, a japonesa Mitsui, segundo relato do funcionário da Siemens. Procurados por ISTOÉ, Moriyama, Freyze, Tambelli, Lavorente e Scaglioni não foram encontrados. A MGE, por sua vez, se nega a comentar as denúncias e disse que está colaborando com as investigações.


Além de subcontratar empresas para simular serviços e servir de ponte para o desvio de dinheiro público, o esquema que distribuiu propina durante os governos do PSDB em São Paulo fluía a partir de operações internacionais. Nessa outra vertente do esquema, para chegar às mãos dos políticos e servidores públicos, a propina circulava em contas de pessoas físicas e jurídicas em paraísos fiscais. Uma dessas transações contou, de acordo com o depoimento do ex-funcionário da Siemens, com a participação dos lobistas Arthur Teixeira e Sérgio Teixeira, através de suas respectivas empresas Procint E Constech e de suas offshores no Uruguai, Leraway Consulting S/A e Gantown Consulting S/A. Neste caso específico, segundo o denunciante, a propina foi paga porque a Siemens, em parceria com a Alstom, uma das integrantes do cartel denunciado ao Cade, ganhou a licitação para implementação da linha G da CPTM. O acordo incluía uma comissão de 5% para os lobistas, segundo contrato ao qual ISTOÉ teve acesso com exclusividade, e de 7,5% a políticos do PSDB e a diretores da área de transportes sobre trilho. “A Siemens AG (Alemanha) e a Siemens Limitada (Brasil) assinaram um contrato com (as offshores) a Leraway e com a Gantown para o pagamento da comissão”, afirma o delator. As reuniões, acrescentou ele, para discutir a distribuição da propina eram feitas em badaladas casas noturnas da capital paulista. Teriam participado da formação do cartel as empresas Alstom, Bombardier, CAF, Siemens, TTrans e Mitsui. Coube ao diretor da Mitsui, Masao Suzuki, guardar o documento que estabelecia o escopo de fornecimento e os preços a serem praticados por empresa na licitação.


Além de subcontratar empresas que serviram de ponte para o desvio
de dinheiro público, o esquema valeu-se de operações em paraísos fiscais

Os depoimentos obtidos por ISTOÉ vão além das investigações sobre o caso iniciadas há cinco anos no Exterior. Em 2008, promotores da Alemanha, França e Suíça, após prender e bloquear contas de executivos do grupo Siemens e da francesa Alstom por suspeita de corrupção, descobriram que as empresas mantinham uma prática de pagar propinas a servidores públicos em cerca de 30 países. Entre eles, o Brasil. Um dos nomes próximos aos tucanos que apareceram na investigação dos promotores foi o de Robson Marinho, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE) nomeado pelo então governador tucano Mário Covas. No período em que as propinas teriam sido negociadas, Marinho trabalhava diretamente com Covas. Proprietário de uma ilha paradisíaca na região de Paraty, no Rio de Janeiro, Marinho foi prefeito de São José dos Campos, ocupou a coordenação da campanha eleitoral de Covas em 1994 e foi chefe da Casa Civil do governo do Estado de 1995 a abril de 1997. Numa colaboração entre promotores de São Paulo e da Suíça, eles identificaram uma conta bancária pertencente a Marinho que teria sido abastecida pela francesa Alstom. O MP bloqueou cerca de US$ 1 milhão depositado. Marinho é até hoje alvo do MP de São Paulo. Procurado, ele não respondeu ao contato de ISTOÉ. Mas, desde que estourou o escândalo, ele, que era conhecido como “o homem da cozinha” – por sua proximidade com Covas –, tem negado a sua participação em negociatas que beneficiaram a Alstom.



Entre as revelações feitas pela Siemens ao Cade em troca de imunidade está a de que ela e outras gigantes do setor, como a francesa Alstom, a canadense Bombardier, a espanhola CAF e a japonesa Mitsui, reuniram-se durante anos para manipular por meios escusos o resultado de contratos na área de transporte sobre trilhos. Entre as licitações envolvidas sob a gestão do PSDB estão a fase 1 da Linha 5 do Metrô de São Paulo, as concorrências para a manutenção dos trens das Séries 2.000, 3.000 e 2.100 da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e a extensão da Linha 2 do metrô de São Paulo. Também ocorreram irregularidades no Projeto Boa Viagem da CPTM para reforma, modernização e serviço de manutenção de trens, além de concorrências para aquisição de carros de trens pela CPTM, com previsão de desenvolvimento de sistemas, treinamento de pessoal, apoio técnico e serviços complementares.

Com a formação do cartel, as empresas combinavam preços e condicionavam
a derrota de um grupo delas à vitória em outra licitação superfaturada

Com a formação do cartel, as empresas combinavam preços e condicionavam a derrota de um grupo delas à vitória em outra licitação também superfaturada. Outra estratégia comum era o compromisso de que aquela que ganhasse o certame previamente acertado subcontratasse outra derrotada. Tamanha era a desfaçatez dos negócios que os acordos por diversas vezes foram celebrados em reuniões nos escritórios das empresas e referendados por correspondência eletrônica. No início do mês, a Superintendência-Geral do Cade realizou busca e apreensão nas sedes das companhias delatadas. A Operação Linha Cruzada da Polícia Federal executou mandados judiciais em diversas cidades em São Paulo e Brasília. Apenas em um local visitado, agentes da PF ficaram mais de 18 horas coletando documentos. Ao abrir o esquema, a Siemens assinou um acordo de leniência, que pode garantir à companhia e a seus executivos isenção caso o cartel seja confirmado e condenado. A imunidade administrativa e criminal integral é assegurada quando um participante do esquema denuncia o cartel, suspende a prática e coopera com as investigações. Em caso de condenação, o cartel está sujeito à multa que pode chegar a até 20% do faturamento bruto. O acordo entre a Siemens e o Cade vem sendo negociado desde maio de 2012. Desde então, o órgão exige que a multinacional alemã coopere fornecendo detalhes sobre a manipulação de preços em licitações.


Só em contratos com os governos comandados pelo PSDB em São Paulo, duas importantes integrantes do cartel apurado pelo Cade, Siemens e Alstom, faturaram juntas até 2008 R$ 12,6 bilhões. “Os tucanos têm a sensação de impunidade permanente. Estamos denunciando esse caso há décadas. Entrarei com um processo de improbidade por omissão contra o governador Geraldo Alckmin”, diz o deputado estadual do PT João Paulo Rillo. Raras vezes um esquema de corrupção atravessou incólume por tantos governos seguidos de um mesmo partido numa das principais capitais do País, mesmo com réus confessos – no caso, funcionários de uma das empresas participantes da tramoia, a Siemens –, e com a existência de depoimentos contundentes no Brasil e no Exterior que resultaram em pelo menos 15 processos no Ministério Público. Agora, espera-se uma apuração profunda sobre a teia de corrupção montada pelos governos do PSDB em São Paulo. No Palácio dos Bandeirantes, o governador Geraldo Alckmin disse que espera rigor nas investigações e cobrará o dinheiro que tenha sido desviado dos cofres públicos.

Montagem sobre foto de: Carol Guedes/Folhapress (abre); FOTOS: RICARDO STUCKERT; Folhapress; EVELSON DE FREITAS/AE