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segunda-feira, 31 de dezembro de 2018


Lucas Rubio, presidente do Centro de Estudos da Política Songun - Brasil, foi entrevistado pela TV Comunitária do Rio de Janeiro. Ele visitou a Coreia do Norte em setembro e explica didaticamente a história e a realidade atual do país socialista.

Via:https://achistorico.blogspot.com/

domingo, 30 de dezembro de 2018

Direita pode estar montando provocações

Por Gilberto Maringoni

São preocupantes as informações de que um suposto grupo terrorista teria anunciado um atentado durante a posse de Jair Bolsonaro, em 1o. de janeiro, em Brasília. As informações se originariam dos próprios responsáveis. É algo somente plausível em seriados da RKO dos anos 1940: uma gang alardeia aos quatro ventos que fará uma ação surpresa em local e data determinadas.

A isso se soma notícia, divulgada na noite de sábado, de que a futura ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves (titular da pasta da Goiabeira), estaria "sofrendo ameaças nas redes sociais há uma semana e que está conversando com a Polícia Federal", conforme informa o UOL.

O portal ainda relata - sem maiores detalhes - que "no último dia 27, a PF abriu um inquérito para investigar uma suposta ameaça ao presidente eleito na posse, marcada para a próxima terça-feira. A autoria é do mesmo grupo que agora ameaça Damares, que se define como terrorista e reivindicou ter colocado uma bomba em uma igreja em Brazlândia, região administrativa do Distrito Federal, na madrugada de Natal, sem sucesso".

Sabe-se que as forças de segurança estão montando verdadeira operação de guerra para a cerimônia desta terça, incluindo-se aí a permissão para abater "aeronaves suspeitas".

Jair Bolsonaro vem criando, desde sua eleição, um clima de tensão crescente na conjuntura. Ora isso se dá através de ameaças escancaradas aos "vermelhos", "petralhas" e "esquerdistas" em geral, ora tudo vem embalado em mensagens aparentemente casuais (como a utilizada na camiseta de sua esposa, dias atrás) ou em tentativas de chantagem aberta (a exemplo do que o siderado futuro chanceler fez a Celso Amorim).

As supostas ameaças ao presidente e à Ministra da Goiabeira são vagas e imprecisas. Têm todo o cheiro de provocação de grupos de direita, com o objetivo de acirrar ânimos de forma artificial e justificar algum tipo de repressão. Até aqui não se sabe se os tais grupos teriam alguma proximidade com setores da nova gestão.

É preciso ficar alerta. Os porões da ditadura e celerados de extrema-direita têm tradição de montar ataques violentos na tentativa de acusar a esquerda e setores progressistas. Vale sempre lembrar dos atentados no Riocentro (1981), ao jornal O Estado de S. paulo (1968) e à tentativa de explosão do Gasômetro, no Rio (1968). Inicialmente atribuídos à esquerda, comprovou-se depois terem sido planejados e executados por gente das Forças Armadas.

Os anos perdidos

Por Tereza Cruvinel, no Jornal do Brasil:

O ano que se finda ainda será muito revisitado para ser compreendido. 

Nele, constatamos que o fundo do poço pode sempre ser mais escavado. 

A autoflagelação destrutiva iniciada em 2013, e os desatinos dos anos seguintes, resultaram na opção eleitoral pelo projeto extremista que começa a ser implantado com a posse de Bolsonaro.

E com isso começa o ciclo político que substituirá o da Nova República, iniciado em janeiro de 1985 com a eleição de Tancredo Neves e coroado com a Constituinte, legado que o Brasil e suas elites não souberam aprimorar. Não se pode falar de 2018 sem olhar também para os cinco anos anteriores.

Em 2013, nossas elites políticas não entenderam as manifestações “contra tudo e todos”, especialmente o PT, que governava, e o PSDB, maior força de oposição. 

Partiram para o confronto eleitoral sangrento em 2014, com a nascente Lava Jato adubando a polarização. 

No futuro, alcançou outros partidos mas naquela hora, só demonizou o PT. Dilma errou na campanha, omitindo o verdadeiro estado da economia e das contas públicas. Liderado por Aécio Neves, o PSDB não errou menos. Não aceitou a derrota, embarcou na sabotagem ao governo e jurou que Dilma não governaria.

Em 2015 ela tentava corrigir erros econômicos mas o Congresso sabotava seus esforços. 

A recessão deu as caras. O fogo da Lava Jato se espalhou, jogando a política na lama. 

Desesperados, os políticos buscavam um bote salva-vidas. 

Para a estancar a sangria, “a solução é o Michel”, disse o senador Jucá, pregando o acordão “com Supremo e tudo”. A palavra impeachment saltou de suas bocas para as ruas. Dilma foi deposta numa sessão de horrores, comandada por Cunha, com Bolsonaro homenageando o torturador Brilhante Ustra.

E vieram os anos perdidos com Temer, de mais recessão, desemprego e corrupção, moendo os partidos que deram o golpe do impeachment. 

Não sobrava ninguém. Afinal, prometeram que tirando o PT do governo tudo iria melhorar, e piorou. 

Parecia o fundo do poço, mas a saída viria em 2018 com a eleição de um presidente legítimo.

O ano começou com rebeliões nos presídios e as facções criminosas mostrando força. 

A violência pipocou, o carnaval foi sangrento num Rio acéfalo. Temer fez então sua “jogada de mestre”, com a intervenção federal. Apesar da rejeição, sonhou com a reeleição. Em março, a brutal execução de Marielle Franco informou que forças malignas sentiam-se liberadas. A intervenção chega ao fim melancolicamente.

Em abril, Lula foi preso. 

A demolição política chegava ao ápice com a prisão do líder mais popular do país, após uma condenação de fundamentos duvidosos, pelo juiz que agora será ministro. Começou a peleja do PT para fazê-lo candidato.

Em maio a greve dos caminhoneiros parou o país e o Temer deu um show de vacilação. 

Mandou tropas para as estradas mas rendeu-se oferecendo o subsídio ao diesel que acaba amanhã. 

E agora, farão greve sob Bolsonaro?

Vem a campanha. 

Lula é líder nas pesquisas e Bolsonaro posa de candidato anti-sistema. 

Promete guerra aos bandidos e aos corruptos, liberar as armas, varrer o PT e a esquerda, governar sem partidos. 

Prega a valorização da família e dos bons costumes, enquanto deprecia mulheres, gays, negros e índios. 

Uma sociedade conservadora sai do armário em seu apoio, para espanto do Brasil envernizado. 

A esquerda racha e a direita liberal também. Alckmin é um candidato fraco mas o PSDB não tem outro. 

Em agosto a candidatura de Lula é barrada e o PT lança Haddad com atraso. 

A transferência de votos começa a funcionar mas, em setembro, Bolsonaro é esfaqueado, e tudo muda. 

Vitimizado, poupado dos debates, vai ao segundo turno e derrota Haddad. A disputa é suja, com o disparo eletrônico de calúnias contra o petista. Ainda em combate, inclui a imprensa entre os inimigos.

Sua equipe é de duvidosa competência para enfrentar os desafios que tem pela frente. 

Venceu porque as elites políticas foram incapazes de construir o consenso mínimo para evitar o pior. 

O voo incerto vai começar. Apertemos os cintos.

Democracias também são mortas em silêncio

Por Boaventura de Sousa Santos, no site Outras Palavras:

Habituamo-nos a pensar que os regimes políticos se dividem em dois grandes tipos: democracia e ditadura. Depois da queda do Muro de Berlim em 1989, a democracia (liberal) passou a ser quase consensualmente considerada como o único regime político legítimo. Pese embora a diversidade interna de cada um, são dois tipos antagônicos, não podem coexistir na mesma sociedade, e a opção por um ou outro envolve sempre luta política que implica a ruptura com a legalidade existente. Ao longo do século passado foi-se consolidando a ideia de que as democracias só colapsavam por via da interrupção brusca e quase sempre violenta da legalidade constitucional, através de golpes de Estado dirigidos por militares ou civis com o objectivo de impor a ditadura.

Esta narrativa, era em grande medida, verdadeira. Não o é mais. Continuam a ser possíveis rupturas violentas e golpes de Estado, mas é cada vez mais evidente que os perigos que a democracia hoje corre são outros, e decorrem paradoxalmente do normal funcionamento das instituições democráticas. As forças políticas anti-democráticas vão-se infiltrando dentro do regime democrático, vão-no capturando, descaracterizando-o, de maneira mais ou menos disfarçada e gradual, dentro da legalidade e sem alterações constitucionais, até que em dado momento o regime político vigente, sem ter formalmente deixado de ser uma democracia, surge como totalmente esvaziado de conteúdo democrático, tanto no que respeita à vida das pessoas como das organizações políticas. Umas e outras passam a comportar-se como se vivessem em ditadura. Menciono a seguir os quatro principais componentes deste processo.

A eleição de autocratas


Dos EUA às Filipinas, da Turquia à Rússia, da Hungria à Polónia têm vindo a ser eleitos democraticamente políticos autoritários que, embora sejam produto do establisment político e econômico, apresentam-se como anti-sistema e anti-política, insultam os adversários que consideram corruptos e veem como inimigos a eliminar, rejeitam as regras de jogo democrático, fazem apelos intimidatórios à resolução dos problemas sociais por via da violência, mostram desprezo pela liberdade de imprensa e propõem-se revogar as leis que garantem os direitos sociais dos trabalhadores e das populações discriminadas por via etno-racial, sexual, ou religião. Em suma, apresentam-se a eleições com uma ideologia anti-democrática e, mesmo assim, conseguem obter a maioria dos votos. Políticos autocráticos sempre existiram. O que é novo é a frequência com que estão a chegar ao poder.

O vírus plutocrata


O modo como o dinheiro tem vindo a descaracterizar os processos eleitorais e as deliberações democráticas é alarmante. Ao ponto de se dever questionar se, em muitas situações, as eleições são livres e limpas e se os decisores políticos são movidos por convicções ou pelo dinheiro que recebem. A democracia liberal assenta na ideia de que os cidadãos têm condições de aceder a uma opinião pública informada e, com base nela, eleger livremente os governantes e avaliar o seu desempenho. Para que isso seja minimamente possível, é necessário que o mercado das ideias políticas (ou seja, dos valores que não têm preço, porque são convicções) esteja totalmente separado do mercado dos bens econômicos (ou seja, dos valores que têm preço e nessa base se compram e vendem). Em tempos recentes, estes dois mercados têm-se fundido sob a égide do mercado econômico, a tal ponto que hoje, em política, tudo se compra e tudo se vende. A corrupção tornou-se endêmica. O financiamento das campanhas eleitorais de partidos ou de candidatos, os grupos de pressão (ou lobbies) junto dos parlamentos e governos têm hoje em muitos países um poder decisivo na vida política. Em 2010, o Tribunal Supremo dos EUA, na decisão Citizens United v. Federal Election Commission, desferiu um golpe faltal na democracia norte-americana ao permitir o financiamento irrestrito e privado das eleições e decisões políticas por parte de grandes empresas e de super-ricos. Desenvolveu-se assim o chamado dark money, que não é outra coisa senão corrupção legalizada. É esse mesmo dark money que explica no Brasil uma composição do Congresso dominada pelas bancadas da bala, da bíblia e do boi, uma caricatura cruel da sociedade brasileira.

As fake news e os algoritmos


A internet e as redes sociais que ela tornou possível foram durante algum tempo vistas como possibilitando uma expansão sem precedentes da participação cidadã na democracia. Hoje, à luz do que se passa nos EUA e no Brasil, podemos dizer que elas serão as coveiras da democracia, se não forem reguladas. Refiro-me em especial a dois instrumentos. As notícias falsas sempre existiram em sociedades atravessadas por fortes clivagens e, sobretudo, em períodos de rivalidade política. Hoje, porém, é alarmante o seu potencial destrutivo através da desinformação e da mentira que espalham. Isto é sobretudo grave em países como a Índia e o Brasil, em que as redes sociais, sobretudo o Whatsapp (o conteúdo menos controlável por ser encriptado), são amplamente usadas, a ponto de serem a grande, ou mesmo a única, fonte de informação dos cidadãos (no Brasil, 120 milhões usam o Whatsapp). Grupos de investigação brasileiros denunciaram no New York Times (17 de Outubro) que das 50 imagens mais divulgadas (virais) dos 347 grupos públicos do Whatsapp em apoio de Bolsonaro só quatro eram verdadeiras. Uma das imagens falsas era uma foto da Dilma Rousseff, candidata ao Senado, com o Fidel Castro na Revolução Cubana. Tratava-se, de fato, de uma montagem feita a partir do registo de John Duprey para o jornal NY Daily News em 1959. Nesse ano Dilma Rousseff era uma criança de 11 anos. Apoiado por grandes empresas internacionais e por serviços de contra-inteligência militar nacionais e estrangeiros, a campanha de Bolsonaro constitui uma monstruosa montagem de mentiras a que dificilmente sobreviverá a democracia brasileira.

Este efeito destrutivo é potenciado por outro instrumento: o algoritmo. Este termo, de origem árabe, designa o cálculo matemático que permite definir prioridades e tomar decisões rápidas a partir de grandes séries de dados (big data) e de variáveis tendo em vista certos resultados (o sucesso numa empresa ou numa eleição). Apesar da sua aparência neutra e objetiva, o algoritmo contém opiniões subjetivas (o que é ter êxito? Como se define o melhor candidato?) que permanecem ocultas nos cálculos. Quando as empresas são intimadas a revelar os critérios, defendem-se com o segredo empresarial. No campo político, o algoritmo permite retroalimentar e ampliar a divulgação de um tema que está em alta nas redes e que, por isso, o algoritmo considera ser relevante porque popular.

Acontece que o que está em alta pode ser produto de uma gigantesca manipulação informacional levada a cabo por redes de robôs e de perfis automatizados que difundem a milhões de pessoas notícias falsas e comentários a favor ou contra um candidato, tornando o tema artificialmente popular e assim ganhar ainda mais destaque por via do algoritmo. Este não tem condições para distinguir o verdadeiro do falso e o efeito é tanto mais destrutivo quanto mais vulnerável for a população à mentira. Foi assim que em 17 países se manipularam recentemente as preferências eleitorais, entre eles os EUA (a favor de Trump) e agora, no Brasil (a favor de Bolsonaro) numa proporção que pode ser fatal para a democracia. Sobreviverá a opinião pública a este tóxico informacional? Terá a informação verdadeira alguma chance de resistir a esta avalanche de falsidades? Tenho defendido que em situações de inundação o que faz mais falta é a água potável. Com a preocupação paralela a respeito da extensão da manipulação informática das nossas opiniões, gostos e decisões, a cientista de computação Cathy O’Neil designa os big data e os algoritmos como armas de destruição matemática (Weapons of Math Destruction, 2016).

A captura das instituições


O impacto das práticas autoritárias e anti-democráticas nas instituições ocorre paulatinamente. Presidentes e parlamentos eleitos pelos novos tipos de fraude (fraude 2.0) a que acabo de aludir têm o caminho aberto para instrumentalizar as instituições democráticas, e podem fazê-lo supostamente dentro da legalidade, por mais evidentes que sejam os atropelos e interpretações enviesadas da lei ou da Constituição. Em tempos recentes, o Brasil tornou-se um laboratório imenso de manipulação autoritária da legalidade. Foi esta captura que tornou possível a chegada ao segundo turno do neo-fascista Bolsonaro e a sua eventual eleição. Tal como tem acontecido noutros países, a primeira instituição a ser capturada é o sistema judicial. Por duas razões: por ser a instituição com poder político mais distante da política eleitoral e por constitucionalmente ser o órgão de soberania concebido como “árbitro neutro”. Noutra ocasião analisarei este processo de captura. O que será a democracia brasileira se esta captura se concretizar, seguida das outras que ela tornará possível? Será ainda uma democracia?

quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

A perversa cordialidade e o caos destrutivo

Por Leonardo Boff, em seu blog:


Dizem notáveis cosmólogos que tudo começou com um imenso caos, o big bang. Matéria e antimatéria se chocaram. Sobrou ínfima porção de matéria que deu origem ao atual universo. O caos foi generativo. Este ano conhecemos também grande caos em todas as instâncias. Irrompeu o lado perverso da cordialidade brasileira. Segundo Sergio Buarque de Holanda (Raízes do Brasil, 5.capitulo), “a inimizade bem pode ser tão cordial como a amizade, visto que uma e outra nascem do coração” (p.107).

Nas eleições de 2018, o lado perverso da cordialidade ocupou a cena: muito ódio, difamações, milhões de fake news, até a facada no candidato Bolsonaro que acabou se elegendo presidente do país. Esse caos foi só destrutivo não mostrou ainda ser generativo. E deve ser para não entrarmos num beco sem saída.

Nunca em nossa histórica republicana tivemos um presidente de extrema-direita, homofóbico, misógeno, inimigo declarado de homoafetivos, quilombolas, ameaçador das reservas indígenas, promotor da venda generalizada de armas, tendo como símbolo de campanha os dedos em forma de arma.

Descendente de italianos Sem Terra, chegados ao Brasil no final do século XIX, pretende criminalizar o Movimento dos Sem Terra e dos Sem Teto como terroristas. Os temas sensíveis da corrupção, do anti-PT, do resgate dos valores tradicionais da família (mas Bolsonaro mesmo está já no terceiro casamento) e da luta contra o aborto, foram temas que turbinaram sua campanha. Algumas igrejas neo-pentecostais foram aliados fundamentais, máquinas de falsas notícias.

O eleito mostra-se ignorante dos principais problemas nacionais e mundiais. Tem uma leitura de caserna, fixada ainda nos tempos da ditadura militar a ponto de declarar herói um famoso torturador Brilhante Ustra. Escolheu ministros na contra-mão da história, negacionistas do aquecimento global, com ideias bizarras como são os das Relações Exteriores , o da Educação e o do Meio Ambiente. Alinhou-se subalternamente à política do presidente Trump, conflitando com aliados históricos.

Diz introduzir uma nova política que de novo não possui nada. Como diz um jovem filosofo que bem articula filosofia com política, Raphael Alvarenga:”A novidade consiste na combinação monstruosa de necropolítica, lawfare, fundamentalismo religioso e ultraliberalismo econômico”.

O neoliberalismo econômico geral no mundo, ganhou aqui uma forma ainda mais radical, pondo nossos “commons” à venda no mercado internacional como o petróleo e a privatização de outros bens públicos.

O pacto social criado pela Constituição de 1988 foi rompido, primeiro, com o discutível impeachment da presidenta Dilma Rousseff e depois com a mudança das leis trabalhistas, com a negação da universal presunção de inocência, com as arbitrariedades da PF, do MPF e não em ultimo lugar, com o comportamento confuso e pouco digno do STF, ora muito leniente, ora excessivamente severo, ora submetido ao controle militar pela presença de um general, assessor do Presidente da Casa.

Vivemos de fato num Estado de exceção, pós democrático e sem lei, como o denunciou em dois livros, com esse título, o juiz de direito do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Rubens R.R. Casara. Boaventura de Souza Santos, conhecido sociólogo português, afirma mais peremptoriamente:”O sistema jurídico e judicial criado para garantir a ordem jurisdicional é, nesse momento, um fator jurídico de desordem; é uma perversão perigosa….O STF é uma guerra social e institucional”.

O propósito dos que chegaram ao poder com seus aliados é destruir o PT e seu líder Lula, preso político e refém, borrar da memória popular as políticas sociais que beneficiaram milhões de pobres e permitiram a milhares de destituídos, o acesso à universidade.

Corrupção houve no PT bem como em quase todos os partidos. Um juiz de primeira instância, Sérgio Moro, perseguidor, foi treinado nos USA para aplicar a lawfare (distorcer a lei para condenar o acusado). Foi de uma parcialidade palmar, denunciada pelos juristas nacionais e internacionais mais sérios.

Mas não sejamos ingênuos: a sonegação fiscal anual de mais de 500 bilhões de reais, sete vezes maior que a corrupção política, revela o Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional. Só com sua cobrança dispensar-se-ia a Reforma da Previdência. Mas a oligarquia brasileira,atrasada e anti-povo esconde o fato e a imprensa, cúmplice se cala.

Que podemos esperar? É uma incógnita. Por amor ao país e aos condenados da Terra, as grandes maiorias enganadas e iludidas, desejamos que o atual caos seja generativo e a cordialidade signifique benquerença para que a sociedade já muito injusta não seja tão malvada.

terça-feira, 25 de dezembro de 2018

Sheherazade acertou: Frota é um troglodita!


Na terça-feira passada (18), a juíza federal Adriana Freisleben de Zanetti, da 2º Vara de Osasco (SP), condenou o ator-pornô e deputado federal Alexandre Frota (PSL) por divulgar notícias falsas e criminosas contra Jean Wyllys (PSOL-RJ). O fascista foi punido com dois anos e 26 dias de detenção, mas a pena foi suavizada e transformada em multa de R$ 295 mil e prestação de serviços à comunidade – ele deverá picotar folhas de papel dos processos antigos que estão sendo descartados após a informatização da Justiça de Osasco. Descontente com a sentença, Alexandre Frota não recuou e passou a atacar a magistrada nas suas redes sociais. Admiradores do ator-pornô, excitados e tresloucados, também partiram para a baixaria no Facebook. 

Agora, porém, podem ser punidos. No mesmo dia da decisão, o deputado provocador postou: “A Justiça de Osasco reduto do PT me condenou [sic]”. Ele ainda divulgou um vídeo zombando a juíza – que foi compartilhado pelos seguidores. Na gravação, ele corta folhas de papel com uma tesoura e finge chorar. A atitude gerou imediata revolta no Ministério Público Federal. A própria juíza ingressou com uma representação e já foi aberta investigação sobre injúria funcional, quando o agente público é insultado ao desempenhar sua função. A Procuradoria pediu ao Facebook a preservação do conteúdo das postagens ofensivas à magistrada, já que usuários poderiam apagar as mensagens. Em seguida, o caso foi encaminhado ao juiz federal Rafael Bispo, que determinou que o Facebook informe a identidade de cada pessoa por trás dos perfis que atacaram a juíza. 

Adriana Zanetti ainda decidiu processar o deputado na esfera cível, por danos morais. A Associação dos Juízes Federais, que irá auxiliá-la no processo, divulgou nota dizendo que repudia “as agressões e reitera total apoio à magistrada... O respeito às decisões judiciais e ao Poder Judiciário é fundamental para a preservação do Estado Democrático de Direito”, diz a carta assinada pelo presidente Fernando Mendes. Como lembra reportagem da Folha, “esta não é a primeira vez que Alexandre Frota entra em colisão com um integrante do Judiciário. Em julho, ele foi condenado a indenizar em R$ 50 mil Luiz Eduardo Scarabelli por dizer que ‘o juiz não julgou com a cabeça, julgou com a bunda’, um processo movido por ele contra uma ex-ministra de Dilma Rousseff”. Arrogante e doidão, o deputado pode se arrepender das suas maluquices. 

Nesse sentido, a jornalista Rachel Sheherazade, ex-musa da direita nativa que recentemente rompeu com seus seguidores, acertou na mosca ao postar na semana passada: “Não espere entender qualquer coisa que venha daquele troglodita. Perda de tempo! Já o denunciei na Polícia Civil. E ele responde a vários processos por calúnia, injúria e difamação. É um sujeito violento com as palavras e isso lhe rendeu votos dos seus semelhantes para elegê-lo”. Em seu Twitter, ela ainda acrescentou: “[Frota] não ativou o 'modo babaca'. Já veio assim de fábrica! Seja lá de onde esse troglodita tenha vindo". Infelizmente, esse "troglodita" e "babaca" foi eleito pelo "esperto" eleitor de São Paulo. Que tristeza!

sábado, 22 de dezembro de 2018

Cinco razões para defender Battisti

Por Igor Fuser, no site Outras Palavras:

No momento em que escrevo estas linhas, o escritor Cesare Battisti, de 63 anos, estrangeiro regularmente residente no Brasil por decisão de todas as instâncias cabíveis dos poderes públicos deste país, exerce o direito mais fundamental de todo ser humano: o de preservar, por qualquer meio, sua vida e sua liberdade.

Cada dia que Battisti sobrevive à caçada policial é um desgosto para Jair Bolsonaro, impedido de pôr em prática sua concepção ditatorial que encara o cargo de Presidente da República como uma carta branca para qualquer tipo de arbítrio.

Em abril deste ano, o então candidato do PSL, em conversa com o embaixador da Itália, lançou uma de suas típicas bravatas: “No ano que vem, vou mandar um presente para vocês: o Cesare Battisti!”. O assunto só voltou à tona por conta dessa promessa descabida.

Battisti, ex-ativista de esquerda condenado (injustamente, conforme explicarei logo adiante) a prisão perpétua pelo Judiciário da Itália, mora no Brasil desde 2004. É casado com brasileira e tem um filho brasileiro. Sempre respeitou as leis deste país e exerce dignamente sua profissão.

A questão judicial envolvendo sua permanência no Brasil foi definitivamente resolvida em dezembro de 2010, quando o presidente Lula, exercendo um poder a ele atribuído pelo Supremo Tribunal Federal (STF), tomou a decisão de rejeitar o pedido de extradição feito pelas autoridades italianas.

Sabe-se lá quais foram as obscuras negociatas de bastidores entre Michel Temer e o futuro governante que levaram o impostor em final de mandato a usar a extradição de Battisti como um agrado ao seu sucessor, como se fosse um desses brindes de fim de ano.

O fato é que, em outubro, Temer revogou a decisão de Lula em favor de Cesare Battisti, num ato que foi definido com muita clareza pelo jornalista Josias de Souza, blogueiro da Folha de S.Paulo e figura totalmente insuspeita de esquerdismo:

“Quando o assunto é cadeia, Michel Temer vira um presidente paradoxal. Denunciado duas vezes (corrupção passiva e obstrução de justiça), investigado em outros dois inquéritos (corrupção e lavagem de dinheiro), Temer pega em lanças no Supremo pela prerrogativa de livrar corruptos da cadeia. Com o mesmo ímpeto, ele guerreia pelo direito de extraditar o condenado Cesare Battisti para um cárcere na Itália.” 

Sejam quais forem os motivos da decisão de Temer, ela abriu o caminho para que o juiz Luiz Fux inaugurasse prematuramente as perseguições políticas da era Bolsonaro ao determinar, na quinta-feira dia 13 de dezembro, a prisão de Battisti, que desde então tem conseguido se manter em liberdade, driblando os policiais mobilizados por sua captura. Para sua sorte, o Brasil é um país de 8,5 milhões de quilômetros quadrados.

Curiosamente, foi o mesmo Fux quem, na década passada, quando o caso tramitava no STF, deu a liminar que travou a extradição, gerando o impasse que culminou com decisão do STF de delegar a Lula a palavra final. Segundo Fux, não se trata de uma incoerência e sim de levar em conta que as “conjunturas sociais” de hoje são bem diferentes daquelas vigentes em 2010. Assim funciona o STF: uma ministra (Rosa Weber) que mantém Lula na prisão apesar de ser dizer favorável à sua soltura, um ministro (Fux) que admite mudar suas próprias decisões de acordo com os ventos da política.

Diante de tudo isso, é importante que os brasileiros realmente comprometidos com a democracia e com os valores humanistas básicos tomem posição em solidariedade a Cesare Battisti neste momento crucial em que se colocam em jogo, ao mesmo tempo, seu destino pessoal e nosso destino coletivo como país (supostamente) civilizado.

Apresento aqui, de forma resumida, cinco razões em favor de que Cesare Battisti possa permanecer no Brasil com sua família, tranquilamente, como lhe é de direito:


1- O mais importante: Battisti é inocente. O episódio da sua condenação, na Itália, é um escândalo comparável à farsa judicial armada por Sergio Moro contra o ex-presidente Lula. O italiano foi preso, no final dos anos 1970, por sua participação num grupo de extrema-esquerda, e condenado a uma pena de treze anos por vários delitos políticos, como subversão. Fugiu da cadeia poucos meses depois e reapareceu na França, onde obteve asilo político. Só então, as autoridades judiciais italianas, como uma espécie de vendetta, decidiram acusá-lo pelo assassinato de quatro homens (três deles, fascistas envolvidos em diversos tipos de violência). Sem qualquer prova, somente com base em delações premiadas de ex-companheiros que dessa forma conseguiram aliviar suas penas, Battisti foi condenado a prisão perpétua. Para saber mais sobre o assunto, recomendo o excelente livro de Carlos Lugarzo, “Os Cenários Ocultos do Caso Battisti” (Geração Editorial, 2012).

2- Vamos falar claro: Battisti está sendo perseguido porque é um homem de esquerda. O caso é de alto interesse à ascendente extrema-direita italiana, doidinha para faturar politicamente com o show da extradição. Não por acaso, o político italiano que já está com as malas prontas para viajar ao Brasil e levar o prisioneiro à Itália, algemado, é o vice-primeiro-ministro Matteo Salvini, um notório fascista conhecido pelo seu ódio aos imigrantes. No Brasil, a polêmica em torno do assunto acompanha, em linhas gerais, a clivagem ideológica existente no país. A extradição de Battisti, desde o início, é uma bandeira dos reacionários dos mais diversos matizes, enquanto a esquerda, em geral, tomou partido em sua defesa (com a triste exceção da revista Carta Capital, que optou por engrossar o coro dos linchadores do escritor). Entregar Battisti à Itália favorece a campanha para desmoralizar a gestão presidencial de Lula e significa, na prática, o sinal de largada para um grande pogrom contra os partidos de esquerda, os movimentos sociais e todos aqueles que Bolsonaro chama de “os vermelhos”.

3- Ao pressionar o Brasil, por diferentes meios e até os dias de hoje, o governo da Itália põe em jogo a soberania política do nosso país. Chegou ao ponto de ameaçar com um boicote à Copa do Mundo de 2014, depois voltou atrás e, no final das contas, isso não fez a menor diferença. Na longa novela do Caso Battisti, não faltou nem mesmo um deputado italiano, Ettore Pirovano, que, em 2009, ao criticar o ministro da Justiça Tarso Genro por sua recusa em conceder a extradição, recorreu ao infame preconceito existente na Europa contra as mulheres brasileiras. “O Brasil é mais conhecido por suas dançarinas do que por seus juristas”, ironizou o parlamentar, do partido neofascista Liga do Norte. Entende-se, aí, o que quis dizer por dançarinas.

4- A extradição de Battisti é uma completa aberração do ponto de vista jurídico. Como bem lembrou o jornalista Celso Lungaretti no seu blog Náufrago da Utopia, “a sentença que a Itália quer fazer valer não só prescreveu em 2013 (trocando em miúdos: também está extinta), como se trata de uma condenação à prisão perpétua, ao passo que as leis brasileiras proíbem a extradição de quem vá cumprir no seu país de origem uma pena superior a 30 anos de reclusão”.

5- Finalmente, a extradição de Cesare Battisti representa uma grave violação ao princípio da segurança jurídica. A decisão de Lula, que negou o pedido de extradição em 2010, foi confirmada no ano seguinte pelo STF. Sim, depois de tudo, o decreto de Lula ainda foi submetido ao STF, que o aprovou no dia 11 de junho de 2011, por seis votos contra três. Os seis juízes que votaram a favor da decisão de Lula e pela rejeição das queixas da Itália foram Fux (impressionante!), Levandowski, Marco Aurélio, Carmen Lúcia, Ayres de Brito e Joaquim Barbosa. Em suma: assunto encerrado, julgado em todas as instâncias possíveis muito além do que seria imaginável. Desde então, Battisti já não é mais um refugiado político, e sim um imigrante com residência permanente, condição que mantém até o presente momento. Aceitar sua prisão e entrega a um governo estrangeiro significa admitir que as garantias jurídicas já não valem mais nada no Brasil, que qualquer cidadão ou cidadã pode a qualquer momento ser vítima do arbítrio do Estado, exatamente como ocorreu durante os 21 anos da ditadura militar – os tempos da tirania, que os fascistas estão tentando implantar novamente, mas não conseguirão.

* Igor Fuser é doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) e professor de Relações Internacionais na Universidade Federal do ABC (UFABC). Este artigo foi elaborado para o projeto Jornalistas pela Democracia.

O pênis de Deus

Jornalismo e entretenimento confusos podem ajudar a proteger criminosos e produzir vítimas


ELIANE BRUM


Você acredita em milagres? Esse foi o título de um programa de Oprah Winfrey sobre João de Deus, o mais famoso meio brasileiro. Em 2012, o apresentador de televisão foi para Abadiânia, a pequena cidade dominada pelo centro de cura, e testemunhou uma operação espiritual. "Comecei a chorar lágrimas de gratidão. Eu tive uma incrível sensação de paz ", comentou ele. Nos últimos dias, mais de 300 mulheres do Brasil e de outros países acusaram o meio de abuso sexual. Oprah removeu as imagens da Internet. O santo está se tornando um monstro.

Segundo as mulheres que denunciaram, João de Deus afirmou que estava fazendo uma "limpeza espiritual". Seu pênis seria um instrumento de Deus e violência sexual, parte do ritual de cura. Ao destruir o corpo e o espírito de suas supostas vítimas durante quatro décadas, João de Deus estava sendo santificado. Menos pela religião e mais pela imprensa e pela indústria do entretenimento. Se já é difícil para uma mulher denunciar qualquer abuso cometido por um homem, e para ser ouvido, como apontar um santo que aparece na televisão ao lado de celebridades?

Oprah não foi o único a legitimar o suposto poder curativo do médium que assegura que incorpora o jesuíta Ignacio de Loyola. Presidentes como Bill Clinton e Lula da Silva estavam com ele, além de dezenas de celebridades. Também é óbvio que Oprah não sabia e, nesse sentido, também é uma vítima. Ela, que corajosamente contou que sofreu abusos na infância, tornou-se uma das principais ativistas contra a violência sexual. Sem o Time's Up e #MeToo, movimentos que ela apoia, talvez as primeiras mulheres que denunciaram João de Deus em um programa de televisão não ousassem expor sua dor.

Mas é importante enfrentar a complexidade da vida real. A questão que nos faz avançar é como um homem pode ter estuprado tantas mulheres por tanto tempo sem ser investigado por ninguém ao seu redor. Em 2008, iniciou-se uma ação legal por abuso sexual, mas considerou-se que a vítima de 16 anos era "incapaz de distinguir a fantasia da realidade". O meio se tornou ainda mais famoso na década seguinte, com muitos relatórios e programas como Oprah.

A resposta pode ser menos fé e mais no mercado. João de Deus alimentou a economia de Abadiânia, ofereceu imagens populares aos políticos, gerou audiência para a indústria do entretenimento. Oprah e todos nós temos uma importante lição. O jornalismo não pode ser confundido com entretenimento e vice-versa. Se alguém acredita em milagres, é uma escolha pessoal. Aqueles que estão a serviço do público devem priorizar os fatos. Não há santos ou monstros. Apenas humanos.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

O Doi-Codi do século XXI

Para o Brasil branco, masculino e heteronormativo, as violências do Estado apareceram como erros ou falhas do sistema, corrigíveis se caminhássemos com parcimônia.


Em 13 de dezembro de 1968 foi imposto ao país o Ato Institucional número 5 (AI-5). Momento que marcou o endurecimento da ditadura inaugurada com o golpe militar de 1964. As medidas autoritárias adotadas até então não estavam mais sendo suficientes. Impunha-se nos primeiros anos de regime militar a disseminação da prisão e da tortura (calcula-se que somente nos primeiros meses após o Golpe mais de 20 mil pessoas tenham sido torturadas), o fechamento do Congresso, o cancelamento de eleições, a cassação de opositores das mais variadas forças políticas.

Contudo, o ano de 1968 carregava as marcas da revolta e da resistência. Dezenas de milhares de manifestantes, em passeatas e ocupações de universidades forneciam a amplitude da condenação social e política do governo autoritário. Os sindicatos se reorganização e greves potentes estouraram em vários territórios da produção industrial. Osasco e Contagem foram os destaques. Nessa última cidade, na grande Belo Horizonte, o então ministro-coronel do Trabalho, Jarbas Passarinho, chegou a comparecer pessoalmente a uma assembleia dos trabalhadores metalúrgicos para ameaça-los em caso de continuidade do movimento. Liderados, entre outros, pela mulher negra Maria Imaculada Conceição, os trabalhadores não se intimidaram e no dia seguinte à visita retomaram a paralisação, com ainda mais adesão.

A situação ficava cada vez mais fora do controle projetado pelo governo. Nos meios da esquerda revolucionária e das articulações de forças nacionalistas começava a ser organizada a luta armada para a derrubada da ditadura. O contexto caminhava para o fortalecimento das lutas populares, dos sindicatos, das organizações tradicionais e dos movimentos espontâneos. Parece que o momento dizia que ou os militares e seus aliados aprofundavam a ditadura, ou teriam de engolir uma democracia radicalizada em favor dos setores historicamente memorizados pelo capitalismo industrial que se avolumava no país de herança escravagista.

Há dois elementos que gostaria de destacar do Ato de dezembro de 1968.

O primeiro se refere ao conteúdo discursivo do Preâmbulo, o qual faz uso de vocabulário próprio da democracia e, poderíamos dizer, até dos direitos humanos. Diz-se que os “Atos com os quais se institucionalizou [a ditadura teve] fundamentos e propósitos que visavam a dar ao País um regime que, atendendo às exigências de um sistema jurídico e político, assegurasse autêntica ordem democrática, baseada na liberdade, no respeito à dignidade da pessoa humana”, bem como seguiria “na luta contra a corrupção, buscando, deste modo, os meios indispensáveis à obra de reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil, de maneira a poder enfrentar, de modo direto e imediato, os graves e urgentes problemas de que depende a restauração da ordem interna e do prestígio internacional da nossa pátria”.

Do ponto de vista discursivo se identifica claramente uma articulação entre o governo autoritário e o léxico global da democracia. Diria que havia uma preocupação em construir a ideia de continuidade com a história democrática anterior, buscando com isso legitimar o governo militarizado.

O segundo elemento de destaque nas formulações do AI-5 é seu aspecto de liberação da violência institucionalizada. Além do fechamento do Legislativo, da autorização para intervenção em estados e municípios e a proibição completa de qualquer manifestação, outras medidas indicam a organização institucional da repressão política. O artigo décimo simplesmente suspende o habeas corpus para crimes contra a segurança nacional, o que geraria um explosivo aumento dos desaparecimentos políticos no início dos anos 70. A estrutura é plenamente confirmada pelo artigo décimo-primeiro, no qual “excluem-se de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com este Ato institucional e seus Atos Complementares, bem como os respectivos efeitos”, a auto-anistia prévia. Ou, como a história viria a nomear cinquenta anos mais tarde, o excludente de ilicitude.

Pouco tempo depois, sob a orientação repressiva de montagem das estratégias e estruturas da violência de Estado, a ditadura fundou o DOI-CODI. Seria a efetivação da política de centralização da segurança nacional, que abrangeria as ações diretas de “manutenção da ordem”, bem como as análises de informações e a coordenação e planejamento dos diversos órgãos de segurança. Essa instituição foi a responsável, segundo o Relatório da Comissão Nacional da Verdade, por tortura, assassinato e desaparecimento de centenas de brasileiros.

A violência de Estado ganhou desde então um novo modelo, o do Estado policial securitário.

Cinquenta anos atrás, quando do decreto de imposição do AI-5, se estabeleceu a efeméride do que hoje podemos chamar de “militarização da política”. Com o Ato se institucionalizou definitivamente a tortura como a razão de Estado e o assassinato e desparecimento enquanto as principais formas de se lidar com o pensamento contrário. Hoje, passadas cinco décadas, todo sistema penal, incluindo a cumplicidade do sistema de justiça e também, é claro, os centros de detenção dos adolescentes em conflito com a lei, os hospitais de custódia, os camburões, os territórios sob intervenção militar, momentânea ou mais longa, são espaços anômicos nos quais a tortura é a prática cotidiana. No Brasil inaugurado pelo AI-5 a exceção é a regra.

Inaugurou-se o Estado policial brasileiro por meio do uso combinado de um discurso “democrático” com a fabricação de artefatos de repressão.

No dia 15 de outubro de 2018, em meio aos conflitos da campanha eleitoral para presidente, a mais violenta desde o fim da ditadura, o presidente golpista Michel Temer assinou o decreto de criação da Força Tarefa de Inteligência. Segundo o texto do decreto, trata-se de um órgão destinado a “analisar e compartilhar dados e de produzir relatórios de inteligência” com o objetivo de coordenar as ações de combate ao crime e em defesa da ordem democrática.

Sem deixar claro o que seria “crime” e quais os limites de atuação do grupo, o decreto criado e redigido pelo general Sérgio Etchegoyen colocou o Gabinete de Segurança Institucional no comando da iniciativa. O qual será agora dirigido pelo general Augusto Heleno, talvez o militar mais próximo do presidente-capitão. A Força Tarefa irá coordenar dados e ações de mais de uma dezena de órgãos, como a Agência Brasileira de Informações (Abin), os centros de inteligência das Forças Armadas, o Conselho de Controle das Atividades Financeiras (Coaf), Polícia e Receita federal, Departamento Penitenciário e Secretaria Nacional de Segurança Pública.

Se somar à Força Tarefa a Lei Antiterrorismo, de 2016, cujo conteúdo permite a criminalização dos movimentos e lutas sociais, emerge a reestruturação da centralização de políticas repressivas. Fabrica-se, em meio às transformações dos últimos anos, um DOI-CODI do século XXI, manejando centralização com big datas, tecnologias de vigilância e ideologia de segurança nacional. Sabe-se que com o novo governo reacende-se o discurso de que haveria um inimigo da nação e esse seria interno, íntimo.

Há que se notar que a Lei Antiterrorismo tem um adendo em forma de projeto de lei tramitando no Congresso (o PL 10431/2018) que tem entre outras definições a autorização para que o Ministério da Justiça cumpra sanções administrativas sumárias, sem decisão do Poder Judiciário, contra ativos e pessoas denunciadas por terrorismo.

Considerando ainda que o novo Ministério da Justiça é um conglomerado de Lava-Jato (leia-se ação de controle político via Judiciário), polícias e órgãos do Executivo, sob o comando do juiz-político Sérgio Moro, corre-se o risco de nos vermos diante de um novo aparato do Estado policial inaugurado em 1968.

Não se trata de dizer que a ditadura permaneceu existindo após seu fim. Ela acabou. O que permaneceu, neste tema do Estado securitário, foi toda uma estrutura repressiva, violenta e genocida. Sua sobrevivência, transmutação e sofisticação foi possível graças, principalmente, à transformação da doutrina de segurança nacional utilizada pela ditadura, em segurança pública no estado de direito. Sob essa nova vestimenta, as ações de violência do Estado foram sendo limitadas ao genocídio dos jovens negros, pobres e periféricos. Bem como contra as mulheres, as pessoas LGBTs, os indígenas e outras minorias políticas.

O Brasil inaugurando com o Ato Institucional número 5 soube combinar as antigas formas de organização social e de dominação, especialmente o racismo, o patriarcalismo e a desigualdade social, com o uso da institucionalização de sofisticados meios de controle e vigilância.

Também não se trata de desconsiderar todas as conquistas democráticas dos últimos 30 anos. Antes, visamos apontar que paralelamente a esses avanços, manteve-se no estado de direito um Estado policial de modo quase imperceptível para os não negros, os não indígenas, os não mulheres, os não LGBTs, os não presos, os não adolescentes em conflito com a lei etc.

Para o Brasil branco, masculino e heteronormativo, as violências do Estado apareceram como erros ou falhas do sistema, corrigíveis se caminhássemos com parcimônia.

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Edson Teles é doutor em filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), é professor de filosofia política na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Pela Boitempo, organizou com Vladimir Safatle a coletânea de ensaios O que resta da ditadura: a exceção brasileira (2010), além de contar com um artigo na coletânea Occupy: movimentos de protesto que tomaram as ruas (2012) e no livro de intervenção O ódio como política: a reinvenção das direitas no Brasil (2018). Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às quartas.

domingo, 9 de dezembro de 2018

Militares e evangélicos: nova fonte de poder

Por Ricardo Kotscho, em seu blog:

Os generais estão voltando, sob o comando de um capitão reformado, mas não estão sozinhos para dar as ordens em Brasília.

Junto com eles, chegam ao poder os bispos da grana das igrejas evangélicas neo-pentecostais, que já nomeiam e vetam ministros.

Nada muito diferente de 1964.

Só mudaram as igrejas: naquela época, quem açulou os militares a tomar o poder foram bispos da igreja católica apostólica romana, que promoveram as Marchas da Família, com Deus pela Liberdade, e acenderam o pavio do golpe.

Igrejas e Forças Armadas sempre tiveram muito poder no Brasil. Juntas, podem eleger e derrubar presidentes.

Na semana em que os nostálgicos da ditadura militar comemoram os 50 anos do Ato Institucional Nº 5, o golpe dentro do golpe de 64, Jair Bolsonaro será diplomado pelo TSE ao final do processo eleitoral mais sujo e manipulado da nossa história.

Desta vez, não foi preciso colocar tanques nas ruas: o serviço foi feito nas redes sociais e nos tribunais, “tudo dentro da lei e da ordem, com as instituições em pleno funcionamento”.

Na manhã de sábado, reunido na Agência Pública, um grupo de jornalistas que já passaram pelas principais redações do país discutiu o papel da mídia que foi surpreendida pela onda conservadora bolsonariana nas eleições de outubro.

Nós, repórteres, não vimos germinar nos becos, nas quebradas, nos templos eletrônicos e nos quartéis, muito menos nos algoritmos das redes sociais, as novas fontes de poder.

Nas nossas agendas de fontes, já não havia militares nem religiosos como em outros tempos.

Sabíamos de cabeça os nomes dos generais do Alto Comando do Exército e dos principais líderes da CNBB, agora substituídos pelos cardeais do STF e cruzados da Lava Jato, que viraram astros da televisão ao vivo.

São difusos os interesses dos novos donos do poder, mas o objetivo é o mesmo de 50 anos atrás: tolher as liberdades públicas e rifar os direitos dos trabalhadores, para vender as nossas riquezas naturais na bacia das almas, e atender ao projeto dos grandes interesses multinacionais na Amazônia e no pré-sal.

Ao abdicar de uma política externa independente, para se oferecer como ponta de lança de Donald Trump na América Latina, os senhores proprietários de terras, gado e gente se uniram em torno do capitão para varrer do mapa os movimentos sociais e implantar seu projeto de concentração de renda e de poder.

Até o presidente do STF, Dias Toffoli, e o governador eleito de São Paulo, João Doria, fiéis aliados da nova ordem, já convocaram generais para suas equipes.

Nestes dias de reminiscências do AI-5, voltam as lembranças da época em que a segurança pública em São Paulo era comandada pelo famigerado coronel Erasmo Dias, que tinha tara para bater em estudantes, professores e operários.

Agora, em lugar do coronel, teremos um general e, em lugar dos generais-presidentes, assume um capitão reformado pelo Exército aos 33 anos, que virou deputado do baixo clero e em três décadas de atuação parlamentar nunca passou de uma figura folclórica, defensor da ditadura militar e seus torturadores.

Como a imprensa vai lidar com estas velhas novas fontes de poder, que já tratam repórteres como inimigos da pátria, a exemplo do que faz o presidente americano?

Repórteres, como sabemos, são esses tipos inconvenientes que querem saber: de onde veio e para onde foi o R$ 1,2 milhão do caixa eletrônico da família do PM motorista dos Bolsonaro?

Uma coisa é certa: não será fácil a lida dos jornalistas daqui para a frente para contar o que está acontecendo nos subterrâneos deste poder teocrático-militar.

E vida que segue.