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terça-feira, 11 de outubro de 2016

Proibir aumento real da despesa pública por vinte anos é uma decisão genocida

Adriano Pilatti

Proibir aumento real da despesa pública por vinte anos, sem crescimento zero da taxa de natalidade, equivale a suprimir uma geração, atrofiar os serviços públicos, denegar acesso à nutrição, ao saneamento, à segurança, à justiça, à cultura e outros bens da vida. É uma decisão genocida, tão cruel quanto desvincular os benefícios previdenciários do reajuste do salário mínimo, o que nada mais significa do que condenar aposentados e pensionistas à indigência, à doença, à humilhação e à morte.

Assanhados como há meio século atrás, os donos do dinheiro patrocinam uma ensurdecedora campanha midiático-patronal para impor as invenções tétricas de Henrique Mengelles por meio de seus paus mandados nos três poderes. Repetem mil vezes a mentira do apocalipse, sem dizer que haverá fatalmente aumento real da arrecadação, e que o excedente ficará assim livre para ser carreado para a agiotagem, ou para ser torrado em renúncias fiscais. Também não dizem que o déficit que se pretende reduzir, cortando a carne e os ossos de gente pobre, de crianças pobres, não inclui a conta de juros (!), quatro ou cinco vezes maior do que aquele.

Há alternativas, sim: uma delas é a revisão da estrutura tributária pornográfica em que ricos e milionários pagam uma mixaria, enquanto trabalhadores e profissionais liberais pagam demais. Para se ter uma ideia, em 2013, os 71 mil contribuintes mais ricos (e, por isso mesmo, mais poderosos), com rendimentos mensais superiores a 160 salários mínimos, abocanharam 14% da renda total declarada – cerca de R$ 298 bilhões. Mas omesmo e cruel imposto de renda que toma de 7,5% a 27,5% dos pobres ou remediados mortais é zero (zero!) quando se trata de lucros e dividendos, ou seja, a maior parte dos rendimentos dos mais ricos. Em 2013, dos R$ 298 bilhões abocanhados pelos 71 mil mais ricos, R$ 200 bi pagaram zero de imposto, zero!

Esse favor foi feito aos milionários por Fernando Henrique e o Congresso de então, e tem sido mantido pelos respectivos sucessores, petistas incluídos. Um favor obsceno e raríssimo: no âmbito dos outros 34 países da OCDE, só a Estônia faz o mesmo. O resultado disso é que, não pagando imposto de renda sobre a maior parte de seus rendimentos, os grandes capitalistas pagam em média o correspondente a 6,5% de sua renda total, um percentual menor do que o suportado pelos que ganham entre R$ 1.903,99 e R$ 2.826,65 mensais, e já pagam 7,5%.

Tudo isso sem falar no impacto maior dos impostos indiretos sobre o consumo básico dos pobres e da classe média, das renúncias fiscais em favor dos grandes grupos amigos do rei, da recusa em tributar grandes fortunas, em tributar progressivamente as grandes heranças e os mega-rendimentos etc. Tem de haver aumento de imposto, sim: para os privilegiados que nunca pagaram ou pagam de menos.

Os White Walkers estão no poder, acreditando-se invencíveis no curto prazo e, por isso mesmo, tentam impor imediatamente as maldades que só interessam aos seus podres apetites, por meio da contrapartida a eles proporcionada pelo presidente fake e sua indizível “base” congressual em troca da “legitimação” que receberam deles. É a hora da xepa do andar de cima, o sinistro “é hoje só” dos magnatas – que mais uma vez manipulam as classes médias (e não só) para faze-las defender os privilégios deles, e só deles. É preciso deter esse tsunami de retrocessos, custe o que custar.

Adriano Pilatti é Professor de Direito Constitucional da PUC-Rio

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