Como todos já devem saber, em 10 de dezembro de 2014, Dia Internacional dos Direitos Humanos, a Comissão da Verdade, criada pela Lei 12528/2011 e instituída em 16 de maio de 2012 pela Presidenta Dilma, enfim entregou seu relatório final que apura, esclarece, indica as circunstâncias e os autores das graves violações de Direitos Humanos praticadas por agentes do Estado entre 1946 e 1988 (o período entre as duas últimas constituições democráticas brasileiras), com o objetivo de efetivar o direito à memória e a verdade histórica e promover a reconciliação nacional.
A parte final do parágrafo anterior eu retirei do próprio site da CNV, onde você pode acessar o relatório final, mas traduzindo para o bom português, o que a CNV fez foi o seguinte: apontar torturadores, seus apoiadores e suas vítimas, além de sugerir à Justiça as medidas cabíveis para estes crimes.
E aí começou o mimimi…
Por que não investigar os “terroristas da esquerda?”
Veja só que coisa, nobre cidadão de bem: os veículos de mídia que apoiaram o Golpe em 1964 (oi Folha!), ou ganharam “musculatura” durante a Ditadura Militar (oi O Globo!), levantaram a lebre da falta de investigação que aponte os “terroristas”, que inclusive mataram bravos soldados e policiais que estavam a serviço do Brasil.
Mas o que o nobre cidadão – de bem, sempre de bem – precisa saber é que se a gente estudar o período só um pouquinho que seja, vai descobrir que o Brasil não corria o menor risco de ter uma Revolução Comunista. Longe disso!
O Brasil antes do Golpe de 1964 era um país democrático, onde a população elegia seus presidentes, senadores, deputados, governadores etc… por voto direto há algumas décadas, e que não havia condições materiais e logísticas dos “vermelhos” tomarem o Poder no Brasil via luta armada.
Expliquei melhor este ponto no texto onde respondo algumas perguntas sobre o Golpe de 1964. Recomendo fortemente a leitura antes de prosseguirmos por aqui.
Até agora, esse é o único “Golpe Comunista no Brasil” que se tem notícia…
Leu o texto? Beleza, podemos continuar.
Como eu ia dizendo, o Brasil tinha um sistema democrático de governo. Inclusive, contava na época com um presidente que buscava agradar os dois lados, esquerda e direita. É óbvio que quando agradava um lado, o outro reclamava e vice-versa. Mas isto não era motivo para GOLPE e derrubada do presidente.
João Goulart estava governando para um país grande e multi-ideológico. Aliás, isto acontece HOJE com a Dilma. Quem aí não gostou da Katia Abreu no Ministério da Agricultura? Pois é…
Mas voltando ao nosso assunto, mesmo com toda a vaselina do Jango, veio o Golpe em 1964. Caiu o presidente, as eleições foram suspensas, fechou-se o Congresso Nacional, partidos foram colocados na ilegalidade e pessoas passaram a ser perseguidas por terem OPINIÕES diferentes daquele grupo que tomou o Poder.
Agora me responda, “homem de bem”, ONDE ESTÁ O MALDITO RESTABELECIMENTO DA DEMOCRACIA que vocês vivem vomitando para defender o Golpe? Onde está a tal da “Ditabranda” – aliás, expressão de mal-gosto, hein? – no momento em que o AI-5 permitiu o chamado regime de exceção, onde qualquer um podia ser preso a qualquer momento “em nome da ordem”? E estas pessoas passaram a ser torturadas para ceder informações sobre outros “subversivos”.
Vou usar a linha de raciocínio do jornalista Breno Altman, que desenha – ou melhor, explica – de forma mais fácil e direta.
Toda quebra da ordem constitucional, para submeter uma nação à ditadura, estabelece imediatamente o pleno direito de insurgência contra a usurpação antidemocrática.
Adquire lastro ético toda e qualquer forma de ação resistente, contra quaisquer alvos, civis ou militares, que representem o arbítrio.
Ao mesmo tempo, torna-se ilegítimo qualquer julgamento ou ato repressivo, sob regime de exceção, contra aqueles que se levantam, de forma armada ou pacífica, para derrubar a tirania.
Não é por outra razão, por exemplo, que militantes fascistas, na Itália pós-Mussolini, foram levados a juízo, ao contrário dos guerrilheiros que se alçaram contra o despotismo.
Nem sempre este paradigma é respeitado, mas trata-se de uma das mais importantes linhas de corte para identificar a higidez democrática: a violação da soberania popular e das garantias constitucionais universaliza o direito de resistir.
Melhor explicado que isto, impossível, ou seja: os brasileiros que se levantaram contra a Ditadura viviam em uma Democracia. Tiraram este direito com o Golpe. E agora eles tem que sofrer investigação por causa de sua resistência contra esta opressão???
Como dizia um antigo personagem do humorista Jô Soares, “Me tira o tubo!”(*)
Hoje em dia, só pessoas desprovidas de senso democrático apoiam a volta da Ditadura, mas a DEFESA de torturadores e assassinos que causaram este tipo de sofrimento utilizando recursos DO ESTADO para tal fim, é de uma falta de caráter sem igual!
(Quem defende este ponto de vista normalmente são as mesmas pessoas que nos últimos tempos vem chamando petistas e simpatizantes do partido de “bandidos”, só porque eles votam em um governo que deixa a Polícia e a Justiça Federal trabalharem, ao invés de engavetarem os crimes, tendo o próprio governo sofrido “baixas” de seus quadros justamente por estas investigações. Mas isto é outro assunto…)
Repito: o grupo que tomou o Poder em 1964 utilizou as estruturas do Estado para torturar e matar pessoas apenas porque estas pensavam diferente da “ordem” vigente! Um exemplo clássico foi citado em nosso texto sobre a música brasileira nas décadas de 1960 e 1970: o escritor Paulo Coelho ficou preso um mês porque estava andando na rua usando uma camisa da seleção de futebol do Paraguai. O delegado achou aquilo um insulto à pátria. E ele deve ter levado alguns cascudos por isso. Era a regra!
Puxando para os dias atuais, onde tem uma pequena horda de desmiolados pedindo a volta da Ditadura, se é este tipo de liberdade que merece ser tolhida da população porque o Brasil está virando um país “comunista” (pausa para rir, por favor), dá logo minha passagem para Cuba, ou para o Uruguai!
Termino o texto com a linha de raciocínio do escritor Luis Fernando Veríssimo em seurecente texto sobre este assunto…
Um último apelo: menos pensamento irracional, gente. Por favor. E mais livros de História!
Senão, daqui a pouco vai ter gente falando pra SUA MÃE que não a estupra “porque ela não merece”… não, péra…
Notas:
(*) é, eu sei, eu coloquei justamente este personagem do Jô Soares de propósito. Quem conhece sabe o porquê… rsrs
- O desenho-crítica que abre o post é do genial Benett.
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