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domingo, 21 de maio de 2017

Sandra Helena de Souza: "Quem viver verá"


E o Ilegítimo não renunciou. Perplexa, começo a ouvir/ler sobre a suposta semelhança entre a situação atual e a do golpe que depôs Dilma em torno do jargão da “governabilidade”: ela não tinha, ele não tem. Durma-se com um barulho desses, mas também se aprenda com ele.

Nas condições do presidencialismo de coalização, ativismo político desenfreado dos “operadores” do judiciário, concentração oligopolizada da mídia com seus interesses rentistas e retrógrados, tal apelo soa pueril. Não é por isso que o governo golpista pende por fios esgarços, e, sim, porque o consórcio perde o equilíbrio interno quanto aos objetivos nucleares da empreitada. Com popularidade no rés do chão, mas com mídia, congresso, judiciário, ministério público e polícias a favor, governabilidade é etiqueta de salão ao sabor da ocasião. A Dilma foi negada não governabilidade, antes a própria condição de governar, todos contra si. Nada do que acontece agora surpreende a quem usa a cabeça a menos que haja ainda quem acredite em “pedaladas” e “abertura de crédito suplementar” para programas sociais como motivo da farsa do impeachment. A “governabilidade” é encobrimento do redesenho do País ao sabor dos interesses das elites tradicionais coloniais e internacionais, o que significa o desmonte do incipiente Estado Social e da Constituição Cidadã.

Não por acaso, a imprensa em coro uniforme no dia seguinte ao pronunciamento do “fico” de Temer aponta em manchetões não a necessidade moral, mas o “risco” de sua queda, acompanhadas sempre da indicação de que o “mercado” reagiu mal (para quem, cara pálida?) pois o “impasse” de reformas ameaça “retomada econômica” (para onde?). O mantra de uma equação que parece natural como chuva, só que não, caríssimos hipócritas, hipócritas, hipócritas.

Nesse ano que passou, a vida só melhorou para Dilma, certamente. O País retrocedeu em décadas e o futuro da esmagadora maioria da população brasileira fechou-se em mil tons de cinza. O ataque é coordenado, urgente e sem precedentes com alvos que vão dos direitos dos índios e quilombolas, passam pela indústria naval e petrolífera e chegam ao satélite geoestacionário de defesa e comunicação estratégicas, sem falar na PEC dos gastos, terceirização, reformas do ensino médio, trabalhista e previdenciária, dando a exata dimensão de que golpeados fomos nós, os que não estão no topo muitíssimo concentrado dos mais ricos.

Surpreende-me, isso, sim, que se aventem todas as possibilidades de restabelecimento da normalidade institucional com mais um impeachment ou renúncia enquanto caminham céleres as reformas do fim-do-mundo. As eleições gerais não alterarão o quadro estabelecido a menos que o presidente conte com tudo o que faltou a Dilma e sobra a Temer. Nossa democracia sofre agora de um mal autoimune. Não se trata de crise de representatividade da classe política, tão somente, mas da falta de credibilidade do próprio poder do voto popular, o vício de origem da trama urdida contra a presidenta, agora já narrada em prosa e verso. Se eles quiserem, tiram. Recado dado, simples assim.

Sim, o impeachment de Dilma será anulado, dure 1 ou durem 40 anos, como anulada foi a sessão que cassou Jango. Só então a ferida mortal cicatriza. Até lá, muita, muita luta.




souza.sandraelena@gmail.com

Professora de Filosofia da Unifor e membro do Instituto Latino Americano de Estudos sobre Direito, Política e Democracia- ILAEDPD

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