As declarações feitas pelo candidato Jair Bolsonaro numa transmissão ao vivo em rede social são graves, são preocupantes e deviam ter sido rebatidas pelos demais candidatos. Resumidamente, ele prevê que vai perder no segundo turno por conta de uma fraude da urna eletrônica que o PT já teria armado. E com isso, revela sua disposição para contestar o resultado e a legitimidade do pleito, deixando no ar a possibilidade de um golpe contra a suposta fraude, que poderia ter a participação militar.
No final do vídeo ele dirige um agradecimento aos que o apoiam na Marinha, no Exército e na Aeronáutica, “como cidadãos e não como instituição”. A saudação veio depois das graves declarações, para deixar bem claro com quem ele conta para resistir. Quando Bolsonaro foi esfaqueado, no dia 6, o comandante do Exército, general Vilas Boas, declarou que o ataque poderia comprometer a legitimidade do pleito: se Bolsonaro ficasse impedido de participar da campanha, poderia atribuir a isso uma eventual derrota, assim como, se ganhasse, os outros poderiam dizer que ele foi favorecido pela vitimização.
Ontem, o candidato a vice na chapa de Bolsonaro, general Hamilton Mourão, pediu que fossem relevadas as declarações de um homem fragilizado, que quase morreu. Externou confiança no sistema. “O jogo é este, vamos jogar e ganhar no primeiro turno. Quem vencer, venceu. Só tenho pena do Brasil se o PT vencer”
Só pode estar no jogo quem confia no sistema de votação e apuração. Por isso os demais candidatos deviam ter repelido as declarações de Bolsonaro, questionando por antecipação a lisura do pleito. Mas, entre eles, apenas Geraldo Alckmin contestou Bolsonaro. O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, também lembrou que o presidenciável do PSL nunca reclamou da urna eletrônica nas sete vezes em que se elegeu deputado.
Mais que sandices
Bolsonaro disse coisas muito graves, que não podem ser relevadas só porque sofreu um atentando e está visivelmente debilitado. O que ele disse expressa a percepção de segmentos militares e civis que gravitam em sua órbita. Não são de agora suas críticas a uma suposta vulnerabilidade da urna eletrônica. Disse ele que “a narrativa agora (a partir das últimas pesquisas) é a de que perderei no segundo turno para qualquer um. A grande preocupação não é perder no voto, é perder na fraude. Então, essa possibilidade de fraude no segundo turno existe, talvez até no primeiro”. E ainda: “O PT descobriu o caminho para o poder: o voto eletrônico”. Para ele, o partido disporia de programas que poderiam inserir uma média de 40 votos em cada urna, em todo o país. Antes, afirmou que Lula, podendo fugir, e contando com proteção de ditaduras estrangeiras, só pode ter se entregado porque tinha um plano B. O plano da fraude, para eleger Haddad, que o indultará. Não apenas o PT mas todos os candidatos deveriam repelir tão graves afirmações sem a apresentação de indícios ou provas, que buscam desqualificar, por antecipação, a eleição de que o país precisa tanto para sair do beco em que se encontra.
Na semana passada, em corajosa e honesta autocrítica, o senador Tasso Jereissati, ex-presidente do PSDB, reconheceu três erros cometidos por seu partido, que ajudaram a fomentar a crise política. Primeiro, a contestação do resultado da eleição de 2014, quando Aécio Neves, derrotado por Dilma, pediu recontagem dos votos e a impugnação da chapa Dilma-Temer, abrindo a porta para a instabilidade política. Depois, seguindo o comando de Eduardo Cunha, o partido participou da sabotagem ao governo Dilma, que tentava corrigir seus próprios erros econômicos. O terceiro teria sido participar do governo Temer.
O que Bolsonaro faz agora é mais grave, ao colocar sob dúvida uma eleição que ainda nem aconteceu, num ambiente em que, diferentemente de 2014, os militares voltaram a dar pitacos na política.
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