Em artigo, promotores de Justiça criticam fracasso de gestão do governo de São Paulo no atendimento a menores infratores
É passada a hora de reavaliar as políticas públicas relacionadas aos jovens e adolescentes em conflito com a lei
Inquestionavelmente, as políticas públicas relacionadas aos adolescentes infratores não apresentaram, ao menos no Estado de São Paulo, resultados minimamente satisfatórios. Exemplo típico que confirma esta constatação é a Fundação Casa, responsável pela execução das medidas de internação e semiliberdade. Contanto invista a expressiva quantia aproximada de dez mil reais por mês por cada adolescente, o serviço prestado está maculado por elevados índices de reincidência, superlotação de unidades, frequentes rebeliões, notícias regulares de torturas, e insalubridade das condições de moradia, dentre outras inúmeras deficiências do processo socioeducativo executado pela fundação estatal.
Este é o resultado das recentes apurações do Ministério Público do Estado de São Paulo. Promotores de Justiça de todas as regiões do estado detectaram diversas irregularidades no processo socioeducativo gerido pela Fundação Casa, a que são submetidos mais de dez mil adolescentes. E as graves falhas identificadas induzem a duas conclusões: a entidade não cumpre sua função adequadamente e, consequentemente, o produto do significativo valor despendido pelos cofres públicos é um serviço socioeducativo incompetente.
As provas incontestáveis destes entendimentos são o elevado índice de reincidência (54%, conforme CNJ) e a crescente escalada infracional, suportada e identificada pela sociedade, e que explica, dentre outros fatores, o apoio de mais de 90% da população à redução da maioridade penal. A própria entidade admite que de 2005 a 2013 ocorreu aumento aproximado de 111% nas internações.
As mesmas investigações também apontam para algumas das causas da imprestabilidade do serviço que o Estado está obrigado a fornecer. A principal delas, indubitavelmente, é asuperlotação das unidades, cujo excesso assola, aproximadamente, 91,37% do sistema de internação – o que representa déficit mínimo de 1.470 vagas. Há unidade onde foi identificado o espetacular índice de 158,33% de superlotação - quase três adolescentes/jovens por vaga.
A mantença de um número de adolescentes superior àquele comportado tem três graves consequências diretas: configura flagrante desrespeito aos direitos humanos; prejudica o processo de ressocialização; e permite que outros menores, cuja internação foi decretada pela justiça, sejam colocados imediatamente em liberdade (meio aberto) ante a inexistência de vagas de internação. Sim! É essa a regra do artigo 40, inciso II da Lei 12.594/12. E são inúmeros os casos já constatados.
Outro dos prováveis motivos da improficuidade dos trabalhos da Fundação Casa é o abreviadíssimo período de internação dos infratores. Contando o prazo máximo seja de 3 anos, o Estado de São Paulo – e cuja fundação cabe apresentar relatório sobre o cumprimento da medida socioeducativa –, em média, em apenas sete meses oferece parecer técnico recomendando a desinternação dos adolescentes. O próprio órgão confessa que o período de internação, a depender da sua avaliação, dificilmente supera 232 dias.
Considerando que 90,2% dos internados definitivamente lá estão em razão da prática de atos infracionais graves (roubo, roubo qualificado, latrocínio, homicídio doloso qualificado, e tráfico de drogas), e tendo em vista a elevada reincidência, forçoso concluir que o período de internação atualmente empregado – contanto deva atingir seu fim reeducador com brevidade – é insuficiente para atender sua finalidade. O prematuro parecer de soltura elaborado pela Fundação Casa, e que deveria pautar-se exclusivamente pela aptidão do adolescente de retornar ao convívio social, pode estar sendo influenciado pela superlotação do sistema, e a necessidade ininterrupta de abertura de vagas que dá causa.
É passada a ora de reavaliar as políticas públicas relacionadas aos jovens e adolescentes em conflito com a lei, e a consequente gestão da Fundação Casa, braço do Estado de São Paulo responsável pelos autores dos mais graves atos infracionais. Dentre as medidas a serem adotadas será preciso solucionar, vez por todas, o problema da superlotação, e garantir um processo socioeducativo satisfatório pelo tempo necessário à reeducação dos adolescentes, que apresente à sociedade resultados eficientes e proporcionais ao expressivo investimento feito pelos cofres públicos. É o que o Ministério Público tem buscado, cotidianamente, nas diversas investigações e ações judiciais.
Por: Adriana de Morais, Daniela Hashimoto, Fabio José Bueno, Fabíola Moran Falopa, Marcos de Matos, Oswaldo Barberis, Oswaldo Monteiro, Paula Pruks, Pedro Eduardo de Camargo Elias, Santiago Miguel Nakano Perez, Tiago de Toledo Rodrigues –Promotores de Justiça
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