Total de visualizações de página

sábado, 26 de abril de 2014

Emicida: "Não tenho estômago para as análises superficiais feitas pelos orgulhosos “entendedores de tudo” que habitam a rede mundial de computadores. Pouco conhecimento da prática e um oceano de teoria dá a eles uma arrogância para a qual não tenho paciência."


Emicida

Carta aberta ao Blogueiro Joseh Silva

Há algum tempo, abandonei totalmente o hábito de opinar em polêmicas. Não tenho estômago para as análises superficiais feitas pelos orgulhosos “entendedores de tudo” que habitam a rede mundial de computadores. Pouco conhecimento da prática e um oceano de teoria dá a eles uma arrogância para a qual não tenho paciência. Desisti. Facebook é só pra trampo... Twitter, Instagram? Mesma coisa. É melhor. Quando se é bem-sucedido em algo, então, é a coisa mais saudável que se pode fazer: evitar os milhares de boatos e teorias sobre seu sucesso que terceiros fazem sem o menor respeito à sua pessoa, à sua família, trajetória, história... enfim, já disse um sábio: a internet é o melhor lugar do mundo - quando se sabe sair dela.

Gosto de ler sobre política, artes, coisas do Brasil em geral. Eis que na semana passada chega até meu email um texto ilustrado por uma foto minha com o MC Guimê e o título: “O funk e o Hip Hop contemporâneo têm muito que aprender com o Hip Hop noventista”. Obviamente haveria de ser o de sempre, mas fui ler esperando algo ao menos interessante e, por que não dizer, inteligente também. Até pelo fato de a pessoa responsável pelo texto ser um jornalista que se diz entendedor de periferia chamado Joseh Silva.

Bem, ele discorre sobre a riqueza do trabalho de base de construção ideológica realizado pelo Hip Hop nos anos 90, sobre como os saraus poéticos que hoje fervem nas quebradas são de alguma forma frutos dessa semente. Concordo e acho isso fascinante, mas isso é mais do que claro e não é de hoje (pelo menos para nós). Aliás, até aí concordamos tranquilamente.

Mas daí pra frente percebo que o tema é tratado de forma superficial e triste, pois este é um assunto que interessa a muitos e limitá-lo à nostalgia pobre de que nos anos 90 tudo foi maravilhoso e hoje nada presta é correr atrás do rabo gritando que vê um novo caminho que é bom para todos. Os tempos mudam, tudo muda, a não ser as coisas mortas. Essas permanecem como estão pela eternidade e até onde entendo Hip Hop é vida. A minha pelo menos. A de meu pai também, que deu a dele sonhando em viver disso e foi levado pela frustração para o alcoolismo e enfim, houve o que sempre acontece nas quebradas.

Concordo que o aprendizado é sempre válido (tanto para novos quanto para veteranos). Particularmente, até acho que a "oreiada" é válida, é sempre bom lembrar do começo. O que me entristece é a facilidade para criticar a produção de hoje embasado em nada - não vi no texto UM único argumento seu que sustente isso.

O Hip hop abandonou seus princípios? Óbvio que não. Bate-papos, palestras, work-shops, oficinas, encontros e sei lá mais o que produzidos na intenção de disseminar o conhecimento seguem acontecendo em favelas, cadeias, quebradas, lugares do Brasil inteiro, mas, infelizmente, dar luz aos caras que fazem isso diariamente não dá ibope. Polêmica dá ibope. O pior do nosso jornalismo é rico (de dinheiro) por esse motivo. Em tempos de Facebook, então, o mais bravinho é o que tem mais likes.

Qual a receita simples para ser visto por aqui? Cola uma foto do Emicida, mostra que você não faz a menor ideia do que ele tá falando ou fazendo, mas discorda de tudo. Odeia o que o Rap se tornou, mesmo que você não saiba do que está falando. A massa adora ignorância. Informar-se antes de construir uma crítica séria parece ter ficado no século passado. Nem toda alienação é sorridente, amigos.

Há alguns anos, observamos que a imprensa do hip hop passava por uma crise. Com amigos decidi fazer algo para reverter aquele quadro: criamos um site chamado Nóiz. Fazíamos a cobertura de eventos, postávamos ali fotos bacanas, vídeos, músicas, realizávamos encontros com profissionais e amadores para compartilhar a sabedoria, o quinto elemento. Tudo foi foda, mas feliz e infelizmente todos os envolvidos foram obtendo êxito em sua vida profissional, e o projeto foi ficando de lado. Sentimos que de alguma forma tínhamos oxigenado esse lado da coisa e esperávamos que ele caminhasse competitiva no que diz respeito à qualidade em nossa ausência, Que outros veículos produzissem mais informações sobre o hip hop nacional com aquele gás.

Infelizmente não aconteceu, os blogs/sites estão fracos. Triste constatação, mas estão fracos, alguns lutam árdua e diariamente para oferecer algo relevante a seus leitores, como o Rap Nacional (que inclusive virou uma revista, pela qual torço muito) e o Vai Ser Rimando, que talvez seja o blog mais rápido e sem preconceito que o hip hop brasileiro já teve. Vai de Trilha Sonora do Gueto a Pollo, tratando a todos com respeito. Acho foda.

Por que conto essa história? Por que jogar pedras é muito fácil, meus manos, quero ver arregaçar as mangas e mudar de verdade alguma coisa, expor-se com as mãos na massa. Um ótimo exemplo: Consciência Humana e DMN são grupos clássicos, históricos, lançaram trabalhos novos e inéditos recentemente. Que ironia: esse blogueiro saudosista, com fetiche no Emicida, tem nas mãos o canal para expor que esses grupos continuam vivos e ativos, representando o que ele diz ser o rap de raiz, mas ele prefere criticar o que desconhece a mostrar o que admira.

Não quero soar desrespeitoso, mas não é difícil encontrar a verdade, difícil é depois de encontrá-la não tentar fugir dela. A verdade é que estamos trabalhando pelo que acreditamos, apenas isso, lutando pelas bandeiras que queremos que sejam vistas, e você, Joseh?

Devem ser características de um movimento que “deu as costas a suas raízes e caminha em direção à burguesia” apoiar/participar diretamente de algumas destas lutas:

- Pinheirinho; foi foda, eu estava lá, você estava, Joseh Silva?

- Eliana Silva; me posicionei em prol das famílias em BH e fui detido por isso;

- Quilombo Rio dos Macacos; tá foda, situação horrível, precisando de visibilidade. podemos contar com seu Blog Joseh?

- Santuário dos Pajés, em Brasília; outra situação com pouquíssima visibilidade que não aparece em seu blog;

- Ocupações Mauá e Prestes Maia; eu fui, contribuí da minha maneira, estou sempre em contato com eles, procure saber;

- Passeata ‘Por que o senhor atirou em mim?’, em memória do Jovem Douglas, morto pela polícia assassina do Geraldo Alckmin; ajudei a organizar e fui pra linha de frente com meus irmãos, você estava onde?

Estes são apenas alguns dos casos onde estivemos “fortalecendo” lutas populares importantes e cansativas, que infelizmente não contam com a atenção da imprensa. Odeio ter que listar isso, mas me sinto ofendido pela sua ignorância, chapa. O fato de eu não divulgar, não ambicionar ser famoso por ajudar meus irmãos, não significa que eu não os ajude. Minha música me dá popularidade. Sinto-me abençoado por poder dividi-la com bandeiras que considero urgentes. Onde elas estão no seu blog? Achei uma ou outra, sabe por quê? Pobre não dá ibope. Gente igual a você reproduz direitinho o que aprendeu com nossa mídia reacionária.

Bem obediente você. Não quero ser leviano. Li seu blog inteiro, por isso demorei a responder. Aproximadamente 40 textos com temas relevantes, espero que continue realizando esse trabalho de uma forma cada vez mais séria. Embora eu não tenha encontrado vários temas que acredito serem urgentes em um espaço dedicado à periferia, não tenho o direito de lhe considerar um fantoche do sistema. Mesmo que seja inevitável pensar nisso por algum momento ao ver seus ataques ao que desconhece, que é o meu trabalho, reconheço a importância do seu. Desejo força na sua caminhada. Não é fácil lutar pela periferia no anonimato. Imagine com alguma visibilidade, como eu. Todo dia aparecem mil novos “juízes”.

A desunião que você semeia embasado em sua ignorância é fruto da política de separar para destruir iniciativas de organização popular, orquestrada há mais de 30 anos por veículos como a revista Veja, que conseguiu criminalizar para a população do Brasil um dos movimentos mais sérios de toda a história deste país, que é o MST. Ele acabou? Não, segue firme e forte lutando, fez 30 anos em 2014 e fará mais 30, 50, 100, firme e forte. Poderia estar mais, se a desunião não fosse tão presente. Fico triste por ver sua incapacidade imensa de reconhecer quem é seu inimigo.

Nada do que você ou gente como você faz, alimentado por essa burrice que parece cegar, vai diminuir minha disposição na luta, Acordo cedo todos os dias (quando durmo!) e me dedico a fazer, não julgar e nem falar sobre os outros, mas sim fazer. Isso consome minha saúde e meu tempo, minha vida pessoal praticamente inexiste, peço sabedoria por você. Para mim, que sei dos azares da guerra contra os quais não se pode lutar, peço apenas inimigos melhores.

Em tempo, você diz:

- "Quando o grupo Z'África Brasil se apresentava, o público ia para casa conhecer mais sobre Zumbi dos Palmares".

O Z'África ainda se apresenta irmão, não são passado, são presente acabaram de lançar um single chamado O Rap é grande, aliás gravamos junto do potencial 3 uma música chamada Estado de alerta, que deve ser mais uma destas letras que caminham sentido a burguesia na sua visão.

outra fala sua:

"Não levar em consideração que as letras do estilo funk ostentação são fruto de uma política de consumo, é uma ingenuidade. Há pelo menos cinco ano, o governo federal vem pregando a falácia do surgimento de uma nova classe média. A inclusão pelo consumo tem sequelas. Hoje, nas periferias, os adolescente andam com boné de 300 reais, tênis e celulares de mil reais. Há sempre relatos de jovens que foram assaltados quando voltam de festas ou baladas durante a madrugada. Corrente e relógio também são bem vindos. Muitas vezes quem comete os assaltos são adolescente de bairros mais afastados. Eles querem ter. Eles anseiam ser a nova classe média. Eles querem exercer o consumo. Tenho, logo existo."

Você acha mesmo necessário deixar claro que as letras do funk ostentação são fruto de uma política de consumo? Ok, isso para mim já era mais do que óbvio e não diminui em nada a legitimidade do movimento, mas ok. O que não quer dizer que nasceu com a música deles essa política. Ingenuidade, pra não dizer "burrice" mais uma vez, é responsabilizar o funk (!!!) pelos assaltos nas madrugadas. Ou traçar uma linha reta para ligar o crime ao atual governo federal (?!). (blindou o Alckmin, manda um curriculum pra Veja, Joseh.) E as propagandas na TV, e os shoppings centers, a péssima distribuição de renda, o racismo e a horrenda desigualdade social, não cumprem papel nenhum nisso na sua opinião? Não influenciaram em nada no fato de essa molecada que hoje faz/ouve funk ostentação ter crescido em suas quebradas podendo comprar muito pouco ou nada, mas assistindo na TV - a única opção de "lazer" para muitos - que para ser alguém é preciso "ter" e não "ser", que o cara que conquistava todas as mulheres era o que tinha o carrão, as roupas de grife... Estou com esses meus dizeres endossando esse discurso, esse modo de vida "ostentação"? Óbvio que não - bom, a essa altura, melhor deixar claro. Estou dizendo que apenas que é fruto, sim, do que é enfiado goela abaixo nesses jovens nas quebradas desde que eles se entendem por gente. Cômodo deixar de lado a origem de tudo isso para agora simplesmente apontar o dedo para eles. Queria que eles cantassem Karl Marx? Francamente, Joseh. Logo você, um entendedor da periferia?

Nenhum comentário:

Postar um comentário