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domingo, 25 de dezembro de 2016

Os presentes de Natal de Temer, o cruel

Por Altamiro Borges

O Natal do “golpe dos corruptos” será inesquecível para os trabalhadores brasileiros. O Judas Michel Temer, vestido de Papai Noel, distribuiu um bocado de presentes. Sem se preocupar com a popularidade, que já está no lixo – segundo todas as pesquisas de opinião –, o usurpador esbanjou crueldade. As associações patronais e a mídia venal, que apoiaram a conspiração golpista, aplaudiram as medidas. Já as entidades de trabalhadores prometeram um 2017 de muitas greves e protestos. O site do PT listou algumas das maldades impostas nos últimos dias pela quadrilha que assaltou o poder. Vale conferir:

Reforma trabalhista

Em projeto de lei enviado ao Congresso, o golpista quer expandir a jornada do trabalhador além das atuais 8 horas diárias, para até 12 horas por dia. Esse acréscimo seria feito sem pagamento de horas extras, e respeitando o limite de 44 horas semanais e 220 mensais (em meses com 5 semanas).

O projeto também prevê a prevalência do negociado sobre o legislado. Quer dizer, acordos entre empregados e trabalhadores se sobressaem à legislação trabalhista. Em um momento de crise e aumento do desemprego e quando há uma fragilização das condições trabalhistas, essa mudança pode significar o fim de diversos direitos trabalhistas. O projeto também fala sobre a limitação do horário do almoço para apenas meia hora e o fatiamento de férias.

PEC dos Gastos

Principal medida do governo do golpe para supostamente salvar a economia, a proposta de emenda à Constituição foi aprovada em dois turnos na Câmara e no Senado. A emenda acaba com a obrigatoriedade de gastos em saúde e educação, e impõe um teto para os gastos públicos. Na prática, ao longo de 20 anos vai reduzir os investimentos em sociais per capita – proporcional ao número de habitantes – já que a população brasileira está crescendo. A própria ONU afirmou que o pacote de austeridade é incompatível com as obrigações de direitos humanos do Brasil e que o efeito da proposta se abaterá sobre os mais pobres.

O brasileiro quando tem renda, ele procura serviços particulares. Mas o que não têm, vai ficar sem”, afirma. “Será que a sociedade brasileira aguenta?”, questionou o economista André Perfeito sobre a proposta.

Previdência

A PEC da Previdência apresentada pelo golpista neste fim de ano foi classificada como cruel e desumana. Para justificar a medida, Temer apresentou um quadro falacioso da Previdência Social que, segundo muitos economistas, não está quebrada como apontou o golpista. Os mais impactados serão os mais pobres, os trabalhadores rurais e as mulheres.

Alguns dos absurdos da proposta:

– As mulheres serão as grandes prejudicadas. Hoje, a idade mínima para elas é de 60 anos. Com a reforma, passará para 65. Além disso, a regra dos 85 anos para aposentadoria integral (soma de tempo de contribuição e da idade do contribuinte) passará para 114 anos para as mulheres. Para os homens, os atuais 95 também se transformam em 114. Isso porque, além da idade mínima de 65 anos, serão necessários quase 49 anos de contribuição. Isso vindo de um presidente usurpador, que se aposentou aos 55 anos.

– A idade que idosos muito pobres que recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC) passará de 65 para 70 anos. Além disso, uma mesma família não poderá acumular dois BPCs (no caso de famílias que têm um idoso e uma pessoa com deficiência física, por exemplo, que também tem direito ao recebimento).

– Por conta das especificidades do trabalho no campo, o trabalhador rural é atendido pelo Regime Especial de Aposentadoria. O homem do campo se aposenta aos 60 e a mulher, aos 55. Isso ocorre porque no campo, o trabalho começa muito cedo. No novo regime, a idade mínima de ambos passa para 65, prejudicando especialmente as mulheres.

– Ainda no campo, o trabalhador rural terá o seu regime de contribuição modificado. Hoje, ele paga à Previdência uma porcentagem sobre a venda de sua produção, que pode ser mensal, anual, a depender do calendário da colheita. Na regra do golpista, o agricultor terá que contribuir mensalmente, ignorando as especificidades do trabalhador do campo (que não recebe um salário mensal e nem sempre tem disponibilidade para ir mensalmente a um banco, por exemplo).

Estímulo a demissões

Outro presente do golpista foi uma medida que estimula as demissões. Michel Temer retirou gradualmente a multa de 10% do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) paga pelo empresário para o governo em demissões sem justa causa. Na prática, isso é um estímulo ao desemprego, já que fica mais barato dispensar o trabalhador.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Mais um avião caiu: somos todos Chape, Rafael Braga não é ninguém





(Para Rafael Braga, porque é sobre ele, e para Rafinha, porque a ideia é dela)


Lamentamos informar que neste terrível ano que parece não acabar nunca, tivemos a notícia de mais um terrível acidente envolvendo uma aeronave. As informações ainda são muito desencontradas uma vez que grandes redes de televisão insistem em dizer que o acidente não ocorreu, destorcem e ocultam os fatos, prejudicando muito a compreensão do ocorrido.

Ainda não sabemos ao certo o número de vítimas e sobreviventes. O avião caiu em um lugar de difícil acesso. As equipes de salvamento tiveram que pegar vários ônibus, fazer baldeação para pegar o trem e se demoram a chegar ao local que ainda sofre, nesta época do ano, com inundações frequentes.

Sabe-se, entretanto, que a maioria das vitimas é jovem e negra. As causas da morte são estranhamente bizarras: muitos morreram porque foram atingidos por balas perdidas, outros tem marcas de tiro pelas costas ou na nuca, numa evidência que pode ter havido execuções. Uma mulher parece ter sido arrastada ao ser presa no compartimento de bagagem quando ainda estava viva. Muitos corpos estão desaparecidos e outros aparecem com claros sinais de tortura.

A polícia que investiga o estranho ocorrido afirma que há fortes indícios de que todas as vitimas resistiram ao acidente o que acabou levando-as à morte.

Outro aspecto que nos chama a atenção é a quantidade de mulheres entre as vítimas. Apesar de serem um pouco mais da metade do número de passageiros, foram elas que ficaram mais machucadas com a violência da queda. Apresentam hematomas, braços quebrados, marcas de queimadura pelo corpo e, em muitos casos, a alma partida e o coração despedaçado. Estranhamente, entre as sobreviventes, muitas negam que tenham se machucado no acidente, alegando que caíram da escada ou outro motivo improvável.

Para agravar ainda mais este terrível sinistro, o avião parece ter caído em várias escolas e hospitais. As autoridades alegam que não poderão investir recursos para a reconstrução dos serviços nos próximos vinte anos uma vez que o dinheiro está comprometido com o pagamento dos juros da dívida pública, com altos salários do judiciário, subsídios vultuosos para empresários, o perdão da dívida do agronegócio e para um suntuoso jantar que o presidente vai dar em homenagem a si mesmo no final do ano.

Além da evidente dor das famílias com a perda de seus entes queridos, há muita preocupação, também, entre os sobreviventes e seus familiares. As viúvas não receberão mais sua pensões integrais e só as terão por um tempo bem menor. Sobreviventes, por vezes mutilados pelo acidente, terão que continuar trabalhando até a idade mínima de 65 anos e contribuir por 49 anos o que, em muitos casos, os forçará a trabalhar até depois dos 70 anos.

O Ministério Público investiga as denuncias que alguns setores se beneficiaram com o acidente e que esperam ganhar fortunas com o ocorrido. As suspeitas recaem não apenas sobre a companhia aérea, mas nos fornecedores, bancos, empresas de seguro e uma infinidade de políticos. As investigações vão durar anos até que se apure tudo, mas a polícia já prendeu uma pessoa que passava pelo local do acidente portando um recipiente plástico contento um suspeito produto de limpeza. Apesar de não haver nenhuma relação plausível entre o desinfetante líquido e a queda do avião, o moço negro e pobre foi condenado e já se encontra preso.

Diferente de um recente acidente aéreo envolvendo uma equipe de futebol, a respeito do qual nos solidarizamos com as vítimas e seus familiares, este parece ter provocado reações dispares. Ao contrário daquele que motivou uma intensa solidariedade e consternação geral, levando a atos inusitados de equipes abrindo mão de títulos, adversários emprestando jogadores e recursos, cartolas fazendo de conta que se preocupam com jogadores, este acidente não gerou uma empatia unânime.

Muitos foram às ruas protestar e demonstrar seu inconformismo com tudo isso, mas outros, estranhamente festejam a catástrofe. Alguns dos passageiros, mesmo entre os mortos destroçados por partes do avião que lhe atravessavam o corpo, vestem camisas da seleção brasileira e batem panelas afirmando que apesar da dureza da queda, alguma coisa precisava ser feita. O avião não podia continuar voando daquele jeito, alegam, pois poderia acabar pousando na Bolívia, na Venezuela ou, pior ainda, em Cuba.

Com razão, ficamos abalados com o acidente que vitimou toda uma equipe de jovens esportistas que, saindo das divisões inferiores, estavam bem perto de um titulo inédito. Mas, por que esta indiferença com as vitimas desta catástrofe que se abate cotidianamente sobre nós? Talvez porque sejam pessoas que nunca sairiam das divisões inferiores, porque são muitas, porque são pobres, porque são negros, porque nunca iriam ganhar nada mesmo. Sei lá.

Quem se importa com esta gente, se é que gente mesmo isso aí? Quem se importa com um filho de marceneiro, com uma mãe doida que está grávida e acha que é virgem? Quem se importa com uma família perdida no deserto ou a deriva num mar de indiferença, fugindo de governos que matam crianças? Quem se importa? Que morram…

Os sobreviventes tentam racionalizar com aquelas coisas de costume, dizendo que se atrasaram para aquele vôo, podiam estar mortos, mas escaparam. Outros falam de sua sorte porque estavam na única cadeira de toda uma fila que foi dizimada, ou porque entraram na regra de transição e vão se aposentar assim mesmo, ou porque não são líbios, nem sírios, não moram em Mariana nem na baixada fluminense. Conversamos a respeito deste comportamento com Mario Benedetti, que escapou de um acidente similar no Uruguai, porque os poetas nunca morrem, e ele nos disse o seguinte:


“cuando en un accidente

una explosión

un terremoto

un atentado

se salvan cuatro o cinco

creemos

insensatos

que derrotamos a la muerte
pero la muerte nunca
se impacienta

seguramente 
porque
sabe
mejor que nadie

que los sobrevivientes

también mueren.”

***

Mauro Iasi é professor adjunto da Escola de Serviço Social da UFRJ, pesquisador do NEPEM (Núcleo de Estudos e Pesquisas Marxistas), do NEP 13 de Maio e membro do Comitê Central do PCB. É autor do livro O dilema de Hamlet: o ser e o não ser da consciência (Boitempo, 2002) e colabora com os livros Cidades rebeldes: Passe Livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil e György Lukács e a emancipação humana (Boitempo, 2013), organizado por Marcos Del Roio. Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às quartas.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

República estilhaçada e a falência do STF


por Aldo Fornazieri


Uma república se sustenta sobre a funcionalidade do tripé dos três poderes - Executivo, Legislativo e Judiciário - conforme o estabelecido na Constituição. Nas últimas semanas, a república brasileira veio abaixo com o desmoronamento do último poder que ainda mal subsistia: o Judiciário. Fruto de um golpe, o Executivo, sem legitimidade não podia ser considerado um poder republicano desde a posse de Temer. Além da ilegitimidade originária, esse governo era e é inaceitável pelo seu caráter criminal. Se alguém ainda duvidava de que se tratava de uma quadrilha, as delações dos executivos da Odebrecht acabam de desvelar qualquer dúvida. A principal missão desse governo é a de investir com violência contra os direitos sociais e contra o espírito e a letra da Constituição de 1988.

O Congresso, na sua dupla composição - Câmara e Senado - foi o principal fautor do golpe. Por serem casas comandadas por pessoas acusadas de cometer vários crimes, sendo que um de seus dirigentes, Eduardo Cunha, está preso e com denúncias graves pesando sobre os ombros de vários membros, o Congresso não tem respeito e legitimidade junto à sociedade. As delações recentes mostram que a soberania da representação popular foi vendida, privatizada, vilipendiada, conspurcada, ao sabor dos interesses privados de empreiteiras e de outros grupos que compram leis, favores e benefícios. Não há como considerar que esse Congresso seja uma instituição republicana, pois ele é a face perversa da destruição da res publica.

Por fim, ruiu o Judiciário na sua figura maior, o Supremo Tribunal Federal. Esta casa não tem uma história honrosa da qual possa se orgulhar. Deu cobertura ao golpe militar de 1964, validou medidas inconstitucionais do governo Collor e se acovardou perante a falta de amparo constitucional ao impeachment da presidente Dilma. Ademais, o poder judiciário, pela sua incompetência, pela sua morosidade e por aplicar uma Justiça enviesada contra os pobres, contra os negros e contras as mulheres é portador de um enorme déficit de republicanismo.

A desmoralização do STF

No caso Renan Calheiros, o STF foi desmoralizado e se desmoralizou. Demonstrou que não é um tribunal capaz de exercer o controle constitucional e que está a serviço dos interesses de um governo falido, que não governa o país. Lula tinha toda a razão quando afirmou que estamos diante de um "Supremo acovardado". Aceitou todo tipo de pressão política e terminou promovendo a mais esdrúxula das decisões já promovidas pelo STF. Ora, se o Tribunal pôde tirar Cunha da presidência da Câmara podia tirar também Renan da presidência do Senado. E se Renan pode ser presidente do Senado não há nenhuma justificativa razoável e lógica para que não possa ficar na linha de sucessão da presidência da República. Presidência da República e presidência do Senado (e do Congresso) são poderes equivalentes e equipotentes nos termos da doutrina republicana, embora com funções diferentes. Se Renan não pode ficar na linha de sucessão da presidência da República não pode ser também presidente do Senado.

Confrontado pela rebelião de Renan, o STF se recolheu desmoralizado. O STF não está agindo como colegiado. São nove homens, duas mulheres e nenhum destino, nenhuma dignidade, nenhum espírito de Corte Constitucional, nenhuma sobriedade, nenhuma cautela, nenhuma prudência. Os juízes, Gilmar Mendes à frente, são juízes apenas pelo poder formal que lhes é conferido, mas não são juízes nas suas condutas e nos seus conteúdos. Na prática, como juízes, são porta-vozes de interesses políticos, e como militantes políticos, julgam extrapolando o amparo da Constituição.

Os juízes de um tribunal, que é o guardião da Constituição democrática e republicana de um país, precisam ter condutas e decisões cuidadosas e cautelosas. Os juízes e o colegiado devem, por terem o poder de decisões finais e irrecorríveis, conduzir-se pelo recato, pelas auto-restrições, pelo autocontrole, pelo comedimento, tanto nas suas relações pessoais quanto no exercício de suas funções. Mas não é isto o que se vê. Dominados pela vaidade e pela frivolidade perigosa de suas incontinências verbais, são agentes da desmoralização do próprio STF. Os juízes devem saber que não são deuses e que não estão acima do debate e do escrutínio da opinião pública. Deveriam saber que não podem negociar decisões judiciais com Temer, com senadores ou com quem quer que seja.

Qual a saída?

A pesquisa do Datafolha, publicada no final de semana, é devastadora para o governo Temer. Os seus dias devem ser abreviados pela renúncia. Se não renunciar deve ser derrubado pelas mobilizações de rua. A única saída que esta crise comporta são as eleições gerais antecipadas. Nenhum governo que emergir desse processo que tem o golpe como elemento gerador terá legitimidade e capacidade para tirar o país da crise. Nenhum governo que não nascer da soberania do voto popular tem a legitimidade para pedir sacrifícios a quem quer que seja. Não se pode reduzir direitos, definir tetos, agredir o pacto social da Constituição de 1988. Os democratas e progressistas tem o dever e a responsabilidade de levar bandeira das eleições gerais para as ruas imediatamente. É incompreensível que o PT e as esquerdas não tenham desfraldado esta bandeira desde o afastamento de Dilma.

O PT e as esquerdas precisam dizer claramente qual a saída que defendem em face da derrocada das instituições republicanas. Partes das bancadas do PT não podem continuar se comportando como a quinta coluna do governo golpista, como se comportaram na eleição de Rodrigo Maia, no episódio de Renan Calheiros e na falta de combate à PEC do teto. 

O fato é que setores do PT e parte da intelectualidade progressista estão com uma estratégia equivocada. Após a consolidação do golpe "branquearam" a luta contra o governo e transformaram o judiciário e a Lava Jato em inimigos principais, num jogo conveniente não só para o governo Temer, mas até mesmo para o PSDB. O poder judiciário e a Lava Jato precisa ser criticados e contidos nos seus excessos, mas não são um poder disputável. Somente o poder político é um poder disputável pelas forças políticas e sociais.

O colapso do Executivo, do Legislativo e do Judiciário produziu uma agenda democrática e progressista unificadora: eleições gerais já; não à PEC do Teto e não à reforma da previdência. Não que o ajuste fiscal e a reforma previdenciária não sejam necessários. Mas não estes que estão aí, que jogam o peso da crise nos ombros dos mais pobres. As reformas que estão aí são impositivas e antidemocráticas. Não há o que negociar. As estruturas de mediação democráticas e republicanas foram rompidas. Elas só podem ser reconstituídas pelo processo social, pela mobilização popular nas ruas e pelas urnas.


Aldo Fornazieri - Professor da Escola de Sociologia e Política.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

O fascismo avança


Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro


Os fascistas são pessoas comuns… estão ao nosso lado, convivemos com eles, inicialmente conferimos pouca importância ao fato de serem incapazes de compreender a complexidade da vida e das relações humanas, o caráter plural da existência.

Não é raro até mesmo acharmos graça da ignorância que expressam com tanta autoridade… até que explode a violência.

A violência fruto da intolerância é, há um tempo, o elemento de identificação do fascista e o sinal de alerta de que, absorvida pelo corpo social e normalizada por aqueles que têm o dever de contê-la, já os fascistas não são poucos, organizam-se e reverberam sua estupidez sob o olhar concordante ou condescendente de grande parcela da sociedade.

De todas as consequências produzidas pela ação política de Deltan Dallagnol aquela que é sua responsabilidade direta e pela qual haverá de responder politicamente consiste em insuflar a violência em um quadro de expansão do fascismo.

Dallagnol está obcecado pela “luta contra a corrupção” a ponto de capitanear o ataque mais frontal e escancaradamente anticivilizatório à Constituição de 1988, por meio de propostas que vergonhosa e falsamente divulga como sendo de “enfrentamento à corrupção”.

O fascismo infiltra-se na democracia, vale-se de extratos do discurso democrático para ampliar o leque de influência das ideias de homogeneidade do corpo social, que claro são convite a “expulsar” os diferentes desse “corpo” hipoteticamente salutar, maculado pelos que não professam as mesmas ideias.

O jurista/historiador António Hespanha, em seu “O Caleidoscópio do Direito”, no campo específico da formação dos juristas, adverte para os cuidados que devemos ter se quisermos de fato viver em democracia. O alerta vale para todas as pessoas, não necessariamente apenas para os juristas.

Hespanha sublinha a necessidade do “cultivo de um espírito de contínua autovigilância e autocrítica, que previna a imposição de pontos de vista pessoais ou de grupo aos pontos de vista da vontade popular positivados na ordem jurídica; e, finalmente, de uma sagacidade e perspicácia que desconstrua o contrabando intelectual que consiste em fazer passar por naturais ou gerais as opiniões ou os interesses de um grupo ou de uma parte” (p. 160).

Dallagnol e os que o acompanham nessa empreitada político-midiática, tirando partido da Lava Jato, tentam passar de contrabando propostas de restrição significativa do habeas corpus e outras tantas garantias que a civilização ocidental edificou depois de muito arbítrio, arbítrio fascista, como se tais propostas visassem controlar de fato a corrupção.

Trata-se de “contrabando intelectual”, que não passa em um “tese de integridade das ideias”.

Como um jovem mimado, incapaz de tolerar frustração, vencido no debate na Câmara dos Deputados, instila no lado fascista de nossa sociedade essa sede por sangue – sangue dos que os fascistas identificam como inimigos.

Não há aqui teoria alguma. A agressão praticada contra o jovem fotógrafo Francisco Proner Ramos, em Copacabana, e sua namorada é a consequência inevitável da estupidez em forma de política.

Aos que supõem que haja exagero na avaliação e que conscientemente fecham os olhos diante da escalada de brutalidades que testemunhamos, recomendo que vejam o filme de Christoforos Papakaliatis, “Worlds Aparts” (Mundos Opostos), retrato do fascismo experimentado no berço da autoproclamada Civilização Ocidental, a Grécia.

Um dos episódios leva o sugestivo título: “O bumerangue”. Não tenham dúvida: a violência retorna e deixa cicatrizes profundas.

Minha solidariedade ao fotógrafo Francisco e à namorada na forma de compromisso por lutar sempre e sempre contra o fascismo.

Ps.: A fogueira da violência também é alimentada por reações que rebaixam muitos dos nossos políticos. Há uma grande diferença entre debater, com maturidade e senso crítico, a responsabilidade de magistrados e membros do MP por abusos, e agir irrefletidamente, a passar a impressão incontestável de revanche.

Em geral, excetuando-se os que pensam como Dallagnol, magistrados e membros do MP não são refratários a responsabilização por abusos. Mas todos – pelas mais variadas razões – são contra a intimidação das duas instituições.

Necessitamos mais do que em qualquer época de políticos que não joguem combustível na fogueira fascista.


Geraldo Prado é Professor Titular de Direito Processual Penal na UFRJ