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sábado, 30 de janeiro de 2016

Mino Carta e os barões da mídia: Além do triplex que não é do Lula, vamos falar dos iates, dos jatinhos e do Rolls-Royce que ele não tem

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Eles são sócios-fundadores do Instituto Millenium, o IPES/IBAD do século 21




Editorial

Isto não é jornalismo

O comportamento da mídia nativa é o sintoma mais preciso da decadência do Brasil


Não é difícil entender que a casa-grande está apavorada com a possibilidade do retorno de Lula à Presidência

Incomodavam-me, em outros tempos, os sorrisos do sambista e do futebolista. Edulcorados pela condescendência de quem se crê habilitado à arrogância. Superior, com um toque de irônica tolerância. Ou, por outra: um sorriso vaidoso e gabola.

Agora me pergunto se ainda existem sambistas e futebolistas capazes daquele sorriso. Foi, aos meus olhos, por muito tempo, o sinal de desforra em relação ao resto do mundo, a afirmação de uma vantagem tida como indiscutível. Incomodou-me, explico, considerar que a vantagem do Brasil, enorme, está nos favores recebidos da natureza e atirados ao lixo pela chamada elite, que desmandou impunemente.

Quanto ao sambista e ao futebolista, não estavam ali por acaso. Achavam-se os tais, e os senhores batiam palmas. Enxergavam neles os melhores intérpretes do País e no Carnaval uma festa para deslumbrar o mundo.

O Brasil tinha outros méritos. Escritores, artistas, pensadores, respeitabilíssimos. Até políticos. Ocorre-me recordar a programação do quarto centenário de São Paulo, em 1954, representativa de uma metrópole de pouco mais de 2 milhões de habitantes e equipada para realizar um evento que durou o ano inteiro sem perder o brilho.

Lembro momentos extraordinários, a partir da presença de telas de Caravaggio em uma exposição do barroco italiano apresentada no Ibirapuera recém-inaugurado, até um festival de cinema com a participação de delegações dos principais países produtores.

A passar pela visita de William Faulkner disposto a trocar ideias com a inteligência nativa. Não prejudicaram a importância da presença do grande escritor noitadas em companhia de Errol Flynn encerradas ao menos uma vez pelo desabamento do primeiro Robin Hood de Hollywood na calçada do Hotel Esplanada.

A imprensa servia à casa-grande, mas nela militavam profissionais de muita qualidade, nem sempre para relatar a verdade factual, habilitados, contudo, a lidar desenvoltos com o vernáculo. Outra São Paulo, outro Brasil.

Este dos dias de hoje está nos antípodas, é o oposto daquele. A despeito da irritação que então me causava o sorriso do futebolista e do sambista, agora lamento a sua falta, tratava-se de titulares de talentos que se perderam.

Vivemos tempos de incompetência desbordante, de irresponsabilidade, de irracionalidade. De decadência moral, de descalabro crescente.

Falei em 1954: foi também o ano do suicídio de Getúlio Vargas, alvejado pelo ataque reacionário urdido contra quem dava os primeiros passos de uma industrialização capaz de gerar proletariado, ou seja, cidadãos conscientes de sua força, finalmente egressos da senzala.

Não cabe, porém, comparar Carlos Lacerda com os golpistas atuais, alojados na mídia, grilos falantes dos barões, a serviço do ódio de classe. Lacerda foi mestre na categoria vilão, excelente de fala e de escrita.

Os atuais tribunos de uma pretensa, grotesca aristocracia, são pobres-diabos a naufragar na mediocridade. Muitos deles, como Lacerda, começaram na vida adulta a se dizerem de esquerda, tal a única semelhança. Do meu lado, sempre temi quem parte da esquerda para acabar à direita.

Os sintomas do desvario reinante multiplicam-se, dia a dia. Alguns me chamam atenção. Leio, debaixo de títulos retumbantes de primeira página, que o ex-ministro Gilberto Carvalho admitiu ter recebido certo lobista.

Veicula-se a notícia como revelação estarrecedora, e só nas pregas do texto informa-se que Carvalho convidou o visitante a procurar outra freguesia. De todo modo, vale perguntar: quantos lobistas passam por gabinetes ministeriais ao praticar simplesmente seu mister? Mesmo porque, como diria aquela personagem de Chico Anysio, advogado advoga, médico medica, lobista faz lobby.

Outro indício, ainda mais grave, está na desesperada, obsessiva busca de envolver Lula em alguma mazela, qualquer uma serve. Tanto esforço é fenômeno único na história contemporânea de países civilizados e democráticos. Não é difícil entender que a casa-grande está apavorada com a possibilidade do retorno de Lula à Presidência em 2018, mesmo o mundo mineral percebe.

Mas até onde vai a prepotência insana, ao desenrolar o enredo de um apartamento triplex à beira-mar que Lula não comprou? A quem interessa a história de um imóvel anônimo? Que tal falarmos dos iates, dos jatinhos, das fazendas, dos Rolls-Royce que o ex-presidente não possui?

Este não é jornalismo. Falta o respeito à verdade factual e tudo é servido sob forma de acusação em falas e textos elaborados com transparente má-fé. Na forma e no conteúdo, a mídia nativa age como partido político.

domingo, 24 de janeiro de 2016

O velho e o novo





Quando questionado por sustentar ideais de igualdade e justiça social aos 70 anos de idade, o saudoso Plínio de Arruda Sampaio (1930-2014) respondeu: "Ficar velho não é virar velhaco". Há pessoas que, mesmo velhas, permanecem jovens de espírito. Abertas para o novo. E há outros que, mesmo jovens, carregam os medos e preconceitos das velhas gerações. Jovens, mas com o espírito de velhos rançosos. É o caso de Kim Kataguiri, que lidera o MBL (Movimento Brasil Livre) e tornou-se agora colunista deste jornal.

Não é exatamente uma surpresa a Folha tê-lo contratado. A maior parte de seus colunistas é liberal em economia e politicamente conservadora, assim como sua linha editorial. Neste quesito, Kim estará à vontade.

Talvez a surpresa de muitos seja por conta de seu despreparo, mais do que por sua posição política. Difusor de piadas machistas, com discurso repleto de argumentos rasos e com uma prepotência própria de quem ainda não recebeu a notícia, Kim não está qualificado sequer como uma voz coerente da direita.

Mas o que de fato surpreende é ver Kim e seu MBL tratados por alguns como representantes do "novo", do autêntico espírito de revolta da juventude contra a velha política. Na verdade, eles são precisamente o contrário disso.

Há uma percepção cada vez mais ampla de que estamos vivenciando a crise de uma época. De que este sistema político é incapaz de representar as maiorias. De que este modelo econômico só atende aos interesses privilegiados do 1%. Daí uma série de movimentos que nasceram nos últimos anos com ojeriza à velha política e clamando por transformações profundas.

Como o movimento Occupy Wall Street, lançado em Nova York (EUA), que reuniu milhares de pessoas numa ocupação permanente em Manhattan, depois estendida com protestos em várias cidades norte-americanas, contra a ganância desmedida da elite financeira.

Como o 15M, quando o povo indignado espanhol tomou as ruas e praças contra as políticas liberais de austeridade, os despejos em massa por conta das hipotecas "subprime" (segunda linha) e a corrupção da "porta giratória". Dessa energia nasceu o Podemos.

Como também as grandes lutas dos estudantes chilenos por reformas do ensino, que levaram multidões de jovens às ruas contra o modelo liberal-privatista de educação, herança da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990).

Esses ventos também chegaram por aqui: as ocupações de escolas em São Paulo, as lutas contra o aumento das tarifas de transporte e as batalhas cotidianas pelo direito à cidade, nos centros e periferias urbanos, espalhadas pelo Brasil.

Poderíamos falar dos jovens do Ocupe Estelita, em Recife, que se insurgiram contra a especulação imobiliária e a apropriação privada do espaço público. Da resistência negra, no Capão ou em Ferguson (Missouri, nos EUA), que expressa a revolta da juventude contra o extermínio policial. Ou ainda da bela luta das mulheres –as mesmas que Kim comparou a "miojo"– contra os projetos retrógrados do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Aí está o novo. Por esses ares passa o legítimo sentimento de repulsa à velha política, aos seus representantes e privilégios. Defender os mecanismos sociais que produzem desigualdades, a ideologia meritocrática e a repressão a quem luta é o que há de mais velho. É o programa da ordem, sempre a postos para prestar seus serviços à Casa Grande.

Kim é isso: um garoto da ordem. Ergueu-se no rescaldo da crise do petismo, expressando de forma confusa os anseios de uma classe média sem projeto nem visão de país, que –sentindo-se insegura– busca apoio nas bengalas do conservadorismo. As crises fazem surgir o novo, mas também dão roupa nova ao velho.

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

O perigoso Haddad e a Paulista






Estive em São Paulo. Observei várias coisas interessantes desde a saída de Porto Alegre: voos lotados, filas imensas, aeroporto transbordando. Pensei ironicamente: só pode ser a crise. Sei que ela existe e é grave. Bicho está pegando. Fiquei procurando explicação para essa contradição acachapante. Hotel lotado. Saímos com amigos para jantar em São Paulo. Tempo médio de espera numa pizzaria da moda: duas horas. Ouvi a explicação de que a crise não pega parte da classe média. Deve ser isso mesmo.

Estamos bem no fundo do poço.

O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, é perigoso. Desconfio que seja até comunista. Adotou medidas terríveis que desencadearam a ira de parte dos paulistanos. Diminuiu a velocidade dos automóveis nas marginais e com isso aumentou a fluência do tráfego e reduziu o número de acidentes. Um paradoxo. Lesou os paulistanos no sagrado direito diário ao engarrafamento. Foi acusado de estar na contramão da história, de ser bicho-grilo, de odiar carros e de representar o bolivarianismo atrasado e ideológico. Liberou paredes para grafiteiros. Foi atacado por estimular o vandalismo. Está lindo. Dificilmente Haddad será reeleito. É visto por muitos como o pior prefeito do mundo.

Há eleitores que preferem opções mais gabaritadas e com experiência administrativa como João Doria e José Luís Datena, que desistiu ao descobrir, só agora, que o PP não é santo.

Outra atividade assustadora de Fernando Haddad, que pude comprovar pessoalmente, é o fechamento da imponente avenida Paulista aos carros nos domingos para que se transforme em área de lazer. Virou um terrível parque de diversões com ciclistas, mulheres tomando banho de sol, crianças correndo, músicos tocando e cantando, casais dançando, gente caminhando, correndo e pulando.

Mais uma vez, Haddad foi rotulado de anacrônico e ideológico.

O PSDB, sempre tão moderno e racional, entrou na justiça para tentar desbloquear a Paulista. José Serra foi ao local, num domingo de chuva, para demonstrar que é um desperdício fechá-la.

Fiquei com a impressão que Haddad está mal-informado: não sabe que a Paulista é o coração do capitalismo brasileiro e não pode ter tempo morto, salvo se, quem sabe, for cobrado pedágio dos que a ocupam aos domingos para se divertir infantilmente. Chega a ser humilhante ver a Paulista sem engarrafamento, salvo de bicicletas e gente sem camisa. Onde já se viu humanizar o núcleo trepidante da Pauliceia Desvairada! A ideia de reservar a Paulista para lazer aos domingos é tão ridícula que pretende ser copiada por Paris, que quer reservar a luxuosa Champs-Elysées para “promenades dominicales”.

Haddad propôs também a regulamentação do Uber em termos que serão ótimos para todas as partes, começando com uma consulta popular. A Câmara de Vereadores não pretende deixar passar tamanho absurdo. Voltei de São Paulo aturdido. Se eu morasse e votasse lá, Haddad jamais teria o meu voto. É muito perigoso. Deve ser até comunista. Além disso, até pouco tempo era apenas um poste do Lula. Se a capital paulista continuar com administrações desse tipo, a cidade perderá a sua identidade. É visível que está sendo descaracterizada. Um pouco mais e será um lugar habitável.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

“IMPRENSA NÃO MUDOU NADA DESDE CHATEAUBRIAND”

Autor da biografia Chatô, que acaba de ganhar uma nova edição, o jornalista e escritor Fernando Morais faz uma comparação da imprensa atual e a do tempo do magnata das comunicações e observa que, com algumas exceções, ela "continua sendo um instrumento exclusivamente dos interesses econômicos e políticos do dono"



247 – "Na essência", a imprensa de agora "não mudou nada" desde os tempos do magnata das comunicações Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello (1892-1968). A opinião é do jornalista e escritor Fernando Morais, autor da biografia Chatô, que acaba de ganhar uma nova edição. "Continua sendo um instrumento exclusivamente dos interesses econômicos e políticos do dono", diz ele, em entrevista a Nirlando Beirão, da Carta Capital.

"Qual é a diferença que a gente vê entre os impérios midiáticos de hoje e o do Chatô? A personalidade do Chateaubriand. O caráter diabólico que ele tinha. Ao mesmo tempo que era capaz do pior gangsterismo, ele deixou o legado do melhor museu de arte do Hemisfério Sul, o Masp", detalha Morais, lembrando que o empresário também "mandou capar a tiros um sujeito com quem ele tinha uma dívida".

O jornalista concordou que ainda se pratica muito hoje a máxima de que "se a verdade atrapalhar o que se quer dizer, esqueça-se a verdade", destacada pelo repórter. "Muito, muito. E com mais hipocrisia. É o avesso do que deveria ser o jornalismo", comenta.

Leia aqui a íntegra.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Breve tratado da imobilidade urbana



Uma das experiências temporais mais particulares ao Brasil é a repetição. Ela expressa, de maneira quase didática, a resistência imperial do poder à mudança e sua imunidade surda a toda pressão popular. Um dos exemplos privilegiados da força de tal repetição compulsiva diz respeito ao ritual periódico de aumento da tarifa do transporte público. Desde a Revolta do Vintém, lá pelos idos de 1879, a população brasileira sai periodicamente às ruas contra os preços extorsivos das tarifas. Desde aquela época, os governos, sejam eles de que partido forem, respondem à bala.

O resultado final foi muito bem descrito por Lucio Gregori. Gasta-se atualmente 13,5 minutos de um salário médio em São Paulo e no Rio para pagar uma tarifa. Em Paris e Pequim, gasta-se 4,5 minutos e em Buenos Aires gasta-se 2,5 minutos. Esses números resumem bem a irracionalidade de ser obrigado a aceitar um serviço entre os mais caros do mundo e criminosamente ruim. O problema não diz respeito ao aumento de tarifa, mas à aplicação de preços abusivos como se isso fosse uma fatalidade natural e inquestionável.

Quando os transportes públicos foram privatizados, no início dos anos 1990, prometeu-se uma melhoria radical da qualidade e eficiência. De todas as piadas contadas pelo neoliberalismo brasileiro, essa é a mais sem graça. Ao explodirem as manifestações de 2013, descobrimos, por exemplo, que, de 2004 a 2012, a quantidade de passageiros disparou 80% em São Paulo enquanto o número de ônibus em circulação simplesmente caiu de 14.100 para 13.900. O que não poderia ser diferente, já que as empresas privadas de ônibus têm, na verdade, apenas duas funções: fornecer dinheiro para campanhas políticas e rentabilizar seus investimentos. Não é por acaso que um dos brasileiros citados no escândalo das contas milionárias do HSBC suíço era Jacob Barata, o "rei do ônibus" carioca. Enquanto ele transportava a população carioca como quem transporta gado, sua conta crescia.

Já a situação catastrófica de São Paulo é conhecida de todos. A começar pelo metrô, que já ganhou o prêmio da expansão mais lenta do mundo, com atrasos sucessivos enquanto escândalos milionários de corrupção aparecem em tribunais internacionais e o governo paulista finge não ser com ele. No município, a acomodação à mediocridade por parte de um governo que se dizia expressão do "homem novo" fez com que nenhuma proposta de mudança estrutural (tarifa zero, subsídios, bilhete metropolitano, descolamento do preço entre metrô e ônibus, reestatização) fosse sequer realmente discutida.

Diante disso, a população começou uma jornada de manifestações. Temendo que ela possa servir como estopim de um novo 2013, a Polícia Militar colocou em cena suas práticas corriqueiras de banditismo institucionalizado contra manifestantes. Provocações, uso indiscriminado da violência e até mesmo a pérola de colocar explosivos em mochilas de manifestantes para incriminá-los, como vimos em vídeo veiculado na internet. Esta é a polícia paulista: tira selfies com manifestantes que pedem a volta da ditadura militar e joga bomba de gás lacrimogêneo contra populares que pedem uma tarifa de transporte minimamente honesta. No que o secretário de segurança de Alckmin, a ser confrontado com o fato de até mesmo a imprensa internacional ter noticiado o absurdo de transformar São Paulo em palco de batalha campal diante de uma manifestação que transcorria sem violência, respondeu: "A atuação da PM foi exemplar". É verdade, ela foi um belo exemplo do que a polícia realmente é e quem são seus inimigos reais.

Que o leitor permita-me terminar este artigo com um relato pessoal. Quando criança, lembro-me de meu pai levar-me a uma manifestação contra a ditadura militar, em Brasília. Terminamos correndo da polícia e de suas bombas. Nesta terça (12), tive de parar meu trabalho na universidade para correr à manifestação e tirar minha filha, uma adolescente de 16 anos, que tinha sido encurralada com suas amigas pelas bombas da polícia. Como se vê, o tempo do Brasil é o tempo da repetição e da luta desesperada, que passa de uma geração a outra, contra sua teimosa imobilidade.