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segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Francisco Carlos Teixeira desiste da GloboNews por criminalização de movimento social

Para professor da UFRJ, “o jornalismo se esqueceu de narrar a violência cotidiana dentro de trens, ônibus, repartições públicas, hospitais e escolas contra a população trabalhadora do país”


Francisco Carlos Teixeira, professor de História Contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), desistiu da GloboNews, de quem era colaborador. “Eu não posso aceitar e eu não posso estar presente em num processo onde há uma criminalização do movimento social”, afirmou o docente. A declaração foi dada ao programa PCOTV, do Partido da Causa Operária (PCO).

Para Teixeira, “acusação de baderna e vandalismo ela é política, moral e penal, porque na verdade vandalismo é um artigo da Lei 9.072, que está incorporado ao Código Penal”. Portanto, para o professor há uma tentativa de criminalizar o Black Block e esse serviço “não cabe ao jornalista fazer.”

O professor condena a lógica de narração dos fatos da mídia, e aponta erros na cobertura jornalística. “O jornalismo se esqueceu de narrar a violência cotidiana dentro de trens, ônibus, repartições públicas, hospitais e escolas contra a população trabalhadora do país.”


Jorge e Mateus - Logo Eu

domingo, 27 de outubro de 2013

A brecha que o sistema queria


Diante da violência a um policial, não se pode esquecer quem comete a maior delas


por Piero Locatelli 
Manifestantes no parque Dom Pedro II
Na última sexta-feira 25, um militante da fanfarra do M.A.L. tocava com a cara marcada de agressões e um trompete torto. Era o resultado da ação de um grupo de policiais que o haviam cercado, o imobilizado, o jogado no chão e pisoteado sua cara na quarta-feira 23, em protesto no distante bairro do Grajaú.

Naquele mesmo dia, abusos ocorreram quando os manifestantes foram obrigados a entrar na avenida Presidente Kennedy, prensados entre mansões e a represa, sem ter para onde fugir. Lá, ao menos vinte e três militantes foram detidos para averiguação, em claro desrespeito à constituição. Entre outros abusos, um advogado que tentava liberar presos chegou a ser estrangulado por policiais. Ninguém ganhou capas de jornais.

Nesta sexta, o tenente coronel agredido por black blocs, salvo por um P2 (policial à paisana), foi a grande notícia do último protesto da semana de luta pelo transporte público. Ao olhar as notícias e opiniões publicadas, parece que nada mais aconteceu naquele ato. Na lógica da grande mídia, a agressão de um policial vale mais do que dezenas de prisões arbitrárias e agressões contra manifestantes.

Ignorou-se que a mesma policia assistiu de braços cruzados à maior parte da depredação do terminal parque Dom Pedro II. Os 800 policias que acompanhavam o ato esperaram o fim dele para agir com contundência. Instantes depois de um jogral na praça da Sé, os militantes cantavam em clima de festa "violência é a tarifa, fascista é a policia". Foi quando ocorreu uma chuva de gás lacrimogêneo, vinda de todos os lados da praça. Milhares de pessoas tentavam correr dela, sob disparos de balas de borracha, muitas delas sozinhas.

A depredação na região se intensificou, e o medo era a regra pelas estreitas ruas do centro. A partir dali, ocorreu uma série de “detenções para averiguação”. Dos 92 presos, dois foram responsabilizados pela agressão ao policial. Vi pessoas sendo levadas ao hospital, com a perna sangrando após serem atingidas por policiais. Atrás da praça da Sé, manifestantes vomitavam em cima do meio fio graças aos efeitos do gás.

O processo do dia seguinte a este ato lembra o do dia 11 de junho, uma terça-feira, quando os jornais estamparam um policial sangrando, cercado por manifestantes, em uma imagem fora de contexto. Esqueceram dos detidos que passaram os próximos cinco dias sofrendo abusos em presídios simplesmente por estar protestando.

No dia seguinte, o ministro da Justiça José Eduardo Cardozo ofereceu ajuda ao governo estadual com o que fosse necessário. Dois dias depois, o que se viu foi um estado de exceção sem precedentes no centro da cidade. Desta vez, é a própria presidenta Dilma Rousseff que oferece: “o Governo Federal coloca à disposição do Governo de São Paulo o que ele julgar necessário.”

A agressão ao policial lembra o momento em que, na narrativa de Mano Brown em “Diário de um Detento”, presidiários brigam em uma cela. Depois, são usados como desculpa para a invasão do presídio, e o esquecimento dos direito humanos no massacre do Carandiru. Nas palavras de Brown, foi “a brecha que o sistema queria”.

Não se trata aqui de defender a atitude de alguns dos adeptos do black bloc que espancaram o policial. A violência física não é adequada para tratar quem ali exerce a sua profissão, seja ela qual for. A maioria dos policiais não escolheram seu ofício por sadismo, mas pela simples necessidade de salário. Para conter os abusos dessa instituição, acho que vale mais a pena combater a sua própria existência. Além disso, o próprio histórico da tática black bloc não é de agressão às pessoas, mas da destruição de símbolos do capitalismo, entre outras ações. Também é preciso ponderar até que ponto esse tipo de ação direta difusa pode resultar em alguma conquista efetiva.

Mas, independente da discussão sobre a validade da tática dos blocs, a violência cometida pelos policiais, e pelo Estado, é desproporcional àquela cometida pelos ditos vândalos. Ao igualar a violência do opressor com a do oprimido, a opinião publicada mais uma vez dá o aval para a Polícia cometer seus excessos.

sábado, 26 de outubro de 2013

Sociólogo português Boaventura de Sousa Santos: "Dilma tem grande insensibilidade social"

"Dilma tem grande insensibilidade social", diz guru da esquerda

RICARDO MENDONÇA
DE SÃO PAULO


Referência de militantes de esquerda em todo o mundo, o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos diz que há retrocessos em segmentos dos direitos humanos no Brasil e critica a presidente Dilma por demonstrar "insensibilidade social".

Segundo ele, isso fica "ainda mais evidente por conta [...] do estilo Lula, que era de muito mais aproximação com os movimentos sociais".

Para Boaventura, no entanto, Marina Silva (PSB) não representa uma alternativa para a esquerda. Ele diz que sua eleição fortaleceria correntes religiosas conservadoras. Além disso, entende que, na economia, Marina seria um retorno ao que havia antes de de Lula. "Ela é uma cara nova para a direita", afirma.

Boaventura veio ao Brasil para o lançamento de dois livros: "Se Deus fosse um ativista dos direitos humanos" e "Direitos Humanos, democracia e desenvolvimento", o segundo em coautoria com a filósofa Marilena Chaui.
*
Folha - "Se Deus fosse um ativista dos Direitos Humanos" é um título provocador. Sugere que o senhor acredita em Deus. E sugere que Deus poderia dar mais importância para os direitos humanos. É isso?
Boaventura de Sousa Santos - De fato, não. O título é provocador. Eu não me comprometo com a existência de Deus. Sou como Pascal [filósofo francês, 1623-1662]: diria que não temos meios racionais para poder afirmar com segurança se Deus existe ou não. O que podemos é fazer uma aposta: apostar se existe ou se não existe. Como sociólogo, o que penso é que há muita gente que aposta na existência de Deus e que organiza sua vida ao redor disso.
Estamos num momento de fortes movimentos sociais em todo o mundo, com protestos, muita indignação, muita revolta. Alguns desses movimentos trazem no seu interior pessoas e grupos que seguem diferentes religiões. Ou que transformam a religião e a existência de Deus no motivo da ação ou num impulso para a ação. Portanto, eu tive curiosidade de analisar. Esse fenômeno é extremamente ambíguo.
Sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, em entrevista à Folha

Quando surgiu a curiosidade?
Eu já tinha notado desde o Fórum Social Mundial de 2001, onde vi que havia movimentos sociais e organizações de diferentes partes do mundo com vivências religiosas, como a Teologia da Libertação e outros. Tinham uma dinâmica de grupo onde o elemento religioso, espiritual, era forte. Havia movimentos indígenas, para quem o elemento da religiosidade é sempre forte. Essa dimensão do transcendente é que me fascinou, pois eu venho de uma cultura eurocêntrica, que há muito tempo tenho criticado, mas sou filho dela, por assim dizer. Essa cultura tinha resolvido o problema através do que chamamos de secularismo, que é expulsar a religião do espaço público.

A presença da religião na política está crescendo?
A religião nunca saiu verdadeiramente da política. Temos sociedades que são laicas, mas cujos estados não são. É o caso da Inglaterra, por exemplo. E temos sociedades onde a convivência é mais laica do que outras. Tanto assim que hoje a gente faz distinção entre o secularismo e a secularidade. Secularismo é uma atitude mais radical, de deixar que a religião fique exclusivamente no espaço privado, na família, na vida. Secularidade é aquela que permite que haja expressões [religiosas] no espaço público como afirmação da própria liberdade de todos os cidadãos.
Mas é evidente, a gente sabe, a maneira com que a Europa resolveu a questão da separação da igreja e do Estado no século 17, depois de uma guerra enorme, nunca foi uma separação total. A igreja continuou a ter uma grande influência. Foi assim no esforço da colonização. Continuou com grande influência, ainda tem, nas agendas que o papa Francisco disse recentemente que são as agendas da cintura para baixo (risos), acerca das orientações sexuais, aborto, divórcio. Obviamente são questões de interesse público.
O que parece é que a crise do Estado secular trouxe uma maior presença da religião no espaço público. No mundo árabe, no mundo indiano e também no mundo ocidental. Começou a emergir nas televisões religiosas, cada vez mais e sobretudo com as correntes evangélicas e pentecostais. É uma presença pública muito mais forte, mas também um interesse em influenciar a vida pública, a vida dos Congressos, dos parlamentos. É o que acontece hoje no Brasil.

No Brasil isso parece mais evidente a partir da eleição de 2010, quando o assunto chegou a dominar o debate eleitoral. Como tem sido no resto do mundo?
Na Europa não é tão forte quanto aqui ou nos Estados Unidos. Mas encontramos no próprio mundo islâmico, por outro lado, diferentes formas de afirmação religiosa que não são todas fundamentalistas. Algumas são bastante moderadas. Mas que também se recusam a pensar que sua dimensão espiritual e religiosa não têm nada a ver com suas lutas.
Então o mundo hoje é mais diverso, e dessa diversidade, no meu entender, faz parte uma maneira muito diversa de ver a religião na vida pública. Isso está surgindo por todo lado, com formações bem distintas.
Algumas continuam na base da sociedade, como acontecia com a Teologia da Libertação e as Comunidades Eclesiais de Base. Mas temos nos últimos anos, no Brasil muito claramente, a influência [religiosa] na própria cúpula do Estado, na estrutura política do Estado. Isso é novo.
Era uma corrente que já vinha dos anos 80 dos Estados Unidos. Uma corrente muito conservadora. Um dos grandes líderes dessa corrente nos Estados Unidos fez uma previsão que praticamente se confirmou. Ele disse assim: "quando um dia não houver uma grande diferença entre democratas e republicanos, e se forem todos mais ou menos conservadores, podemos começar a jogar golfe tranquilamente, pois significa que cumprimos a nossa missão".

E a esquerda com isso? Seu livro é uma espécie de ajuste?
O pensamento crítico da esquerda, de uma sociologia crítica, sempre foi muito renitente em analisar o fenômeno religioso. Pois qualquer análise que não seja simplesmente dizer que religião é o ópio do povo fica como suspeita.
Minha experiência no Fórum Social Mundial fez-me crer que, se eu mantivesse essa atitude pouco complexa, eu deixaria fora da minha análise muita gente que genuinamente luta contra a desigualdade, a injustiça, a discriminação, a opressão. Não é gente alienada. É gente que realmente luta por um mundo melhor e que, no entanto, tem uma referência religiosa. Eu não posso considerar que isso é alienante. Então escrevi esse livro também para fazer as contas comigo mesmo.

Qual é a sua conclusão?
Termino dizendo que não há um Deus. Há dois: o Deus dos oprimidos e o Deus dos opressores. Enquanto a sociedade for dividida e houver tanta desigualdade social, penso que o Deus que estiver do lado dos oprimidos não se reconhece num Deus que esteja do lado dos opressores.


O outro livro é sobre direitos humanos, que parece refluir na medida em que aumenta a influência religiosa. Alguns políticos têm como principal plataforma o ataque aos direitos humanos. Quais são as relações entre as duas coisas?
É obviamente uma estratégia religiosa. É uma dimensão de todas as correntes conservadoras, de direita, que existiram ao longo do tempo. Houve, de fato, uma igreja progressista, de esquerda, que achou que sua missão era a missão evangélica do sermão da montanha, de estar com os pobres. Os pobres não estão no parlamento, estão nos bairros, nas favelas. E é para aí que os missionários devem ir. Mas há toda uma outra corrente que nunca aceitou que igreja ficasse fora do governo. Alguns deles entendem que a Bíblia, literalmente, dita o direito para os Estados e que, portanto, os direitos humanos não pertencem a esse direito bíblico. É como no mundo islâmico, onde há conceitos muito hostis aos direitos humanos.
Então, de vários lados, estamos a assistir a um ataque aos direitos humanos. Esse é o tema do meu outro livro, escrito por um sociólogo que se considera um cidadão ativista dos direitos humanos.
Eu também faço uma crítica aos direitos humanos. Mas uma crítica progressista: os direitos humanos são pouco. Então eles são criticados por mim por serem poucos. E a direita critica por serem muito. Eu digo pouco porque acho que a grande maioria dos cidadãos do mundo não são sujeitos de direitos humanos, são objeto de discurso de direitos humanos. São violados constantemente.
Agora, sobretudo após a queda do Muro de Berlim, em que as narrativas socialistas caíram em desuso, pelo menos até agora, o que ficou de luta por uma sociedade melhor foram os direitos humanos. Se o socialismo estivesse na agenda política, eu tenho certeza que essa direita religiosa incidiria completamente contra o socialismo.

Nessa questão dos direitos humanos, em que posição o senhor situa o Brasil hoje?
É uma leitura muito complexa. Há áreas e domínios dos direitos humanos em que tivemos conquistas extraordinárias desde o governo Lula. Eu considero [positiva] toda política de ações afirmativas, do reconhecimento de que há racismo na sociedade brasileira e de que é preciso tomar medidas para que afrodescendentes e indígenas possam ter acesso à educação, numa tradição que vinha desde há muito tempo com Abadias do Nascimento, mas que nunca teve êxito. Também o fato de criar um Brasil mais inclusivo, mais diverso, mais colorido, com mais consciência de sua diversidade étnico cultural. Penso que tudo isso foi um grande avanço.
Onde eu vejo que há retrocesso é em toda a área dos direitos humanos que trouxeram também no seu bojo aquilo que, para um desenvolvimentista, pode ser considerado um obstáculo.
Os direitos humanos trouxeram consigo o reconhecimento dos direitos coletivos. E os direitos coletivos do povos indígenas estão protegidos, internacionalmente, por convenções, aliás, que o Brasil assinou, sobretudo o convênio 169 [da Organização Internacional do Trabalho], que obriga consulta prévia, livre, informada e de boa fé. E de boa fé! E que, hoje em dia, depois da declaração das Nações Unidas de 2007 sobre os direitos dos povos indígenas, firma-se na jurisprudência da Corte Internacional de Direitos Humanos que sempre que estejam em causa a própria sobrevivência de um povo, seja uma barragem, seja um projeto de mineração, a consulta deve ser vinculante. Bem, nesse caso, eu tenho que dizer que tem havido retrocesso.
Não é só na demarcação de terras. Tem ainda a questão de saber se a concessão de novas terras são atribuição do parlamento e não do Executivo, o que seria a mesma coisa que dizer que nunca mais haverá qualquer concessão.
Então eu acho que a presidente Dilma está a perder uma batalha, está realmente com uma grande insensibilidade ao movimento indígena camponês, que foi uma grande forma de transformação em toda América Latina.

O senhor considera o governo Dilma de direita?
Eu venho da Bolívia, estive no Equador, conheço os outros países [da região]. Alguns deles são muito mais à direita no governo, é o caso do México. E lá estamos assistindo a uma grande vitória de um povo indígena que lutou contra uma barragem, La Parota, e conseguiu efetivamente parar essa barragem.
Eu colocaria a presidente Dilma no mesmo pé em que coloco o presidente da Bolívia [Evo Morales] e o governo do Equador. São governos que eu considero progressistas. Não os considero de direita. Eles, de alguma maneira, fazem muito do que sempre fez a direita: têm o mesmo modelo de acumulação, o mesmo modelo capitalista, o mesmo neoliberalismo, aproveitaram a mesma onda de extrativismo, com a reprimarização da economia.
Mas o que esses governos fazem e que a direita nunca fez na América Latina foi redistribuir esses rendimentos de alguma maneira. Distribuem muito mais que os outros governos. Para muitos grupos sociais, isso não é suficiente. Até porque essa forma de redistribuição é relativamente precária, não é com direitos universais, é algo que pode parar de um momento para outro. Mas há problemas. Os ambientais são extraordinários.

Qual o senhor citaria?
É certo que o Congresso é outra coisa. Mas eu fico espantado como é que é possível, estando a frente do país alguém como Dilma Rousseff, como é possível abrir uma discussão sobre a semente Terminator no Congresso. É a semente que fica estéril, a suicida. Isso está suspenso. É ilegal para o mundo inteiro. É um escândalo, se aprovar. Ela foi suspensa no âmbito da convenção de biodiversidade exatamente porque coloca os camponeses nas mãos da Monsanto e das outras três ou quatro empresas que têm a patente. Isso é o fim da agricultura camponesa.
Em muitos países é a agricultura camponesa que alimenta as populações, pois a grande indústria produz soja e outros produtos de exportação. A diversidade da produção agrícola é feita por pequenas propriedades, a agricultura familiar, a camponesa. Portanto isso significa arrogância dessas empresas transnacionais que têm acesso ao parlamento para ditar sua lei. E se você olhar bem, há uma aliança entre os religiosos evangélicos e os ruralistas. Então aqui há uma convergência de forças, uns que vêm da tradição ruralista, outros que vêm de uma tradição religiosa de direita, que se armou contra o comunismo e contra a revolução na América Latina.
Então não considero a presidente Dilma um governo de direita por sua capacidade de distribuição, agora há uma grande insensibilidade, que não vem de agora.

Onde mais há problemas?
Basta ver quantas vezes foram recebidas a CUT e outras entidades antes desses protestos: zero. Portanto significa que a presidente Dilma tem uma grande insensibilidade social, que se tornou ainda mais evidente por conta da posição do Lula, ao estilo Lula, que era de muito mais aproximação com os movimentos sociais. Isso perdeu-se. Eu considero uma perda muito grave.

A ex-ministra Marina Silva tem um discurso mais próximo desses segmentos que o senhor mencionou, meio ambiente, indígenas. Ela serve para a esquerda?
Eu penso que não. Sou amigo da Marina Silva, estive em vários painéis com ela e comungo com ela muitas causas ambientalistas. Mas acho que não porque a influência religiosa no país iria nitidamente continuar a desequilibrar. A dimensão religiosa que está por trás dela é uma dimensão que, no meu entender, tem mais um potencial conservador do que um potencial da Teologia da Libertação. Portanto é um potencializador de uma interferência conservadora na sociedade.
Isso pode ter outras dimensões para os direitos das mulheres, dos homossexuais, para as diversidades sexuais.
Por outro lado, sua política econômica, por aquilo que tenho visto e pelos apoios que ela recorre, é realmente uma tentativa de, com uma cara nova, uma mulher, repor o sistema que estava antes. Seria desacelerar ainda mais as políticas de redistribuição social que foram aquelas que, no meu entender, mais caracterizaram o período Lula.
Não penso que a Marina Silva esteja muito sensível a isso tudo. Então eu penso que ela é uma cara nova para a direita. Não é uma cara para a esquerda, no meu entender.

Milhares de pessoas foram às ruas no Brasil para protestar por diversas causas. Tudo muito rápido e inédito. O senhor tem alguma reflexão sobre o que ocorreu no país?
Analiso os diversos movimentos que surgiram no mundo desde 2011: a primavera árabe, o ocuppy [Wall Street, nos EUA], o dos indignados no sul da Europa e na Grécia, o movimento "Yo soy 132", que é contra a fraude eleitoral no México, o movimento estudantil do Chile em 2012 e também os protestos no Brasil.
Considero que 2011-2013 é um daqueles momentos no mundo como nós tivemos em 1968, 1917, 1848. São momentos de movimentos revolucionários.
O que os caracterizam fundamentalmente hoje? São sinais de que, em muitos países, estamos a entrar num processo de guerra civil de baixa intensidade: uma grande agitação social porque as instituições não funcionam propriamente. Na Europa, a rua é o único espaço público que não está colonizado pelo capital financeiro. Nos EUA, a mesma coisa. Há uma deterioração das instituições, uma ideia de que a democracia foi derrotada pelo capitalismo. No sul da Europa isso parece muito claro, e as ruas e as praças são os únicos espaços onde o cidadão pode se manifestar.

Quem é esse cidadão?
É um cidadão diferente dos [cidadãos dos] processos anteriores. Um erro do pensamento político foi pensar em cidadãos organizados que fazem essas revoltas. De fato, não é assim. Essas revoltas são feitas, normalmente, por jovens que nunca participaram de movimento social, de partidos, que nunca votaram, nunca estiveram em nenhuma ONG. E de repente estão na rua. Isso não foi só aqui. Foi no Egito, na Europa, nos EUA. São movimentos que surgem a partir de momentos em que as instituições parecem não dar respostas às aspirações populares. Obviamente são diferentes. Não se pode pôr a primavera árabe ao lado do Brasil ou do occupy. São coisas distintas.
O movimento do Brasil tem uma genealogia, uma história, semelhante ao movimento dos indignados de Portugal, da Espanha e da Grécia. São jovens democracias onde houve uma expectativa de uma social-democracia, uma democracia com fortes direitos sociais, de educação, saúde, transporte. Havia uma expectativa de uma sociedade mais inclusiva. Essa era a promessa. A democracia não é simplesmente mero voto e a representação política, mas se traduz em direitos sociais e econômicos. Portanto nesses casos [Brasil e indignados], os movimentos surgem da ruína dessas aspirações. Democracias suficientemente jovens para ainda acreditar que eles têm esses direitos.
Os occupy já nem têm sequer essa ilusão, pois a democracia americana é cada vez mais restringida e eu nem acho mais que é uma democracia a sério nos EUA; eu vivo lá metade do ano, como você sabe, e conheço o país.

Uma crise da democracia?
Aqui [no Brasil], a juventude se dá conta que aquela democracia que ela acreditou não funciona, está sendo derrotada pelo capitalismo. Os países dão mais atenção aos mercados internacionais, aos grandes grupos transnacionais, do que dão aos seus cidadãos. Na Europa isso é muito claro. O meu governo [Portugal] está mais atento à agência de classificação Standard & Poor's, sobre o que ela dirá amanhã sobre a taxa de rating do crédito português, do que as demandas dos portugueses, as reivindicações. E quanto mais as pessoas vão para as ruas, mais abaixa a nota do crédito internacional. Ou seja: a democracia está sendo usada contra os cidadãos. A democracia é exercida hoje contra o bem estar. Tinha-se a ideia que caminhávamos para um estado de bem estar. De alguma maneira, hoje, o Estado é um Estado de mal estar. O que aconteceu no Brasil, no meu entender, é essa frustração.
Compartilha com os outros movimentos essa espontaneidade. E o fato de não ser ideologicamente unitária, é o mais diverso possível. E com demandas contraditórias. E com uma característica também comum em todos eles: prevalece o negativo sobre o positivo. Esses grupos, que eu nem chamo de movimentos sociais, chamo de presenças coletivas, sabem o que não querer, mas não sabem bem o que querem. Podem ter uma demanda, como foi o caso do Movimento Passe Livre, mas essa é uma demanda que rapidamente pode ser superada por grandes demandas de superação do Estado. Como aconteceu na Tunísia. O moço que se imolou na Tunísia queria apenas que legalizassem o seu comércio de rua, e de repente aquilo era uma luta contra a ditadura.
O que todos estão a dizer? Estão a dizer que o mundo está escandalosamente desigual. Essa não é uma questão da pobreza. É que nos países, internamente, a diferença entre ricos e pobres nunca foi tão grande. Em meio aos maiores sacrifícios da sociedade portuguesa, com cerca de 50% dos jovens até 25 anos sem emprego, o número de ricos aumentou em Portugal nos últimos anos. E os ricos ficaram ainda mais ricos.

Essa descrição não coincide exatamente com o que ocorreu no Brasil. A distribuição de renda brasileira medida pelo índice Gini ainda é uma das piores do mundo, mas melhorou.
Sim, está reduzindo [a desigualdade de renda], nunca tinha acontecido antes, isso é preciso reconhecer. O que nós temos que ver, isso é minha leitura, é que as políticas que foram criadas para essa redução ocorrer --e por isso que eu digo que [Dilma] não é um governo de direita-- são as que eu chamo de políticas de primeira geração. A segunda geração é que essa gente que agora come bem, agora que tem algum apoio, quer evoluir, quer ir para a universidade, quer outra qualidade dos serviços públicos. E aí estancou.

O senhor disse que esses grupos sabem dizer o que não querem, mas não sabem dizer bem o que querem. No Brasil, entre as coisas que eles diziam não querer estavam os partidos políticos. Teve até hostilidade, violência. O senhor vê isso com preocupação?
Sim, evidentemente. Mas ao mesmo tempo compreendo o que está ocorrendo. É aquilo que eu disse, que a democracia representativa liberal foi dominada e vencida pelo capitalismo, pela corrupção, pela presença do dinheiro nas eleições, nas campanhas eleitorais. Isso faz com que os representantes estejam cada vez mais distantes dos representados. É aquilo que a gente chama de patologia da representação: os representados não se sentem representados por seus representantes.
É um processo conhecido, pois há anos discute-se no Brasil a necessidade de se fazer uma reforma política, uma reforma do sistema eleitoral, do financiamento dos partidos. E todas essas reformas têm sido bloqueadas. Então essa negação não é propriamente a negação da democracia representativa. São duas ligações importantes: esta democracia participativa não serve, o dinheiro não pode ter o poder que tem hoje nas eleições; e a democracia representativa nas sociedades complexas não chega, ela precisa ser complementada pela democracia participativa.
Eu acho extraordinário que, no caso da primavera árabe --jovens de vários países que não tiveram democracia propriamente-- a grande bandeira é a democracia real. Portanto quando dizem que há luta contra os partidos, não é que eles estejam dizendo que, em princípio, eles não têm nenhuma validade. É esta forma de democracia, a do poder do dinheiro, que está derrotada. E se ela não se alterar, temos altos riscos para a sociedade. É por isso que eu digo, escrevi dois artigos sobre isso, que há uma grande oportunidade: a oportunidade de uma reforma política. Esse é grande tema com o qual o PT chegou ao poder, não podemos esquecer.

Mas nos protestos ninguém levantou uma plaquinha sequer pedindo reforma política.
(risos) É por isso que eu digo: as pessoas não sabem o que querem, sabem o que não querem. Como é que se faz formulação política? Para sair daquilo que elas não querem, é preciso uma reforma política. Obviamente. E é por isso que temos partidos.
Eu acho que cabe à classe política encontrar as soluções. Os jovens não têm que saber [como fazer]. Nem dá para exigir que eles saibam. Como é que vai fazer um serviço unificado de saúde suficientemente robusto? Não têm que saber. Há técnicos e há políticos que vão fazer isso. A reforma política é a mesma coisa. E a presidente Dilma deu uma certa esperança quando falou nas cinco medidas que seriam tomadas e incluiu a reforma política, mas, infelizmente, os poderes conservadores do Congresso...

Foi nesse contexto que surgiram os grupos "black blocs", com a tática de causar danos materiais para fazer suas denúncias. Eles aparecem em tudo, da greve de professores à ação para libertar cachorros de um laboratório de pesquisa médica. Qual é a opinião do senhor sobre esses grupos?
Esses grupos nasceram nos anos 70 na Alemanha, na luta contra a energia nuclear. Na década de 80, adquiriram uma ideologia autonomista. A ideia de que "temos que criar na sociedade espaços de autonomia que não dependem do capitalismo e que, portanto, podem oferecer outra maneira de viver". Tiveram muita repercussão.
No momento em que começam os protestos contra a globalização, Seatle (EUA) é o marco, eles começaram a assumir duas características de sua tática: de um lado a ideia de violência contra propriedades símbolos do capitalismo, que pode ser um McDonald's, um banco; de outro lado, a defesa dos manifestantes. Eles assumiram isso. Em muitas mobilizações, foram eles que, diante da violência policial, defenderam mais eficazmente os manifestantes pacíficos. Então a violência policial, no meu entender, é uma das grandes responsáveis pelo protagonismo "black bloc". Eles enfrentavam. E a notícia muitas vezes passava a ser o enfrentamento entre os "black blocs" e da polícia.
Um terceiro fator que complica, principalmente a partir do ano 2000, isso está documentado, é que a polícia infiltra o "black bloc" para depois justificar sua violência. Isso está demonstrado em vários países. E este é o contexto em que nós estamos.

Mas como entender o "black bloc"?
Não são grupos de extrema-direita. Eu penso que, acima de tudo, temos que entender por que surgem esses movimentos. E encontrarmos, através do diálogo, formas de ver se estas são as melhores formas de luta. No meu entendimento, como já disse, estamos num momento político daquilo que chamo de guerra civil de baixa intensidade. Numa guerra assim, queremos que cada vez mais gente venha para a rua. No meu entender, para fazer pressão pacífica sobre os Estados.
Quando o capital financeiro será cada vez mais influentes, quando as Monsantos conseguem pôr no Congresso a [semente] Terminator, quando os evangélicos dominam a agenda política, quando os ruralistas dominam a agenda política, os governos, mesmo que tenham uma orientação de esquerda, precisam ser pressionados de baixo. A partir de baixo. E essa pressão tem de ser pacífica. E tem de ser inclusiva. E para ser inclusiva tem de trazer para a rua as pessoas que nunca foram para a rua, os chamados despolitizados, as avós, os netos.
Ora bem, se é esse o objetivo, o "black bloc" é uma força contraproducente. As pessoas querem ir para a manifestação, mas com medo que haja violência, com medo da brutalidade e violência policial, dizem ao final "não vamos". Penso, portanto, que o "black bloc" deve analisar em que contexto nós estamos.

O ex-presidente Lula fez uma crítica direta ao uso das máscaras. Disse que participou de muita manifestação de rua, mas que nunca usou máscara porque não tinha vergonha do que fazia.
Eu acho que é uma posição legítima, mas não sei se é a única resposta que se pode dar. As pessoas têm suas formas de representação. Exemplo disso é o governo do Peña Nieto, o [partido] PRI, no México, que eu considero de direita. Nas últimas manifestações, o protesto de professores no México, teve a presença dos "black blocs" com as máscaras negras. E chegou ao ponto também em que o governo está para promulgar uma lei que proíbe as máscaras. Sabe qual foi a reação? Os homossexuais começaram a usar máscaras pink. Foram para os protestos com máscaras cor-de-rosa, máscara homossexual. Então a polícia vai prender? Eles não praticam nenhuma violência, usam máscara agora para afirmar a diversidade sexual.
Isso é para ver como a coisa é complicada. Criou-se uma solidariedade entre os homossexuais e o "black bloc". Então, por vezes, as autoridades se excedem na forma. Eu penso que essa não é a forma. Penso que a forma é de dialogar, de trazer para uma mesa de conversa. Obviamente é uma discussão muito difícil, mas é uma discussão que é preciso ter.


Folha de São Paulo

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Mau Dia Brasil e o ódio pelo Enem

Por Davis Sena Filho — Blog Palavra Livre



Nos próximos sábado e domingo, dias 26 e 27 de outubro, vai ser realizada a quinta edição do novo Exame Nacional de Ensino Médio (Enem). O exame é o segundo maior do mundo, com 7.105.903 candidatos inscritos, e já incluiu mais de um milhão de jovens pobres, negros, indígenas nas universidades públicas, até então reduto das classes média tradicional e alta, ou seja, da burguesia. No mundo, somente a China tem um exame de inclusão social ao ensino público maior do que o do Brasil.

Aos que ficam a ouvir e ler as notícias negativas sobre o Enem repercutidas pela imprensa de negócios privados, salutar se torna também informar que o Enem tem apenas a finalidade da avaliar o ensino médio. Já o Sistema de Seleção Unificada (Sisu) serve como processo seletivo, que tem como base as notas dos candidatos do Enem. O processo é tão democrático que possibilita aos aprovados consultar as vagas disponíveis das faculdades e universidades, bem como saber dos inúmeros cursos que são oferecidos.

Contudo, ligo a televisão e me deparo como o Mau Dia Brasil, da Rede Globo. Vejo e ouço dois dos porta-vozes da Casa Grande, os apresentadores Chico Pinheiro e Ana Paula Araújo, a noticiar sobre o Enem. Eles tem um ar de deboche e acionam os apresentadores de São Paulo e Brasília para também participar da matéria sobre o exame que incluiu centenas de milhares de brasileiros na universidade pública e, consequentemente, elevou a autoestima de milhares de brasileiros, sendo que muitos dos filhos de famílias pobres são os primeiros de tantas gerações a ingressar em um sistema educacional que privilegiava aqueles que no decorrer de suas vidas estudantis frequentaram escolas particulares, caras e tradicionais.

Os governos trabalhistas de Lula e Dilma efetivaram uma rede de proteção social no que diz respeito à educação. E é isto o que mais incomoda a Casa Grande de tradição escravocrata. “Como pode — ela se pergunta — pobres, negros, índios e portadores de necessidades especiais frequentarem a mesma escola que eu frequento há mais de cem anos?” E eu respondo: “Pode!” O que não se deve aturar é preconceito de coxinha metido a besta e que pensa que o País é um lugar VIP para os “bem nascidos”.

Por isso, temos matérias cretinas como a apresentada pelo Mau Dia Brasil, que se esforça ao máximo para desqualificar e desconstruir o Enem, que é um exame democrático, justo e de inclusão social, a exemplo do Bolsa Família, do Luz para Todos, do Previdência Social, do Saúde da Família, do Rede Cegonha, do Brasil Alfabetizado, do Mais Educação, do Brasil Sorridente, do Minha Casa Minha Vida, dentre outros programas, que visam combater a miséria, a pobreza e incluir, definitivamente, grande parte da população brasileira no mercado de emprego e de consumo.

Contudo, com o propósito de concretizar esse processo, urge fazer com que o brasileiro estude para que possamos, em futuro próximo, transformar o Brasil em uma nação de classe média, porque para o socialismo ser implementado em um país capitalista, grande e diversificado como o Brasil, torna-se imperioso enfrentarmos um processo lento, que demanda tempo e convencimento, por se tratar de uma doutrina econômica e política que requer rompimento com o establishment, e, por conseguinte, iniciar-se uma nova ordem política, econômica e social.

O objetivo é transformar a sociedade. Entretanto, torna-se necessário distribuir riquezas e propriedades, de forma equilibrada, pois que o desejo é diminuir a distância entre pobres e ricos e, por sua vez, realmente edificar um estado de bem-estar social. Porém, as classes sociais abastadas e proprietárias dos meios de produção e serviços reagem aos avanços conquistados pela maioria da população. A reação é levada a efeito pelos partidos políticos de direita e de suas caixas de ressonância materializadas em diversas mídias, principalmente na imprensa de mercado, que por muito tempo teve em suas mãos o monopólio da informação.

A imprensa que sataniza os partidos, os políticos, os grupos sociais e as instituições que, porventura, não rezam por sua cartilha reacionária, conservadora e de caráter hegemônico. A imprensa do pensamento único e que se nega a dar direito de resposta a quem é difamado e caluniado. A mesma imprensa do jornalismo meramente declaratório e que se recusa a ouvir o outro lado, procedimento que qualquer jornalista iniciante sabe que tem de ser feito para que o leitor, espectador ou ouvinte possa formular seu juízo de valor para comparar as diferentes versões e, por seu turno, discernir sobre os fatos e as realidades acontecidos e repercutidos.

Informação e educação caminham juntas. São irmãs siamesas. E é por saber disso que os grupos econômicos privados tentam controlar os meios de comunicação e sabotar programas de governo e projetos de país que visem, sobretudo, emancipar os povos e em especial o povo brasileiro vítima de uma burguesia perversa, egoísta, provinciana, preconceituosa e de passado escravocrata. A burguesia entreguista e colonizada, bem como arrogante e prepotente com os mais fracos, ao tempo que vergonhosamente subserviente e aduladora daqueles que ela considera ser suas cortes. A burguesia brasileira tem a alma prostituída, além de um incomensurável e inenarrável complexo de vira-lata.

Por isso, ela tem de ser duramente combatida para que o Brasil avance e se torne realmente um País para todos os brasileiros. E a revolução começa pela educação pública, de boa qualidade e aberta para todos que nascem neste colosso tropical que é o Brasil. Se não há espaço e nem meios no momento para a efetivação de uma revolução socialista, que se faça as reformas necessárias para que o povo seja inserido no contexto do consumo e do estudo, pois se as pessoas estudam e consomem elas, por si sós, darão conta de providenciar a melhoria na qualidade de suas vidas, bem como vão ter discernimento do País que elas querem para seus filhos e as gerações vindouras.

A educação é a revolução. E sem justiça social não há paz. As reformas estão a acontecer desde 2003 quando o presidente Lula sentou na cadeira da Presidência da República, bem como a presidenta Dilma Rousseff continua a caminhar na mesma trilha do desenvolvimentismo e do trabalhismo. Somente por intermédio da educação faremos com que a ignorância e o egoísmo dos que reagem contra a inclusão social sejam derrotadas.

Quando os áulicos da Casa Grande de forma sistemática criticam açodadamente o Enem e tudo que gravita em torno dele, a exemplo do Sisu, do Fies e do Prouni é sinal que tais programas estão em um caminho certo, sem volta ao passado e que desagrada, sobremaneira, as “elites” brasileiras associadas aos grandes capitalistas, aqueles que defendem a diminuição do estado, a venda do patrimônio público e que quando metem as mãos pelos pés correm como cachorrinhos esfomeados a pedir comida para salvar o que restou de seus patrimônios, sem, contudo, esquecer de enviar para os paraísos fiscais os milhões que ainda lhes sobraram, pois conquistados por meio de sonegações.

Vinte e dois milhões de pessoas estão a ser atendidas pelo Governo trabalhista. Os programas reduziram em 13% as desigualdades sociais. Além disso, 13,8 milhões de pessoas são atendidas pelo Bolsa Família, o que ajudou, e muito, para que o Brasil diminuísse em mais de 55% a pobreza e a extrema pobreza em apenas uma década, segundo o relatório “A Década Inclusiva (2001/2011): Desigualdade, Pobreza e Políticas de Renda”, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e produzido pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2011 (Pnad).

O Brasil cumpriu a meta do milênio no que concerne à diminuição da pobreza em apenas dez anos, o que era previsto para ser realizado em um tempo de 25 anos. E aí vem a direita e os que se associaram aos inquilinos desse campo político e ideológico reacionário e violento para afirmar, sem qualquer responsabilidade do que falam, que vão fazer mais e melhor, sendo que quando estiveram no poder não fizeram nada, pois nem acesso ao emprego o povo brasileiro teve nos tempos do vendilhão da pátria, Fernando Henrique Cardoso — o Neoliberal I —, aquele que foi ao FMI três vezes, humilhado, pois de joelhos e pires nas mãos a mendigar esmolas, porque quebrou o Brasil três vezes.

Todos esses fatores, além de muitos outros não citados neste artigo, favorecem o que os economistas estruturalistas, desenvolvimentista e o próprio presidente Lula chamam de ciclo virtuoso, que fomentou e ainda fortalece a economia interna, que por sua vez ajudou o Brasil a não sentir muito a crise internacional de 2008. A crise que derreteu as economias de países europeus e prejudicou enormemente os Estados Unidos e o Japão, bem como mostrou, inapelavelmente, que o neoliberalismo é uma doutrina que colocada em prática tem por finalidade concentrar renda e riqueza, apostar na jogatina dos mercados de capitais, favorecer os rentistas e prejudicar quem produz para beneficiar os banqueiros e os governos dos países ricos, que determinam como o sistema mundial hegemônico deve proceder, a fim de sugar as riquezas dos países periféricos e emergentes, além de explorar a mão de obra barata dos povos pobres, em forma de rapinagem e pirataria.

Voltemos ao Mau Dia Brasil. Chico Pinheiro e Ana Paulo Araújo, além de os “âncoras” de Brasília e de São Paulo falavam sobre o Enem de mais de 7 milhões de inscritos em tom de pilhéria e desdém. A reportagem anunciada por Chico Pinheiro e veiculada na tela das Organizações(?) Globo iniciou assim: “No próximo final de semana, sete milhões de estudantes vão fazer as provas do Exame Nacional do Ensino Médio. Desta vez, o Ministério da Educação promete um exame sem sobressaltos”.

A partir da chamada, a matéria passou a falar dos “sobressaltos”, evidentemente com o propósito de superdimensionar os erros e equívocos acontecidos em anos anteriores, e, consequentemente, desqualificar para diminuir a importância do Enem e, por seu turno, fazer com que milhões de pessoas, ainda jovens e em formação, passem a ter a sensação de insegurança, além da calar em suas mentes e corações a desconfiança de um processo escolar excepcional, que deveria ser valorizado e admirado, pois se trata de um exame complexo, com um número de inscritos que supera a população de vários países, a exemplo do Uruguai, e que por sua grandiosidade os erros que aconteceram são infinitamente inferiores em relação às suas virtudes.

E o narrador da matéria global sabotadora dizia: “Em 2009, a prova foi furtada em uma gráfica (...)”. Mas o senhor Chico Pinheiro, editor-chefe do Mau Dia Brasil “esqueceu” de lembrar que a prova foi roubada na gráfica da “Folha de S. Paulo” por um contratado dela. Tal pasquim de direita é aquele diário que emprestava, na ditadura militar, seus carros para os torturadores na década de 1970, e que, na maior cara de pau e cinismo, publicou o ocorrido do furto da gráfica como manchete de capa do jornal. Depois a pseuda reportagem relembrou as “falhas” do Enem em 2010. Neste ano, alguns inscritos foram vítimas de vazamentos sobre seus dados pessoais. Uma professora de Remanso (BA) teve acesso às provas e repassou para seu filho. O fato foi relato por um professor de cursinho de Petrolina, que denunciou o ocorrido. Porém o Mau Dia Brasil mais uma vez não mostrou essa ocorrência.

Além disso, ainda em 2010, um dos cadernos da prova continha erros. A gráfica RR Donnelley, a maior do mundo, assumiu as falhas e declarou ao governo e ao público que houve erros de impressão em 0,3% das dez milhões de provas. É isto mesmo: dez milhões de provas e 0,3% de erros. A empresa considerou que o índice de erro é pequeno e que está dentro de uma margem esperada para um processo industrial de larga escala. Contudo, a imprensa superdimensionou novamente, porque os barões magnatas que controlam as mídias no Brasil fazem política, tem lado e escolhem candidatos, sempre os de e da direita.

A falha virou um “escândalo” de gigantescas proporções e quase tais magnatas fecham as portas do Ministério da Educação e terminam de vez com o Enem com a finalidade de impedir o acesso dos pobres à universidade pública. Seria cômico se não fosse trágico e ridículo, porque o “escândalo” não colou. E sabe por quê? Porque os milhões de alunos candidatos sabem que o Enem inclui, é justo, público e democrático, bem como compreendem que a imprensa burguesa, corporativa e sectária defende os interesses empresariais, dos ricos e que luta contra a distribuição de renda, de riqueza, além de ser contrária à independência do Brasil e à autonomia do povo brasileiro.

Em 2011, o Enem foi novamente alvo de irregularidades e patifarias, ou seja, o boicote e a sabotagem continuavam. A finalidade era mais uma vez esvaziar e desqualificar o exame, com o apoio e a cumplicidade, evidentemente, da imprensa comercial de caráter golpista. Alunos do Colégio Christus, de Fortaleza, tiveram acesso a quatorze questões. A Polícia Federal investigou e constatou que o vazamento poderia ter acontecido em um teste formulado pelo Inep realizado em 2010. Apenas 639 provas foram invalidadas em um contexto de milhões de provas aplicadas pelo Enem em todo o Brasil. Pronto! Mais uma vez os porta-vozes da Casa Grande e os mensageiros da dor e da agonia transformaram o vazamento em outro “escândalo” de proporções planetárias.

Contudo, o Chico Pinheiro e a Ana Paula Araújo e seus colegas de Mau Dia Brasil não tocaram neste assunto. Óbvio. Eles fazem um jornalismo mequetrefe, porque aproveitaram uma concessão pública para fazerem suas assertivas ao tempo que não dão o direito de alguém do Ministério da Educação rebater tais vilanias, manipulações e mentiras. Creio que essas pessoas pelo menos não devem pensar, lá com seus botões, que elaboram e efetivam um jornalismo de verdade e isento e imparcial para falar dos fatos e das realidades. Será?

Bem, já em 2012 e apesar de toda a propaganda contra o Enem, as inscrições superaram todos os números, pois um verdadeiro recorde até então. Quase 6,5 milhões de candidatos se inscreveram e com isso o Governo trabalhista percebeu que o Enem é como massa: quanto mais apanha, mais a massa cresce. Neste ano, as fraudes, as trapaças e as sabotagens foram evitadas. Entretanto, em 2013, as falsas polêmicas retornaram, e os motivos eram concernentes aos métodos de correções das redações, considerados demasiadamente permissivos ou tolerantes. Um aluno escreveu como redação uma receita de miojo, o que gerou descontentamento a quem não passou. O Governo trabalhista reconheceu o erro e tratou rapidamente de não permitir que aconteça tais fatos novamente. Quem o fizer, não passará na prova. Ponto.

As provas a serem realizadas neste fim de semana vão ter um enorme e sofisticado esquema de segurança. Todavia, a humanidade é a humanidade e sempre alguém vai tentar burlar a segurança e, consequentemente, fraudar as provas e assim prejudicar a imensa maioria que presta exames de forma legal e honesta, além de sonhar com dias melhores, principalmente aquele que nasceu em berço da classe pobre e que espera, geração após geração, formar-se em uma faculdade, apesar do ódio elitista pelo Enem.

Contudo, o Mau Dia Brasil e o restante da imprensa de negócios privados estão à espera de falhas, fraudes e até mesmo que algum criminoso, a serviço de “sujeitos ocultos”, consigam criar um novo “escândalo”, e, por seu turno, dar oportunidade de a imprensa burguesa repercuti-lo com estardalhaço, com o propósito de mais uma vez dizer ao povo brasileiro que o Enem não presta. Afinal, o que presta para tal imprensa de desejos inconfessáveis são os cursinhos e os colégios, as faculdades e as universidades particulares sem qualidade comprovada e pagos a peso de ouro com o suor dos trabalhadores e dos pais de milhões de jovens que não tiveram acesso ao ensino público superior. Mas não vai adiantar, pois o número é este: 7.105.903 candidatos. Sorry periferia. É isso aí.

Luisa Mell responde ao rola-bosta da veja Reinaldo Azevedo

Caro Reinaldo Azevedo (?), colunista da Veja.


Em primeiro lugar, obrigada por seus textos. Apesar de ataques diretos a mim, aos ativistas, e a todos os que lutam pelo o que acreditam, apesar dos adjetivos como “idiotas” e “trogloditas” e “bandidos”, ouvir opiniões contrárias, mesmo que sustentadas por agressões gratuitas, é sempre um exercício construtivo, mesmo acreditando que pessoas inteligentes não precisam atacar pessoas para defenderem pontos de vista, mas ideias.

Devo começar dizendo que, lendo seus textos, lembrei muito daquele deputado pastor. As semelhanças na maneira como vocês emitem opiniões são notórias para mim e creio ser o Sr. um grande fã da oratória dele, afinal, ambos não economizam agressões e preconceitos para impor seus pontos de vista. Outra semelhança notória entre vocês é a pronta eliminação de qualquer crítica. Ele, expulsa de seus eventos quem se manifesta contrariamente as suas “crenças”, o Sr. censura todos os comentários em seu blog, marcando-os com “XXXX”. Talvez, pela incapacidade comum de ouvir opiniões contrárias e discuti-las construtivamente. Talvez, apenas porque buscam audiência panfletária (é o único jeito que algumas pessoas encontram para aparecer) ou talvez, por simples vaidade.

Sobre seus textos, sinto lhe informar que já conversei com centenas de pessoas que pensam como você. Na verdade, mais inteligentes e nada do que escreveu em sua coluna foi original. É a mesma mesmice, o mesmo “mim ser a espécie dominante e por isso mim subjugar todas as outras de acordo com meus interesses” e por isso, deixo-lhe o mesmo conselho que nos deu: vá estudar. Dentre os inúmeros erros de seu texto, está o de dizer que não há um só país no mundo que não recorra a este expediente. Uma simples pesquisa no Google (essas ferramentas não servem só para rá rá rá, kkkkk e glossolalias, lembra?), teria lhe ensinado que na Europa, testes em animais foram banidos para fins cosméticos e que há muita discussão séria (ao contrária da sua) sobre seu uso em medicamentos. Pesquise por Peter Singer, um respeitado cientista e professor que dedicou sua vida a pesquisa e a provar a sensciência dos animais. Pesquise por "desobediência civil" nas lutas contra o racismo e o sexismo. Sem ela (desobediência), mulheres não votariam ou estariam no mercado de trabalho e negros ou seriam escravos, ou não seriam tolerados nos mesmos ambientes que brancos até hoje. É só uma questão de especismo a diferença. Por último, ainda lendo seus textos, o Sr. me pareceu um grande "especialista" em tudo: política, economia, bioquímica, Caetano Veloso, minha vida e até bactérias. Não pude aqui, deixar de lembrar do pato, uma ave que faz tudo: corre, nada e voa. Corre mal, nada mal e voa pior ainda. Uma analogia muito usada por administradores de empresas para funcionários “faz tudo” e jornalistas inteligentes para colunistas que “escrevem sobre tudo”.

Novamente, obrigada por me dar mais forças e por mostrar que estamos no caminho certo, irritando conservadores e pessoas que não entendem o novo mundo e por isso, o temem.

Termino citando uma frase que gosto muito: “as revoluções, como os vulcões, tem seus dias de chamas e seus anos de fumaça”. Tivemos dias de chamas e espero que seja o começo de anos de fumaça a favor dos animais.

Cordialmente,

Luisa Mell

PS: você realmente acredita que anos de pesquisa foram perdidos? Conheço crianças de 8 anos que sabem fazer backup dos seus arquivos. Será que o pessoal do laboratório, com mestrados, pós-graduações e doutorados, não sabiam? Fica a dúvida.


terça-feira, 22 de outubro de 2013

Estudante revela por que virou Black Bloc

"Estamos lutando por algo que ainda não sabemos o que é, mas que pode ser o início de algo muito grande que pode acontecer mais para frente", diz uma integrante Black Bloc



A estudante de 23 anos escolheu o nome fictício de Iuan para conversar com a reportagem da BBC Brasil pelo telefone. Após o primeiro contato pela página Black Bloc RJ no Facebook, a ativista ligou na hora marcada para a redação para dar a entrevista. Não queria divulgar seu número de telefone.

A jovem também se recusou a dar mais detalhes de sua vida e de sua participação no movimento. Só aceitou conversar com a garantia de total anonimato.

A estudante iniciou a entrevista ressaltando que não fala pelo movimento, reafirmando o caráter descentralizado e “sem lideranças” do Black Bloc.

Iuan se define como revolucionária, porém diz ser realista porque avalia que o Brasil ainda não oferece o cenário político e social favorável para uma revolução.

“Eu não diria que a revolução é uma realidade agora. Sabemos que revoluções de pensamento levaram dois séculos para acontecer. Mas posso dizer que isso pode ser o início de uma coisa muito grande daqui para frente”, diz.

A estudante conta ter um “histórico de manifestações”. Em junho, quando o país foi sacudido por uma onda de protestos, ela foi às ruas com o rosto pintado de verde-amarelo. “Aí, um dia, olhei para mim, me vi com verde e amarelo no rosto e pensei: por que eu estou assim, já que eu não tenho orgulho disso? Aí eu pensei: preto combina muito mais”, conta a jovem.

Proteção

Para Iuan, as cores da bandeira nacional, que já haviam sido usadas como propaganda da “ditadura” não estavam à altura de seu nível de indignação.

“Eu não conhecia o movimento Black Bloc antes. Aí você começa a ir para a rua, começa a conhecer melhor e perceber que aquilo (o movimento) te representa muito mais.”

“Principalmente uma pessoa como eu que já tem algum tipo de luta social e não conseguia se enquadrar em lugar nenhum. Eu vi isso (representatividade) no Black Bloc”, acrescenta.

Ela identifica os black blocs com “uma tática de manifestação cujo objetivo é proteger os manifestantes da repressão policial”, mas admite que, muitas vezes, os ativistas acabam sozinhos “porque as pessoas ficam com medo, saem”.

Questionada sobre se não é contraditório falar em proteger o manifestante quando algumas práticas do grupo acabam gerando reação ainda mais agressiva da polícia, ela menciona a retirada violenta de professores que haviam ocupado o plenário da Câmara Municipal do Rio de Janeiro há duas semanas.

“Eles foram expulsos com muita truculência pela polícia, e a atuação dos Black Blocs no dia seguinte deu mais visibilidade ao movimento dos professores”, respondeu, sem entrar em detalhes sobre como, de fato, ocorre a proteção dos manifestantes.

“Tinha gente saindo do trabalho, e todo mundo estava sendo duramente reprimido, com bombas de gás. E as pessoas estavam resistindo. Isso foi importante”, diz, argumentando que a “resistência” só foi possível porque as pessoas se sentiram protegidas pelos Black Blocs que estavam na rua naquele dia “para desafiar a polícia”.

Violência

Além de capuzes pretos e panos cobrindo os rostos, as imagens de quebradeira em agências bancárias e pontos de ônibus tornaram-se outra marca dos Black Blocs.

“Quebrar os bancos é uma revolta contra o sistema bancário”, justifica. “Quanto a quebrar orelhão e lixeiras, isso é parte da tática, para evitar o avanço da polícia, é para fazer uma barricada mesmo”, diz a manifestante.

Iuan enumera vários motivos que a levaram optar pela tática Black Bloc, entre os quais uma reflexão sobre a má qualidade dos serviços públicos de transporte e saúde e a concentração de renda no país.

Não seria então contraditório defender serviços públicos de qualidade enquanto orelhões e lixeiras são quebrados, onerando o Estado, que terá de pagar para repô-los?

Ao responder a pergunta, Iuan cita “os juros abusivos pagos pela União” na rolagem da dívida pública do país. “Uma lixeira ou orelhão não é nada frente a tudo o que a gente paga, os grandes tributos, a falta de serviços públicos”, afirma. “Isso destrói sonhos.”

Os Black Blocs dividem opiniões na sociedade, sendo classificados como anarquistas por alguns e como vândalos e baderneiros por parte da opinião pública e por autoridades. Muitos criticam suas ações, enquanto outros defendem o movimento.

Após o desfecho violento da manifestação dos professores há uma semana, que acabou com bancos e prédios públicos depredados no Rio e em São Paulo, alguns dos trabalhadores em greve chegaram a agradecer os Black Blocs pela presença no protesto.

Apesar de querer atrair a simpatia da opinião pública para a estratégia de protesto, a ativista Black Bloc diz que as pessoas “não precisam quebrar nada”. “Espero que entendam que estamos fazendo isso por todo mundo”, diz a jovem. “É uma luta pela humanidade.”

Representação política

Iuan conta que votou em todas as eleições, mas que ainda não sabe se vai escolher algum representante no próximo ano, em “uma urna eletrônica em que não confia”, como faz questão de ressaltar.

A estudante critica o mau preparo dos candidatos e as ações do governo. Ela fala da necessidade de distribuir melhor a renda, mas diz que não é de todo contra a existência do Estado.

Questionada se não estaria sendo mais reformista do que anarquista, ao reconhecer algum valor no Estado, a jovem contornou a pergunta e respondeu que tem de ser realista.

Mas Iuan diz que descarta a possibilidade de se candidatar a um cargo político no futuro porque não concorda com o atual sistema de arranjo do Estado e, como outros Black Blocs, não quer representação política.


Via:http://contextolivre.blogspot.com.br

Apoio aos professores em greve


sábado, 19 de outubro de 2013

O novo velho Mano Brown

Confira a primeira parte da entrevista com o rapper Mano Brown, capa da edição 120 da revista Fórum

Por Glauco Faria, Igor Carvalho e Renato Rovai. Fotos de Guilherme Perez




“A gente não foca na polícia, a polícia é um tentáculo do sistema, o mais mal pago. Mas é armado e chega com autoridade, é um tentáculo perigoso”

“Eu sou o Brown mais velho, macaco velho. Estou menos óbvio, menos personagem e mais natural. Comecei a tomar cuidado. Nunca fui oportunista, vivo de música, não sou um político que faz música.” Essa é uma das formas pelas quais o líder e vocalista do Racionais MC’s se define hoje, 25 anos depois de o grupo de rap conseguir levar sua mensagem não apenas às periferias de todo o Brasil, mas também a muitos lugares e pessoas que não tinham intimidade com o ritmo.

A mensagem de Brown sempre foi forte e contundente, mas hoje o músico prepara o lançamento de um álbum solo, no qual o soul e o romantismo predominam. Isso não significa, nem de longe, que o seu pensamento tenha se modificado, até porque muito do contexto que propiciou o nascimento do Racionais ainda está presente na realidade brasileira. “Eu não estava falando de chacina, de nada disso, estava preparando um disco de música romântica, aí começou a morrer gente aqui e tive de fazer alguma coisa.”

O músico se refere à chacina que matou sete pessoas na região do Campo Limpo, zona sul paulistana, em 5 de janeiro. Entre as vítimas, DJ Lah, em um primeiro momento tido como autor de um vídeo que denunciava a execução de um comerciante no mesmo local, feita por policiais. A informação foi desmentida depois, mas o espectro de que se tratava de uma vingança paira sobre a população do lugar. E Brown fala sobre as possíveis consequências para quem viu e sentiu a tragédia de perto. “Essa ferida não vai cicatrizar, quem mora naquele lugar onde morreu o Lah não vai esquecer, os moleques vão crescer, mano. Quem viveu aquilo não vai esquecer.”

Na entrevista a seguir, Mano Brown fala sobre a falta de oportunidades na periferia, do racismo, de um sistema que oprime, mas também ressalta o que ele considera ser o nascimento de um novo Brasil, destacando o papel da nova geração. Assim, ele mesmo tenta se “reinventar” para seguir na luta que sempre foi dele e de muitas outras pessoas. “Para dar continuidade ao trabalho, temos de caminhar pra frente, a juventude precisa de rapidez na informação, não dá pra ficar debatendo a mesma ideia sempre. É fácil para o Brown ficar nessas ideias, fácil, é até covarde ficar jogando mais lenha, então fui buscar as outras ideias, que passam pela raça também, com certeza.”

FórumVocê esteve em uma reunião do pessoal do rap com o então candidato a prefeito de São Paulo Fernando Haddad, e ali disse que não iria falar sobre cultura, mas sim denunciar que os jovens estavam morrendo na periferia. Recentemente, houve o assassinato do DJ Lah, e mortes violentas de músicos da periferia têm sido muito comuns em São Paulo, na Baixada Santista, por exemplo. Como definir essa situação?

Mano Brown – Esses moleques cantam o que eles vivem. Geralmente, quando você chega nas quebradas, têm poucos lugares que são espaços de lazer, e o lugar onde teve a chacina era um ponto de lazer, querendo ou não. Um ponto meio marginal, mas tudo que é nosso é marginal. Era um bar, tinha a sinuca, tinham os amigos, o bate-papo com a família, tem o fluxo, é o centro da quebrada. O barzinho vende de tudo, vende pinga, vende leite, vende tudo, e o Lah gostava de ficar por ali, vários caras gostavam, era o quintal das pessoas.

O que aconteceu ali foi execução, crime de guerra. Tem a guerra e tem os crimes de guerra. As pessoas não estavam esperando por aquilo ali, não estavam preparadas pr’aquilo. É o que tem acontecido neste começo de ano, e aconteceu no final do ano passado, as mortes todas têm o mesmo perfil: moleque pobre em proximidade de favela. Os caras encontram várias fragilidades ali, várias formas de chegar, matar e sair rápido, e o governo simplesmente ignora o que aconteceu. existem as facilidades. O cara vai lá e mata sabendo que não vai ser cobrado.

Fórum – Mas você acha que, por conta dessas ocorrências, há uma coisa dirigida contra o rap?

Brown – Acho que não, se dissesse isso seria até leviano, porque muitas pessoas que morreram não tinham nada a ver com o rap. Gente comum, motoboy, entregador de pizza, moleque que saiu da Febem e estava na rua, com uma passagenzinha primária e morreu… E o rap tá na vida da molecada mesmo, tá nos becos, nas esquinas, no bar, na viela, geralmente o moleque que curte rap tá nesses lugares. É uma coisa dirigida, mas é dirigida à raça. Dirigida a uma classe.

Se você for fazer a conta de quantas pessoas morreram no final do ano, mortes sem explicação, crimes a serem investigados, e somar o tanto de gente que morreu em Santa Maria… Morreu muito mais aqui. Lá foi comoção total pela forma que ocorreu, lógico, todo mundo é ser humano, mas veja a repercussão de um caso e a repercussão de outro caso, quanto tempo demorou pra mídia acordar pra chacina? Quanto tempo demorou pras pessoas perceberem a cor dos mortos? Coisa meio que normal, oito pretos mortos, quatro aqui, três ali… É uma coisa meio cultural, preto, pobre, preso morto já é uma coisa normal. Ninguém faz contas.

Fórum – E quem está matando nas periferias?

Brown – A polícia. O braço armado, conexões armadas, de direita.

Fórum – Você tem um histórico de estranhamentos com a polícia…

Brown – Houve a época em que soava o gongo, a gente saía dando porrada pra todo lado, não olhava nem em quem. Outra época, a gente procurava a polícia pra sair batendo. Hoje em dia, espera pra ver quem vai vir. Não é só a polícia, são vários poderes. A gente não foca na polícia, a polícia é um tentáculo do sistema, o mais mal pago. Mas é armado e chega com autoridade, é um tentáculo perigoso. E tem várias formas de matar, de matar o preto.

Fórum – Da última vez que você deu entrevista à Fórum, há mais de 11 anos, boa parte da conversa foi sobre isso. Você é um ator importante dentro desse cenário, como está atuando para mudar a situação, está fazendo intervenções no governo, conversando com pessoas, ou só se manifestando pela sua arte mesmo?

Brown – Se eu disser que não uso meus contatos, estou mentindo. O que tem acontecido traumatizou todo mundo, então ficamos todos aqui com muita raiva, lógico que alguma coisa a gente fez. Mas não posso dizer o quê. Tenho minhas armas, mas não posso expor, parado a gente não ficou.

A partir do momento em que a gente nota realmente que nossa quebrada tem fragilidades, vê as famílias das pessoas com muitas mulheres e poucos homens, homens com pouca liberdade, pouca liberdade de movimento, vida pregressa com problema, pouca mobilidade na sociedade, caras condenados a viver no submundo, você começa a criar um exército na comunidade, de gente que vê aquele entra e sai da cadeia, de homens com vida pregressa que não conseguem mais arranjar emprego. As casas perdem esses caras, que deixam de ser úteis dentro de casa. Você vê a morte do homem da casa, cinco mulheres chorando; as famílias estão num processo que vai demorar, de restauração pra uma vida mais rotineira, mais calma, é uma corrente que tem de quebrar.

“Antigamente, quando só o rico tinha, ninguém reclamava. Pobre com celular, com moto, não pode, o sistema cobra”

Fórum – Um cenário de guerra, mesmo.

Brown – É, não passou a ser guerra agora, depois da chacina, já vivia em guerra. As mães também lamentam os filhos que vão pra vida do crime, perder pra droga… A molecada negra tá muito exposta ao perigo, o salário é baixo, o risco é alto. A sociedade cobra muito, você tem de ter as coisas, tem de estar, tem de ser, tem de aparentar ser… Aparentar ser já custa caro, “ser” é outro estágio. O pessoal acha que é vaidade boba a pessoa gostar de marca, de perfume bom, mas são coisas que ajudam a pessoa a circular, a arrumar um emprego, a arrumar uma gata, tudo melhora. No momento em que no Brasil começa a sobrar um dinheirinho pra categoria, pra raça, o outro lado já começa a cobrar com a vida também. O excesso de gente usufruindo deste novo Brasil… Não pode, é excesso, tem de limpar. Tudo que é moleque de moto… Os excessos que o pessoal começa a reclamar, todo mundo com celular no busão. Antigamente, quando só o rico tinha, ninguém reclamava. Pobre com celular, com moto, não pode, o sistema cobra.

Fórum – Você entende isso como uma reação da elite?

Brown – Uma reação. Três governos de esquerda eleitos pelo povo, o Brasil pagou a dívida, a classe C tomando espaço e a Globo expondo isso na novela, todo mundo analisando, os autores são mais jovens e começaram a mudar a mente, as ideias começaram a ir pra tela e os movimentos ganhando força a partir das ideias, muita coisa junto… Os caras reagiram. O que aconteceu em São Paulo aconteceu no resto do Brasil. Em Alagoas, o índice de negros mortos é muito alto, em Belém do Pará, Goiás…

Fórum – E você pediu o impeachment do governador Geraldo Alckmin em um evento na Assembleia

Brown – Pedi o impeachment do Alckmin e ele tem de tomar providências. Naquela altura, estava em um estágio em que dava a impressão de que o Alckmin não estava nem aí. As declarações que ele deu foram piorando, chegou num ponto de eu achar que ele não sabia o que estava acontecendo. Era suicídio, como ele vai se eleger a qualquer coisa com esses números de morte?

Muitas vezes, acho a mídia com tanto medo e, de repente, vai um canal de direita, que é a Record, que começou a investigação. A gente conversava e sentia que tinha o medo no ar, eram jornalistas com medo, quando eu vi o [André] Caramante isolando e as pessoas pedindo pra ele não voltar, pensei: “Os caras tão com medo, o governo tá junto”. E as declarações que ele [Alckmin] estava dando mostravam isso, que não ia voltar atrás e era um movimento aprovado pelo povo, o povo estava com ele. Redução da violência, crime organizado, a guerra do PCC, o povo leu isso como uma coisa benéfica pra sociedade, mas estavam morrendo os filhos deles mesmos.

Fórum – Será que o povo leu isso desse jeito?

Brown – Pelo número de PMs que foi eleito, percebo que o povo está se dirigindo a votar dessa forma, tem medo. Primeira coisa que se pensa: segurança. Segurança é polícia, entre um cantor de rap, um padre e um policial, ele vai eleger um policial. O voto explica.

“O PCC hoje tem tanto poder que eles nem precisariam da contravenção pra existir”

Fórum – Qual a sua opinião sobre o PCC?

Brown – O PCC hoje tem tanto poder que eles nem precisariam da contravenção pra existir. Aí seria realmente um poder incontestável, e pelo número de mortes que foi reduzido em São Paulo, a gente sabe que muito tem a ver com eles. Já existe o PCC, não precisa fazer nada mais contra a lei. Se é que houve alguma coisa contra a lei… Não seria mais necessário usar contravenção, já existe a autoridade, existe a autoridade instalada, o povo aceitou.

Fórum – Como você vê a ascensão dos movimentos sociais hoje em São Paulo?

Brown – Sou privilegiado de ver acontecer isso, minha geração. Acho digno e muito importante mesmo todos os saraus, as reuniões, os diálogos, todo o movimento de jovens dedicado a isso, a conhecer as causas do Brasil, não só reclamar. É uma geração que não só reclama, que faz, que desce o beco da favela, vai trabalhar, vai bater nas portas. É um novo Brasil, novos médicos, novos advogados, novos pedreiros, novos motoboys, novos motoristas. O que todo mundo bebe, vai ser; o que todo mundo come, vai ser; o que todo mundo respira, vai ser. Daqui a 20 anos, você vai ver o país que está sendo implantado pelo Lula, pela Dilma, pelos Racionais, pelo Bill, pelo Facção Central. Daqui a 20 anos, vai ter um povo que vai ter essa cara.

Fórum – Fale um pouco mais de sua concepção desse novo Brasil.

Brown – Tenho 42 anos, sou fruto daquela geração dos anos 1980, aquela “geração lixo”. “Geração lixo”. Eu sou aquilo, com todos os defeitos e qualidades. Já os nossos filhos, nós que já aprendemos e sofremos um pouquinho mais, vão ser melhorados, mais ligeiros, mais práticos que eu, e não vão rodar tanto em volta do objetivo, vão direto ao foco.

Agora, os meus filhos, a molecada em geral… Ainda temos de lavar a roupa suja. Eu e eles. Não gosto de puxar a orelha dos moleques por revista e nem por entrevista, mas temos roupa suja pra lavar nas favelas, nas vielas, nas ruas, nos palcos, tem muita coisa pra melhorar ainda.

Fórum – Mas existe um orgulho hoje de quem vive na periferia, ele não se esconde mais. Há marcas que nascem na periferia. 

Brown – É o que o judeu fez, o italiano fez, o japonês fez e o preto foi proibido de fazer. Nos dias de hoje, faz, monta time de futebol, loja, grupo de rap. Forma a família, que é onde está o foco nosso, a família, dialogar, organizar… Historicamente foi proibido pra nós, a gente vive correndo, se escondendo, um comportamento de foragido que talvez essa geração não vá ter mais.

Fórum – Será que esse não é o susto das elites, perceber que daqui a 20 anos o Brasil não vai ser mais esse? 

Brown – O Brasil atrasado, os brancos também não querem isso, os brancos ligeiros não querem mais isso. Foi um ganho o branco acordar e o preto acordar também.

Fórum – “Fim de semana no parque” fez vinte anos agora. Você acha que essa foi a principal mudança nesse período, além do ganho econômico, também a elevação da autoestima?

Brown – Começa pela raça, pelo orgulho do que você é, de você ter na sua família a sua raiz. Se você não tem vergonha da sua mãe você vai ouvir mais ela, se você acha sua mãe bonita, seu pai bonito… Eu sou de uma geração em que muitos não tiveram pai, não tive pai, vários amigos não tiveram. Tive de aprender a ser meu pai, o homem da casa sempre fui eu. Isso também fez eu ser quem eu sou, mas acho que seria melhor se tivesse tido um pai. Em várias casas faltam um pai. Acho que a periferia vive este momento de fluxo de cadeia, da molecada se envolvendo na criminalidade, perdendo o direito de ir e vir, de oportunidade de emprego por conta de passagem [na polícia], então vai limitando e as famílias vão ficando empobrecidas. Mesmo que o governo faça, vai estar sempre correndo atrás, essa corrente tem de cortar. Dar oportunidade pra molecada – principalmente para os homens –, que não tem como demonstrar nada numa sociedade em que você tem de parecer que é, pelo menos. A molecada não tem oportunidade.

Fórum – Falando em oportunidade, o que você acha das cotas?

Brown – Como tudo que envolve o negro, é polêmico. Agora, se você negar que o Brasil prejudicou a raça negra… [As cotas] não vão resolver o problema, mas dizer que o negro não é merecedor disso é racismo. Historicamente teria de ter, mas, dentro da raça negra, o lance de cotas é tão dividido ou mais que entre os brancos. Se você chegar na inteligência negra, perguntar ali o que acha da cota… Mano, é treta! Você vai ter cara crânio que é contra, vai falar pra ele que tem de ser a favor… É dividido, acho bom ser polêmico. O problema tem de ser debatido, depois faz o acordo, mas de cara tem de conversar.

“Primeira coisa que se pensa: segurança. Segurança é polícia, entre um cantor de rap, um padre e um policial, ele vai eleger um policial. O voto explica”

Fórum – Qual a sua avaliação do movimento negro no Brasil?

Brown – O movimento negro evoluiu muito, tenho muito orgulho de ver como o movimento atua hoje, algumas reuniões em que eu fui, moleques muito inteligentes… Dá vontade de parar de falar e deixar só os moleques falarem. No dia do evento mesmo, antes tinha falado um garoto do movimento negro, ele já tinha falado tudo. Eu nem quis falar muito porque ele já tinha falado tudo. Antigamente, ia nos movimentos e era um debate muito primário, ranço de 300 anos debatido nos anos 1980, nós estamos em 2013 e a molecada já está debatendo outras coisas, outros poderes, não só os visíveis. Já não querem só a roupa de marca, os caras querem poder, os moleques vêm pesado na reivindicação, no direito, na história. São terríveis e estão vindo aí. Tenho orgulho, já foi um movimento confuso, hoje não é mais. É um movimento prático.

Fórum – Existe uma crítica de que somente o empoderamento econômico não traria consciência social para as pessoas, mas o seu depoimento não diz isso.

Brown – Traz. Traz porque o tempo é dinheiro pra todos, inclusive pra classe C. O micro-ondas, o carro que anda melhor vai fazer você chegar com mais conforto em casa, no seu trabalho, você vai ter tempo pra melhorar. Por que é conforto pro rico e pro pobre não? O pobre vai ficar bobo alegre, por quê? É preconceito. O que faz a vida do cara ter conforto, permitir organizar o tempo, poder estudar, trabalhar e cuidar do filho… Daqui a 20 anos, tá ele formado, o filho estudando, se ele não tivesse o carro, com certeza não trabalhava, não estudava, tinha cuidado só do filho. Ele não tinha estudado e era só o filho, não eram duas rendas, era uma. Bem material “aliena o pobre”, porque pobre é alienado, esse é o discurso… O pobre não tem inteligência… Sabedoria do povo é sabedoria do povo, tem de escutar, tem de entender a mensagem.

“Como um país como o Brasil pôde tolerar os números de mortes em São Paulo, em 2012? Ninguém vê?”

Fórum – Você nunca pensou em se envolver com política?

Brown – Dá preguiça. Vou ser preso por agressão… Primeira reunião é agressão, é foda, tem de ter sangue frio.

Fórum – No Rio de Janeiro, o MC Leonardo saiu candidato. Você não acha que o movimento deveria lançar mais candidatos?

Brown – Não houve sucessos nas últimas eleições, é a ideia que falei da disputa do cantor de rap, do padre e do policial, foi isso que aconteceu. Houve candidatos com votação inexpressiva. O MC Leonardo pegou o Rio de Janeiro de cabeça pra baixo, tá todo mundo embriagado com a UPP. Ele fez o movimento contrário, eu falei pra ele: “Você vai bater de frente com a UPP? O povo tá do lado. Sua bandeira é essa, então é difícil ganhar”. Deixou de ter excesso, UPP é a contenção dos excessos. Vai ter cocaína em todo lugar, maconha em todo lugar, na farmácia, na padaria você compra, vai ter o funcionário que vende a maconhinha… O problema é o excesso, polícia dando tiro, facção trocando tiro, garoto novo com arma.

Fórum – Como você chegou no Marighella? Você pegaria em armas por algum desses motivos que falou aqui com a gente?

Brown – Pegaria. Não sou mais do que ninguém, mas pegaria. Não vejo por que não pegar, mesmo que eu fosse um mau soldado. Faria de tudo pra ser um bom soldado.

Fórum – E o Marighella, como você chegou a ele?

Brown – Eu tinha ouvido falar do Marighella há alguns anos, alguém disse que a gente era parecido até fisicamente, e é mesmo né, mano? Através da esposa de um rapper, amigo nosso, me falaram que ia sair um filme e o pessoal queria falar comigo, porque tinha tudo a ver, Marighella e Racionais. Aí entrei em contato com o pessoal do filme e peguei a missão de fazer a música.

Fórum – Você se surpreendeu com a história dele? 

Brown – Me identifiquei demais com ele, pra caralho, como pessoa. Gostava de futebol, samba, poesia, mulheres e não tinha medo de morrer, por isso ele é um líder até hoje.

Fórum – E religião, você tem proximidade com alguma delas?

Brown – Minha mãe é seicho-no-iê, comecei a ir para a igreja por influência de amigos, estudei em colégio de ensino adventista, então tenho essa proximidade. Mas nasci dentro do candomblé e convivi com as duas culturas, uma conflitando com a outra. Imagina se eu sou confuso?

O adventista não agride tanto o candomblé ou qualquer outra religião, mas o neopentecostal é mais forte nisso, até porque os integrantes são tudo ex-filhos de santo, a maioria.

Fórum – As igrejas evangélicas estão cada vez mais presentes nas periferias de São Paulo…

Brown – Já foram mais.

Fórum – Qual a sua opinião sobre algumas lideranças religiosas, alguns pastores que estão enriquecendo? 

Brown – O povo tá injuriado com esse duplo sentido deles, essa dúvida sobre a honestidade que deixam no ar. E outra, tá meio neutralizado esse avanço, o povo fica de olho nessa dúvida que eles deixam.

Fórum – E o que mudou?

Brown – O que mudou é esse monte de escândalos em que eles se envolvem. “Ah, o cara é representante de Jesus”, mas quem deu esse direito a ele? “Ah, Jesus falou…”. Então tá, falou pra ele e por que não falou pra mim?

Fórum – Eles nunca tentaram chegar em você?

Brown – Não. Eles xingam os Racionais na TV, mas sem saber. Vou na igreja, gosto da ideia e da fé. Gosto de ajudar, de descer a favela, ir na cadeira, sou devoto dessa ideia, seja do candomblé, do evangélico ou do comunista, o cara que coloca em prática o que Jesus falou.

“Eu como e bebo por causa da pirataria, é minha rádio. Minha música nunca parou de tocar por causa da pirataria, ganhei e perdi na mesma proporção. Tá bom”

Fórum – Você falou de pegar em armas. Na periferia já não existem grupos de garotos falando em reagir, vingar essas chacinas?

Brown – Essa resposta você vai ver em sete ou oito anos. Essa ferida não vai cicatrizar, quem mora naquele lugar onde morreu o Lah não vai esquecer, os moleques vão crescer, mano. Quem viveu aquilo não vai esquecer.

Fórum – O governador Geraldo Alckmin, na sua opinião, está pecando por omissão ou é conivente com essa situação?

Brown – Peca por negligência, peca por prevaricação, por não executar a lei.

Fórum – Uns dois anos atrás, você disse que queria mudar sua imagem, que estava ficando “mapeada e óbvia”. Você mudou? Quem é o novo Brown?

Brown – O novo Brown não existe, porque esse termo “imagem” não existe, imagem é nada. Eu sou o Brown mais velho, macaco velho. Estou menos óbvio, menos personagem e mais natural. Comecei a tomar cuidado. Nunca fui oportunista, vivo de música, não sou um político que faz música. Eu não estava falando de chacina, de nada disso, estava preparando um disco de música romântica, aí começou a morrer gente aqui e tive de fazer alguma coisa.

Fórum – Você sempre teve uma visão crítica da mídia. O que acha dela hoje?

Brown – Ando muito chateado com a mídia por conta da chacina do final do ano. Dá para ver quem são os mais contestadores, eles são mais jovens e não têm forças. Os mais velhos têm espaço, mas são conservadores. Quem é da mídia e queria falar estava amarrado, e quem poderia falar fechou com a polícia, meio que concordando, entendendo mais a polícia do que a gente. Ontem (6 de fevereiro), em outra chacina em Guarulhos, mataram três irmãos nossos, filhos da mesma mulher, que já não tinham pai. Típico. A mulher de 40 perde os filhos de 15, 18 e 21 porque um polícia morreu na quebrada deles e mataram cinco para vingar.

Fórum – A chacina em que morreu o Lah realmente marcou você…

Brown – Muito, mano. Eu estava acompanhando antes daquilo, na véspera da eleição eu falei, em novembro; avisei de novo, aí depois vem essa chacina… Foi uma ação suicida, deram tiro com a bala da delegacia, foi como se dissesse assim: “Governador, você não é homem, o Estado não existe. Brasil, você é uma merda. Vem me pegar se vocês quiserem, matei sete pessoas no bar, com arma da polícia, e não vai dar em nada”. Deixou o recado. Como um país como o Brasil pôde tolerar os números de mortes em São Paulo, em 2012? Ninguém vê? ONU? Unicef? Qual a justificativa para tantas mortes? Não estamos em guerra. Queria saber como a Dilma lidou com isso.

Fórum – Sua relação com o Lula sempre foi forte.

Brown – É uma relação de respeito, sem badalação. Desde adolescente, eu votava no Lula, eu era simpatizante do PT, criei empatia. Ele é um cara honesto, gosto do Lula.

Fórum – E você ainda tem simpatia pelo PT?

Brown – Tenho. O PT, com todos os defeitos, ainda é a única coisa que a gente tem para lutar contra o PSDB, o partido do Alckmin, do Serra, da polícia tal, do delegado tal.

Fórum – Olhando para trás, após 25 anos de Racionais, você consegue identificar por que os Racionais ficaram tão grandes?

Brown – Porque o povo é muito grande. De cara, eu e o KL Jay, a gente trabalhava juntos, e falávamos que a periferia é a maioria absoluta e não tinha para ninguém. Se eles vierem com a gente, tá feito. O rap é a única coisa que sabia [fazer] e acredito nele até hoje.

Fórum – Quantos discos o Racionais vendeu?

Brown – Não tenho ideia, uns 2 ou 3 milhões.

Fórum – O que você pensa da pirataria?

Brown – Ótimo. Eu como e bebo por causa da pirataria, é minha rádio. Minha música nunca parou de tocar por causa da pirataria, ganhei e perdi na mesma proporção. Tá bom.

Fórum – Seu disco novo vai vir mais romântico mesmo? Você sempre falou de sua admiração por Marvin Gaye e Barry White, está se inspirando neles?

Brown – Continuo sendo o mesmo cara, interessado pelas coisas políticas do Brasil, pelo povo. Musicalmente, sempre gostei de música romântica, do Jorge Ben, Djavan, Arlindo Cruz, Zeca Pagodinho… Hoje em dia, as pessoas esperam do Brown aquele posicionamento combativo, de luta e guerra, mas aí é um personagem também, né? O Brown é um cara atuante, que tá buscando na vida novidade, força, inspiração, razões, buscando pessoas… É o que eu mais busco: pessoas. Quando as pessoas viram as costas e saem andando, você tem de saber por quê. Para dar continuidade ao trabalho, temos de caminhar pra frente, não voltar ao zero toda hora. A juventude precisa de rapidez, mobilidade de ideias, não dá pra ficar na mesma ideia todo dia. Seria uma atitude até covarde, fácil, ficar jogando mais lenha na fogueira. Então, você tem de buscar outras ideias, que passam pela raça também, com certeza.

Fórum – E essas novas ideias…

Brown – Passam pela raça, todas as ideias. Mas nenhuma ideia é desprezível.

Fórum – Você gosta de polêmicas, Brown?

Brown – O Brown está como sempre, velho e chato. Atuante, jamais calado ou inoperante. Tô aqui, ali, gesticulando, trazendo divisão de ideias, porque meu papel é esse também, trazer essas ideias, e tem de saber o que o povo quer também, não é só o que os intelectuais querem. Os comuns têm direito à opinião. E se a opinião dos comuns não for igual à dos intelectuais? Vai fazer uma ditadura, vai se isolar? Vai ter de interagir. Que nem quando escolheram o Serra, ficamos aqui, interagindo com as consequências da eleição do Serra [para prefeito, em 2004], encontrei gente na favela que votou nele. Quando a gente erra, o reflexo é violento.

Fórum – Você falou da eleição de policiais. A base de votos deles está na periferia. 

Brown – A base de voto de todo mundo. O público-alvo é a massa, os números estão aqui. Os partidos não conseguem se eleger com conceitos, é com números, com votos dos que não sabem o que estão fazendo e dos que sabem, dos brancos, índios, negros, confusos. Depois, quando estão lá em cima, decidem que direção tomar. Ter candidatos de dentro das comunidades seria bom, mas acho que isso ainda vai demorar um pouco. Do mesmo jeito que o rico se cerca com cerca elétrica, o pobre quer pular.

Fórum – Apesar de não ter candidato, a comunidade está exercendo um poder de pressão não pela via política, mas pela mobilização. Você vê que as pessoas estão experimentando novas formas de fazer política que não sejam necessariamente pelo voto?

Brown – Há quem diga que o povo que votou no Serra queria mudança, o que é uma forma de inteligência. Mas trouxe consequências gravíssimas na relação entre o povo e o poder, acabou o diálogo. Vamos ver o número de homicídios na periferia, não é possível que, por mais que sejam maquiados, que a informação seja negada, alguns excessos como essa chacina… No caso do DJ Lah, foi quando eu vi a revolta realmente, sete pessoas mortas em um lugar onde já tinha morrido um, prometida uma vingança… O povo vê a fragilidade, a opressão, o medo das famílias.

Um povo que não tinha noção de direito, de cidadania nenhuma, não sabe o que representa, o poder que tem, não confia em ninguém e, consequentemente, não respeita ninguém. Não vai respeitar o orelhão, não vai respeitar o ônibus, o que tem cheiro de sistema é alvo de agressões. É o orelhão que o moleque, por ignorância, quebra, até a casa onde ele picha. Então, a relação é entre seres humanos, não entre robôs, o comandante que está ali atrás da farda é um ser humano, o cara que dá a palestra na hora de formar o soldado é um ser humano, tem mulher, tem filhos. O que ele lê, o que assiste na TV, o que ele come, o que sofreu na infância dele pra ter esse comportamento?

“Os comuns têm direito à opinião. E se a opinião dos comuns não for igual à dos intelectuais? Vai fazer uma ditadura, vai se isolar? Vai ter de interagir”

Fórum – Recentemente, você esteve em Nova York e encontrou o Criolo lá. Quando você sai do País, você vai nas periferias? Como você vê o comportamento da juventude nesses locais?

Brown – O negro brasileiro é caloroso, e o americano é arredio, é outro comportamento. Fui lá procurar uns contatos de uns negões, uns negros muçulmanos, pesado demais cara, sombria a parada. Os caras ensinando coisas ruins para os negões, ensinando a fazer bomba, vai vendo, vai só piorando, é foda [risos]. O cara coloca na cabeça dos meninos a religião e tira a preguiça do corpo, dão motivo para o cara querer lutar.

Fórum – O Racionais, de um tempo para cá, tem sido muito ouvido na classe média. Como você lida com isso?

Brown – Há quem diga que a classe média é que cresceu muito [risos]. Mas já estava lá. Vejo com respeito, ouço crítica, elogio, converso, é importante ouvir o que eles dizem. Acho da hora que eles venham falar, até pra explicar minhas teorias, há muitos que vão de embalo, mas no caso do Racionais, estamos meio à prova de “embalista”, porque estamos há dez anos sem lançar disco, curte quem gosta mesmo. Não tem “modinha” Racionais.

Fórum – Como você tem se relacionado com os movimentos culturais, como o Tecnobrega?

Brown – Apoio. Conheci a Gaby Amarantos na MTV, mina lutadora, a nossa luta é a mesma, ela como mulher e negra, a luta é duas vezes maior. Eu dialogo com todos, o pancadão, os saraus, a várzea, até a música gospel. Sou envolvido com o começo da música gospel no Capão, não como evangélico, mas como amigo dos caras, eu gostava dos caras e eles gostavam de mim do meu jeito, a cena é forte aqui.

Fórum – Como é a história daquele diálogo inicial do Vida Loka 1?

Brown – A gente correu um certo perigo naquela gravação, porque celular em presídio é proibido, tá ligado? E é passível de punição. Ele estava preso, o disco saiu assim e não pegou nada. Houve uma falha no sistema, que estava meio embriagado de poder e nem viu nada. Naquela época a cadeia estava cheia de celular, e aí, porra, a gravação foi feita daquele jeito, ele lá dentro, falando comigo aqui fora.

Fórum – E o Santos? Você é um dos torcedores símbolos do Santos.

Brown – Não reconhecido, o Santos nunca me chama para nada, eu até conheço o presidente do Santos. Inviabilizei a contratação do Rafael Moura, ah, melei mesmo, contrata a Xuxa também, tá de brincadeira [risos]. Aquela reunião foi treta, aí eu sugeri: “Traz o André aí”. O Santos tá com um complexo de pobreza que eu não compreendo, esse negócio ridículo de colocar vidro no estádio inteiro, não dá pra ouvir as vozes da torcida, diminui a pressão. Os caras ficam batendo nos vidros, ficam parecendo loucos, esse negócio de colocar televisão nos camarotes. O setor Visa é vazio o ano inteiro, eu já perguntei ao presidente pra quem que é bom o marketing da torcida vazia, abre a câmera e o estádio está vazio.

Fórum – E o Neymar?

Brown – O Neymar é sensacional, melhor coisa que aconteceu no Brasil depois da eleição do Lula. Só poderia ter nascido no Santos mesmo, é foda, não cabe em outro time, mano.

Via:http://revistaforum.com.br