SP 247 - A julgar pelos índices atuais de popularidade, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, está bem distante de sua reeleição, em 2016. A despeito disso, ele mantém o otimismo e aposta que o eleitor irá enxergar as transformações em curso na cidade de São Paulo.
"Nossa gestão mudou o paradigma. Tudo o que é espaço público está sendo ocupado na cidade. Pelo público. Tem um conceito que perpassa toda a administração: é a reapropriação do público pela cidadania. A praça wi-fi é isso, a ciclofaixa é isso, a faixa exclusiva de ônibus é isso, a comida de rua é isso, o carnaval de rua é isso. Agora, dois anos não mudam o que se fez nos últimos 50 anos. Mas minha aposta é que as pessoas compreenderão que uma nova cidade está sendo forjada", disse ele, em entrevista aos jornalistas Leonardo Attuch e Marco Damiani.
No encontro, ele manifestou seu receio diante da negação da política e defendeu o PT. "Não me vejo em outro partido. O militante do PT empunha as bandeiras que eu considero mais modernas, que são o combate à desigualdade e à intolerância", afirmou. Ele também condenou o financiamento privado de campanhas políticas e comentou a eventual volta de Lula em 2018. "Se ele o fizer, terá o entusiasmo dos petistas e de muitos não-petistas".
Confira, abaixo, a íntegra:
247 - Depois de enfrentar resistência para implantar faixas exclusivas de ônibus, o sr. se vê diante da oposição às ciclofaixas. Qual é sua posição a respeito?
Fernando Haddad - As ciclofaixas vivem exatamente o mesmo tipo de campanha que as faixas de ônibus viveram no início da gestão. É um período de acomodação. Daqui a pouco, as pessoas percebem os benefícios e isso se resolve. Hoje, ninguém mais fala das faixas de ônibus e foram 360 quilômetros. Isso, sim, com um impacto gigantesco na cidade.
247 - Qual é o seu balanço sobre as faixas de ônibus?
Haddad - Houve um aumento de 46% na velocidade dos ônibus. O usuário ganhou 38 minutos por dia. Eu acredito que não haja precedente histórico nisso: devolver, em média, 38 minutos/dia ao trabalhador. As ciclovias vivem o mesmo momento, mas com uma incompreensão maior, porque essa mudança é mais transformadora.
247 - Como assim?
Haddad - A ciclovia dialoga com outras dimensões da vida. Dialoga com a agenda da saúde, do esporte, do meio ambiente – e não apenas com a questão da mobilidade. Ela atinge vários setores.
247 - Mas muitos criticam a pouca utilização e também o custo de implantação.
Haddad - Não haverá plena utilização enquanto toda a malha não estiver instalada. Há quem diga que só será plenamente utilizada quando atingir mil quilômetros de malha. Eram 60 quilômetros quando eu assumi e hoje são 230. Vamos chegar a 500 até o fim do meu mandato.
247 - Há quem diga que a topografia de São Paulo, com subidas e descidas, não é adequada para o uso das bicicletas, assim como o clima.
Haddad - Várias cidades têm subida e descida. É o caso, por exemplo, de São Francisco, que tem uma das maiores malhas cicloviárias do mundo. Eu consultei vários especialistas com a seguinte questão: 'o que vem primeiro, o ciclista ou a ciclovia?'. Todos são unânimes em dizer que a ciclovia vem primeiro, com excecão do cicloativista que é uma figura à parte nesse processo. O cicloativista é o pioneiro que toma risco, em defesa da causa.
247 - Muitos estavam morrendo...
Haddad - Pois é. Se você for a Buenos Aires, o prefeito Macri tem excelentes níveis de aprovação e as ciclovias são tão ou menos utilizadas do que em São Paulo. Estivemos lá recentemente e ele nos disse que as pessoas querem ter à disposição a ciclovia. É um serviço a mais.
247 - Mas pegou na classe média a acusação feita por Veja São Paulo sobre o custo de R$ 650 mil por quilômetro.
Haddad - Bom, mas é uma acusação falsa, com falhas aritméticas. Dei várias entrevistas demonstrando isso. Misturavam outras obras, como o aterramento de fios na Paulista, a reforma semafórica na Faria Lima, como se isso fosse o custo da ciclofaixa.
247 - Má-fé?
Haddad - Acredito que não, mas talvez essa ânsia de escandalizar, de querer dizer que ninguém presta.
247 - Essa política sofre um cerco midiático?
Haddad - Pode até ser, mas a pesquisa mostra que 66% dos paulistanos aprovam a mudança. Podem até tentar, mas não vão conseguir mudar essa percepção. As pessoas querem esse serviço e querem se conectar com a modernidade. Além disso, mandamos todas as planilhas para os tribunais demonstrando que o custo é de R$ 185 mil por quilômetro e não de R$ 650 mil.
247 - Mas a classe média não se sente mais espremida, ao se ver entre a ciclofaixa e a faixa exclusiva de ônibus?
Haddad - A ciclofaixa não tirou nenhuma faixa de rolamento do carro. E o que muita gente não sabe é que, por incrível que pareça, o trânsito piora a taxas decrescentes desde que eu assumi. Vou te dar um dado técnico da CET. De 2011 para 2012, último ano da administração anterior, o trânsito piorou 14%. De 2012 para 2013, primeiro ano das faixas exclusivas, piorou 7%. De 2013 para 2014, piorou 2%.
247 - Não tem como melhorar?
Haddad - Olha, nós estamos fazendo muita obra viária em São Paulo. Mas muitas pessoas não veem porque essas obras estão acontecendo na periferia. Agora, túnel e viaduto, eu tô fora. Aí é uma questão de concepção de cidade. Está provado cientificamente que quanto mais viário, mais trânsito. Isso é cientista falando, não é o prefeito. Veja o que o José Serra fez na Marginal Tietê. Destruiu o pouco verde que havia, fez duas faixas de rolamento pra carro e o trânsito é pior do que era antes disso. Como é contraintuitivo, as pessoas não acreditam. Mas também era contraintuitivo que a Terra girava em torno do sol.
247 - Do ponto de vista quantitativo, os investimentos estão maiores ou menores do que nas gestões anteriores?
Haddad - Olha, a demagogia tirou R$ 2,5 bilhões dos cofres de São Paulo. Primeiro, com o congelamento das tarifas de ônibus. Depois, com a suspensão da revisão do IPTU. Apesar disso, investimos no ano passado R$ 4,4 bilhões, o que foi um recorde.
247 - De onde vieram os recursos?
Haddad - Combate à corrupção e redução dos gastos de custeio. Só na recuperação de ativos desviados pela corrupção, vamos chegar a R$ 300 milhões. Isso, numa cidade, é inédito. Só os bancos que foram usados nesse processo já devolveram mais de R$ 100 milhões. Esse dinheiro será carimbado para as creches.
247 - Um setor em que o ritmo de investimentos segue abaixo do prometido.
Haddad - Nós perdemos R$ 2,5 bilhões em arrecadação, mas estamos correndo atrás disso.
247 - O sr. citou vários pontos, mas sua popularidade segue baixa. Há uma incompreensão?
Haddad - É preciso olhar a série histórica. São Paulo é uma montanha russa. Um dia você tem 40%, no outro 20%, depois 30% e assim por diante. Não é só a complexidade dos problemas. É a única cidade do mundo em que todos os meios de comunicação falam mal da cidade simultaneamente. O Bom Dia Rio, Bom Dia Bahia e outros do tipo não têm 10% do mau humor do Bom Dia São Paulo.
247 - É hora de valorizar o orgulho de ser paulistano?
Haddad - Eu não só tenho orgulho de ser paulistano, como tenho certeza de que é a melhor cidade para se viver no Brasil. Outro dia fizeram uma pesquisa sobre trânsito. São Paulo ficou em sexto lugar. Rio, Salvador, Recife, Fortaleza e Belo Horizonte são piores.
247 - Um sucesso recente foi o Carnaval, especialmente com os blocos de rua. Como isso aconteceu?
Haddad - Nossa gestão mudou o paradigma. Tudo o que é espaço público está sendo ocupado na cidade. Pelo público. Tem um conceito que perpassa toda a administração: é a reapropriação do público pela cidadania. A praça wi-fi é isso, a ciclofaixa é isso, a faixa exclusiva de ônibus é isso, a comida de rua é isso, o carnaval de rua é isso. Agora, dois anos não mudam o que se fez nos últimos 50 anos. Mas minha aposta é que as pessoas compreenderão que uma nova cidade está sendo forjada.
247 - Mas hoje sua reeleição parece distante.
Haddad - Em alguns locais, existe um padrão. No Rio Grande do Sul, por exemplo, ninguém se reelege. Aqui, em São Paulo, há também um padrão. A direita fez sucessores e a esquerda, não. O Maluf elegeu o Pitta e o Serra fez o Kassab. Marta e Erundina não se reelegeram.
247 - O sr. está conformado ou espera mudar esse padrão?
Haddad - Se o padrão vai mudar, 2016 é que vai dizer. 2016 vai dizer se São Paulo quer se encontrar com a modernidade ou não. É isso, a meu ver, o que está em jogo. Uma concepção de cidade como espaço público ou como espaço privado. Agora, eu nunca me prendi a pesquisas. Se levasse isso em consideração, não teria vencido em 2012. Até porque eu nunca cheguei a aparecer nem em segundo lugar.
247 - O fato de ser petista, a ser ver, afeta sua popularidade?
Haddad - Sim, o PT hoje está sob ataque. Mas a conduta de uma pessoa, ou de um dirigente, não pode ser estendida a um partido. É muito perigoso criminalizar a política, ou assumir a negação da política. E tem muitas outras coisas, que não têm nada a ver com o município, como a crise de segurança e a crise da água, que também afetam o bom ou o mau humor do paulistano. Você acha que o cidadão tem os compartimentos federativos na cabeça? Quando eu vou à periferia, a primeira coisa que me questionam é sobre o policiamento. O que não é da nossa esfera.
247 - Como o sr. vê o ambiente político de hoje no País?
Haddad - Com muita preocupação. A democracia não é apenas o espaço da divergência. É também o espaço da construção de consensos, entre forças antagônicas. Uma democracia que é só consenso é utopia, jamais vai existir. Uma democracia que é só divergência cria as condições da sua destruição. É o que estamos vivendo hoje. Um Fla-Flu radical solapa as bases da democracia. Você precisa ser tem um espaço do entendimento, nem que seja apenas no plano institucional. E nem esse está sendo respeitado.
247 - Em São Paulo, o clima de radicalização política parece mais acentuado. Isso já o atingiu?
Haddad - Eu ando a pé pelo meu bairro e nunca foi hostilizado, nem ofendido na rua. Há quem aborde, cobre, peça explicações. Mas uma ofensa jamais ocorreu.
247 - Mas o PT vem sendo muito associado à corrupção.
Haddad - Criminalizar agremiações ou coletivos é muito errado. Isso vale para igreja, time de futebol, partido, o que for. Se há problemas, eles têm que ser combatidos. Você não pode rifar uma instituição porque um outro indivíduo cometeram erros. Você depura e retoma os princípios originais. Não creio que possa ser positivo para a democracia brasileira rifar o PT.
247 - O sr. vê esse desejo de depuração?
Haddad - Sim, mas com as cautelas devidas. É preciso esperar as pessoas serem julgadas.
247 - O sr. se orgulha de ser petista?
Haddad - Eu não me vejo em outro partido porque entendo que o militante médio do PT está comprometido com princípios nos quais eu acredito, sobretudo o combate à desigualdade e à intolerância. As bandeiras mais avançadas ainda são empunhadas pelo militante do PT.
247 - Numa entrevista recente, o sr. disse que não aguenta mais a corrupção. Qual é a solução? O fim do financiamento privado?
Haddad - Eu acredito que o financiamento empresarial de campanha é um mal que deve desaparecer. Inclusive, o Supremo Tribunal Federal já decidiu isso e só não promulga isso porque houve um pedido de vista. O empresário financiar a política é uma perversa Lei Rouanet da política. Assim como os departamentos de marketing das empresas passaram a definir o que merece ser apoiado, no limite, os empresários definirão as políticas públicas. Está errado isso.
247 - Como seria sua reforma política?
Haddad - Acho que com pequenos reparos é possível fazer uma boa reforma. Cito dois exemplos: o fim do financiamento privado e a proibição das coligações proporcionais. Resolvendo esses dois pontos, resolvemos 80% dos problemas da democracia representativa do País.
247 - Como o sr. vê o Brasil pós-Lava Jato? Veremos a 'berlusconização' do Brasil, com salvadores da pátria, ou uma depuração mais madura, com uma reforma política?
Haddad - Hoje, a grande mídia favorece esse movimento de berlusconização. Eu tenho receio de um processo parecido no Brasil. Hoje, a coisa mais difícil é convencer alguém a ficar na máquina pública. A pessoa bem-sucedida abre mão de recursos. Ela vai se privar da família, do tempo livre, em troca de fazer o bem, se a pessoa for bem intencionada. Isso é reconhecido por alguém? Não vejo nenhum movimento no sentido de fazer a cidadania discernir sobre isso. Quando você criminaliza coletivos, ao dizer que ninguém de determinado partido presta, é um equívoco muito grande.
247 - O sr. é favorável à volta do ex-presidente Lula, em 2018?
Haddad - Na eleição passada, eu apostei com amigos que o Lula não seria candidato. Disse que ele respeitaria o espaço da presidente Dilma Rousseff. E agora? Lula será o candidato em 2018? Pode ser, mas não é certo que será. Se ele pudesse desenhar o futuro, talvez não quisesse voltar à presidência. Não custa lembrar que o Eduardo Campos vinha sendo preparado para isso. Todo mundo sabe disso e todo mundo se esquece disso. Acho que ele só poderá se recolocar se sentir que há ameaças às conquistas da população mais pobre. Se ele o fizer, terá o entusiasmo dos petistas e de muitos não-petistas.
247 - E em São Paulo? Haverá coesão interna, com a ex-prefeita Marta Suplicy o apoiando?
Haddad - Acredito que o PT inteiro deve trabalhar pela permanência da Marta. É um grande quadro, foi quem eu comecei na vida pública e fez uma administração reconhecida pela população. O meu mandato, em grande medida, é de continuidade ao que ela fez.