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sábado, 29 de março de 2014
sexta-feira, 28 de março de 2014
Cinquenta anos de um golpe contra a democracia, os trabalhadores e o Brasil
O povo brasileiro nunca se conformou com a ditadura implantada em 1º de abril de 1964. Resistiu contra ela desde o primeiro momento, com variadas ações, desde denúncias dos arbítrios às músicas de protestos, dos cultos ecumênicos às manifestações de rua, da atividade clandestina às assembleias de estudantes e trabalhadores, das greves ao voto, da luta armada nas cidades à Guerrilha do Araguaia.
Por Renato Rabelo - blog do Ranato:
O Golpe de 1964 – que depôs o presidente João Goulart – completa agora 50 anos. Foi a principal iniciativa política da direita e dos conservadores da história brasileira do século 20, e se insere na trajetória da luta de classes do país. Além disso, para ser compreendido em toda a sua complexidade, deve ser visto no contexto das tensões da guerra fria quando o imperialismo norte-americano fomentava golpes de Estado na América Latina e mundo afora.
A resistência da direita contra o desenvolvimento nacional e a democracia
Vêm de longe as contradições que levaram ao Golpe de 1964. O Brasil republicano tem sido cenário de luta renhida entre dois projetos excludentes de nação e sociedade: um projeto patriótico, democrático e desenvolvimentista; e outro, de subordinação ao imperialismo, antidemocrático e anti-industrialista. Essa luta se acentuou desde a Revolução de 1930, que modernizou o Estado e abriu novas perspectivas para a industrialização do país e a incorporação das massas populares e dos trabalhadores no processo democrático.
Todavia, as forças antinação (oligárquicas e aliadas do imperialismo norte-americano) não desapareceram; ao contrário, continuaram atuantes e se constituem, desde então, no principal fator de instabilidade política no Brasil, promovendo frequentes tentativas de interrupção do processo democrático como, por exemplo, a campanha que levou ao suicídio de Getúlio Vargas (1954); os levantes militares de Jacareacanga (1956) e Aragarças (1959) contra o presidente Juscelino Kubitschek; e a tentativa de impedir a posse do vice-presidente João Goulart depois da renúncia de Jânio Quadros (1961).
O golpe de Estado de 1964 foi o anticlímax do intenso processo de lutas democráticas iniciado com o fim do Estado Novo, em 1945, que exigia o desenvolvimento econômico e a ampliação da democracia.
Reação conservadora contra as reformas de base
Com altos e baixos, o período do final do Estado Novo ao Golpe militar de 1964 assistiu a avanços sociais, marcados por forte protagonismo democrático dos trabalhadores e das forças patrióticas e pelo declínio eleitoral dos partidos conservadores e de direita. O antigo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), identificado com Vargas e herdeiro das lutas pelo desenvolvimento nacional, foi o único partido que cresceu em todas as eleições de 1945 a 1962. Ele, ao lado do Partido Comunista, foi um dos esteios das lutas democráticas e populares.
No governo Goulart a luta democrática e popular cresceu. Foi criado o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), em 1962, e, no campo, se fortaleceram as Ligas Camponesas e o sindicalismo rural, tendo sido fundada a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), em 1963.
Em janeiro de 1963 ocorreu o plebiscito no qual o presidencialismo teve 82% dos votos. Foi uma autêntica eleição de Goulart, cujos poderes foram repostos – os mesmos que haviam sido suprimidos pelo arranjo “parlamentarista” de 1961, feito para garantir sua posse após a renúncia de Jânio Quadros. O plebiscito reforçou a linha das “reformas de base” capitaneada pelo presidente.
Em 13 de março de 1964 ocorreu o Comício da Central do Brasil, no Rio de Janeiro, que significou um passo importante de Goulart em direção ao compromisso com as reformas de base, que incluíam a reforma agrária; a renegociação da dívida externa; o controle da remessa de lucros das empresas estrangeiras; as reformas urbana, administrativa, bancária, da previdência social, da educação; a regulamentação do direito de greve; a nacionalização das concessionárias de serviços públicos etc.
O movimento comunista brasileiro à época estava saindo da crise de meados da década de 1950, que opunha a corrente revolucionária e a revisionista, esta última inspirada nas posições então defendidas pelo Partido Comunista da União Soviética. Assim é que duas posições distintas apareceram naquele momento.
O PCB confiava no chamado “dispositivo militar”, que supostamente defenderia o governo de qualquer ameaça golpista. O PCdoB, reorganizado em 1962 e ainda débil, por um lado, teve uma posição esquerdista com relação ao governo Goulart, e, por outro, avaliou o golpe corretamente, como um atentado duradouro à democracia. Ante a conspiração golpista, o PCdoB flexibilizou a oposição a Goulart em defesa da legalidade. Depois, já sob a ditadura, ainda em agosto de 1964, mostrou que o alvo da direita brasileira e do imperialismo americano era a luta democrática e popular e que aquele golpe viera para ficar por tempo prolongado. Fez também a autocrítica das posições esquerdistas em relação ao governo Goulart.
O Golpe militar teve, pode-se dizer, dois aspectos principais. Primeiro: sua natureza antidemocrática, manifestada já nos primeiros atos do governo, com cassações de mandatos parlamentares, prisões de lideranças sindicais, operárias e populares, aumento da repressão contra a luta democrática e patriótica, censura contra a imprensa e às artes. Segundo: a reordenação do desenvolvimento brasileiro com a imposição do arrocho salarial e de regras favoráveis ao imperialismo e ao grande capital, sobretudo estrangeiro, gerando falências de empresas nacionais, desemprego e perdas salariais para os trabalhadores.
A aliança direitista envolveu a parte conservadora da classe média no empenho de criar uma base de massa e de legitimar o golpe.
Houve clara intromissão do governo norte-americano na trama golpista e na preparação de sua logística. Uma poderosa força naval – inclusive com um porta-aviões de propulsão nuclear – foi deslocada para a costa brasileira, como parte da chamada operação Brother Sam; e revelações recentes, oriundas de arquivos norte-americanos, mostram a ultrajante posição do próprio presidente John Kennedy que admitiu claramente a possibilidade de intervenção militar no Brasil, para apoiar o golpe.
O regime nascido em 1964 eliminou a democracia, perseguiu, torturou e assassinou democratas, nacionalistas e progressistas. E aumentou a dependência externa ao ancorar o desenvolvimento nacional na busca de capitais estrangeiros e na atração de empresas estrangeiras.
Imposta a ditadura, levantou-se a resistência
Mas a implantação da ditadura não foi tranquila. Ela enfrentou obstinada resistência democrática e popular, contradições entre as classes dominantes e disputas, às vezes acirradas, entre os próprios chefes militares. Progressivamente, as forças democráticas, populares e patrióticas, entre elas o Partido Comunista do Brasil, organizaram, desencadearam e lideraram a resistência democrática. A ditadura durou 20 anos à custa de prisões, perseguições políticas, torturas e assassinatos de quem lhe fizesse oposição, encarados como “inimigos internos”. A longa jornada de enfrentamento ao arbítrio pode ser dividida em, pelo menos, quatro fases.
1ª Fase: Escalada autoritária
Entre 1º de abril de 1964 e dezembro de 1968, cresceu a escalada autoritária, que culminou na decretação do Ato Institucional nº 5 e na instauração de um Estado terrorista no país. A resistência democrática usou todas as brechas possíveis para se manifestar, como passeatas, denúncias no parlamento, voto, imprensa alternativa e uma rica produção cultural de protesto e contestação.
Desde o início, a repressão voltou-se contra os trabalhadores e os democratas. O CGT foi fechado e seus dirigentes presos e processados; centenas de sindicatos sofreram intervenção; a sede da União Nacional dos Estudantes (UNE) foi incendiada. No campo, as Ligas Camponesas foram desmanteladas, e seus dirigentes caçados pela polícia e por jagunços a mando dos fazendeiros – muitos daqueles lutadores foram assassinados.
Mesmo lideranças políticas, como Juscelino Kubistchek, que chegou a votar no marechal Castelo Branco para ocupar a presidência da República, foram vítimas do arbítrio. Em junho de 1964 a ditadura cassou os mandatos e suspendeu os direitos políticos de 50 deputados e senadores, entre eles o próprio JK. Ao mesmo tempo, eliminou – através dos Atos Institucionais nº 2 e nº 3 – as eleições diretas para presidente da República, governador e prefeito de capitais.
No campo da resistência popular, o movimento estudantil se refez rapidamente e, em 1965, as bandeiras da UNE voltaram às ruas. Esta retomada atingiu seu auge com grandes mobilizações em reação ao assassinato a tiros, pela polícia, no Rio de Janeiro, em 28 de março de 1968, do estudante secundarista Edson Luís, cujo funeral reuniu mais de 50 mil pessoas. Outras manifestações estouraram pelo país. Em 21 de junho, também no Rio de Janeiro, um confronto entre estudantes, populares e tropas da repressão deixou pelo menos quatro mortos na Sexta-Feira Sangrenta. A resposta foi a Passeata dos Cem Mil, pelo centro daquela cidade, em 26 de junho, o maior protesto contra a ditadura até aquele período.
Neste mesmo ano, os trabalhadores entraram em cena e realizaram as primeiras greves do período da ditadura: a de Contagem (MG), em abril, e a de Osasco (SP), em julho. Ambas foram duramente reprimidas. Houve também uma greve nacional dos bancários e, em Pernambuco, eclodiu uma greve dos canavieiros, na cidade do Cabo.
A ditadura reagiu como uma fera acossada. Em abril de 1968 fechou a Frente Ampla, que incluía um político que tinha participado no golpe, Carlos Lacerda, e ex-presidentes como Juscelino Kubitschek e João Goulart. Apesar de nela estarem presentes políticos conservadores, essa articulação foi apoiada pelo PCdoB, pois foi uma iniciativa que reuniu políticos hostilizados pela ditadura e que buscava “unir forças para modificar o sistema ditatorial vigente”.
No segundo semestre de 1968, apareceram novos sinais de endurecimento da ditadura, como a ocupação da Universidade de Brasília (UnB) e a invasão do Congresso da UNE em Ibiúna (SP), com a prisão de mais de 700 estudantes. Mesmo com o crescimento da repressão, a UNE continuou atuando na mais dura clandestinidade. Entre 1972 e 1973 ela foi destroçada e vários de seus dirigentes foram assassinados, entre eles seu presidente, Honestino Guimarães.
A ditadura enfrentou resistências no Supremo Tribunal Federal (STF) e na Câmara dos Deputados. O STF concedeu habeas corpus aos líderes presos em Ibiúna. E em 12 de dezembro de 1968 a Câmara dos Deputados não aceitou processar o deputado oposicionista Márcio Moreira Alves. No dia seguinte, o general Costa e Silva, que ocupava a presidência da República, baixou o Ato Institucional nº 5 – o mais truculento de todos. Fechou o Congresso, suspendeu direitos civis e políticos e aboliu garantias, como a do habeas corpus. Foram cassados os mandatos de 113 deputados federais e senadores, 190 deputados estaduais, 30 prefeitos e quatro ministros dos tribunais superiores.
Em 1968, a Nação tomou conhecimento, indignada, do chamado “caso Para-Sar”, um plano sinistro coordenado pelo brigadeiro João Paulo Burnier para explodir o antigo Gasômetro, no Rio de Janeiro, e que poderia ter provocado grande número de mortes. O ato criminoso não se realizou porque o capitão Sérgio Miranda de Carvalho recusou-se a praticar a ação terrorista cujo objetivo era desacreditar a oposição e lançar a responsabilidade sobre a esquerda.
Naqueles anos difíceis, o PCdoB fomentou a criação da União da Juventude Patriótica (UJP), cujo dirigente, Lincoln Bicalho Roque, foi assassinado pela repressão, em janeiro de 1973. Outro membro dessa organização, o líder secundarista negro Joel Vasconcelos, foi, em 1971, o primeiro membro do PCdoB assassinado, ainda hoje desaparecido.
Para calar vozes inconformadas a ditadura impôs a censura à rica produção artística, cultural e intelectual que resistia ao arbítrio, e mesmo jornais conservadores foram submetidos ao arbítrio da tesoura. Vários artistas e intelectuais foram presos e outros tiveram que se exilar.
2ª Fase: governo Médici: “uma ditadura militar de caráter terrorista”
Em janeiro de 1969, o PCdoB lançou um Manifesto aos brasileiros no qual destacou que a ditadura, impotente diante do impetuoso movimento de massas, recorria a novas violências. “Instaurou, com o Ato Institucional nº 5, um regime do mais completo arbítrio (…). A nação brasileira jamais conheceu governo tão despótico como o atual”.
Era uma nova fase na qual a ditadura montou, ampliou e utilizou a estrutura de terror de Estado para combater e eliminar seus opositores.
Contra o terror de Estado, ampliou-se a resistência armada. Diante daquele regime brutal elevou-se a determinação de um conjunto de organizações políticas e lideranças – no campo democrático e patriótico, comunista e de esquerda – de resistir de armas na mão. Assim, como disse Renato Rabelo, atual presidente do PCdoB, “a demanda por uma resistência mais ousada, armada, não era uma questão somente do PCdoB; essa consciência avançada batia à porta exigindo uma tomada de atitude para se enfrentar o banditismo de um regime truculento e sanguinário, fascistizante”.
O PCdoB iniciara os preparativos para a resistência armada com base em uma concepção de ação que divergia do “foquismo”, concepção então dominante. Buscava o enraizamento na luta do povo do interior, com a defesa de suas reivindicações mais sentidas, onde tinha melhores condições para o enfrentamento da ditadura. Nas cidades, com a perseguição implacável, isso era impossível.
Em setembro de 1969, ocorreu o sequestro do embaixador dos EUA, Charles Elbrick, pelo Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e pela Ação Libertadora Nacional (ALN), que exigiram, e conquistaram, a libertação de 15 prisioneiros políticos e a leitura de um manifesto por rádio e TV. Nos anos seguintes, mais três diplomatas estrangeiros foram sequestrados e trocados por dezenas de presos políticos.
A resistência armada nas cidades crescia. Entre as jovens mulheres que nela se engajaram estava a então estudante Dilma Rousseff, atual presidenta da República do Brasil.
Mas, a virulência da repressão foi tão grande que, no início da década de 1970, quase todas as organizações da luta armada haviam sido desmanteladas ou seriamente golpeadas. Seus heroicos líderes foram mortos em perseguições e combates, executados ou assassinados na tortura. Entre eles figuram Carlos Marighella, Carlos Lamarca, Iara Iavelberg, Joaquim Câmara Ferreira, Mário Alves. Das organizações defensoras da luta armada apenas duas se mantiveram operando nacionalmente: o PCdoB e a Ação Popular (AP).
A resistência no Araguaia
Sem abandonar a luta nas cidades, o PCdoB, orientado pela teoria da Guerra Popular Prolongada, organizava a resistência no campo. Desde 1966 deslocou dezenas de militantes para a região do rio Araguaia, no sul do Pará, que conviviam com a população local. No início de 1972, havia 69 guerrilheiros e guerrilheiras naquela região, entre jovens e experimentados comunistas – que formaram três destacamentos guerrilheiros e uma Comissão Militar, da qual fizeram parte João Amazonas, Maurício Grabois e Ângelo Arroyo.
No dia 12 de abril de 1972 a ditadura atacou o Araguaia. A ação repressiva durou mais de dois anos e envolveu, no total, cerca de 10 mil soldados, na maior mobilização militar brasileira desde a Segunda Guerra Mundial.
A eclosão da guerrilha acelerou o processo de incorporação da Ação Popular Marxista-Leninista (AP-ML) ao PCdoB. A partir de 1973, um grande número de quadros dessa organização revolucionária, pelo exemplo de bravura política do Araguaia, incorporou-se ao PCdoB, revitalizando o Partido com aportes de abnegação e talentos, preenchendo com novos dirigentes e militantes os graves desfalques provocados pela repressão que se havia abatido sobre suas fileiras.
Poucos guerrilheiros sobreviveram. Uma parte morreu em combate, outros foram presos, torturados e executados. Até hoje os corpos de quase todos eles continuam desaparecidos. Para derrotar a Guerrilha, a repressão cometeu inúmeras atrocidades, como torturas, roubos e assassinatos contra pessoas do povo da região que apoiavam o movimento ou eram suspeitas de fazê-lo.
Enfurecida com a Guerrilha, a ditadura exacerbou a perseguição ao PCdoB. Entre 1972 e 1973 foram presos e assassinados na tortura dirigentes como Lincoln Cordeiro Oest, Carlos Danielli, Luiz Guilhardini e Lincoln Bicalho Roque. Os três primeiros eram membros da Comissão Nacional de Organização do Comitê Central, responsável pelos contatos da Guerrilha com a cidade. Nos anos seguintes ainda foram assassinados Armando Frutuoso e Ruy Frazão. E importantes comitês estaduais sofreram graves baixas, com centenas de presos.
Mesmo derrotada militarmente, a Guerrilha do Araguaia cumpriu um papel relevante. Apesar da forte censura à imprensa, ela chegou ao conhecimento de muitas pessoas, de boca em boca, pelos jornais clandestinos, por notícias de emissoras de rádio do exterior, alimentando o ânimo e a esperança dos setores mais avançados da oposição, inclusive, no campo revolucionário.
Hoje, o exemplo do Araguaia, a coragem dos guerrilheiros e a disposição de pagar com a própria vida a ousadia de enfrentar a ditadura impulsionam setores do povo – em especial da juventude – a se engajarem na luta democrática, popular e revolucionária. Os nomes de Osvaldo Orlando Costa, (Osvaldão), Dinalva Oliveira Teixeira (Dina), João Carlos Haas Sobrinho (Juca), Helenira Resende (Fátima), Antônio Guilherme Ribeiro Ribas (Ferreira) e dos demais guerrilheiros, e guerrilheiras, encontram-se na galeria de heróis do povo
3ª Fase: A resistência se alarga e ganha força
Quando o general Ernesto Geisel assumiu o posto de Garrastazu Médici, em março de 1974, o chamado “Milagre Brasileiro” começava a se esgotar. O país, que importava 80% do petróleo que consumia, foi alvejado pelo “choque do petróleo”, e o preço do barril do óleo quadriplicou!
Naquela época, a resistência retomava a iniciativa política e obteve uma vitória eleitoral expressiva naquele ano. Aquela conjuntura impôs à ditadura uma manobra tática. Geisel anunciou então uma “abertura lenta, gradual e segura”.
Para os estrategistas da ditadura, essa “abertura” incluía uma condição cruel: a eliminação dos comunistas. O alvo inicial foi a direção do Partido Comunista Brasileiro (PCB), que teve vários de seus dirigentes sequestrados, torturados, assassinados, muitos dos quais ficaram como desaparecidos. Wladimir Herzog foi assassinado em 25 de outubro de 1975, sob tortura, no Destacamento de Operações de Informações/ Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) paulista. O culto ecumênico em tributo a ele, ocorrido na Catedral da Sé, em São Paulo, se transformou num grande ato público contra a ditadura e a tortura.
A ação criminosa voltou a repetir-se em janeiro de 1976, quando foi morto sob tortura, também no DOI-CODI paulista, o operário Manoel Fiel Filho. A crise iniciada nos próprios quadros da ditadura levou ao afastamento do general Ednardo D’Ávilla Melo, comandante do II Exército.
Acentuou-se a repressão contra o Comitê Central do Partido Comunista do Brasil, que havia dirigido a Guerrilha do Araguaia e continuava organizado e atuando em todo o país. A ditadura considerava isso uma afronta e um perigo; por isso, destruir a direção do PCdoB passou a ser um de seus objetivos centrais. Em 16 de dezembro de 1976 ocorreu a Chacina da Lapa, em São Paulo. A casa onde se realizavam as reuniões do Comitê Central do Partido foi atacada; Pedro Pomar e Ângelo Arroyo foram assassinados na ocasião; João Batista Drummond foi morto na tortura. E os dirigentes Haroldo Lima, Aldo Arantes, Elza Monnerat e Wladimir Pomar, além do motorista Joaquim Celso de Lima e da caseira Maria Trindade, foram presos e torturados. Era a vingança da ditadura contra aqueles que ousaram dirigir a resistência armada no Araguaia.
Um dos objetivos da repressão (conforme declarou o general Dilermando Gomes Monteiro, então comandante do II Exército) era o assassinato de João Amazonas. Seria ampliar enormemente a tragédia da Lapa, o que não ocorreu pois o dirigente comunista encontrava-se em missão partidária no exterior.
O golpe contra o PCdoB foi profundo, mas o Partido manteve-se unido e atuante, e reorganizou sua direção no exterior tendo à frente João Amazonas, Diógenes de Arruda Câmara, Renato Rabelo e Dynéas Aguiar.
Apesar da sanha assassina da repressão, as dificuldades políticas da ditadura cresciam. As consecutivas eleições que se seguiram mostraram a repulsa crescente do eleitorado. Na eleição de 1966, a primeira realizada sob a ditadura, a Arena (partido do regime discricionário) teve 50% dos votos, e o MDB (partido da oposição legal) ficou com 28%. Na eleição de 1970, no auge da ditadura, a Arena conseguiu 41%, o MDB 17%, refletindo a campanha de setores da oposição, entre eles o PCdoB, que pregaram a não participação naquela eleição; a soma dos votos brancos e nulos naquele pleito foi de 30,3%.
Mas, já na eleição seguinte, a de 1974, o espectro do declínio assombrou os conservadores. A Arena estagnou. O MDB recebeu 38% dos votos, elegeu 16 dos 22 senadores e 44% dos deputados federais. Foi uma grande derrota da ditadura. Na eleição de 1978 essa tendência se manteve. E em 1982, a oposição (formada agora pelo PMDB, PT e PDT) ultrapassou em número de votos e em percentual o partido da ditadura (23,4 milhões contra 17,7 milhões).
a) PCdoB defende bandeiras para unificar a oposição
Naqueles anos, a oposição cresceu e radicalizou seu pleito central por transformações profundas, como a anistia ampla e a Constituinte livre e soberana.
A ditadura se isolava. Em janeiro de 1975, o PCdoB insistiu em bandeiras para unificar, na luta contra a ditadura, amplos setores da sociedade: 1ª) Anistia ampla, geral e irrestrita; 2ª) abolição de todos os atos e leis de exceção; 3ª) convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte livremente eleita. E pregava a unidade do povo: “O êxito nesta tarefa exige a criação de uma ampla e combativa frente de oposição à ditadura (…). A unidade para a luta é a arma da vitória”.
4ª Fase: Declínio e fim da ditadura
A última fase da ditadura vai de 1979 – ano da Anistia, marco germinador de massivas lutas e de campanhas com grande participação do povo – a 1985, quando a jornada antiditatorial foi vitoriosa e abriu o processo de redemocratização.
Na década de 1970, as lutas populares ganharam expressão e força. Inicialmente, foi a batalha pela anistia ampla, geral e irrestrita. Em 1975 surgiu o Movimento Feminino pela Anistia, liderado por Therezinha Zerbini. Depois, o Comitê Brasileiro Pela Anistia (CBA) unificou o campo progressista e democrático. Surgiu também o Movimento do Custo de Vida, transformado em 1978 no Movimento Contra a Carestia, impulsionado pelos comunistas e por católicos progressistas. Ele mobilizou trabalhadores e o povo num grande movimento que coletou 1,3 milhão de assinaturas no abaixo-assinado encaminhado ao ocupante da presidência da República, o general Ernesto Geisel.
O regime ditatorial procurou levantar diques para tentar conter a correnteza que se avolumava. Em abril de 1977, baixou o Pacote de Abril que – entre outras medidas casuísticas para frear os êxitos do MDB nas eleições que iriam se realizar no ano seguinte – criou a figura abjeta do senador biônico, isto é, senador sem voto popular. Não adiantou. Em 1978, o MDB conquistou uma nova e importante vitória, e saiu reforçado com um elenco de combativos democratas e lideranças do movimento sindical e popular, entre eles o líder operário e comunista de São Paulo, Aurélio Peres.
Em 1978, os trabalhadores voltaram à cena com a greve dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo, marco inicial das grandes paralisações de 1979 e 1980 que contribuíram para minar os alicerces do regime militar. Elas foram lideradas por Luiz Inácio Lula da Silva e, apesar de duramente reprimidas – houve intervenções nos sindicatos e o enquadramento na Lei de Segurança Nacional dos líderes grevistas –, elas foram politicamente vitoriosas e derrotaram – principalmente com a greve de1980 – a política de “abertura” controlada da ditadura.
O movimento estudantil retomou suas lutas em 1977. Em 1979, a UNE foi reorganizada no Congresso em Salvador, e sua atuação foi decisiva para engajar fortemente a juventude nesta fase da luta contra a ditadura, sendo frequentes os confrontos com as forças da repressão. A militância do PCdoB teve papel destacado na reconstrução das entidades e na busca da unidade e combatividade do movimento. Praticamente todos os presidentes da UNE e da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), desse período, eram lideranças do PCdoB, entre as quais Aldo Rebelo, ex-presidente da UNE, hoje ministro do Esporte.
O desgaste da ditadura levou o general Geisel a revogar o Ato Institucional nº 5 (AI-5) em outubro de 1978, e suspender a censura à imprensa. Ele foi substituído na presidência da República, em 1979, pelo general João Batista Figueiredo, ex-chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI). Foi um momento em que a ditadura apresentava fortes sinais de declínio e buscava uma sobrevida.
Depois de anos de luta, a lei de anistia foi aprovada, em agosto de 1979. Apesar de limitada, seu efeito foi reforçar a oposição com a volta dos exilados, a libertação dos presos e o retorno à luz do dia dos militantes clandestinos. Mesmo rejeitando seu conteúdo que beneficia os torturadores e assassinos da ditadura, o PCdoB a avaliou como uma grande vitória do povo.
Ao lado da imprensa alternativa já existente, foram criados, no final dos anos 1970, jornais ligados às organizações de esquerda clandestinas, como Tribuna da Luta Operária (PCdoB), Voz da Unidade (PCB), Hora do Povo (MR-8) e Convergência Socialista (CS). Esses periódicos foram importantes na luta política e de ideias contra a ditadura. Os jornais da imprensa alternativa foram muitas vezes alvo da repressão e da ação de terroristas vinculados ao aparelho repressivo. Inúmeras de suas edições foram apreendidas e seus editores e jornalistas processados pela Lei de Segurança Nacional (LSN).
Sedes de entidades democráticas, de jornais e bancas de revistas foram agredidas com bombas e depredações. Um atentado terrorista matou, na sede da OAB do Rio de Janeiro, em agosto de 1980, a secretária Lyda Monteiro da Silva. O último capítulo da ação terrorista ocorreu contra o show em comemoração ao 1º de Maio no Riocentro, no Rio de Janeiro. Na ocasião, explodiu uma bomba manipulada por dois militares, matando um deles. O artefato seria detonado durante o espetáculo, podendo provocar uma tragédia cuja culpa seria atribuída às organizações de esquerda.
Diante da ameaça de derrota da ditadura nas eleições marcadas para 1982 – que poderiam se transformar num plebiscito contra o regime militar –, foi imposta uma reforma partidária que colocou um fim ao bipartidarismo, endureceu as regras eleitorais com a adoção do chamado voto vinculado – pelo qual o eleitor deveria votar no mesmo partido de vereador a governador – e proibiu as coligações partidárias. Impunha também às agremiações o uso da palavra “partido” em suas denominações, uma forma de forçar o MDB a mudar de nome. Mas esse partido acrescentou a palavra exigida a seu nome histórico e se transformou no PMDB.
Naqueles anos, a oposição à ditadura cresceu com a adesão de novos setores sociais, e radicalizou-se o pleito por transformações profundas, como a anistia ampla e a Constituinte livre e soberana, bandeiras que postulavam o fim da ditadura. Em 1966, o PCdoB já sustentara esse objetivo, mas, em 1979, entidades nacionais prestigiadas também o defendiam, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a UNE, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), as Comunidades Eclesiais de Base e várias outras.
A campanha das diretas e a ofensiva final pelo fim da ditadura
Em 1984, foi apresentada ao Congresso Nacional a Emenda Dante de Oliveira, que instituía a eleição direta para presidente da República. As forças democráticas e populares realizaram, entre novembro de 1983 e abril de 1984, provavelmente as maiores mobilizações de massas já vistas no país. Foi a chamada campanha das Diretas Já, que envolveu 41 grandes comícios, entre eles aquele que é considerado o maior já ocorrido no Brasil, com 1,5 milhão de pessoas, em 16 de abril de 1984, em São Paulo.
Sob ameaça da ditadura, a emenda foi votada pelo Congresso Nacional em 25 de abril de 1984, sem alcançar o número de votos suficientes para sua aprovação, causando perplexidade e decepção à Nação.
Desde então, o foco da agenda nacional passou a ser a eleição presidencial indireta, marcada para o Colégio Eleitoral, em 15 de janeiro de 1985.
Para as forças oposicionistas havia um problema crucial: ir ou não ao Colégio e com que objetivo. Formou-se no Congresso Nacional o Grupo Só-Diretas, contrário à participação no Colégio Eleitoral, e que pretendia manter a campanha pelas Diretas. O PT também assumiu essa posição e outras forças se inclinavam pelo nome do governador de Minas Gerais, Tancredo Neves, como candidato oposicionista no Colégio Eleitoral. Em suma, havia dúvidas e indefinições, sobretudo nos setores políticos à esquerda.
Naquele contexto, sobressaiu-se o presidente nacional do PCdoB, João Amazonas, que se empenhou na busca do caminho para resolver o impasse. Para ele, a oposição antiditatorial, com a força acumulada no processo, poderia crescer ainda mais e derrotar o regime no seu próprio terreno, o Colégio Eleitoral. Para tanto, seria necessário que a oposição apresentasse um candidato comprometido com a ideia de ir ao Colégio Eleitoral para destruí-lo e, depois de eleito, convocar uma Constituinte livremente eleita, para pôr fim à ditadura. O fundamental – argumentava Amazonas – não era a forma pela qual o regime de força seria extinto, mas sim a sua extinção.
Amazonas participou do esforço de persuadir Tancredo a aceitar o desafio de enfrentar e derrotar o candidato da ditadura no Colégio Eleitoral. Para isso, conversou pessoalmente com o líder mineiro no Palácio da Liberdade, em Belo Horizonte. O presidente do PCdoB defendeu que a chance de derrotar a ditadura no Colégio Eleitoral não podia ser perdida, sendo importante promover novos grandes comícios pelo Brasil para explicar ao povo as novas perspectivas e os compromissos assumidos pelo candidato da oposição. E garantiu que o PCdoB iria às ruas defender esta opção.
O fim da ditadura e a Constituinte
A eleição de Tancredo Neves em 15 de janeiro de 1985, pelo Colégio Eleitoral, assinalou o fim da ditadura. Mas ele não chegou a tomar posse; adoeceu, falecendo em 21 de abril daquele ano, e o cargo de presidente da República coube a seu vice, José Sarney.
O Brasil redemocratizado começou a nascer então, embora de forma contraditória. Os chefes militares mantiveram forte poder sob a presidência de José Sarney e os setores civis que haviam patrocinado a ditadura continuavam influentes.
Mesmo assim, os partidos políticos que estavam na clandestinidade foram legalizados, entre eles o PCdoB; a censura à imprensa foi extinta; a liberdade sindical foi reconhecida; e, sobretudo, o compromisso de convocação de uma Assembleia Constituinte foi cumprido, sendo esta eleita em 1986.
A Constituinte tomou posse em 1° de fevereiro de 1987 e a elaboração constitucional durou quase dois anos até que, em 5 de outubro de 1988, a nova Carta Magna foi promulgada. A bancada de parlamentares do PCdoB deu reconhecida contribuição para que fossem aprovadas conquistas patrióticas, democráticas e sociais.
A nova Constituição, chamada de “cidadã” pelo deputado Ulysses Guimarães –presidente da Constituinte –, significou, depois do fim politico da ditadura, a institucionalização de uma nova, promissora e contraditória era democrática no Brasil.
Quase trinta anos depois, há exigências democráticas por realizar
Desde o fim da ditadura, em 1985, as forças progressistas lutam para construir, ampliar e consolidar a democracia. A Constituição de 1988 e as realizações dos governos Lula e Dilma deram contribuições relevantes para isto. Contudo, importantes tarefas e exigências democráticas ainda não foram realizadas, mesmo 29 anos depois da redemocratização.
O direito à memória e à verdade e a punição de agentes do Estado que praticaram torturas e outras violações dos direitos humanos sob a ditadura fazem parte dessas exigências. Impõem-se o esclarecimento do paradeiro dos desaparecidos políticos e dos restos mortais de oposicionistas assassinados, e também o livre acesso aos arquivos oficiais que contenham informações sobre os crimes da repressão.
Esta bandeira foi posta em pé desde o início da luta pela Anistia. A correlação de forças à época do fim da ditadura obstruiu a sua realização. Mas o PCdoB se engajou nesta luta desde a primeira hora. Já em 1980, integrou a primeira caravana de familiares dos mortos e desaparecidos que foi à região do Araguaia em busca de informações sobre o paradeiro dos guerrilheiros.
No Congresso Nacional e demais casas legislativas, os comunistas se empenham pelo êxito desta bandeira em comissões de direitos humanos, e nas comissões da verdade, de âmbito federal, estadual e municipal, que foram constituídas. A consciência democrática nacional não aceita que até hoje se negue às famílias dos mortos e desaparecidos o direito humanitário de enterrarem os restos mortais de seus entes. Esclarecer o que ocorreu sob a ditadura e responsabilizar os agentes que cometeram crimes durante a repressão é parte da continuidade da luta da erradicação dos efeitos do arbítrio que perduram na vida nacional.
Os governos Lula e Dilma têm feito um grande esforço para fazer cumprir o dever do Estado de reconhecer os crimes cometidos no período ditatorial, estender os direitos da Lei da Anistia a todos os perseguidos políticos e familiares, e o esforço político, pedagógico de se disseminar – sobretudo para as novas gerações – a memória e a verdade sobre os crimes cometidos pela repressão.
A Comissão Nacional da Verdade, antiga aspiração democrática, foi criada pelo governo da presidenta Dilma com a expectativa de que, ao final de seus trabalhos, contribua para que o Estado cumpra seu dever de proporcionar ao povo a verdade sobre os crimes e lance luzes sobre a memória daqueles que foram vítimas das atrocidades e de ressaltar a dignidade e o destemor de quem foi à luta.
Foram inumeráveis as vítimas da ditadura. Calcula-se que 500 mil cidadãos foram investigados; 200 mil presos; 11 mil processados nas auditorias militares; cinco mil condenados; e a grande maioria sofreu torturas. Houve também 10 mil exilados; 4.862 mandatos cassados; 1.202 sindicatos sob intervenção; 245 estudantes expulsos das universidades apenas através do Decreto 477; 49 juízes expurgados; três ministros do Supremo afastados, o Congresso Nacional fechado por três vezes; censura prévia à imprensa e às artes. Cerca de 400 foram mortos e 144 desaparecidos até hoje. São heróis do povo e da democracia. O culto à sua memória, o destaque ao que fizeram e à forma como foram mortos devem ser feitos “Para que não se esqueça. Para que nunca mais aconteça”.
Ampliar as conquistas, impedir o retrocesso
O Golpe militar de 1964 completa 50 anos. Neste momento, é necessário resgatar o papel do campo democrático e progressista na luta em defesa da democracia. Ao mesmo tempo, denunciar a recorrente intervenção golpista das forças reacionárias contra os ciclos progressistas do país. Foi o mesmo golpismo que veio à tona, em 2005, quando essas forças, alegando o chamado “mensalão”, atacaram o governo do presidente Lula e chegaram inclusive a tentar, com o apoio da mídia conservadora, cassar seu mandato. Este espírito de revanche moveu a ação da direita e dos conservadores brasileiros nos últimos 11 anos de governo. É uma ação contra os avanços da democracia política e social, sempre ceifados ou sufocados pela direita na história da República – ação desestabilizadora que também ocorre contra outros governos progressistas e anti-imperialistas na América Latina.
Na data simbólica do cinquentenário do golpe de 1964, o PCdoB – que comemora 92 anos na defesa permanente da democracia – defende a união de amplas forças políticas e sociais, democráticas e progressistas, em defesa do Brasil, do desenvolvimento, da democracia e do progresso social, barrando qualquer tentativa de retrocesso.
Comissão Política Nacional do Partido Comunista do Brasil
São Paulo, 28 de março de 2014
quinta-feira, 27 de março de 2014
quinta-feira, 20 de março de 2014
A ditadura do corpo ideal e o preconceito velado
Texto de Amanda Nunes - Blogueiras Feministas
Via:http://mariadapenhaneles.blogspot.com.br/
“Com a estética, o sujeito entra em uma relação sensível com o mundo que se diferencia conscientemente da natureza objetiva concebida a partir da revolução copernicana. A subjetividade torna-se então, por meio do sentimento representado, o fundamento de uma presença estética de uma natureza”. Rolf Kuhn¹.
A palavra estética refere-se à cognição pelos sentidos, ou seja, a “compreensão pelos sentidos”. É um ramo da filosofia que perpassa e ultrapassa o campo visual já que compreende um conjunto de sensações que refletem a percepção da beleza. Além das avaliações e julgamentos do que é o belo, contempla-se também a emoção que ela suscita nos seres humanos. Essa concepção está presente especialmente na arte, mas diz respeito a toda a natureza. Dessa forma, infere-se uma questão: “o que é a beleza?” e com ela, o chavão de que gosto não se discute.
É claro que não se pode definir objetivamente a beleza, visto que ela não é uma propriedade imutável que se atribui ou não aos objetos, mas uma sensação própria do sujeito que a percebe, ajustada aos seus valores pessoais, ainda que tais valores estejam inevitavelmente subordinados aos valores culturais e histórico-sociais de determinada sociedade em dado tempo histórico. A beleza é relativa, não há como negar, mas essa relativização é profundamente ofuscada pela busca de uma essência ideal, um padrão de beleza.
As transformações dos padrões de beleza do corpo feminino ao longo do tempo marcaram a evolução de diferentes visões sociais acerca do modelo estético que deveria ser incorporado pelas mulheres. A forma como as mulheres eram retratadas no período colonial, por exemplo, distancia-se bastante do modelo buscado atualmente. Além desse processo corrente, isso evidencia também que os padrões são produtos de uma cultura.
Ideal de beleza ao longo do tempo
O corpo da mulher durante o período colonial era tido como dentro dos padrões de beleza ao apresentar um aspecto saudável, simbolizado pela aparência rechonchuda, ou seja, quanto mais gorda a mulher fosse, mais bonita ela era considerada, isso porque o perfil untuoso do corpo remetia a um corpo bem nutrido e ao seu volume era atribuída uma visão de saúde e vigor. Já durante a antiguidade clássica, o ideal grego da beleza era outro, com base em uma construção intelectual artística, os gregos valiam-se da perfeição e equilíbrio das formas, bem como a harmonia e a proporcionalidade de todas as medidas, é quando surge o nu feminino e a valorização do movimento. Para a antiga sociedade Egípcia, a juventude era muito valorizada bem como o corpo esbelto e os traços finos e alongados.
Durante o século XIX, a forma mais avantajada ganha destaque novamente na classe da burguesia, mulheres gordas e de semblantes corados remetiam a riqueza e ostentação. Com a revolução industrial esse modelo estético foi resgatado do período renascentista, o uso de espartilhos também estava presente com força nessa época, e as mulheres os utilizavam cada vez mais apertados. O século XX recupera o ideal de boa forma, marcado, entre outros, pela emancipação feminina.
Após o fim da segunda guerra, o corpo feminino curvilíneo, valorizando quadris e seios ganha ênfase. A mulher dos anos 50 é mais sofisticada, adornada e a beleza é de grande importância e preocupação social, bem como o uso de joias, cosméticos, salto alto, tintura para cabelo, entre outros assessórios. Os anos 60 foram marcados pelos movimentos de contracultura e o movimento hippie foi o precursor dos novos perfis que surgiram na época, tais como o modelo estético, que valorizou um corpo de aspecto adolescente, sem muitas curvas. Com a consolidação do movimento hippie, nos anos 70, os cabelos eram longos, crespos e armados, maquiagem forte nos olhos e muito blush no rosto. Enquanto os anos 80 pregaram o exagero, um estilo de extravagâncias e excessos, os anos 90 trouxeram a naturalidade, a simplicidade.
Durante a década de 90 e inicio dos anos 2000, a ditadura da magreza parece se tornar mais hegemônica, talvez como consequência da expansão da comunicação e da imagem como símbolo. Ser magra torna-se uma verdadeira obsessão, mulheres altas e magras consagram o novo modelo estético. Alcançar esse padrão torna-se um esforço com a utilização de dietas malucas e a busca cada vez mais árdua pelo corpo “ideal”, a bulimia e a anorexia passam a ser frequentes.
Atualmente, o padrão de beleza feminino estampado nas imagens midiáticas é: corpo magro, malhado, seios grandes, bumbum perfeito, pernas torneadas e barriga chapada. Em nome desse corpo ideal, as academias estão lotadas e as cirurgias plásticas para colocar silicone e lipoaspirações são cada vez mais comuns.
Barbie Plus Size, criada em 2011 pelo artista Bakalia para o worth1000.com, um site onde há concursos diários de criação de imagens.
Desde sempre existe essa pressão social em cima das mulheres e seus corpos. Em todos os lugares é possível captar essa imposição e padronização inexplicável que se faz do corpo feminino, nas revistas, nos outdoors, nas propagandas, nos filmes, nas novelas, nas passarelas. Sempre encontramos mulheres com corpos “perfeitos” ou o famoso ‘corpo violão’, corpo esse que é símbolo de saúde, de sensualidade, de beleza, tido como único que atrai e que é aceito. Esses paradigmas ditam muito mais do que como deve ser o corpo feminino como também a roupa que combina com qual tipo de corpo, o sapato, o corte de cabelo adequado para as altas, para as baixas… A questão é: por que ser baixa, gorda ou não ter um corpo violão faz você não ser considerada uma mulher linda?
Você não vai encontrar uma mulher de estatura mediana, com alguns quilinhos a mais em um desfile de moda ou estampada em outdoors usando um biquíni, mas por que isso? A maioria das mulheres não são como os padrões ditam, muito pelo contrário, mas ainda assim um modelo estético adotado pela minoria é considerado padrão, por quê? Por que não fazem desfiles com mulheres reais? As mulheres vêm em todas as formas e tamanhos, são diferentes, lindas de formas diversas, não há motivo nenhum para mudarem seus corpos ou seus estilos para se adaptarem a um padrão que nem ao menos faz sentido.
“Há uma corrente de teóricos que acreditam que, com tantos avanços femininos, a ditadura do corpo ideal é uma forma de ainda deter a mulher. E faz sentido, já que a maior parte acaba cedendo à pressão”, afirma a psicóloga Marjorie Vicente em matéria do portal UOL. O cinema, a TV e a publicidade não enxergam a mulher gorda como qualquer outra, não exploram sua personalidade sem levar em consideração o físico ou apelar para o humor. A mídia age como se ser gorda não fosse o natural (não somente gorda, como ser baixinha, ter um corpo sem curvas ou uma deficiência física). O mercado é cruel com quem está fora dos padrões e a sociedade também.
Em uma matéria feita na revista Marie Claire, chamada: “Por que o mundo odeia as gordas”; uma pesquisa realizada com as leitoras da revista revela dados estatísticos que evidenciam o preconceito. Das respostas, 66% admitiram já ter feito um comentário maldoso ao ver uma mulher gorda usando biquíni; 58% já se sentiram secretamente felizes porque a ‘ex’ do namorado engordou muito; 52% acham que é pior engordar 15 quilos do que reduzir o salário em 30%; 37% ficam incomodadas vendo uma mulher gorda comer hambúrguer com batatas fritas; 36% não iriam a um médico de regime que fosse gordo; 21% acreditam que as gordas são preguiçosas; 21% imaginam que, se um bonitão está com uma mulher gorda, é porque existem outros interesses; 18% dizem que uma pessoa muito gorda deveria pagar por dois assentos nos aviões.
As mulheres gordas sofrem discriminação diariamente, nos mais simples eventos cotidianos. Quantas vezes já não ouvimos alguém dizer: “ela é linda de rosto” ou “ela é bonita, mas é gorda” ou ainda: “se emagrecesse ficaria linda”. Por que uma mulher não pode ser linda sendo gorda? Por que ser gorda não é natural? Por que estar fora dos padrões não é bonito? A sociedade está alienada, não consegue abrir a mente e ver que a mulher não precisa seguir padrões para ser considerada bonita. Ser gorda não impede uma mulher de ser linda e atraente, mas a mulher gorda sofre extremamente com tal realidade, desde a dificuldade que enfrenta para encontrar roupas no seu tamanho até a competição com uma magra por um emprego. É vergonhoso e infeliz o quão cruel a sociedade pode ser com quem foge aos padrões de beleza. Todos os dias, diferentes mulheres que não se encaixam nos padrões, sofrem preconceitos, são vitimas de insultos e levam desvantagem somente por não estarem na “medida certa”.
Em 2011, o artista Bakalia criou uma Barbie plus size. Muitas marcas de roupas e revistas aderiram ao polêmico modelo plus size, lançando campanhas com modelos gordinhas e criando roupas especiais para a maioria das mulheres. Essa inovação gerou controvérsias e muitas pessoas rejeitaram a criação de Bakalia, a Barbie gordinha não agradou todo mundo e recebeu duras criticas, tais quais: “ninguém é gordo naturalmente, isso mandaria uma mensagem para as meninas de que é OK não ser saudável”;“Barbie não precisa de queixo duplo. Você pode ser plus size sem ter esse queixo”; “nem gorda, nem muito magra, por uma Barbie saudável”. É um grande equivoco achar que “só é gorda quem quer”, emagrecer é um processo que depende de cada organismo e de outros fatores externos que influenciam. Ser magra não significa ter um ótimo atestado de saúde.
As mulheres são diferentes, podem ser altas, baixas, gordas, magras, de todas as formas e tamanhos e não há nada de errado em fugir do padrão, assim como segui-lo. Toda mulher deveria simplesmente amar seu corpo. A beleza é tão somente uma contemplação subjetiva e relativa, não deveria ser enquadrada em padrões que excluem e discriminam. Pode ser clichê, mas é legítimo: bonita é ser você.
Referência
¹ KUHN, Rolf. Em: HUISMAN, Denis (dir.). Dicionário dos filósofos. 2 v. São Paulo: Martins Fontes, 2001.p. 123
Autora
Amanda Nunes é estudante de comunicação social, apaixonada por livros, música e cinema. E, feminista, claro.
domingo, 16 de março de 2014
Marcha de reacionários prega o golpe e ressuscita a vivandeira de quartel
Por Davis Sena Filho — Blog Palavra Livre
Desde sempre os coxinhas detestam a democracia e a igualdade de direitos e oportunidades.
É sempre assim: a direita tem memória curta. Por conveniência e cinismo, é claro. Raramente vence as eleições presidenciais por intermédio do voto. É histórico. E, no decorrer do tempo, apela para a farsa, a manipulação, a mentira, até conseguir causar uma enorme confusão na sociedade, e, inapelavelmente, partir para a violência, o crime político e a ilegalidade constitucional, na forma de golpe, porque o que interessa ao reacionário é desestabilizar a democracia brasileira, que se alicerça no estado democrático de direito garantido pela Constituição de 1988.
Processo similar de desestabilização política aconteceu antes do golpe civil-militar de 1º de abril de 1964 — o Dia da Mentira ou do Mentiroso. E não é que, após 50 anos, ou seja, um tempo de meio século, os herdeiros e viúvas da ditadura, as vivandeiras de quartéis e os novatos de direita, conhecidos também como coxinhas ou rola-bostas, resolvem marcar para o próximo dia 22 de março, em São Paulo (sempre São Paulo!), a reedição da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, acontecida em 1964?
Seria cômica se não fosse trágica e perigosa, porque uma marcha com tal conteúdo tétrico ou sombrio realmente tem de ser denunciada e explicada, primeiramente para Deus, que, certamente, não aprova golpes e o que advém deles, como exílios, torturas e mortes, e depois explicar àquelas pessoas que, porventura, não sabem ou não compreendem como pode acabar uma marcha de conotação política reacionária, conservadora e realizada por grupos que tem profunda rejeição pela democracia e também pela igualdade de oportunidades e de direitos para todos os brasileiros, independente de raça, credo, sexo, ideologia, naturalidade e classe social.
A marcha dos radicais histéricos, dos apopléticos e dos bate-paus de direita, todos aqueles que se sentem bem com as injustiças sociais perpetradas durante séculos por uma das “elites” mais perversas da humanidade e responsável por quase quatro séculos de escravidão. Os "intervencionistas" (metáfora para golpistas) que desejam a volta para o passado de ditadura, que assombra as instituições democráticas e causa repulsa aos brasileiros que acreditam na democracia, forma de governo imperfeita, mas que permite a autodeterminação política dos povos por meio de eleições diretas e do respeito ao jogo democrático.
Contudo, essa gente não tem jeito, recusa-se a aprender, mesmo aqueles que nasceram após o golpe de estado, mas que por índole e instinto possuem uma incrível capacidade para reagir contra tudo aquilo que possa inserir a maioria da sociedade em um processo de bem-estar social. Desrespeitam as instituições republicanas e se insurgem contra os governos populares liderados no passado por Getúlio, Juscelino, Jango e Lula, bem como atualmente fazem uma oposição desleal, de essência golpista, que visa, sobretudo, violar as leis e, por conseguinte, preparar o terreno pré-eleitoral para favorecer os candidatos conservadores, os fundamentalistas de direita e do mercado, que não suportariam ficar mais quatro anos fora do poder federal, pois a direita sabe que, por intermédio do voto, não vai ser autorizada pelo povo para sentar na cadeira da Presidência da República. Ponto!
Os reacionários querem, na verdade, que a roda da história gire para trás. São essencialmente revoltados e ferozes, mesmo os que vivem bem e ganharam muito dinheiro com os governos trabalhistas de Lula e Dilma. São pessoas que têm suas necessidades supridas. São raivosos, exasperados, exaltados e tratam com intolerância os que pensam diferente deles, porque portadores de todo tipo de preconceito, “valores” e “princípios” que aprenderam no decorrer de suas vidas, por meio de grupos sociais dos quais fazem parte, e, evidentemente, através de seus familiares e antepassados.
Por sua vez, todas as pessoas, entidades e governos que eles consideram que possam mexer com seus mundinhos egoístas, tacanhos e, ridiculamente, sectários eles atacam sem dó e piedade. E por quê? Porque o reacionário não quer dividir, democratizar e muito menos permitir que a casta a qual ele pertença ou almeja pertencer possa um dia ter de conviver com as classes sociais que essa gente de caráter demoníaco considera inferior e, consequentemente, sem direito a ter direitos, bem como melhorar um pouco de vida.
O conservador, o coxinha é aquele sujeito que considera normal a injustiça praticada por homens e mulheres com poder econômico e político, que controlam o sistema acadêmico, financeiro e de produção. Por isso, ele acha justo excluir, pois dessa forma, conforme sua cabeça retrógrada e psicótica, vai sempre ter a oportunidade de acumular riquezas e benefícios, sem se importar, de forma alguma, com o preço da dor e da necessidade do restante da sociedade.
Exatamente dessa forma que o reaça funciona. Conheço vários, homens e mulheres, muitos deles pessoalmente educados e até parcimoniosos, mas quando se trata de falar sobre questões políticas e econômicas quando tange à distribuição de renda e aos direitos de cidadania, transformam-se rapidamente, seus olhos saem de suas órbitas, impacientes e intolerantes se tornam, e aquele sujeito de fala mansa e de expressão corporal moderada sai da condição de Dr. Jekyll para a de Mr. Hyde — o Médico e o Monstro. Acontece, incrivelmente, a metamorfose inesperada — imponderada.
Em 1964, grupos retrógrados e reacionários integrantes de partidos, da ala da Igreja Católica conservadora, instituições públicas e privadas, além da classe média tradicional, realizaram a “marcha dos que querem tudo para eles e nada para os outros”. Porque, se pararmos para pensar, a direita se importa mesmo é com o acúmulo de dinheiro e de patrimônio. Ponto! Por isso que é tão fácil para ela se mobilizar, porque sua essência não é social e muito menos voltada ao debate sobre as questões de um país. A direita é prática e pragmática, porque só tem responsabilidade consigo e não com a sociedade.
À direita basta o poder de compra do dinheiro, no que concerne a acumulá-lo, aumentá-lo e a possuir bens materiais e patrimoniais. Por isto e por causa disto é muito difícil vencê-la, pois o direitista se agrega com facilidade, além de ter caráter bastante agressivo, porém, de pensamento simplório e filosoficamente simples. Não é fácil enfrentar a direita, porque ela controla as empresas e as terras, além de ser proprietária de um canhão midiático que propaga seus interesses ao tempo que combate, sem trégua, todo político ou cidadão, instituição e até mesmo empresa que, porventura, não leia por sua cartilha.
A Marcha da Família com Deus pela Liberdade é uma excrescência histórica e que vai ser relembrada e reeditada no dia 22, na Praça da República e seu trajeto termina na Catedral da Sé. Termina apenas seu trajeto, mas, na memória de milhões de brasileiros, tal itinerário da caminhada draconiana, vampiresca durou o tempo de 21 anos, quando, enfim, foi inaugurada a Nova República, com a ascensão e morte de Tancredo Neves e a posse de José Sarney assegurada pelo deputado e presidente da Câmara e da Constituínte, deputado Ulysses Guimarães.
A marcha de direita e da direita é moralista e, como a do passado, se edifica em um moralismo tirânico e sem sentido; e, o pior, em nome da democracia e, de forma genérica, “contra a corrupção”. E deu no que deu: fechamento do Congresso Nacional e extinção de partidos políticos, censura da imprensa, demissões, aposentadorias forçadas, perseguições a empresários e servidores públicos que não apoiaram o golpe de estado, prisões sem mandados, exílios, torturas e assassinatos. Tudo em nome da família, de Deus e, pasmem: da liberdade!
Estou acostumado a ler mensagens que me enviam a afirmarem que os governos populares e democráticos de Lula e Dilma são ditaduras. Um absurdo. Esse pessoal não sabe o que é uma ditadura. Pelo menos parte dele, que nasceu após 1964 e, obviamente, por ser nova não percebia com exatidão o que acontecia no Brasil. A outra parte dessa gente sabe o que é uma ditadura e apenas diz que os governos do PT são ditaduras por má-fé, porque, na verdade, algumas dessas pessoas são favoráveis a um regime de força e digo até que têm perfis fascistas, até porque neste mundo há gosto para tudo, inclusive ser um direitista mentiroso e que age com má-fé intelectual e política.
Sem sombra de dúvida é uma evidência que essas pessoas que vão marchar em nome da família, de Deus e pela liberdade, de forma totalmente equivocada e perversa, querem mesmo é que se repita no Brasil o golpe civil-militar de 1964. Muitos dos organizadores dessa marcha ou simplesmente os que a apoiam falam em “intervenção militar”, e, na maior desfaçatez, tentam explicar o inexplicável, justificar o injustificável e defender o indefensável de que a intervenção de militares não é golpe.
Se essas pessoas golpistas e direitistas tivessem que pintar suas caras de paus com verniz, certamente faltaria o produto no comércio, porque são milhares e milhares de pessoas e por isso não daria tempo para a indústria fabricar verniz para atender tal demanda. Todavia, milhões de brasileiros votam na esquerda, mesmo se a maioria nem saiba o que significa ser de direita ou de esquerda. Porém, o cidadão médio ou pobre deste País sabe que sua vida mudou e para melhor, bem como tem a compreensão que os responsáveis pelas melhorias foram os governos populares de Lula e Dilma Rousseff. Ponto!
O reacionário, além de cúmplice, é submisso às ditaduras e odeia a pessoa que não se submete ou discorda ou questiona o regime de força e, por seu turno, antidemocrático. São os coxinhas, os novatos, por instinto, e os veteranos, por nostalgia, que emergem do pântano de um passado recente que deixou como herança a violência, a censura e a perseguição àqueles que ousaram discordar de uma ditadura corrupta, sanguinária, que controlava, inclusive, o Poder Judiciário — o Supremo Tribunal Federal, que apenas ratificava o que os generais decidiam.
Entretanto, com o passar do tempo e a consolidação da democracia brasileira, a direita partidária perdeu espaço e foi derrotada três vezes em eleições presidenciais. É de mais para os reacionários; e por causa disso partidos conservadores e de oposição, a exemplo do PSDB, do DEM e do PPS, dentre outros, têm contado com o apoio incondicional da imprensa de negócios privados controlada por meia dúzia de magnatas bilionários, que tentam pautar a vida brasileira, bem como influenciar nas eleições presidenciais desde quando Lula foi derrotado por Collor em 1989, além de, evidentemente, terem apoiado e se beneficiado do golpe de 1964.
Porém, o que mais chama a atenção dos “marchadores” do dia 22 de março, em São Paulo (Sempre São Paulo!), é a irresistível vontade dessa gente de reescrever a história, a vocação cretina, manipulada e dissimulada para o revisionismo barato, pois “acreditam” que a ditadura civil-militar foi um processo “democrático” cujo propósito era salvar a democracia dos comunistas e sindicalistas "comedores de criancinhas" quando a verdade é que o golpe ilegal, inconstitucional e criminoso foi um movimento orquestrado pela direita empresarial e militar brasileira apoiada pela CIA do governo de John Fitzgerald Kennedy.
Calaram o Brasil à força. Mataram, roubaram e censuram a divulgação dos crimes. Arrebentaram com a ordem constitucional e para isso rasgaram a Constituição por intermédio de atos discricionários como o foram os atos institucionais e a Lei de Segurança Nacional (LSN) imposta a todos os brasileiros para que se calassem, não se movessem e não reagissem a um regime pária e que não tinha a autorização da grande maioria do povo brasileiro para vicejar e existir. Tanto que acabou derrotado e desmoralizado por si próprio, em 1984, com as Diretas Já! e a vitória de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, no ano seguinte.
A Marcha da Família com Deus e pela Liberdade é uma farsa e uma chacota sem graça organizada por pessoas que não conseguem viver dentro da legalidade democrática e muito menos conviver com a diferença e a pluralidade social e cultural. São pequenos mussolinis travestidos de democratas, mas que pedem pela intervenção militar. A marcha é a tentativa de um estupro na democracia, realizado por pessoas de má-fé política, alienados e analfabetos políticos e por direitistas que sabem o que querem: a volta da ditadura e o fim do estado democrático de direito garantido pela Constituição de 1988. A marcha dos reacionários prega o golpe e ressuscita as vivandeiras de quartéis. É isso aí.
quinta-feira, 13 de março de 2014
GOLPE DE 64: REVOLUÇÃO PARA QUEM?
Para os que tramaram e derrubaram João Gloulart para garantir os interesses americanos no país, com o apoio dos mesmos que hoje criticam as medidas dos governos petistas pelo fim das desigualdades sociais no Brasil e na América Latina
Há 50 anos o Brasil passou por uma experiência nefasta, que atrasou por décadas o desenvolvimento social do país e as reformas em andamento em 1964.
Neste mês, alguns cidadãos reunidos em clubinhos e sites de extrema direita devem estar se preparando para comemorar o 31 de março, sem perceber que pra eles só resta a lata de lixo da história. Neste momento é necessário deixar claro: revolução de 64 é denominação da direita. Para nós, o que aconteceu foi um golpe militar-civil, que durante 21 anos pisoteou a Nação.
Que continuem hoje a babar e a estrebuchar, conspirando contra os governos petistas eleitos democraticamente. Enquanto os cães ladram a caravana do avanço social, político e econômico não pára.
Num momento em que a mídia comercial só fala em mensalão e numa crise na qual torcem que o Brasil caia, é interessante relembrar que o golpe de 64 foi o maior mensalão de todos os tempos, bem como abriga similaridades impressionantes entre o ontem e o hoje.
Documentos inéditos e oficiais, amparados em depoimentos de acadêmicos norte-americanos e brasileiros, revelam como, sob o pretexto do avanço comunista em Cuba, no Brasil e na América Latina, os Estados Unidos vieram ao Brasil e compraram, literalmente, deputados, senadores, governos estaduais e, acima de tudo, meios de comunicação, para participar da estratégia americana de derrubar o governo João Goulart e os avanços sociais que ele representava.
Baseado em vasto material a respeito, Camilo Tavares, filho de um exilado político da ditadura, o jornalista Flávio Tavares, dirigiu um dos mais sérios documentários sobre a questão: O Dia que durou 21 anos, de 2011, produção da TV Brasil que tem como ponto de partida a crise provocada pela renúncia do presidente Jânio Quadros, em agosto de 1961, até o ano de 1969, com osequestro do então embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Charles Burke Elbrick.
Na década de 60, empresas norte-americanas concessionárias de serviços como energia ou telefonia tinham suas concessões vencendo, em um quadro onde não tinham cumprido as exigências do Brasil para que se instalassem definitivamente aqui. Era direito do governo brasileiro, portanto, renová-las ou não. Mas os norte-americanos, obviamente, não aceitariam um não como decisão.
As televisões norte-americanas, de então, apresentavam longos programas sobre o risco de o Brasil se insurgir contra seus interesses. E alertavam que “para onde o Brasil for a América Latina irá junto”.O próprio presidente Kennedy falava abertamente aos americanos que seu governo “não aceitaria” uma decisão eleitoral do povo brasileiro que contrariasse os interesses dos EUA..
A estratégia norte americana era ampla. Tentaram comprar o povo brasileiro – e os de outros países da América Latina – despejando na região quantidades imensuráveis de dinheiro através de um programa que intitularam “Aliança para o Progresso”.
Sob recomendação do embaixador norte americano no Brasil, Lincoln Gordon, os Estados Unidos decidiram também que era necessário organizar as forças militares e políticas contra o governo e realizar uma campanha de “enfraquecimento” e de “desestabilização” do governo federal. Para esse fim, a arma mais importante foi a imprensa.
Veículos como os jornais O Estado de São Paulo e O Globo, receptáculos de quantidades inconcebíveis de dólares desembolsados pelos Estados Unidos, passaram a fazer campanha anticomunista relatando os “horrores” da União Soviética, de Cuba, etc, e afirmando que o mesmo estava prestes a acontecer no Brasil. Parlamentares beneficiados passaram a votar no Congresso como queria o presidente… dos Estados Unidos.
Os recursos chegavam aos destinatários por meio de uma trama criminosa. O distribuidor ianque, que corrompeu a imprensa, parlamentares e governadores de Estado como Carlos Lacerda, chamava-se Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais (IPES). Escritórios dessa agência do golpe foram abertos em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Porto Alegre, onde agiam, ampla e abertamente.
O combate midiático aos governos petistas e ao tamanho do Estado que se vê hoje era a mesma tática utilizada em 1964. Esses veículos passaram a verter, dia após dia, acusações e críticas de “descalabro administrativo” e de “corrupção” contra o governo brasileiro. Não passava um único dia sem que inúmeras matérias nesses veículos, entre outros, fossem despejadas sobre a população.
Informações falsas ou manipuladas eram plantadas na mídia, que, como hoje, pouco admitia opiniões divergentes ou dava destaque a desmentidos. E, quando o fazia era de forma totalmente desproporcional. Sem falar que muitos assuntos eram simplesmente vetados.
A grande mídia de então inundava com propaganda contra o governo, cinemas, jornais, rádios, novelas. Não havia como escapar de coberturas como as que o Jornal Nacional fez diariamente contra o governo Lula e continua fazendo contra o governo Dilma.
Qualquer semelhança com o que se passa hoje não é mera coincidência.No Brasil de hoje, a luta das elites contra a reforma agrária, a campanha para provar que em breve viveremos um apagão energético, que a inflação está fora do controle ou que o crescimento está abaixo do esperado, fazem parte da estratégia da direita para manter seus privilégios, onde quer que seja que eles se fundamentem ou se encontrem.
A defesa feita hoje pelos governos petistas de aproximação com países como Cuba, Venezuela, Equador, Argentina, Uruguai, etc e de integração latino americana como única saída para o desenvolvimento e a eliminação da pobreza no continente é criticada pela imprensa de direita assim como foi à época dos ex-presidentes Janio Quadros e João Goulart.
Dentro de um programa de desenvolvimentismo, a Política Externa Independente (PEI) – nome pelo qual ficou conhecida a política externa dos governos de Jânio Quadros e João Goulart – tinha como princípio básico uma atuação independente frente à bipolaridade EUA-URSS existente na época, visando proporcionar ao Brasil os benefícios de uma ampliação do comércio internacional. Este posicionamento era inaceitável paro o governo americano.
O mesmo ocorre hoje em relação à posição do governo brasileiro de decidir pelo financiamento da construção do Porto de Mariel, em Cuba, onde trabalharão conjuntamente centenas de empresas brasileiras e chinesas, criando empregos para brasileiros, gerando divisas para o país, desenvolvendo a região e aumentando o comercio com a China, o gigante dos Brics.
Segundo San Tiago Dantas, chanceler do período parlamentarista do governo João Goulart, “a instabilidade das instituições democráticas no hemisfério (...) tem origem no subdesenvolvimento econômico (...) Se quisermos acautelar a democracia americana dos riscos políticos que a ameaçam, nossas atenções terão de concentrar-se em medidas de promoção do desenvolvimento e da emancipação econômica e social.
Em artigo para a revista Foreign Affairs expondo a nova política externa do desenvolvimentismo, ou seja, a adoção de uma política exterior que pudesse fomentar o desenvolvimento econômico do país e da América Latina, Quadros afirma que “(...) nossa situação econômica coincide com o dever de formar uma frente unida na batalha contra o subdesenvolvimento e todas as formas de opressão”.
O ex-presidente João Goulart, cujos restos mortais estão sendo analisados por dois laboratórios internacionais para definir sua causa mortis, preferiu partir para o exílio porque não queria derramamento de sangue em seu país. Documentos oficiais americanos indicam que navios da frota americana foram posicionados nas costas brasileiras, próximos ao Espírito Santo, numa operação denominada Brother Sam, para o caso de haver resistência interna por setores do exercito brasileiro ou da sociedade civil.
Cinquenta anos depois, quando Lula, Dilma, Chavez, Mujica dentre outros dizem a mesma coisa, que os países da América Latina só serão grandes nações se se unirem e acabarem com a desigualdade social, são criticados pelos mesmos grupos de comunicação que ajudaram a derrubar Goulart, que chamavam a reforma agrária de coisa de comunistas, que defendiam e continuam defendendo os interesses das oligarquias, do sistema financeiro, das elites nacionais e das multinacionais instaladas no país. Só não vê quem não quer.
domingo, 9 de março de 2014
Sete lições que já deveríamos ter aprendido sobre o golpe de 1964 e sua ditadura
Há 50 anos, o Brasil foi capturado pela mais longa, mais cruel e mais tacanha ditadura de sua história.
Meio século é mais que suficiente tanto para aprendermos quanto para esquecermos muitas coisas.
É preciso escolher de que lado estamos diante dessas duas opções.
1ª. LIÇÃO: AQUELA FOI A PIOR DE TODAS AS DITADURAS
No período republicano, o Brasil teve duas ditaduras propriamente ditas. Além da de 1964, a de 1937, imposta por Getúlio Vargas e por ele apelidada de "Estado Novo".
A ditadura de Vargas durou oito anos (1937 a 1945). A ditadura que começou em 1964 durou 21 anos.
Vargas e seu regime fizeram prender, torturar e desaparecer muita gente, mas não na escala do que ocorreu a partir de 1964.
Os torturadores do Estado Novo eram cruéis. As sessões descritas no livro "Olga", de Fernando Morais, doem só de ler.
Mas nada se compara em intensidade e em profissionalismo sádico ao que se vê nos relatos colhidos pelo projeto "Brasil, nunca mais" ou, mais recentemente, pela Comissão da Verdade.
Em qualquer aspecto, a ditadura de 1964 não tem paralelo.
2ª. lição: QUALIFICAR A DITADURA SÓ COMO “MILITAR” ESCAMOTEIA O PAPEL DOS CIVIS
Foram os militares que deram o golpe, que indicaram os presidentes, que comandaram o aparato repressivo e deram as ordens de caçar e exterminar grupos de esquerda.
Mas a ditadura não teria se instalado não fosse o apoio civil e também a ajuda externa do governo Kennedy.
O golpismo não tinha só tanques e fuzis. Tinha partidos direitosos; veículos de imprensa agressivos; empresários com ódio de sindicatos; fazendeiros armados contra Ligas Camponesas, religiosos anticomunistas. Todos tão ou mais golpistas que os militares.
Sem os civis, os militares não iriam longe. A ditadura foi tão civil quanto militar. Tinha seu partido da ordem; sua imprensa dócil e colaboradora; seus empresários prediletos; seus cardeais a perdoar pecados.
3ª. LIÇÃO: NÃO HOUVE REVOLUÇÃO, E SIM REAÇÃO, GOLPE E DITADURA
Ernesto Geisel (presidente de 1974 a 1979) disse a seu jornalista preferido e confidente, Elio Gaspari, em 1981:
"O que houve em 1964 não foi uma revolução. As revoluções fazem-se por uma ideia, em favor de uma doutrina. Nós simplesmente fizemos um movimento para derrubar João Goulart. Foi um movimento contra, e não por alguma coisa. Era contra a subversão, contra a corrupção. Em primeiro lugar, nem a subversão nem a corrupção acabam. Você pode reprimi-las, mas não as destruirá. Era algo destinado a corrigir, não a construir algo novo, e isso não é revolução".
Quase ninguém usa mais o eufemismo “revolução” para se referir à ditadura, à exceção de alguns remanescentes da velha guarda golpista, que provavelmente ainda dormem de botinas, e alguns desavisados, como o presidenciável Aécio Neves, que recentemente cometeu a gafe de chamar a ditadura de “revolução” (foi durante o 57º Congresso Estadual de Municípios de São Paulo, em abril de 2013).
Questionado depois por um jornal, deu uma aula sobre o uso criterioso de conceitos: “Ditadura, revolução, como quiserem”.
A ditadura foi uma reação ao governo do presidente João Goulart e à sua proposta de reformas de base: reforma agrária, política e fiscal.
4ª. LIÇÃO: A CORRUPÇÃO PROSPEROU MUITO NA DITADURA
Ditaduras são regimes corruptos por excelência. Corrupção acobertada pelo autoritarismo, pela ausência de mecanismos de controle, pela regra de que as autoridades podem tudo.
A ditadura foi pródiga em escândalos de corrupção, como o da Capemi, justo a Caixa de Pecúlio dos Militares. As grandes obras, ditas faraônicas, eram o paraíso do superfaturamento.
Também ficaram célebres o caso Lutfalla (envolvendo o ex-governador Paulo Maluf, aliás, ele próprio uma criação da ditadura) e o escândalo da Mandioca.
5ª. LIÇÃO: A DITADURA ACABOU, MAS AINDA TEM MUITO ENTULHO AUTORITÁRIO POR AÍ
O Brasil ainda tem uma polícia militar que segue regulamentos criados pela ditadura.
A Polícia Civil de S. Paulo, em outubro de 2013, enquadrou na Lei de Segurança Nacional (LSN) duas pessoas presas durante protestos.
A tortura ainda é uma realidade presente, basta lembrar o caso Amarildo.
Os corredores do Congresso ainda mostram um desfile de filhotes da ditadura - deputados e senadores que foram da velha Arena (Aliança Renovadora Nacional, que apoiava o regime).
6ª. LIÇÃO: BANALIZAR A DITADURA É ACENDER UMA VELA EM SUA HOMENAGEM
Há duas formas de se banalizar a ditadura. Uma é achar que ela não foi lá tão dura assim. A outra é chamar de ditadura a tudo o que se vê de errado pela frente.
O primeiro caso tem seu pior exemplo no uso do termo "ditabranda" no editorial da Folha de S. Paulo de 17 de fevereiro de 2009.
Para a Folha de S. Paulo, a última ditadura brasileira foi uma branda (“ditabranda”), se comparada à da Argentina e à chilena.
A ditadura brasileira de fato foi diferente da chilena e da argentina, mas nunca foi “branda”, como defende o jornal acusado de ter emprestado carros à Operação Bandeirantes, que caçava militantes de grupos de esquerda para serem presos e torturados.
Como disse a cientista política Maria Victoria Benevides, que infâmia é essa de chamar de brando um regime que prendeu, torturou, estuprou e assassinou?
A outra maneira de se banalizar a ditadura e de lhe render homenagens é não reconhecer as diferenças entre aquele regime e a atual democracia. Para alguns, qualquer coisa agora parece ditadura.
A proposta de lei antiterrorismo foi considerada uma recaída ditatorial do regime dos “comissários petistas” e mais dura que a LSN de 1969. Só que, para ser mais dura que a LSN de 1969, a proposta que tramita no Congresso deveria prever a prisão perpétua e a pena de morte.
O diplomata brasileiro que contrabandeou o senador boliviano Roger Pinto Molina para o Brasil comparou as condições da embaixada do Brasil na Bolívia à do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), a casa de tortura da ditadura.
Para se parecer com o DOI-CODI, a Embaixada brasileira em La Paz deveria estar aparelhada com pau de arara, latões para afogamento, cadeira do dragão (tipo de cadeira elétrica), palmatória etc.
Banalizar a ditadura é como acender uma vela de aniversário em sua homenagem.
7ª. LIÇÃO: JÁ PASSOU DA HORA DE PARAR COM AS HOMENAGENS OFICIAIS DE COMEMORAÇÃO DO GOLPE
Por muitos e muitos anos, os comandantes militares fizeram discursos no dia 31 de março em comemoração (isso mesmo) à “Revolução” de 1964.
A provocação oficial, em plena democracia, levou um cala-a-boca em 2011, primeiro ano da presidência Dilma. Neste mesmo ano também foi instituída a Comissão da Verdade.
A referência ao 31 de março foi inventada para evitar que a data de comemoração do golpe fosse o 1º. de abril – Dia da Mentira.
A justificativa é que, no dia 31, o general Olympio Mourão Filho, comandante da 4ª Região Militar, em Minas Gerais, começou a movimentar suas tropas em direção ao Rio de Janeiro.
Se é assim, a Independência do Brasil doravante deve ser comemorada no dia 14 de agosto, que foi a data em que o príncipe D. Pedro montou em seu cavalo para se deslocar do Rio de Janeiro para as margens do Ipiranga, no estado de São Paulo.
A palavra golpe tem esse nome por indicar a deposição de um governante do poder. No dia 1º. de abril, João Goulart, que estava no Rio de Janeiro, chegou a retornar para Brasília. Em seguida, foi para o Rio Grande do Sul e, depois, exilou-se no Uruguai mas só em 4/4/1964. Que presidente é deposto e viaja para a capital um dia depois do golpe?
O Almanaque da Folha é um dos tantos que insistem na desinformação:
“31.mar.64 — O presidente da República, João Goulart, é deposto pelo golpe militar”. Entende-se. Afinal, trata-se do pessoal da ditabranda.
O que continua incompreensível é o livro “Os presidentes e a República”, editado pelo Arquivo Nacional, sob a chancela do Ministério da Justiça, trazer ainda a seguinte frase:
“Em 31 de março de 1964, o comandante da 4ª Região Militar, sediada em Juiz de Fora, Minas Gerais, iniciou a movimentação de tropas em direção ao Rio de Janeiro. A despeito de algumas tentativas de resistência, o presidente Goulart reconheceu a impossibilidade de oposição ao movimento militar que o destituiu”.
De novo, o conto da Carochinha do 31 de março.
Ainda mais incompreensível é o livro colocar as juntas militares de 1930 e de 1969 na lista dos presidentes da República.
A lista (errada) é reproduzida na própria página da Presidência da República como informação sobre os presidentes do Brasil.
Nem os membros das juntas esperavam tanto. A junta governativa de 1930 assinava seus atos riscando a expressão “Presidente da República”.
No caso da junta de 1969, o livro do Arquivo Nacional diz (p. 145) que o Ato Institucional nº. 12 (AI-12) "dava posse à junta militar" composta pelos ministros da Marinha, do Exército e da Aeronáutica. Ledo engano.
O AI-12, textualmente: “Confere aos Ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar as funções exercidas pelo Presidente da República, Marechal Arthur da Costa e Silva, enquanto durar sua enfermidade”. Oficialmente, o presidente continuava sendo Costa e Silva.
Há outro problema. Uma lei da física, o famoso princípio da impenetrabilidade da matéria, diz que diz que dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço ao mesmo tempo – que dirá três corpos.
Não há como três chefes militares ocuparem o mesmo cargo de presidente da República. Que república no mundo tem três presidentes ao mesmo tempo?
O que os membros da Junta de 1969 fizeram foi exercer as funções do presidente, ou seja, tomar o controle do governo. O AI-14/1969 declarou o cargo oficialmente vago, quando a enfermidade de Costa e Silva mostrou-se irreversível.
Os três comandantes militares jamais imaginaram que um dia seriam listados em um capítulo à parte no panteão dos presidentes. A Junta ficaria certamente satisfeita com a homenagem honrosa e, definitivamente, imerecida.
Que história, afinal, estamos contando?
Uma história que ainda não faz sentido.
Uma história cujas lições ainda nos resta aprender.
(*) Antonio Lassance é cientista político.
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