Prezado:
Antes de mais nada, devo dizer que não lhe desejo mal e nem vou integrar a multidão de “aldeões com tochas” que ora se forma para lhe tomar satisfações senão pelo seu rol de amizades, ao menos pela divulgação de uma eventual parceria com gente profundamente indigesta.
Peço encarecidamente que me desculpe o atrevimento de chamá-lo de colega, afinal, eu sou pouco mais que uma dona de casa com uma caixinha bem sortida de diplomas e certificados guardada na biblioteca, cujo trabalho na área de História não alcançou a excelência suficiente para que possa ombrear consigo pelos corredores acadêmicos.
De acordo com o projeto de reconhecimento da nossa profissão, mesmo com toda a minha dedicação, ainda assim jamais poderei intitular-me historiadora ou sequer professora, uma vez que não tenho o abrigo de uma grande instituição de ensino que responda por mim e por meu trabalho.
Tudo o que tenho é meu nome, um cérebro de segunda (mas que está tinindo ainda) e um par de braços bastante robustos que jamais tiveram receio do trabalho. Também tenho uma vida dedicada a defender os ideais que visam transformar a humanidade em melhores “companheiros de viagem”.
Isso mesmo, eu sou comunista desde criancinha e já lhe vi várias vezes fazendo troça ironicamente daqueles que acreditam em utopias e que tomam partido na política, nos meios acadêmicos e na vida. Já lhe vi, também, todo prosa defendendo a “neutralidade” que se acredita acima do bem e do mal, como se isso fosse possível na vida real e no mundo concreto.
Admiro sua erudição adquirida em uma vida resguardada, em que os estudos somente lhe exigiram sacrifícios intelectuais e não físicos e pessoais. Admiro sua realização pessoal e profissional em um mundo em que a “meritocracia” lhe reservou as oportunidades que são negadas a tantos de nós.
Não lhe invejo e digo isso com toda sinceridade porque, dentro do que me propus na vida, sou uma pessoa extremamente bem realizada, sem dinheiro, mas muito feliz com minhas conquistas simplezinhas de mulher.
Não lhe invejo porque a celebridade sempre tem implícito o momento da queda e do escárnio e, do mesmo jeito que não desejo isso para nenhum de meus amigos ou desafetos, também não lhe desejo o mau bocado que está prestes a passar por conta da foto publicada em sua rede social.
A neutralidade que se considera acima do bem e do mal é como a mulher de César, que não basta ser honesta, tem que parecer honesta. Quando se escolhe uma posição de vestal em relação à política partidária, pousar ao lado deste ou daquele expoente (de qualquer dos lados) é um luxo proibido. Quanto mais tecer encômios de amizade a indivíduos diretamente responsáveis pelo descalabro golpista em que se encontra nosso país.
Hoje, ao abrir meu Facebook voltando da caminhada matutina, deparei-me com choro e ranger de dentes, comentários apocalípticos daqueles que correm para descurtir sua página e gente augurando sua derrocada do mundo das celebridades intelectuais.
E fico pensando que, embora eu não tenha simpatia por suas escolhas políticas e suas posturas seletivas, ainda assim respeito-o pelas suas capacidades intelectuais, que são visíveis. E não me parece correto que o trabalho de qualquer professor seja avaliado apenas a partir de indicativos tão rasos como “amizades” ou “posturas públicas”.
A indignação de uma centena de meus amigos de Facebook não ameaça seu lugar na UNICAMP e muito menos vai se refletir em um prejuízo para sua obra no mercado editorial ou na procura por suas palestras, verdade seja dita. Meu medo é dos que vão passar a lhe elogiar a partir dessa foto.
Afinal, seu amigo em questão, consegue empolgar e arrastar o que há de pior em termos de proto-fascistas, ignorantes, misóginos, racistas e xenófobos, em uma procissão digna de perecer na Nau dos Insensatos. E esse tipo de pessoa vai curtir sua página por conta da foto e vai cobrar que suas postagens sejam de acordo e, quando não forem, certamente não vão ter a elegância e a largueza para apreciar a divergência. Temo por sua sanidade tendo que lidar com o ódio que esse naipe de indivíduos é capaz de veicular, mediante o assassínio da civilidade e da língua pátria.
E digo mais, eu o respeito mais agora quando visivelmente escolheu um lado, do que quando se pavoneava troçando do resto de nós refugiando-se em um humanismo renascentista patético e anacrônico.
Bem-vindo ao mundo real e receba minhas cordiais saudações daqui do chão da História,
abraços,
Anna.
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