Nunca vivemos crise igual!
Algumas mentiras, insistentemente repetidas, viram verdades e se cristalizam como blocos de concreto, impedindo que o olhar avance para as infinitas possibilidades que se apresentam.
Então, acreditamos no Estado do bem estar social e canalizamos nossas crenças e energias para o mercado, solução de todos os males e cura para todas as injustiças?
Imaginamos que os esforços individuais enfrentariam com maestria os abismos da desigualdade, e nos elevariam aos templos do consumo e da saciedade que resolveriam as nossas angústias inexplicáveis?
Então explodimos o mundo em duas grandes guerras, assassinamos judeus, escravizamos pessoas, investimos em armas e repressão para garantir a ordem necessária à convivência pacífica?
Como vitória da nossa arrogância, matamos nossos deuses, desconstruímos nossas instituições e nossos muros, fragmentamos nossos valores e nos apropriamos das palavras “liberdade” e justiça”, como panaceia de todo o mal que continuamos a alimentar?
Na nossa casa, pactuamos consensos inexistentes e sepultamos a verdade na cova rasa da leniência com o arbítrio cometido, e do qual não deveríamos jamais ter esquecido?
Conseguimos, contudo, chegar até aqui. Diante desse complexo mar de contradições, precariedades, avanços e retrocessos, nada melhor para amenizar o nosso desamparo, do que escolher alguém ou alguma coisa que se responsabilize por nossos erros e acertos ao longo da história.
O personagem de Simone de Beauvoir, em “Todos os homens são mortais”, condenado à vida eterna, se entedia diante da dolorosa repetição da realidade. Nos raros momentos em que retoma o desejo, se encontra diante do afeto, tímida medicação que o permite tréguas na eternidade compulsória.
Vivemos sim, uma grave crise. Mas vivemos também tempos dignos de serem celebrados.
Com tantas notícias de corrupção entranhada na vida pública, vem também a afirmação da democracia, com o funcionamento das investigações e da Justiça.
Com a economia em frangalhos, há também a expectativa e a esperança de muitos, que há até poucos anos, nunca precisaram se ocupar de nenhuma crise porque eram invisíveis a ela e aos benefícios que a inclusão trouxe.
Mesmo com a incômoda sensação de instabilidade, ganhamos a liberdade para falar, ouvir e pensar, o que parece óbvio, mas não é pouco, se confrontado com nossa recente história.
Mesmo com as representações políticas em xeque, temos encontrado mecanismos para nos reunir coletivamente, nas cidades, nas comunidades, nos afetos e temos exercido, criativamente, nosso direito ao pertencimento.
O mundo nunca será perfeito. O Brasil nunca será perfeito. Nós nunca seremos perfeitos. Melhor ou pior dependerá da utopia que desejamos.
A ingenuidade não é o desejo de esperança, mas a escolha do lugar onde a depositamos.
Pode ser tão ingênuo continuar acreditando na capacidade do ser humano para se reinventar e celebrar o bem que conseguimos até aqui, quanto imaginar que destruindo um partido ou criminalizando a política, chegaremos ao paraíso.
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