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quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Che, símbolo da luta humanista e socialista



Por João Pedro Stedile, na revista Caros Amigos:

No dia 9 de outubro, se completam 50 anos do assassinato de Che Guevarra pelas forças do exército boliviano. Ele foi preso, ferido dia 8 de outubro de 1967, e fuzilado no outro dia, por ordens da CIA, na parede externa de uma pequena escola rural, do povoado de La Higuera, município de Valle Grande, Bolivia.

Estive lá nas celebrações do 40 aniversário. Não consegui entender como o Che havia se embrenhado naquelas montanhas a 3, 4 mil metros de altura, despovoadas, sem organização de massa para lhe dar apoio. Hoje, o local parou no tempo e a miséria na região continua igual. Mesmo com um governo popular, podemos constatar que construir uma sociedade igualitária, justa, pós-capitalista é uma missão para décadas de acumulo de forças do povo organizado. Não basta apenas chegar ao governo, como a esquerda se iludiu.

A imagem do Che e seu legado também sempre foram muito polêmicos e manipulados pela esquerda e pela direita. Na esquerda, o estrago maior foi a narrativa do francês Regis Debray, que difundiu um livro equivocado, resumindo as idéias do Che, à ações de heroísmo de um pequeno grupo de destemidos lutadores que adotaram a tática da guerrilha para derrotar os opressores.

Em nenhum país aconteceu isso, muito menos na vitoria do povo cubano em 1959.

O legado de Che é muito mais importante e por isso, passados 50 anos de seu martírio, ele está presente em praticamente todo mundo e em todas as gerações.

Che não foi um aventureiro, guerrilheiro ou herói solitário.

Che viveu com coerência, todos os dias, as idéias que pregou, como declarou sua filha em documentário. Mas alem da coerência, a sua prática de vida nos deixou muitos exemplos. 

Defendeu sempre a necessidade do estudo, para que a juventude, a militância, todos, dominassem os conhecimentos científicos, para podermos resolver mais rápido os problemas do povo e termos uma vida mais lúcida e digna para todos. Repetia a Martí, “Só o conhecimento liberta verdadeiramente as pessoas!”. Defendeu a vida simples e o espírito de sacrifício entre os dirigentes. Ser o primeiro na fila do trabalho e o ultimo na fila dos benefícios. Prática que os dirigentes de partidos de esquerda abandonaram há anos. Defendeu a solidariedade e o internacionalismo. Dizia, “É necessário indignar-se contra qualquer injustiça, praticada contra qualquer pessoa, em qualquer parte do mundo. Se defenderes esse princípio, então somos companheiros”, escreveu a uma guevarra uruguaia, que lhe perguntava se eram parentes.

Participou da revolução cubana e ocupou todos os cargos possíveis,comandante das forças armadas, ministro, presidente do Banco Central. E mesmo assim, optou por sua vocação missionária e foi atuar no Congo, na África e depois na Bolívia.

Ajudou a articular países e governos populares numa frente anti-imperialista, que resultou na organização da OSPAAL.

Em todas suas atividades e gestos, sempre foi um humanista. E via no socialismo apenas um meio das pessoas serem mais justas, mais iguais e mais sábias.

Defendeu idéias polemicas na construção do socialismo cubano, buscando na industrialização e na independência política a forma de resolver mais rápido os problemas do povo.

Tinha apenas 39 anos quando assassinado. Mas parece uma vida de décadas.

Por tudo isso, é que a direita, os capitalistas, lhe devotam tanto ódio, porque sabem que seu legado seguirá influenciando milhões de jovens e trabalhadores. E um dia suas idéias e práticas serão hegemônicas.

sábado, 23 de setembro de 2017

As Forças Armadas não agem contra o 'caos', mas são parte fundamental dele



Talvez não exista momento mais propício do que este para se lembrar da frase de Adorno e Horkheimer, para quem há horas em que não há nada mais estúpido do que ser inteligente. A frase se referia à incapacidade de setores da sociedade alemã de encararem claramente os signos de ascensão do nazismo no começo dos anos 1930 e pararem de procurar explicações sutis e inteligentes sobre a impossibilidade de o pior ocorrer. Dificilmente raciocínio dessa natureza não se aplicaria ao Brasil atual.

De fato, nosso país tem ao menos a virtude da clareza. E foi com a clareza a guiar seus olhos redentores que o general Antonio Hamilton Mourão revelou aos brasileiros que as Forças Armadas têm um golpe militar preparado, que há uma conspiração em marcha a fim de destituir o poder civil. Para mostrar que não se tratava de uma bravata que mereceria a mais dura das punições, o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas descartou qualquer medida e ainda foi à televisão tecer loas a ditaduras e lembrar que, sim, as Forças Armadas podem intervir se o "caos" for iminente.

O "caos" em questão não é a instauração de um governo ilegal e brutalizado saído dos porões das casernas. Ao que parece, "caos" seria a situação atual de corrupção generalizada. Só que alguém poderia explicar à população de qual delírio saiu a crença de que as Forças Armadas brasileiras têm alguma moral para prometer redenção moral do país?

Que se saiba, quando seus pares tomaram de assalto o Palácio do Planalto, cresceram à sua sombra grandezas morais do quilate de José Sarney, Paulo Maluf, Antonio Carlos Magalhães: todos pilares da ditadura. Enquanto eles estavam a atirar e censurar descontentes, o Brasil foi assolado por casos de corrupção como Capemi, Coroa Brastel, Brasilinvest, Paulipetro, grupo Delfin, projeto Jari, entre vários outros. Isso mesmo em um ambiente marcado pela censura e pela violência arbitrária.

De toda forma, como esperar moralidade de uma instituição que nunca viu maiores problemas em abrigar torturadores, estupradores, ocultadores de cadáveres, operadores de terrorismo de Estado, entre tantas outras grandes ações morais? As Forças Armadas brasileiras nunca tomaram distância dessas pessoas, expondo à nação um mea-culpa franco.

Ao contrário, elas os defenderam, os protegeram, até hoje. Que, ao menos, elas não venham oferecer ao país o espetáculo patético de aparecerem à cena da vida pública como defensoras de um renascimento moral feito, exatamente, pelas mãos de imoralistas. As Forças Armadas nunca foram uma garantia contra o "caos". Elas foram parte fundamental do caos.

É verdade que setores da sociedade civil sonham com mais um golpe como forma de esconder o desgoverno que eles mesmos produziram. Há setores do empresariado nacional que articulam abertamente nesse sentido, sonhando como isto não terem que se confrontar mais com uma população que luta pelos seus interesses. Para tanto, eles apelam ao artigo 142 da Constituição de 1988.

Este artigo fora, desde o início, uma aberração legislativa imposta pelos próprios militares. Ele legalizava golpes de Estado, da mesma forma que o artigo 41 da República de Weimar, que versava sobre o estado de emergência, permitiu a ascensão da estrutura institucional do nazismo. Segundo o artigo, se qualquer poder chamar as Forças Armadas para garantirem a ordem, se digamos o sr. Rodrigo Maia fizer um apelo às Forças Armadas porque há "caos" em demasia, o golpe está legalizado. Ou seja, é verdade, nossa Constituição tinha uma bomba-relógio no seu seio. Bomba pronta a explodi-la, como agora se percebe.

Contra essa marcha da insanidade, há de se lembrar que, se chegamos ao ponto no qual um general na ativa pode expor abertamente que conspira contra o poder civil, então cabe àqueles que entendem não terem nascido para serem subjugados pela tirania, que não estão dispostos a abrir mão do resto de liberdade que ainda têm para se submeter a mais uma das infindáveis juntas latino-americanas, prepararem-se para exercer seu mais profundo direito: o direito de resistência armada contra a tirania.

Que os liberais se lembrem de John Locke e de seu "Segundo Tratado sobre o Governo". Que os protestantes se lembrem de Calvino e de sua "Instituição da Religião Cristã". E que o resto se lembre que a liberdade se defende de forma incondicional.