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segunda-feira, 8 de julho de 2013

O sociólogo Francisco de Oliveira sobre a onda de protestos: as manifestações não foram nada demais e Dilma pode se recuperar se daqui por diante ela não fizer nenhuma besteira

"As manifestações não foram nada demais", diz o sociólogo Francisco de Oliveira

por Ricardo Galhardo, do IG São Paulo | 07/07/2013 06:00

Em entrevista ao iG, Oliveira admite desconhecer os motivos dos protestos e diz que eles não mudam nada no cenário político do País

As manifestações que chacoalharam o Brasil nas últimas semanas não foram nada demais, talvez apenas um espasmo diluído na falta de demandas claras. A opinião é do sociólogo Francisco de Oliveira, professor emérito da Universidade de São Paulo (USP), um dos ícones do pensamento de esquerda no Brasil. De acordo com ele, não existe no Brasil um cenário de crise que justifique mobilizações permanentes.

Em entrevista exclusiva ao iG , Oliveira admitiu desconhecer os motivos que levaram milhões de brasileiros às ruas e afirma categoricamente que não é o único. “Ninguém sabe. Estão todos chutando hipóteses”.

Segundo ele, a onda de manifestações “não muda nada” no cenário político nacional pois, embora tenha reagido de forma “risível” à voz das ruas, Dilma tem plenas condições de reverter o desgaste até o final do mandato. Ex-colaborador e desde de 2003 crítico contumaz de Luiz Inácio Lula da Silva, Oliveira não descartou a possibilidade de retorno do ex-presidente em 2014 mas advertiu que isso seria “péssimo” para o País pois “Lula quer ser o Perón do Brasil”.

Leia os principais trechos da entrevista:


iG - O que aconteceu nas ruas do Brasil nas últimas semanas? 
Francisco de Oliveira – Nada demais. É um pouco inédito devido ao fato de que se deu em várias partes do País, coisa que não era comum ocorrer. As manifestações mais fortes sempre se deram no Rio e São Paulo e desta vez se apresentaram em várias partes do País de forma bastante intensa. Mas não há uma explicação. Primeiro levantaram os preços das passagens, os governos recuaram e aquilo se transformou em uma manifestação sem sentido. De fato vivemos numa conjuntura política em que não há motivo para crise.

iG – Isso explica o fato de as manifestações terem perdido a força? 
FO – Sim. Não tem um foco e, portanto não tem o que reivindicar. Ninguém mantém parte da população em estado de tensão em que vá para a rua todos os dias. É esperar demais.

iG – Os R$ 0,20 foram um catalisador. É possível surgir outro fato capaz de provocar o mesmo efeito? 
FO – Difícil. Numa sociedade complexa como o Brasil você não mantém as pessoas na rua sempre.

iG – O que levou essas pessoas para a rua? 
FO – Não sei e ninguém sabe. Estão todos chutando hipóteses. A primeira delas foi o aumento da tarifa de transporte mas isso é tão pouco para mover tanta gente. É claro que foi um estopim mas não é capaz de manter uma mobilização.

iG – Alguns estudiosos apontam um motivo mais emocional, vinculado à natureza juvenil, do que racional. 
FO – É difícil tentar qualquer explicação. É claro que há um componente emocional. As pessoas que saem às ruas para protestar podem se unir e podem não se unir mas o componente maior era político, embora sem objetivos. A reação da Polícia Militar, por exemplo, acirra, as pessoas ficam com raiva, mas isso passa.

iG – O que muda no cenário político com os protestos? 
FO – Não muda nada. A reação da presidente foi risível. Ela quis responder ao clamor das ruas com um plebiscito. Isso é piada. Ela não entende o que é política, principalmente política de massas, e veio com essa de constituinte e plebiscito. Isso é para rir. Uma coisa é responder à voz das ruas com ações factíveis. O que ela propôs não é factível por razões formais, legais etc. Ela não sabe do que se trata. Não entende nada.

iG – As pesquisas mostram uma queda vertiginosa da aprovação de Dilma. 
FO - A essa altura ninguém sabe para onde vai o governo. Essa queda da Dilma pode não ser consistente. Com uma administração razoável nos meses que lhe restam Dilma pode se recuperar. Marina (Silva) é fogo de palha e Aécio (Neves) enfrenta forte desgaste na base dele que é Minas Gerais. Dilma pode se recuperar. É só não fazer besteira.

iG – Qual a melhor maneira para fazer a reforma política? O senhor mesmo chegou a elaborar um projeto para o Instituto Cidadania antes da eleição de Lula. 
FO – A reforma política é uma coisa muito complicada. Não é fácil. Primeiro tem que ir para o Congresso, a não ser que se dê um golpe de Estado. O Congresso é o lugar apropriado e ele não age assim de repente. Não pode ser de um dia para o outro. A reforma se faz para sair de uma crise. A Constituinte de 1988, por exemplo, foi feita por causa das tensões, equívocos e erros da ditadura. Não se faz a frio. Se o Congresso sempre trabalhasse em alta consciência seria possível. Mas não é assim que o Congresso trabalha. É fácil pensar e difícil executar uma reforma dessas. Não dá pra ser uma coisa despirocada. É preciso organizar os grupos, estes grupos precisam eleger seus partidos e os partidos atuar no Congresso. Fora isso é um ato de ditadura.

iG – Dilma está isolada? 
FO – Ela nunca teve poder. A Dilma é uma criação do Lula e o Lula tirou o corpo. Ela não tem uma vivência política capaz de articular uma reforma complexa. Dilma não tem âncora em nenhum partido. O PMDB brinca com ela a torto e a direito. O PT não é confiável para uma reforma dessa envergadura. O PT não mobiliza mais ninguém. Nem o Lula. Por isso ele fica quieto.

iG – A direita tem capacidade de mobilização? 
FO - Não tem nada. Nem a direita nem a esquerda. Alguém vai para a rua por causa da maioridade penal? Imagine.

iG – O que faria o senhor ir para a rua? 
FO – Muito pouca coisa. Na medida em que uma sociedade como a brasileira vai evoluindo política e economicamente fica mais difícil chamar o povo para a rua. Nem tem motivo. A Dilma, mesmo sendo um macaco numa loja de louças, não é uma péssima presidente. Ela é uma presidente medíocre, criação do Lula, sem muito traquejo político, com uma base parlamentar enorme mas que na verdade não é nada. Não tem crise no sentido crítico da palavra capaz de levar alguém para a rua. O que motivou os rapazes é uma coisa até hoje sem definição. Ninguém sabe por que eles ficaram tanto tempo na rua, de Fortaleza a Rio Grande do Sul, fazendo manifestações sem explicações lógicas nem políticas. Permanecerá um mistério na história das manifestações de massa no Brasil essa explosão, esse rastilho de pólvora.

iG – Foi um espasmo? 
FO – Pode ter sido. As manifestações pegaram fogo com a história das passagens de ônibus e logo, logo morreram.

iG – Existe alguma semelhança entre os protestos no Brasil e no exterior? 
FO – Nenhuma. Na raiz de todos estes protestos lá na Europa e nos EUA havia a crise. No Brasil não tem uma crise econômica que detona a crise política. Aqui não tem nada disso. O que existe é uma espécie de euforia que é falsa também. Os condicionantes de crise não estão aí. As passeatas não são sinal de crise. Isso é uma bobagem. Não são quaisquer 50 rapazes nas ruas que vão provocar uma crise. E a presidente quis dar uma resposta mas acabou dando um tiro na água.

iG – Qual é o caminho? 
FO – O caminho é pela política. Não há outro. O Congresso pode ser ruim, avacalhado, mas não tem outro jeito. Todo Congresso é ruim por definição. A primeira coisa seria organizar os grupos mas quais são os grupos organizados? Nenhum.

iG – Lula pode voltar emn 2014? 
FO – Tomara que não. Boa parte das dificuldades que Dilma enfrenta são devidas ao Lula. A possibilidade existe porque há um vazio, muitos políticos sem expressão. Mas seria péssimo para o Brasil. Lula quer se tornar uma espécie de Perón do Brasil.

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