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segunda-feira, 14 de abril de 2014

Valesca, a polêmica


E eis que me vejo na obrigação de parar tudo para escrever o que penso a respeito da polêmica que estourou na semana passada sobre a grande pensadora brasileira “Valesca Popozuda”. Isto, para que minha opinião fique clara até para mim mesma. Pode ser que depois deste texto também a minha capacidade como “pensadora” seja questionada. Paciência!

Em primeiro lugar, ao contrário dos colegas filósofos, ou seja, “pensadores”, o que me chamou a atenção não foi que um professor de filosofia colocasse uma questão de múltipla escolha sobre Valesca Popozuda numa avaliação (não é função da filosofia investigar conceitos e fenômenos?). Muito menos que o enunciado se referisse a ela como uma “grande pensadora” (e a ironia socrática?). O que me deixou um tanto quanto estarrecida foram os comentários debochados, de uma agressividade velada ou explícita e sempre cruel para com a moça em questão e, acima de tudo, superficiais quando vindos de quem se entende como pensador.

Tal reação dos pensadores fala muito de cada um e da atual situação do grupo ao qual pertencem. E se junta à montanha de reticência que venho guardando contra o comportamento “superior” de certo tipo de acadêmicos não é de hoje. 

Pelo meu lado, comecei a trabalhar aos quatorze anos. Aos quinze atravessada a cidade diariamente para trabalhar “do outro lado do mundo” e por isso tive que parar os estudos várias vezes. Lia nos pontos de ônibus, lia nos ônibus, lia nas horas de almoço, lia nos finais de semana, por mera curiosidade apaixonada. E porque ganhar o pão de cada dia sempre foi prioridade, só entrei na faculdade com mais de trinta anos. Talvez por isso eu não seja tão zelosa de diplomas, títulos, méritos e honrarias. Valorizo sim, muitíssimo, o meu lado autodidata que conseguiu se virar bem quando a educação formal não me foi possível.

E por assim ser, entendo que a “vontade” , a “potência” de cada um (Schopenhauer, Nietzsche, sim!) manifesta-se das mais variadas formas, encontra as mais variadas soluções, se expressa pela mais variadas linguagens. E também entendo que não faz sentido que alguém se ache no direito de estipular o padrão do que seja a “superioridade do pensar” ou os meios pelos quais ela deve ser atingida. Aí, estou no registro de experiências pessoais e também numa abordagem antropológico e genealógica.

Hoje, tenho a certeza de que o princípio de toda forma de sabedoria está na necessidade de perseverar na existência e expandir-se, que é característica de todo ser humano. Cada um aprende suas lições de vida do jeito que pode, cada um fala a sua verdade do jeito que lhe é possível... E cada um entende o outro do jeito que é capaz... E esta capacidade é muito delimitada pelas experiências de cada um. Filosofia não se faz só com textos clássicos e suas teorias; se faz com vida plena de sofrimentos, angústias, desesperos, lutas doloridas, superações, alegrias e êxtases. Quem só teoriza realidade, imagina e cria ficções. Congela-se ao tentar moldar o mundo às suas concepções limitadas, ao invés de investigá-lo para compreendê-lo.

Não eu não gosto de funk... Muito pelo contrário! A melhor referência que eu tenho da Valesca, o ser humano, é a entrevista que ela concedeu a Marília Gabriela, em 2012. E o que eu vejo ali é uma menina que sabe o que é a vida e luta por dias melhores. Simples, humilde, surpreendentemente ingênua até, que hoje tem uma carreira artística porque dá voz a uma forma de linguagem típica de seu tempo, gostem os intelectuais de elite ou não. E o que faz um artista, embora contaminado pelo princípio comercial característico do nosso sistema econômico? O que ela considera como “vida melhor”, qual a influência que a mídia, que feminismo e machismo têm nisso pode render muitas teses. Mas, o que ela faz fala de uma forma de resistir e de ir além que sempre existiu e nem sempre foi tomado como vulgar. 

Os intelectuais sabem que entre linguagem e pensamento há relações íntimas. Tão intrínsecas quanto as energias sintetizadas em manifestações sexuais, que boa parte da sociedade dita civilizada toma por primitiva, selvagem, vulgar... Oras, instinto e impulso são naturais, o sentido que se dá a eles não é inerente a eles. A ação nem sempre é consciente e racional, como a própria razão pode se formar a partir de elementos inconscientes inescrutáveis.

Então, no fim das contas, estou dizendo que a Valesca é uma “grande pensadora”? Estou dizendo que é hora de suspender o juízo, despir-se de preconceitos, e esforçar-se por compreender o que a vida e a nossa época estão a nos dizer. A vida está muito além de academicismos e meritocracia. 

E a Valesca me faz lembrar a Madonna da década de 80, que a todos escandalizava com sua “vulgaridade”, mas que naqueles mesmos anos já dava mostras de estar adquirindo cada vez mais domínio de seus atos. No início dos anos 90, ela concedeu uma entrevista à Som Três, em que ficava claro o quanto havia se desenvolvido e se colocado culturalmente acima de muitos dos que a execravam. Que quem simplesmente debocha da Popozuda hoje tome muito cuidado. O apegar-se a padrões e preconceitos costuma ser tão nocivo ao conhecimento quanto egos inflados.

Via:http://claro-escuro.blogspot.com.br/

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