Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Os fascistas são pessoas comuns… estão ao nosso lado, convivemos com eles, inicialmente conferimos pouca importância ao fato de serem incapazes de compreender a complexidade da vida e das relações humanas, o caráter plural da existência.
Não é raro até mesmo acharmos graça da ignorância que expressam com tanta autoridade… até que explode a violência.
A violência fruto da intolerância é, há um tempo, o elemento de identificação do fascista e o sinal de alerta de que, absorvida pelo corpo social e normalizada por aqueles que têm o dever de contê-la, já os fascistas não são poucos, organizam-se e reverberam sua estupidez sob o olhar concordante ou condescendente de grande parcela da sociedade.
De todas as consequências produzidas pela ação política de Deltan Dallagnol aquela que é sua responsabilidade direta e pela qual haverá de responder politicamente consiste em insuflar a violência em um quadro de expansão do fascismo.
Dallagnol está obcecado pela “luta contra a corrupção” a ponto de capitanear o ataque mais frontal e escancaradamente anticivilizatório à Constituição de 1988, por meio de propostas que vergonhosa e falsamente divulga como sendo de “enfrentamento à corrupção”.
O fascismo infiltra-se na democracia, vale-se de extratos do discurso democrático para ampliar o leque de influência das ideias de homogeneidade do corpo social, que claro são convite a “expulsar” os diferentes desse “corpo” hipoteticamente salutar, maculado pelos que não professam as mesmas ideias.
O jurista/historiador António Hespanha, em seu “O Caleidoscópio do Direito”, no campo específico da formação dos juristas, adverte para os cuidados que devemos ter se quisermos de fato viver em democracia. O alerta vale para todas as pessoas, não necessariamente apenas para os juristas.
Hespanha sublinha a necessidade do “cultivo de um espírito de contínua autovigilância e autocrítica, que previna a imposição de pontos de vista pessoais ou de grupo aos pontos de vista da vontade popular positivados na ordem jurídica; e, finalmente, de uma sagacidade e perspicácia que desconstrua o contrabando intelectual que consiste em fazer passar por naturais ou gerais as opiniões ou os interesses de um grupo ou de uma parte” (p. 160).
Dallagnol e os que o acompanham nessa empreitada político-midiática, tirando partido da Lava Jato, tentam passar de contrabando propostas de restrição significativa do habeas corpus e outras tantas garantias que a civilização ocidental edificou depois de muito arbítrio, arbítrio fascista, como se tais propostas visassem controlar de fato a corrupção.
Trata-se de “contrabando intelectual”, que não passa em um “tese de integridade das ideias”.
Como um jovem mimado, incapaz de tolerar frustração, vencido no debate na Câmara dos Deputados, instila no lado fascista de nossa sociedade essa sede por sangue – sangue dos que os fascistas identificam como inimigos.
Não há aqui teoria alguma. A agressão praticada contra o jovem fotógrafo Francisco Proner Ramos, em Copacabana, e sua namorada é a consequência inevitável da estupidez em forma de política.
Aos que supõem que haja exagero na avaliação e que conscientemente fecham os olhos diante da escalada de brutalidades que testemunhamos, recomendo que vejam o filme de Christoforos Papakaliatis, “Worlds Aparts” (Mundos Opostos), retrato do fascismo experimentado no berço da autoproclamada Civilização Ocidental, a Grécia.
Um dos episódios leva o sugestivo título: “O bumerangue”. Não tenham dúvida: a violência retorna e deixa cicatrizes profundas.
Minha solidariedade ao fotógrafo Francisco e à namorada na forma de compromisso por lutar sempre e sempre contra o fascismo.
Ps.: A fogueira da violência também é alimentada por reações que rebaixam muitos dos nossos políticos. Há uma grande diferença entre debater, com maturidade e senso crítico, a responsabilidade de magistrados e membros do MP por abusos, e agir irrefletidamente, a passar a impressão incontestável de revanche.
Em geral, excetuando-se os que pensam como Dallagnol, magistrados e membros do MP não são refratários a responsabilização por abusos. Mas todos – pelas mais variadas razões – são contra a intimidação das duas instituições.
Necessitamos mais do que em qualquer época de políticos que não joguem combustível na fogueira fascista.
Geraldo Prado é Professor Titular de Direito Processual Penal na UFRJ
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