Total de visualizações de página

sábado, 29 de abril de 2017

“Vagabundo” não é quem faz greve. É quem se nega a estudar História




Direitos que você tem hoje, como aposentadoria, férias, 13o salário, limite de jornada de trabalho, descanso aos finais de semana, piso de remuneração, proibição do trabalho infantil, licença maternidade não foram concessões vindas do céu. Mas custaram o suor e o sangue de muita gente através de diálogos e debates, demandas e reivindicações, paralisações e greves, não só no Brasil, mas em todo o mundo.

É função de empregadores e políticos fazerem parecer que foram eles que, generosamente, ofereceram direitos. E função da História contada pelos vencedores registrar isso como fato inquestionável, retirando do povo, a massa muitas vezes amorfa e sem rosto, o registro dessas vitórias.

Desde que as Reformas da Previdência e Trabalhista foram apresentadas, o governo federal teve que ceder em alguns pontos devido à pressão social. Foram poucos, sem dúvida. Mas isso beneficiou desde o trabalhador assalariado que vê a vida passar do sofá da sala, chamando de ”comunistas” todos que reclamam das reformas, até aqueles que resolvem ir à luta. Sim, ironicamente muita gente se beneficia do resultado obtido por aqueles que costumava xingar.

Não é de hoje que, na tentativa de menosprezar uma reivindicação de trabalhadores, nega-se a eles exatamente essa identificação. Afirma-se que quem entra em greve não é trabalhador porque, naquele momento, não está trabalhando. Aplicando essa lógica absurda a outros exemplos, quem viajar para fora do Brasil deixaria de ser brasileiro.

Ou seja, nessa lógica, o trabalhador só merece ser tratado como produtivo à sociedade se estiver sempre trabalhando. Caso exerça seu direito, previsto na Constituição, de parar para protestar, torna-se o oposto – que, numa concepção distorcida significa preguiça e indolência.

É paradigmático, portanto, que o prefeito de São Paulo, João Doria, tenha chamado grevistas de ”vagabundos” na manhã desta sexta (28). Ele, que defende as Reformas da Previdência e Trabalhista, tem criticado duramente o movimento. Afirmou que, “neste confronto, só a população que trabalha, que é honesta, é quem perde”.

Ele tem todo o direito a ter sua opinião e a expressa-la quando quiser. Mas também temos a liberdade de lembrar que, durante muito tempo, a polícia exigiu a carteira de trabalho para definir se alguém era ”uma pessoa de bem” por aqui.

A caracterização como ”vagabundos” daqueles que resolvem cruzar os braços e protestar por direitos não é nova e nem foi inventada por políticos brasileiros.

Quem visita a cidade de Chicago, nos Estados Unidos, encontra uma frase gravada em um monumento: ”Chegará o dia em que o nosso silêncio será mais poderoso do que as vozes que vocês estrangularam hoje”. Ele foi erguido em memória de uma greve que começou no dia Primeiro de Maio de 1886, exigindo a redução da jornada de trabalho para oito horas por dia, tocada por trabalhadores que foram chamados de vagabundos. Resultado: a polícia abriu fogo contra a multidão, mas a data foi escolhida para ser um dia de luta em todo o mundo por condições melhores de vida. Menos nos Estados Unidos, em que o Labor Day é na primeira segunda de setembro.

Só o trabalho gera riqueza. E o silêncio de trabalhadores, que se reconhecem como tais, percebem a injustiça que, muitas vezes, recai sobre eles e resolvem cruzar os braços, não apenas aumentou salários ou criou aposentadorias, mas já ajudou a derrubar regimes, a democratizar países, a mudar o rumo da história.

Mahatma Gandhi pediu para que trabalhadores cruzassem os braços e entrassem em greve, não por melhores salários, mas pela independência da Índia junto ao Reino Unido. Martin Luther King fez o mesmo pelo direitos civis de mulheres e homens negros diante do racismo institucionalizado nos EUA. É dele a frase: ”a greve, no fundo, é a linguagem dos que não são ouvidos”.

Nelson Mandela foi chamado de vagabundo por querer que a África do Sul parasse contra o apartheid. A paralisação das operárias russas contra a fome e contra a participação do país na Primeira Guerra precipitou os acontecimentos que desencadearam a queda do regime imperial em 1917. Esse povo não protestou apenas em finais de semana e feriados, ou seja, em seu ”tempo livre”.

Quero comparar essas figuras citadas com nossos líderes nacionais? Nunca, seria um crime histórico. O que discute-se aqui é até que ponto somos capazes de furar a programação que nos foi incutida, de criminalizar quem cruza os braços. Você pode discordar da greve. Mas não julgue alguém que concorda sem subsídios para tanto.


Manifestações que questionam a desigualdade e a injustiça social, mais do que a política em si, tendem a ser reprimidas pela força pública. São vistas como subversivas. As ”ordeiras”, que não mexem com a estrutura econômica e social do país, não. Têm direito até a catracas de metrô liberadas.

Tudo isso acaba por criar uma ”nova língua”. Paulo Mathias, prefeito regional de Pinheiros, município de São Paulo, gravou um vídeo mostrando que trabalhadores iriam dormir nas dependências do prédio para trabalharem nesta sexta de greve geral. Nele, diante de trabalhadores visivelmente constrangidos, afirmou: ”Sou a favor do direito à greve, mas não em dia de trabalho.” Foi parabenizado pelo chefe.

O que ele disse é equivalente a pedir X-burguer sem queijo ou um cachorro-quente sem salsicha.

Temos diversas formas de silêncio. O poder não está no silêncio das bocas fechadas que aceitam as coisas como elas são porque acreditam que nada pode mudar e que ficam felizes se ganharam uma TV do sindicato pelego no feriado.

Mas dos braços parados que se negam a produzir riqueza sem que um diálogo aberto e franco com os empregadores seja estabelecido. Trabalhadores são fortes. Pena que se esquecem disso.

Imposto Sindical

A crise de representatividade é geral, e eu entendo quando vejo alguém metendo o "cacete" nas instituições sindicais. E os meios de comunicações está usado isso pra convencer os trabalhadores(as) que o fim do imposto sindical vai fortalecer a malfadada reforma na CLT. 

As reformas promovida pelo consórcio golpista é um retrocesso como bem definiu o professor Gilberto Maringoni, na postagem Só a República Velha foi tão longe no ataque aos de baixo. O golpismo brinca com fogo. Portanto, meu amigo trabalhador, nas condições atuais de precarização das relações de trabalho o sindicato é um instrumento importante de luta na defesa dos nossos direitos.

sexta-feira, 28 de abril de 2017

Só a República Velha foi tão longe no ataque aos de baixo. O golpismo brinca com fogo

Gilberto Maringoni

Michel Temer, João Doria e outros meliantes estão indo com muita sede ao pote para esmagar o povo brasileiro. Podem se dar mal.

Desde a República Velha, nenhum governo rompeu laços com o movimento sindical. Nem mesmo as ditaduras ou os governos neoliberais anteriores.

As duas gestões de Getúlio Vargas – que criou a CLT – tiveram no movimento dos trabalhadores – mesmo buscando mantê-lo sob controle – importante base de articulação e apoio. A criação do PTB, em 1945, teve o papel de se contrapor ao PCB nas disputas sindicais.

Dutra perseguiu ferozmente as lideranças, mas não colocou em questão a legislação aprovada no governo anterior.

A ditadura de 1964 perseguiu de maneira selvagem ativistas e dirigentes, mas não rompeu com o sindicalismo. Sua política para o movimento tinha como ponto forte a intervenção na direção das entidades, como Dutra. Pelo menos dois dirigentes colocados de cima para baixo nas entidades se tornaram conhecidos. O primeiro foi Paulo Vidal, dos Metalúrgicos de São Bernardo. Através de suas mãos, Lula entrou na diretoria e na vida política, nos anos 1970. O segundo foi Joaquim dos Santos Andrade, o Joaquinzão, que mudou de lado e se tornou um dos mais importantes dirigentes sindicais brasileiros. Entre os anos 1970-80, exerceu decisivo papel na solidariedade a movimentos grevistas de todo o país, em especial para com as mobilizações do ABC paulista.

Mesmo uma gestão ultraliberal como a de Collor de Mello se movimentou para atrair para seu lado parcelas expressivas do movimento sindical . O dirigente mais notório foi Antonio Rogério Magri, que se tornou ministro do Trabalho. Tanto Collor, quanto Sarney e FHC buscaram diálogo com a Foça Sindical.
Lula aproximou-se de todas as vertentes dos trabalhadores.

Agora, com o golpe, o que se vê é uma absoluta loucura. Com o ataque à CLT, à Previdência e com iniciativas de seus esbirros pelos estados, há um rompimento total com os de baixo e a tentativa de isolamento e criminalização das entidades e seus protagonistas.

O movimento sindical não é ator coadjuvante ou neófito na cena política. Com diferentes gradações políticas, forma uma estrutura capilarizada e representativa da sociedade brasileira.

Empurrar esse setor para a ilegalidade, assaltando e cortando prerrogativas e direitos não se constitui apenas em fator antidemocrático. Trata-se de gerar instabilidade política em toda linha, inclusive entre o patronato, que ficará sem canais de negociação com os de baixo.

A porta que o golpismo abre é para lá de perigosa. Tirar de cena o sindicalismo abre as portas para que a voz dos trabalhadores seja sufocada. Mas não o será, porque não existem espaços vazios em política.

Gera-se espaço para que essa expressão seja ocupada por agentes nada democráticos, como igrejas ou o crime organizado.

Michel Temer e seus capangas adentram numa senda irresponsável e perigosa.

domingo, 23 de abril de 2017

Pedagogia Histórico-Crítica e a Escola Pública

Aulas da disciplina Pedagogia Histórico-Crítica e a Escola Pública oferecida pelo Programa de Pós-graduação em Educação da FE-UNICAMP sob a responsabilidade do professor José Claudinei Lombardi.

Aula 1 – Introdução
EXPOSITOR: Dermeval Saviani



Aula 2 – Fundamentos Históricos e Filosóficos da Pedagogia Histórico-Crítica
EXPOSITOR: Newton Duarte



Aula 3 – Fundamentos Psicológicos da Pedagogia Histórico-Crítica
EXPOSITORA: Lígia Márcia Martins



Aula 4 – Pedagogia Histórico-Crítica como teoria pedagógica para uma escola em tempos de transição
EXPOSITOR: Cláudio de Lira Santos Júnior, José Claudinei Lombardi e Paulino José Orso



Aula 5 – Pedagogia Histórico-Crítica e Concepção de Educação Integral e Tempo Integral
EXPOSITORES: Antonio Carlos Maciel e Mara Regina Martins Jacomeli



Aula 6 – Gestão da Educação e da Escola
EXPOSITORES: José Claudinei Lombardi, Luciana Coutinho e Marlene Andrighetti Bialeski



Aula 7 – Implementação do Currículo em Redes Municipais
EXPOSITORAS: Juliana Pasqualini e Rosiane Ponce



Aula 8 – Aprofundamento da Discussão Sobre a Implementação do Currículo
EXPOSITORES: Julia Malanchen e Ricardo Pereira



Aula 9 – Didática: Problemas Teóricos, Metodológicos e Práticos
EXPOSITORAS: Ana Carolina Galvão Marsiglia e Lígia Márcia Martins



Aula 10 –Contribuições da Pedagogia Histórico-Crítica ao Ensino Infantil
EXPOSITORAS: Alessandra Arce e Lucinéia Lazaretti




Aula 11 – Contribuições da Pedagogia Histórico-Crítica ao Ensino Fundamental
EXPOSITORES: Jeferson Gonzalez, Larissa Quacchio e Lucas Teixeira



Aula 12 –Contribuições da Pedagogia Histórico-Crítica ao Ensino Médio
EXPOSITORES: Ricardo Eleutério dos Anjos e Tiago Nicola Lavoura



Aula 13 - Educação Especial na Perspectiva da Pedagogia Histórico-Crítica
EXPOSITORES: Marilda Gonçalves Dias Facci, Silvana Tuleski, Sônia Maria Shima Barroco e Régis Henrique dos Reis Silva



Aula 14 – Formação de Professores na Perspectiva da Pedagogia Histórico-Crítica
EXPOSITORES: José Claudinei Lombardi, Luciana Coutinho e Newton Duarte



Aula 15 - Conclusão: Possibilidades e Perspectivas
EXPOSITORES: Dermeval Saviani e José Claudinei Lombardi


sábado, 22 de abril de 2017

O retrocesso avança





Para comemorar comme il faut um ano do golpe parlamentar contra Dilma Rousseff, as forças empenhadas em dissolver as bases de qualquer projeto nacional deram nova demonstração de vontade ofensiva. Na quarta-feira (19), conseguiram reunir 287 votos (contra 144) para avançar a reforma trabalhista na mesma Câmara dos Deputados que abriu o processo de impeachment contra a ex-presidente. É verdade que foram 80 sufrágios a menos do que os obtidos para levar a então mandatária ao cadafalso, mas revela uma disposição radical cujas consequências se prenunciam funestas.


Clemente Ganz Lúcio, diretor do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), chama a atenção para o caráter interligado dos projetos constitucionais em curso. O dinheiro poupado do corte de benefícios previdenciários proposto é importante para viabilizar a PEC dos gastos, aprovada em outubro passado. Como o teto estabelecido impede o aumento de dispêndio público, será preciso tirar das aposentadorias para manter o mínimo de funcionamento em outras áreas (segurança, saúde, educação etc.).


Por outro lado, o regime de urgência aprovado para as alterações na legislação existente desde os anos 1940 pode eliminar direitos históricos da classe trabalhadora. Além de permitir, entre outras muitas medidas, que o negociado prevaleça sobre o legislado, abrindo o caminho para que a CLT vire letra morta onde os sindicatos são mais fracos, o parecer do deputado Rogério Marinho (PSDB-RN) investe contra o imposto sindical. Embora a contribuição obrigatória seja fonte inequívoca de burocratização, aboli-lo no contexto desta reforma significa esvaziar a principal fonte de resistência ao retrocesso generalizado.


Para completar, a Câmara, ao ampliar, em março, por 231 a 188 votos, o raio de ação das empresas terceirizadas, que agora podem realizar também as atividades-fim de outras firmas, colocou nova parcela da força de trabalho mais longe do alcance da fiscalização. Pode-se imaginar o quanto tudo isso precarizará as relações de trabalho, tendendo, talvez, a diminuir a base de arrecadação da Previdência e reforçando a necessidade de cortar benefícios.


Aos poucos, como se viu na manifestação de 15/3, a sociedade começa a acordar para o tamanho do retrocesso em curso. Redução do valor do trabalho, deterioração dos serviços públicos, destruição e venda do patrimônio nacional para estrangeiros, desindustrialização acelerada e ameaça às liberdades democráticas. Resta saber se haverá tempo para desligar o modo demolição em que o jogo atual vem sendo jogado antes que seja tarde. Parte da resposta virá nos protestos previstos para sexta que vem.

Advogado de Lula resume bem o jornalista Merval Pereira: age de má-fé



CARTA A MERVAL PEREIRA

21 de abril de 2017
São Paulo, 21 de abril de 2017

Ao
Merval Pereira
Colunista de O Globo
Membro do Conselho Editorial da Globo

Senhor jornalista,


Verdadeiro “segredo de polichinelo”, título de sua coluna de hoje (edição 21/04/2017), é a participação ampla, direta e ilegítima das Organizações Globo na perseguição judicial imposta ao ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o intuito de prejudicar ou inviabilizar sua atuação política. A aliança entre a Globo e os agentes públicos que integram a Lava Jato – hoje alçados à condição de artistas de um filme estarrecedor, que viola os mais elementares direitos fundamentais do investigado – já foi mais discreta. Hoje, a Globo dita as acusações contra Lula e disponibiliza os seus veículos de comunicação para colocá-las em pé.

A história do chamado triplex do Guarujá é um bom exemplo disso. Foi a Globo, em 2010, que iniciou essa farsa de que Lula seria proprietário do apartamento 164-A do Condomínio Solaris. Deu holofote a 3 promotores de Justiça de São Paulo que promoveram um grande espetáculo midiático, transmitido ao vivo pela emissora. Na sequência, o assunto do Guarujá foi parar em Curitiba, nas mãos de uma nova instituição criada no País à revelia da Constituição Federal — a chamada Força Tarefa Lava Jato. E, mais uma vez, o tríplex foi alvo de coletiva transmitida ao vivo pela emissora, com a ajuda de um anedótico PowerPoint.

Mas o que dizem os fatos? Após 24 audiências e o testemunho de 73 depoentes compromissados com a verdade, ruiu a acusação de que Lula teria recebido a propriedade desse apartamento como contrapartida de 3 contratos firmados entre a OAS e a Petrobras. No rol de testemunhas estavam funcionários da OAS que afirmaram não ser Lula o proprietário e que o ex-Presidente visitou o local uma única vez, para verificar se tinha interesse na compra, mas rejeitou.

A Globo e seus aliados não se rendem à verdade. E isso pode ser bem observado ontem. O jornal Valor Econômico – hoje 100% de propriedade do grupo – publicou, 3 horas antes do depoimento de Leo Pinheiro ao Juízo de Curitiba, o script da audiência de ontem. Antecipou a troca dos advogados que iria ocorrer, considerando retomada das negociações em busca de uma delação premiada. E deixou claro que o executivo da OAS iria acusar Lula — sem provas — como condição de ver a sua delação aceita pelo MPF. Foi o que ocorreu. Léo Pinheiro deu aos Procuradores da República a sonhada narrativa contra Lula — na contramão dos 73 depoimentos anteriormente colhidos — e com isso viu crescer a chance de sair da prisão ou obter outros benefícios.

As afirmações de Pinheiro, que é corréu na ação e por isso depôs sem o compromisso de dizer a verdade, foram, no entanto, suficientes para que sua coluna concluísse que “Lula é o verdadeiro dono do tríplex e do sítio de Atibaia”. E o senhor foi além: fez ataques diretos e levianos a mim e ao advogado Roberto Teixeira.

Avalio que o senhor sequer assistiu ao vídeo da audiência. Se tivesse assistido, saberia que Léo Pinheiro respondeu às minhas perguntas dizendo que Lula jamais teve as chaves ou usou o imóvel; jamais manteve qualquer pertence pessoal no local; jamais usou ou teve qualquer título da propriedade do apartamento. Ou seja, Pinheiro ao responder às minhas questões — independentemente da versão que havia combinado para ter sua delação premiada aceita — reconheceu que o ex-Presidente jamais praticou qualquer ato que pudesse indicar posse, uso ou gozo do apartamento, que são os atributos necessários para a configuração da propriedade segundo o artigo 1.228, do Código Civil.

Leo Pinheiro ainda reconheceu que deu o mesmo tríplex que afirmara ser de Lula em garantia para a obtenção de recursos para a OAS, o que torna risível a tese por ele sustentada sobre a propriedade do imóvel. Lula seria o dono e a OAS dá o imóvel em garantia, em sucessivas operações, para captar dinheiro no mercado! A situação, portanto, é bem diversa daquela apresentada aos seus leitores.

Registro igualmente Leo Pinheiro negou quando perguntado se algum recurso utilizado no tal tríplex era proveniente da Petrobras. A Folha de S.Paulo, por exemplo, registrou isso em suas páginas na data de hoje (http://www1.folha.uol.com.br/poder/2017/04/1877330-leo-pinheiro-diz-que-lula-pediu-para-ele-destruir-provas-de-propina.shtml). Mas o senhor preferiu mentir aos leitores, dizendo que Leo Pinheiro teria afirmado que “o apartamento foi pago com a propina que o PT obteve por obras na Petrobras”.

Na tentativa de agredir minha atuação profissional, o senhor disse que “o advogado de Lula tentou uma última cartada, que acabou comprometendo ainda mais o cliente”. E narra a seguir que eu teria denunciado a Sérgio Moro a prática de um crime praticado por Leo Pinheiro: “Segundo Zanin, se o apartamento é de Lula, a empreiteira cometeu um crime ao dizer-se dona do apartamento”. Todavia, quem efetivamente assistir a gravação da audiência verá que não fiz qualquer afirmação nesse sentido. Por má-fé ou imprudência, o senhor comete até mesmo erros factuais em suas análises, e esse é um deles.

Quem de fato fez tal colocação foi o ilustre advogado José Roberto Batochio, ex-Presidente da OAB Nacional, com o qual tenho a honra de atuar, afirmando — corretamente, ao meu ver — que as colocações mentirosas de Leo Pinheiro poderiam, em tese, configurar o crime previsto no artigo 171, §2º, inciso I, do Código Penal. O senhor, portanto, errou a pessoa e o tema em sua análise.

Ainda na tentativa de desqualificar a mim e a defesa do ex-Presidente Lula, o senhor fez a seguinte afirmação: “O amigo de Lula Roberto Teixeira, sogro do advogado Cristiano Zanin, chamou-o [Alexandrino Alencar] em seu escritório e combinou fazerem notas frias para regularizar despesas”. Essa situação, todavia, jamais existiu e não tem amparo sequer na delação premiada do executivo da Odebrecht, que jamais fez referência a “notas frias”. Isso é criação sua, com evidente intenção de caluniar o advogado Roberto Teixeira, ex-Presidente da OAB/SBC e que tem uma história ilibada de 47 anos de advocacia.

A propósito, se o senhor e a Globo realmente tivessem interesse na delação da Odebrecht, deveriam começar explicando a tal “sociedade secreta” que Emílio Odebrecht afirmou ter mantido com a emissora para influir em decisões de governo na era do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, no tocante à privatização da área de telefonia e petróleo. Houve apenas lobby? Tráfico de influência? Por que a Globo até hoje não se manifestou sobre esses graves fatos apontados por Emílio? Prepotência? Falta de uma versão convincente?

Avalio, Merval, que o senhor jamais conseguirá esconder um outro verdadeiro “segredo de polichinelo” — o mal que a Globo faz ao País e à democracia.

Cristiano Zanin Martins

sexta-feira, 21 de abril de 2017

Parar o Congresso Nacional




Você deixaria o seu futuro e o futuro de seus filhos ser decidido por criminosos ou por pessoas com fortes suspeitas de crimes? Pois é isso que está acontecendo agora.

Questões fundamentais para o seu futuro, como o sistema de aposentadorias e as leis trabalhistas, estão sendo decididas por pessoas indiciadas na participação em crimes milionários ou que são réus em ações penais correndo no STF. Só na última lista da Lava Jato são 24 senadores e 39 deputados indiciados, inclusive os atuais presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Além disto, quatro senadores e 50 deputados respondem atualmente por ações penais no STF.

Como se isso fosse pouco, ficou claro como todo o sistema político-eleitoral brasileiro é a expressão de uma máquina criminosa de financiamento visando preservar uma oligarquia cuja maior função é defender interesses de seus financiadores. Isso não é uma democracia, mas uma simples plutocracia violenta, com um braço policial descontrolado, que vê agora desnudada suas redes de corrupção e cooptação.

O mesmo presidente da Câmara, sr. Rodrigo Maia, que afirmava há alguns dias que a Justiça do Trabalho não deveria nem sequer existir, foi acusado por um delator da Odebrecht de receber R$ 350 mil diretamente em casa. Como alguém com tais acusações nas costas, em qualquer reles democracia liberal no mundo, poderia continuar presidindo a Câmara e decidindo modificações constitucionais?

Depois que o país viu exposto o grau de corrupção de seu sistema, toda e qualquer legitimidade de seus Poderes, em especial o Legislativo e o Executivo (já que do Judiciário até agora a população brasileira não teve o direito de saber nada), acabou.

Independentemente de ser um sistema presidencialista ou não, o mínimo a fazer seria dissolver esse Congresso, parar toda tramitação de qualquer tipo de emenda constitucional e discutir a única coisa que realmente importa agora, a saber, a reinstauração da institucionalidade política brasileira. Esse Congresso não existe mais.

No entanto, de nada adiantam novas eleições, pois o que está em questão não são apenas os ocupantes atuais do poder mas o caráter completamente farsesco do que se convencionou chamar de "democracia" no Brasil.

É certo que estes indiciados e réus procurarão se defender dizendo serem "representantes" do povo. Mas, se 93% do povo é contrário à reforma previdenciária tal como está, e 80% contrário à terceirização irrestrita (Instituto Vox Populi), então quem exatamente essas pessoas "representam"? Como é possível que a vontade da maioria seja "representada" por algo que não é a vontade da maioria? Na verdade, esse sistema é claramente um mero processo de "espoliação da vontade".

De toda forma, talvez seja o caso de lembrar que a soberania popular, o único fundamento possível de um regime democrático, não se representa. Um povo livre nunca delega sua soberania para quem quer que seja. Ele a conserva sempre junto a si. Passar sua soberania para outro é perdê-la. É como passar minha vontade a um outro e esperar que a vontade de um outro tenha alguma forma de identidade absoluta com a minha. Nem no amor isso é possível, quanto mais na política.

Deputados, presidentes não são "representantes" do povo. No máximo, eles são seus "comissários", como dizia Jean-Jacques Rousseau. Por isso, uma verdadeira democracia deveria ter, ao lado dos Poderes Executivo e Legislativo, a figura da assembleia popular a ratificar leis e apor seu aceite ou sua recusa. O povo deve ter as estruturas institucionais que lhe permitam continuamente se defender de quem procura lhe usurpar o poder.

Alguns dirão que questões econômicas são muito complexas para serem decididas pela soberania popular. No que eles mostram como seu conceito de governo não é uma democracia, mas uma tecnocracia. Só que as tecnocracias que conhecemos atualmente são tecnocracias da catástrofe, responsáveis normalmente pela pauperização crescente da população.

Contra isso, há de sempre se lembrar: quem paga a orquestra escolhe a música. Mas no caso brasileiro a pergunta que fica é: quem paga atualmente a orquestra?

sexta-feira, 14 de abril de 2017

A mediocrização de conceitos

Cadu de Castro

ESTADO LAICO, PELAMORDEDEUS!

Vivemos tempos de vazios conceituais. É comum pessoas reproduzirem termos e emitirem opiniões sem terem compreensão sobre o que falam. Alguns, mediocrizam e distorcem significados e ideias. É a ausência ou a deformidade do conceito.

Banalizou-se o uso deturpado de termos como comunismo, anarquismo, nazismo, fascismo, liberalismo, estado mínimo, laicismo, e muitos outros, no entanto, é sobre este último que quero tratar neste texto.

Dia desses, um amigo professor de história de um colégio privado, contou-me que pediu para que seus alunos fizessem uma pesquisa sobre a cultura nagô – um dos maiores grupos étnico-linguísticos da África ocidental e que exerceu forte influência na formação cultural do Brasil.

No dia seguinte foi chamado à sala da diretoria onde estavam o diretor da escola e o pai de um aluno. Foi convidado a assentar à cadeira e o diretor lhe explicou que o pai do aluno estava lá para registrar uma reclamação formal, pois o professor havia solicitado ao seu filho um trabalho que envolvia candomblé e umbanda e que isso era inaceitável, pois a família era evangélica e o colégio seguia a linha do laicismo, isto é, era uma escola laica.

Meu amigo discorreu explicando que os nagô eram um grupo étnico-linguístico africano, que tiveram grande relevância para a formação cultural do Brasil e que a pesquisa abarcava a cultura deste povo e não o candomblé e a umbanda – religiões que, apesar da matriz africana, são brasileiras.

Ora, o problema está no conceito distorcido de laicismo do pai e da escola. A escola laica não é aquela que veta, nega, proíbe ou censura a religião, mas a que valoriza e preza pela pluralidade de pensamentos e crenças, incluindo o ateísmo e agnosticismo.

Seria impossível ensinar história sem tanger as religiões. Como tratar da Europa medieval sem abordar o cristianismo? Como ensinar Idade Moderna sem falar da Reforma Protestante? Como compreender o continente africano sem tocar o islamismo? Impossível. E se deve se estudar o cristianismo, por que não estudarmos as outras religiões, bem como ateísmo e agnosticismo? A escola laica é democrática, está aberta a todas os pensamentos e crenças e não fechada a eles. Esta seria a Escola Sem Partido, cega, torta, pensa.

Talvez alguns questionem sobre o direito do pai evangélico de não querer que o filho estude conteúdos relacionados a outras religiões. Bem, a escola segue princípios que a norteiam, e no caso dele não estar alinhado a eles, deve procurar outro estabelecimento de ensino. Um pai evangélico, ou católico, ou muçulmano, ou que professe outra religião, que não quer que seu filho estude conteúdos de crenças que não sejam a sua, deve procurar uma escola religiosa específica e não uma escola laica.

Um outro caso, que ilustra a mediocrização de conceitos, ocorreu na cidade onde vivo. Foi em uma audiência pública para um Projeto de Lei da prefeitura, que conflitava com os interesses da maior parte dos cidadãos presentes. Aqueles que queriam manifestar sua opinião, inscreviam-se e iam à frente expô-la, diziam seu nome e profissão e discorriam sobre seus argumentos.

Um dos inscritos era um pastor evangélico que quando chamado foi à frente e dissertou sobre os desígnios de Deus e, sob está ótica, o porquê dele ser contra o Projeto de Lei. Uma pessoa que assistia à audiência se irritou e protestou alto e bom som, que o Estado é laico e que ele não tinha o direito de abordar o tema sob o viés religioso.

Ora, que conceito corrompido de Estado laico é este? Antes de tudo, quem expressava sua opinião era um cidadão e não o Estado. Caso o prefeito ou um representante da prefeitura usasse um discurso religioso para sustentar seus argumentos, teria de ser imediatamente contestado, mas o cidadão tem o direito de livre expressão resguardado por lei – desde que não profira discurso que estimule o ódio, a violência, o preconceito e a discriminação. O estado é laico, o cidadão não.

Há outra história que nos permite refletir sobre o tema laicismo. Um ex-secretário de Educação de uma cidade localizada num dado país, de um certo planeta, de uma galáxia qualquer, postou nas redes sociais que achou muito interessante a sugestão de um pai de um aluno da tal cidade para se instituir nas escolas públicas municipais um momento para oração que precedesse o serviço da merenda.

Vejamos o que diz a Constituição Federal:

Artigo 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;

Artigo 5º.

VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;”

Ora, qual o entendimento do ex-secretário de Educação sobre Estado e escola laica? A escola laica não induz ninguém à oração e nem inibe a quem queira orar, mas deixa os alunos livres para fazerem suas escolhas. Respeita o religioso, o agnóstico e o ateu.

O Estado laico tem como princípio a imparcialidade em assuntos religiosos, não apoiando ou discriminando nenhuma religião. Defende a liberdade religiosa a todos os seus cidadãos e não permite a interferência de correntes religiosas em matérias sociopolíticas e culturais.

É preciso sair do vazio conceitual. É imprescindível que as pessoas se debrucem sobre os mais diversos temas com senso crítico e reflexão, caso contrário, tornar-se-ão instrumentos de manipulação e reprodução de ideias alheias desonestas, o que denomino “ignorância ostentação”, pois não basta ser ignorante, há de se ostentar por intermédio de opiniões desprovidas de argumentos que as sustentem.

O Estado laico deve ser uma luta de todos nós: desde alguém destituído de crença, como eu, ao mais fervoroso religioso, pois é o Estado neutro, imparcial e equânime que garantirá a todos os direitos de livre manifestação de pensamento e crença.

Estado laico, pelo amor de deus!

sábado, 8 de abril de 2017

“Pensar em eleição neste momento é sinal de profunda mediocridade”, diz Boulos



Líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) criticou antecipação do debate de 2018 e fez reflexão sobre papel da esquerda brasileira na atual conjuntura




Em Goiânia para encontro da Pastoral da Terra, o ativista e líder do Movimento do Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, recebeu o Jornal Opção para uma conversa sobre o cenário da esquerda brasileira, a ascensão da direita e as polêmicas reformas de Michel Temer (PMDB).

Com críticas em relação ao papel desempenhado pela esquerda, especialmente o PT, nos último anos, Guilherme defendeu a união em torno da resistência às medidas do presidente e refutou a antecipação do debate sobre 2018.

Você foi preso em janeiro deste ano pela Polícia Militar (PM) em São Paulo e avaliou essa prisão como uma tentativa de criminalizar os movimentos sociais, que é uma coisa que muitos deles já vêm denunciando há um tempo. Como é que você vê o cenário atual desses movimentos? Eles perderam forças? A população está mais resistente? O novo governo tem uma postura mais repressiva mesmo?

Nós temos hoje uma escalada de criminalização das lutas sociais. É claro, a criminalização já existia, não foi o governo Temer quem iniciou, mas a situação se agravou. Se agravou porque, primeiro, é um governo que não tem legitimidade. Segundo, é um governo que está promovendo um retrocesso, em termos de direitos sociais, brutal. Ou seja, quando a agenda de um governo é atacar direitos, e ele está decidido a levar essa agenda até as últimas consequências, como é que ele vai lidar com manifestação de defesa de direitos? Se ele não tem nenhuma disposição para atender uma pauta de luta dos trabalhadores, uma pauta popular, o que resta a ele é lidar com isso com tensão social, com polícia.

Aqui em Goiás inclusive nós tivemos um caso emblemático, a prisão de dirigentes do MST com base na lei de organizações criminosas, que é um absurdo, um disparate. Mas se a avaliação deles é que a criminalização vai deter a luta social, vai enfraquecer, não é isso que nós estamos vendo. Não é isso que está acontecendo e, aliás, não é isso que acontece historicamente. Muitas vezes você reprimir a luta organizada acaba sendo jogar mais gasolina na fogueira. O que nós estamos vendo é uma crescente: Dia 15 de março uma mobilização extremamente ampla, como não se via há muito tempo. Tem uma greve geral marcada para o dia 28 de abril, faz mais de quinze anos que não há uma convocação dessas pelas centrais sindicais. Então, a criminalização tem efeito inverso.

Então você acha que, na verdade, pode fortalecer os movimentos?

Acaba soando como uma provocação. Achar que as pessoas vão deixar de ir à rua para lutar pelos seus direitos porque o governo reprime? Veja o que aconteceu em junho de 2013, em São Paulo, particularmente: Eram manifestações médias e quando a polícia agiu de maneira brutal as manifestações se tornaram multidões. Às vezes o efeito é inverso ao que eles esperam.

E a reação da população geral em relação a estas manifestações? Você citou 2013, e, toda vez que um movimento chegava ao ponto de quebrar alguma coisa, ou de haver um confronto mais violento, grande parte da população via com ressalvas. Os movimentos dos estudantes nas escolas também enfrentaram preconceito. Você acha que hoje a população brasileira está menos sensível às pautas dos movimentos sociais? 

Nós tivemos nos últimos anos uma tentativa forte de desmoralização dos movimentos sociais. Qual é a melhor forma de você criminalizar? É você antes desmoralizar. Começa a dizer que movimento social quer privilégio, quer favorecimento, cargo, boquinha… Começa a se repetir isso de maneira sistemática, como uma forma de se deslegitimar a luta dos movimentos sociais. Depois que você diz que aquele movimento e aquela liderança é um ladrão, fica muito mais fácil criminalizar, porque não vai ter ninguém para defender na sociedade. As pessoas vão aplaudir.

Então você teve uma operação coordenada para desmoralização da luta social no Brasil, o que é escandaloso, porque sem movimento social não haveria democracia no nosso país. Nós não teríamos todos os direitos trabalhistas, sociais, as liberdades democráticas que foram conquistadas no país e no mundo. Agora, eu não acho que esse discurso tenha isolado os movimentos sociais. O que nós estamos vendo do último mês para cá, é o clima social começar a virar no país. O governo Temer alcançou a maior rejeição de um presidente na história recente do país, as medidas – reforma da Previdência, reforma trabalhista – são rejeitadas por mais de 90% da população brasileira, e com isso os movimentos sociais ganharam também um novo protagonismo e uma condição de liderar lutas de massa como nós temos visto e vamos voltar a ver neste mês.

Então você vê com otimismo esses próximos meses até a campanha de 2018?

Eu não digo que necessariamente nós vamos ganhar. Do outro lado tem um governo que, embora ilegítimo, tem três quintos do parlamento na sua mão, pelos meios fisiológicos de sempre, tem apoio consistente de uma parte da imprensa, do Judiciário, do empresariado, ou seja, tem força. Mas o jogo começou a ser jogado de uma maneira mais equilibrada, o lado de cá começou a reagir com mais força e apoio social. Então, se nós vamos conseguir barrar os ataques do governo Temer, isso não é possível dizer. Mas que a luta vai ser árdua, e que não vai ser fácil para eles, isso é seguro.

E como você avalia a candidatura da esquerda em 2018? Tem muita gente na esquerda defendendo uma candidatura unificada.

Eu acho que o maior erro que a esquerda pode cometer nesse momento é começar a discutir 2018 agora. Daqui até 2018 nós temos uma década, do ponto de vista histórico, temos um país afundado em uma recessão brutal, em desemprego, um serviço público em colapso, estados entrando em falência, um Congresso sem moral querendo aprovar reformas… A esquerda tem que se focar nisso, nós temos que ganhar 2017. Esse é o debate e isso unifica todos, o conjunto da esquerda, que pode ter projetos diferentes em 2018, todo tem unidade em relação à resistência às reformas de Temer e à necessidade de enfrentar esse governo. Então eu acho que o debate que a esquerda precisa fazer agora é totalmente focado neste processo essencial de resistência, nós temos que entender a gravidade do que está em jogo, o que eles estão botando aí pode fazer o país andar 100 anos para trás. Agora, diante disso, ficar pensando em eleição, é sinal de profunda mediocridade.

Vários movimentos do Brasil, como o evangélico e o ruralista, têm um espaço muito grande no Congresso e às vezes a esquerda é muito menor. E eles conseguem aprovar algumas pautas com essa mobilização. Você acredita que é preciso mais mobilização política dos movimentos de esquerda no sentido de ocupar o poder e chegar às Câmaras e Assembleias para tentar articular seus projetos e pautas?

Veja: A esquerda nunca teve maioria no parlamento brasileiro, você teve governos de algum modo progressistas que fizeram uma composição parlamentar altamente questionável. E em nome da tal governabilidade, fizeram concessões muito caras à esquerda e que estão custando ainda hoje muito caro ao povo brasileiro. Então a esquerda precisa disputar a institucionalidade, isso tem que estar no horizonte, agora, antes de tudo, a esquerda precisa retomar sua capacidade de influência social. Você disputar eleição a qualquer custo, de qualquer jeito, e fazer todas as composições imagináveis, para conseguir uma maioria frágil, em que você vai governar e, em troca, vai aplicar um programa muito limitado, a esquerda tem que, diante do golpe, aprender a superar essa visão, precisa acumular uma força social.

Nós não vamos conseguir ter o avanço de um projeto de esquerda no Brasil sem um novo ciclo de mobilização social, sem retomar as ruas. Então é nesse sentido que eu acho que, embora evidente que a disputa parlamentar, eleitoral, precisa ser feita pela esquerda, ela precisa ser feita com lastro na sociedade. Eu acho que a disputa nesse momento é a disputa de mentes e corações do povo brasileiro, é a disputa de projeto, por isso reitero que não é o momento de ficar discutindo candidaturas para 2018. É o momento de, com muita mobilização social, unidade e organização, barrar as reformas do Temer, e retomar a capilaridade social que a esquerda perdeu.

Você acha que a esquerda teve seu papel na ascensão da direita no Brasil?

Eu acho que sim, não é possível negar. Parte da ofensiva conservadora que nós vivemos no Brasil tem a ver com uma ideia de crise de representatividade, que é essa antipolítica, as pessoas não se sentem representadas pelos políticos e pelo sistema político. Quando a esquerda deixa de colocar um projeto claramente contra-hegemônico, de enfrentamento, ela passa a ser identificada a esta mesmice, ao status quo, e vai junto nesse sentimento de rejeição e insatisfação popular. Isso abre espaço para que setores de uma nova direita, na verdade eu diria velha também, mas que se apresente como o novo. Que consegue, diante desse processo de descrédito generalizado, com esse discurso de “não sou político”, “não sou politicamente correto”, muitas vezes com um discurso recheado de intolerância e preconceito, conseguem ocupar um espaço que acaba por canalizar essa insatisfação com a política. Veja o Donald Trump nos Estados Unidos, isso não é só um fenômeno brasileiro, é internacional, e leva aberrações como ele a virarem presidentes. E claramente colocam o risco no Brasil de uma figura dessa natureza vir a ter uma força eleitoral importante.

É possível que a esquerda barre esse movimento de ascensão da direita?

Acho que sim. Mas acho que a forma que a esquerda precisa fazer para isso é conseguir disputar o sentimento de insatisfação com a política. Se a esquerda se colocar no mesmo barco de um sistema político amplamente rejeitado, ela perde qualquer capacidade. Se a esquerda não consegue se apresentar com um projeto radical, ousado, de enfrentamento, ela não consegue dialogar com esse sentimento de insatisfação e ele acaba indo pelas vias da direita. A forma de fazer a disputa é também se colocar contra este mesmo regime político, a esquerda não tem que salvar esse regime falido, é papel dela pensar uma saída de radicalização democrática. E, com isso, vai conseguir dialogar com uma juventude e uma parte da sociedade que está descrente. Se a esquerda não faz isso vai deixar isso de bandeja na mão desses setores que pregam a suposta antipolítica, mas que na verdade são mais políticos do que qualquer outro.

E esse discurso do “não sou político” hoje é muito forte.

Pega né. É um marketing com estudo. Você faz pesquisa qualitativa, estuda o que as pessoas querem ouvir, como é que está a pré-disposição do eleitorado, e você começa a apresentar figurinhas que em tese possam expressar essa insatisfação do público, feitas sob medida, sem nenhuma autenticidade, sem nenhum projeto de país. A esquerda precisa entender o que que está em jogo e se colocar nesse processo recuperando a sua radicalidade, sem medo.

É a hora de algumas figuras da esquerda, como do PT e do Psol, se desvincilharem um pouco de certos grupos, marcarem posição contrária a quem, por exemplo, foi fisiológica, para tentar ter força?

Não sou eu quem vai dizer o que as pessoas têm que fazer, mas eu acho o seguinte: Nós temos que separar as coisas nesse processo de desgaste do PT. Tem os erros do PT, que são esses: Essas políticas de aliança, esse rebaixamento do programa, esse pragmatismo que anulou princípios importantes, mas também está tendo um linchamento brutal que o PT está sofrendo por parte da mídia oligopólica do país. Isso é inegável: Parte da rejeição ao PT não é só pelos seus erros, é também por um ataque que diz que o PT é o criador da corrupção no Brasil, quando isso não é verdade, é uma visão tacanha, seletiva e mentirosa.

Então precisamos separar essas duas coisas para não cair em uma linha de demonização do PT ou de qualquer outra força política. Acho que a esquerda precisa construir novos caminhos, encerrou-se um ciclo. E acho que isso passa por muita gente que está no PT, no Psol, nos movimentos sociais, nós temos que construir um campo novo. Agora, você não constrói um campo novo ignorando e jogando fora aquilo que foi construído no período anterior, tem que saber incorporar o que houve de acerto.

terça-feira, 4 de abril de 2017

Fernando Haddad responde ao "João Trabalhador"





A Verdade é Filha do Tempo

Por que a Organização Mundial da Saúde recomendou a todos os prefeitos do planeta que reduzissem a velocidade máxima das vias urbanas?

Porque a CIÊNCIA demonstrou que isso significava menos congestionamentos, menos acidentes, menos poluição e, portanto, mais SAÚDE, física e mental.

Não tenho a menor pretensão de que argumentos racionais façam diferença para aqueles que optaram pelo obscurantismo. Nem acredito que as instituições que servem hoje à politicagem ajam em favor da verdade.

Mas, é bom saber que a ciência, pelo menos no resto do mundo, avança sem fronteiras.