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sábado, 8 de abril de 2017

“Pensar em eleição neste momento é sinal de profunda mediocridade”, diz Boulos



Líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) criticou antecipação do debate de 2018 e fez reflexão sobre papel da esquerda brasileira na atual conjuntura




Em Goiânia para encontro da Pastoral da Terra, o ativista e líder do Movimento do Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, recebeu o Jornal Opção para uma conversa sobre o cenário da esquerda brasileira, a ascensão da direita e as polêmicas reformas de Michel Temer (PMDB).

Com críticas em relação ao papel desempenhado pela esquerda, especialmente o PT, nos último anos, Guilherme defendeu a união em torno da resistência às medidas do presidente e refutou a antecipação do debate sobre 2018.

Você foi preso em janeiro deste ano pela Polícia Militar (PM) em São Paulo e avaliou essa prisão como uma tentativa de criminalizar os movimentos sociais, que é uma coisa que muitos deles já vêm denunciando há um tempo. Como é que você vê o cenário atual desses movimentos? Eles perderam forças? A população está mais resistente? O novo governo tem uma postura mais repressiva mesmo?

Nós temos hoje uma escalada de criminalização das lutas sociais. É claro, a criminalização já existia, não foi o governo Temer quem iniciou, mas a situação se agravou. Se agravou porque, primeiro, é um governo que não tem legitimidade. Segundo, é um governo que está promovendo um retrocesso, em termos de direitos sociais, brutal. Ou seja, quando a agenda de um governo é atacar direitos, e ele está decidido a levar essa agenda até as últimas consequências, como é que ele vai lidar com manifestação de defesa de direitos? Se ele não tem nenhuma disposição para atender uma pauta de luta dos trabalhadores, uma pauta popular, o que resta a ele é lidar com isso com tensão social, com polícia.

Aqui em Goiás inclusive nós tivemos um caso emblemático, a prisão de dirigentes do MST com base na lei de organizações criminosas, que é um absurdo, um disparate. Mas se a avaliação deles é que a criminalização vai deter a luta social, vai enfraquecer, não é isso que nós estamos vendo. Não é isso que está acontecendo e, aliás, não é isso que acontece historicamente. Muitas vezes você reprimir a luta organizada acaba sendo jogar mais gasolina na fogueira. O que nós estamos vendo é uma crescente: Dia 15 de março uma mobilização extremamente ampla, como não se via há muito tempo. Tem uma greve geral marcada para o dia 28 de abril, faz mais de quinze anos que não há uma convocação dessas pelas centrais sindicais. Então, a criminalização tem efeito inverso.

Então você acha que, na verdade, pode fortalecer os movimentos?

Acaba soando como uma provocação. Achar que as pessoas vão deixar de ir à rua para lutar pelos seus direitos porque o governo reprime? Veja o que aconteceu em junho de 2013, em São Paulo, particularmente: Eram manifestações médias e quando a polícia agiu de maneira brutal as manifestações se tornaram multidões. Às vezes o efeito é inverso ao que eles esperam.

E a reação da população geral em relação a estas manifestações? Você citou 2013, e, toda vez que um movimento chegava ao ponto de quebrar alguma coisa, ou de haver um confronto mais violento, grande parte da população via com ressalvas. Os movimentos dos estudantes nas escolas também enfrentaram preconceito. Você acha que hoje a população brasileira está menos sensível às pautas dos movimentos sociais? 

Nós tivemos nos últimos anos uma tentativa forte de desmoralização dos movimentos sociais. Qual é a melhor forma de você criminalizar? É você antes desmoralizar. Começa a dizer que movimento social quer privilégio, quer favorecimento, cargo, boquinha… Começa a se repetir isso de maneira sistemática, como uma forma de se deslegitimar a luta dos movimentos sociais. Depois que você diz que aquele movimento e aquela liderança é um ladrão, fica muito mais fácil criminalizar, porque não vai ter ninguém para defender na sociedade. As pessoas vão aplaudir.

Então você teve uma operação coordenada para desmoralização da luta social no Brasil, o que é escandaloso, porque sem movimento social não haveria democracia no nosso país. Nós não teríamos todos os direitos trabalhistas, sociais, as liberdades democráticas que foram conquistadas no país e no mundo. Agora, eu não acho que esse discurso tenha isolado os movimentos sociais. O que nós estamos vendo do último mês para cá, é o clima social começar a virar no país. O governo Temer alcançou a maior rejeição de um presidente na história recente do país, as medidas – reforma da Previdência, reforma trabalhista – são rejeitadas por mais de 90% da população brasileira, e com isso os movimentos sociais ganharam também um novo protagonismo e uma condição de liderar lutas de massa como nós temos visto e vamos voltar a ver neste mês.

Então você vê com otimismo esses próximos meses até a campanha de 2018?

Eu não digo que necessariamente nós vamos ganhar. Do outro lado tem um governo que, embora ilegítimo, tem três quintos do parlamento na sua mão, pelos meios fisiológicos de sempre, tem apoio consistente de uma parte da imprensa, do Judiciário, do empresariado, ou seja, tem força. Mas o jogo começou a ser jogado de uma maneira mais equilibrada, o lado de cá começou a reagir com mais força e apoio social. Então, se nós vamos conseguir barrar os ataques do governo Temer, isso não é possível dizer. Mas que a luta vai ser árdua, e que não vai ser fácil para eles, isso é seguro.

E como você avalia a candidatura da esquerda em 2018? Tem muita gente na esquerda defendendo uma candidatura unificada.

Eu acho que o maior erro que a esquerda pode cometer nesse momento é começar a discutir 2018 agora. Daqui até 2018 nós temos uma década, do ponto de vista histórico, temos um país afundado em uma recessão brutal, em desemprego, um serviço público em colapso, estados entrando em falência, um Congresso sem moral querendo aprovar reformas… A esquerda tem que se focar nisso, nós temos que ganhar 2017. Esse é o debate e isso unifica todos, o conjunto da esquerda, que pode ter projetos diferentes em 2018, todo tem unidade em relação à resistência às reformas de Temer e à necessidade de enfrentar esse governo. Então eu acho que o debate que a esquerda precisa fazer agora é totalmente focado neste processo essencial de resistência, nós temos que entender a gravidade do que está em jogo, o que eles estão botando aí pode fazer o país andar 100 anos para trás. Agora, diante disso, ficar pensando em eleição, é sinal de profunda mediocridade.

Vários movimentos do Brasil, como o evangélico e o ruralista, têm um espaço muito grande no Congresso e às vezes a esquerda é muito menor. E eles conseguem aprovar algumas pautas com essa mobilização. Você acredita que é preciso mais mobilização política dos movimentos de esquerda no sentido de ocupar o poder e chegar às Câmaras e Assembleias para tentar articular seus projetos e pautas?

Veja: A esquerda nunca teve maioria no parlamento brasileiro, você teve governos de algum modo progressistas que fizeram uma composição parlamentar altamente questionável. E em nome da tal governabilidade, fizeram concessões muito caras à esquerda e que estão custando ainda hoje muito caro ao povo brasileiro. Então a esquerda precisa disputar a institucionalidade, isso tem que estar no horizonte, agora, antes de tudo, a esquerda precisa retomar sua capacidade de influência social. Você disputar eleição a qualquer custo, de qualquer jeito, e fazer todas as composições imagináveis, para conseguir uma maioria frágil, em que você vai governar e, em troca, vai aplicar um programa muito limitado, a esquerda tem que, diante do golpe, aprender a superar essa visão, precisa acumular uma força social.

Nós não vamos conseguir ter o avanço de um projeto de esquerda no Brasil sem um novo ciclo de mobilização social, sem retomar as ruas. Então é nesse sentido que eu acho que, embora evidente que a disputa parlamentar, eleitoral, precisa ser feita pela esquerda, ela precisa ser feita com lastro na sociedade. Eu acho que a disputa nesse momento é a disputa de mentes e corações do povo brasileiro, é a disputa de projeto, por isso reitero que não é o momento de ficar discutindo candidaturas para 2018. É o momento de, com muita mobilização social, unidade e organização, barrar as reformas do Temer, e retomar a capilaridade social que a esquerda perdeu.

Você acha que a esquerda teve seu papel na ascensão da direita no Brasil?

Eu acho que sim, não é possível negar. Parte da ofensiva conservadora que nós vivemos no Brasil tem a ver com uma ideia de crise de representatividade, que é essa antipolítica, as pessoas não se sentem representadas pelos políticos e pelo sistema político. Quando a esquerda deixa de colocar um projeto claramente contra-hegemônico, de enfrentamento, ela passa a ser identificada a esta mesmice, ao status quo, e vai junto nesse sentimento de rejeição e insatisfação popular. Isso abre espaço para que setores de uma nova direita, na verdade eu diria velha também, mas que se apresente como o novo. Que consegue, diante desse processo de descrédito generalizado, com esse discurso de “não sou político”, “não sou politicamente correto”, muitas vezes com um discurso recheado de intolerância e preconceito, conseguem ocupar um espaço que acaba por canalizar essa insatisfação com a política. Veja o Donald Trump nos Estados Unidos, isso não é só um fenômeno brasileiro, é internacional, e leva aberrações como ele a virarem presidentes. E claramente colocam o risco no Brasil de uma figura dessa natureza vir a ter uma força eleitoral importante.

É possível que a esquerda barre esse movimento de ascensão da direita?

Acho que sim. Mas acho que a forma que a esquerda precisa fazer para isso é conseguir disputar o sentimento de insatisfação com a política. Se a esquerda se colocar no mesmo barco de um sistema político amplamente rejeitado, ela perde qualquer capacidade. Se a esquerda não consegue se apresentar com um projeto radical, ousado, de enfrentamento, ela não consegue dialogar com esse sentimento de insatisfação e ele acaba indo pelas vias da direita. A forma de fazer a disputa é também se colocar contra este mesmo regime político, a esquerda não tem que salvar esse regime falido, é papel dela pensar uma saída de radicalização democrática. E, com isso, vai conseguir dialogar com uma juventude e uma parte da sociedade que está descrente. Se a esquerda não faz isso vai deixar isso de bandeja na mão desses setores que pregam a suposta antipolítica, mas que na verdade são mais políticos do que qualquer outro.

E esse discurso do “não sou político” hoje é muito forte.

Pega né. É um marketing com estudo. Você faz pesquisa qualitativa, estuda o que as pessoas querem ouvir, como é que está a pré-disposição do eleitorado, e você começa a apresentar figurinhas que em tese possam expressar essa insatisfação do público, feitas sob medida, sem nenhuma autenticidade, sem nenhum projeto de país. A esquerda precisa entender o que que está em jogo e se colocar nesse processo recuperando a sua radicalidade, sem medo.

É a hora de algumas figuras da esquerda, como do PT e do Psol, se desvincilharem um pouco de certos grupos, marcarem posição contrária a quem, por exemplo, foi fisiológica, para tentar ter força?

Não sou eu quem vai dizer o que as pessoas têm que fazer, mas eu acho o seguinte: Nós temos que separar as coisas nesse processo de desgaste do PT. Tem os erros do PT, que são esses: Essas políticas de aliança, esse rebaixamento do programa, esse pragmatismo que anulou princípios importantes, mas também está tendo um linchamento brutal que o PT está sofrendo por parte da mídia oligopólica do país. Isso é inegável: Parte da rejeição ao PT não é só pelos seus erros, é também por um ataque que diz que o PT é o criador da corrupção no Brasil, quando isso não é verdade, é uma visão tacanha, seletiva e mentirosa.

Então precisamos separar essas duas coisas para não cair em uma linha de demonização do PT ou de qualquer outra força política. Acho que a esquerda precisa construir novos caminhos, encerrou-se um ciclo. E acho que isso passa por muita gente que está no PT, no Psol, nos movimentos sociais, nós temos que construir um campo novo. Agora, você não constrói um campo novo ignorando e jogando fora aquilo que foi construído no período anterior, tem que saber incorporar o que houve de acerto.

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