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quarta-feira, 20 de julho de 2016

Impropérios mal humorados sobre a Escola sem Partido

Por Rodrigo Perez

Tenho muita dificuldade, muita mesmo, de tratar a proposta “Escola Sem Partido” como um legítimo tema de discussão. É que fico com receio de que ao fazê-lo, estaremos o correndo o risco de trazer os defensores desse absurdo para o campo dos interlocutores e, dessa forma, qualificando-os como participantes do debate público. Devemos combater o grotesco e não discutir com ele. A premissa da discussão é exatamente essa: a legitimação do outro, e das posições do outro, ainda que sejam diferentes das minhas. Não consigo ver esses caras como interlocutores legítimos; sou incapaz de conversar com eles, de respeitá-los.

Mas como os tempos estão sombrios, é necessário fazer algum esforço, por mais que isso seja perigoso. Então, segurem a onda e me acompanhem até o fim, que lá vem textão.

Bom, a proposta “Escola Sem Partido” não tem nenhum conteúdo epistemológico, ou seja, não é relativa à produção do conhecimento. O que está em jogo é, tão somente, um ataque político (e da pior qualidade) por parte daqueles que acham que a educação brasileira tem inclinação ideológica de esquerda. Essas pessoas nunca frequentaram, de fato, uma sala de professores, pois do contrário saberiam que a educação brasileira não é sequer progressista; é reacionária, preconceituosa e elitista.

Mas façamos algum esforço (esforção!) para tentar tratar o tema na chave epistemológica. As discussões a respeito do lugar da subjetividade no processo de produção do conhecimento (e é exatamente isso que uma boa aula é) são mais velhas que a virgindade das nossas avós. Pra ficar na modernidade, pelo menos desde meados do século XVII, após a publicação, em 1637, do “Discurso sobre o método” de René Descartes, os cientistas e intelectuais perseguem a tal “neutralidade objetiva”.

Muita água passou por essa ponte, muitas árvores foram derrubadas para que filósofos pudessem escrever um um monte sobre a relação entre o conhecimento e a subjetividade autoral. Aí, em 1904 (percebam, 1904!), uma alemão chamado Max Weber publicou um ensaio intitulado “A objetividade nas ciências sociais”. No texto, Weber resolveu o problema, em 1904. Repito, em 1904! Vejamos como.

Pra início de conversa, Weber diz que:

“Não existe análise puramente objetiva dos fenômenos culturais e sociais, independentemente de perspectivas particulares e unilaterais, de acordo com as quais elas são selecionadas [e definidas. A razão disso reside no propósito cognitivo dos projetos científicos sociais. Queremos compreender a realidade nos seus aspectos característicos – a interconexão e o significado cultural de seus fenômenos particulares em sua forma contemporânea e os fundamentos que a levaram a se tornar historicamente assim e não de outro modo. (WEBER; 2006, p. 170)

Traduzindo: Parem de encher a porra do saco! Não existe neutralidade na produção do conhecimento. Toda obra humana é marcada pela subjetividade do seu produtor.

Mas Weber vai além, e propõe uma solução pra esse impasse, ao apresentar a noção de “análise axiológica”. Para o alemão:

Obviamente, o tipo de “interpretação” que aqui denominamos análise axiológica é o guia introdutório àquele outro, a saber, a “interpretação” causal “histórica”. A primeira análise ressaltava os elementos “valorizados” do objeto, cuja “explicação” causal é o problema da segunda; a primeira definia os pontos de partida para a análise causal e assim fornecia as perspectivas cruciais, sem as quais ela se perderia numa infinidade inexplorada. (WEBER; 2006, p. 251)

Traduzindo: Já que não existe a merda da neutralidade, basta que o cientista, o intelectual, o professor ou o quem quer que seja, diga com clareza para o seu público quais os valores subjetivos (ideologia, religião, time de futebol e os caralhos) que prefiguram aquele discurso. Feito isso, o público, ao saber que aquela não é a unica forma de tratar o objeto, mas uma forma entre tantas outras possíveis, estará preparado para a crítica e para a busca por outras perspectivas.

Ou seja, em 1904, em 1904 (!), Weber já resolveu essa pendenga, e nós, em 2016, estamos punhetando (e sim, o termo é adequado) com esta merda. Sabem por que isso acontece? Porque quem está propondo esse absurdo não sabe absolutamente nada sobre teoria do conhecimento ou sobre pedagogia. Essas pessoas estão querendo, tão somente, promover censura. Não á toa, essa proposta se fortaleceu institucionalmente na esteira de um golpe de Estado.

Pronto. É isso!

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