No sábado, voltei para casa ao entardecer. Devido à votação do domingo, os companheiros, educadores populares que moram em cidade do interior do Estado, preferiram organizar os trabalhos de forma a não correr o risco de chegar em casa quando a votação já estivesse encerrada. Meu trajeto de retorno ao lar foi diferente do que fiz nas outras vezes em que estive no extremo sul de São Paulo. Desta vez, passei pelas Nações Unidas e por algum motivo atolei no trânsito lento da Berrini.
Trânsito em pleno sábado à noite! E em meio ao luxo e ao poder concentrados na avenida Luiz Carlos Berrini... Na zona sul vi a indignação e as lágrimas de mulheres que temem pela vida de seus filhos... Ouvi delas que as armas recolhidas nas campanhas de desarmamento, das quais elas mesmas participaram, estariam retornando à zona sul e mantando seus filhos indiscriminadamente... Há denúncias de ações intencionais da polícia pelo extermínio da juventude negra. Há denúncias de ações intencionais da mídia para a criminalização da pobreza. Há exigência moral de que os educadores populares se posicionem a respeito. Há uma guerra civil implícita na cidade de São Paulo.
Novamente o "luxo" e o "lixo" se confrontam abertamente... Não sou tão orgulhosa das minha convicções quanto pode parecer. Ou melhor, minhas convicções não são exatamente as que podem parecer. Acredito que em meio a sistemas antagônicos, lutas de classe, lutas por poder, há algo subjacente. Há o humano, demasiado humano. Há os micropoderes que permeiam todas as relações. Me é estranho, no entanto, a dinâmica, o "sedimento", que une espontaneamente as partes das estruturas que essas relações formam.
Mas há micropoderes nas relações políticas de esquerda, como há micropoderes no capistalismo... E são eles, manifestações da tendência humana para o conflito e o desacordo, que tornam trágicos os dias da civilização. Se no capitalismo a luta pelo poder é aberta, no socialismo ela é oculta, camuflada por ideologias apenas superficialmente vividas. Poucos, raros, transcendem rumo ao "ser mais", a elevação moral e ética que Paulo Freire tão bem indicou. O comum é a adesão ao autoengano, é o mentir para si mesmo antes de mentir para outros, justificando a luta por poder exercida por si com discursos vazios que caem em permanente contradição diante dos próprios atos e escolhas.
Na luta de vida e morte contemporânea, a máxima de Platão ainda é a máxima de todos os tempos: "conhece a ti mesmo"... Sem isso o que temos e teremos são cegos guiando cegos à beira de precipícios. Violência multiplicada por violência nas suas várias formas.
De qualquer maneira, como é frágil a placidez do luxo e da ostentação da Berrini diante da revolta das periferias! Tão frágil como a vida dos pobres e negros dessas periferias... A conquista da Prefeitura pelo Partido dos trabalhadores, apesar do Mensalão, não é nada mais, nada menos, do que o povo dizendo para a grande mídia: "nós não acreditamos mais em vocês; nós vamos resolver os nossos problemas com os nossos; nós vamos fazer as nossas leis".
Há uma guerra civil implícita na cidade de São Paulo... Na convulsão se percebe que a sabedoria está nas massas, não nas elites nem nas vanguardas... Engana-se quem pensa que a massa é alienação inerte... Que observem a força de resistência do amor de uma mãe... É nas massas que está em potência a sabedoria que homens e mulheres de todos os tempos almejam alcançar. Em potência!
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