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quarta-feira, 2 de julho de 2014

O gol contra de Vladimir Safatle




Por Erick da Silva

Houve um tempo em que a figura política do "intelectual" exercia um importante papel na sociedade. Os franceses Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir seguramente foram os mais influentes e significativos exemplos no século XX deste perfil de intelectual que não restringe sua atuação aos "muros da universidade". Com o fim do comunismo soviético e a vitória relativa do neoliberalismo este perfil de intelectual foi modificado, perdendo muito de sua relevância pública, não raro voltando-se quase que exclusivamente para dentro da vida acadêmica, alheios ao mundo que os cerca.

Felizmente nem todas e todos seguiram esse roteiro e trilharam caminhos buscando combinar o esforço reflexivo com uma atuação militante. Intelectuais que se dispõem a disputar publicamente suas posições é algo que devemos louvar, principalmente, tratando-se de um intelectual de esquerda, figura sempre "maldita" pelos grandes meios e cujo espaços são duramente conquistados. Furar o bloqueio é uma tarefa difícil e Vladimir Safatle é um destes raros casos. Professor livre-docente da USP, tornou-se conhecido por um público maior sobretudo por sua atividade como colunista no jornal Folha de S. Paulo. Ainda que não necessariamente concordando com todas suas colocações, seus artigos eram elementos de rara crítica em uma mídia dominada pelo culto ao "deus mercado".

No entanto, o Safatle que anteriormente buscava articular importantes reflexões críticas sobre a sociedade, tendo alguns momentos de brilhantismo e inspiração, teve suas análises afetadas após as "jornadas de junho". Ao final de 2013, quando se filia ao Psol com a perspectiva de ser candidato pela sigla ao governo de São Paulo, colocou-se claramente em um outro lugar, isto é, o da disputa institucional e partidária - o que obviamente não deve ser objeto de crítica. O grande problema parece ter vindo depois da não confirmação da sua candidatura, visivelmente expressado em dois artigos anti-copa.

O primeiro com o título "Não teve Copa", publicado dois dias antes do seu início, afirmou taxativamente que "não há grande evento que consiga esconder o desencanto de um povo." Em sua aposta agourenta, previa que este desencanto converteria-se em protestos, "cuja revolta pode explodir a qualquer momento". A Copa aconteceu e não houve nenhuma "explosão de revolta". O clima da Copa no Brasil contagiou cada canto deste país, não sem problemas pontuais e alguns poucos protestos vanguardistas que não causaram impacto algum na conjuntura. A identidade dos brasileiros com o futebol foi desconsiderada na análise exposta em seu artigo. Pretender entender o seu próprio povo, com toda as suas potencialidades e contradições não é fácil; exige o esforço de saber enxergar a realidade para além de seus desejos e expectativas. Apostava-se que após esta derrapada o filósofo teria a humildade de reconhecer que errou completamente em suas avaliações. Ledo engano!

Safatle voltou à carga em artigo publicado na Folha em 01 de Julho, onde partiu para o ataque já no título, classificando de "Esquerda Padrão Fifa" os setores que apoiam ao Governo Dilma e a realização da Copa do Mundo no Brasil. Se por um lado, ele acertou ao dizer que nem todos os que são críticos à Copa fazem o jogo da direita, por outro, desconsiderou o fato de que existe uma direita golpista no país disposta a manipular a democracia em nome de seus interesses eleitorais imediatos. A direita inúmeras vezes manifestou que esperava, através do mantra "imagina na Copa", produzir uma desestabilização potente o suficiente para funcionar como a "bala de prata" para derrotar a reeleição do governo petista.

Não podemos negar os inúmeros equívocos que ocorreram no processo de preparação para a Copa, com destaque para o grave problema das remoções por conta das obras para o evento. Esta crítica aos megaeventos é necessária e pertinente. Mas não é este o caminho que Safatle trilha em seu artigo. Usando com alguma competência certos artifícios retóricos, e no mesmo tom do artigo anterior, fica evidente que a leitura que faz destila se não incompreensão, uma dose elevada de amargura e pessimismo. A crítica à Copa é usada com o objetivo de atacar ao PT. Equiparar, por exemplo, o PT ao CNA, da África do Sul, é desconsiderar todas as particularidades gritantes que existem na formação dos dois partidos e de seus governos, como é próprio de generalizações sem fundamentação em dados empíricos concretos.

Em uma postura de terra arrasada, na qual os parâmetros de pureza ideológica são usados para uma crítica de conjunto ao PT, faz transparecer que o seu principal adversário é o petismo e não a direita e o capital. Afirmar que "a esquerda morre quando negocia sua força critica por alguns ingressos de futebol", para além do efeito da frase, pouco aponta de concreto.

A derrota do "Não vai ter Copa", ainda não assimilada por Safatle, turva a sua análise sobre a dinâmica da luta de classes no país. O PT segue sendo, com todas as suas contradições, o principal partido a organizar e servir como referência para as lutas populares e o único partido com condições reais de força para disputar a hegemonia. Para além das necessárias críticas que se possa ter ao Governo Dilma, não está colocada uma alternativa à esquerda com alguma viabilidade. Apostar na derrota do PT, com irresponsabilidade e imaturidade política contribui para o jogo da direita, além de bloquear a construção de alternativas críticas aglutinadoras no campo da esquerda.

Fonte:http://www.aldeiagaulesa.net/

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