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quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Bolsonaro e a ditadura anunciada

Por Tereza Cruvinel, no Jornal do Brasil:

Depois deste final de semana, ninguém poderá alegar inocência no futuro, quando cair sobre nós a escuridão anunciada por Jair Bolsonaro e seu grupo, se confirmada sua eleição no domingo. 

Eles mesmos nos avisaram de que haverá desprezo e talvez violência contra as instituições democráticas, de que o regime será tirânico, perseguindo adversários, mandando-os para o exílio ou para a prisão. O nome disso é ditadura.

Começando pela fala do deputado eleito Eduardo Bolsonaro, de que o STF poderia ser fechado por um soldado e um cabo, dispensado até o uso de um jipe. 

Isso haveria caso o STF impugnasse a candidatura de seu pai, embora a matéria seja afeta ao TSE. 

O ministro Celso de Mello, decano da corte, qualificou-a de “inconsequente e golpista” e o presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, afirmou em nota que atacar o Judiciário é atacar a democracia. 

Palavras enérgicas mas insuficientes para o tamanho da afronta. 

Como disse a senadora Gleisi Hoffmann, presidente do PT, “o tempo dos tribunais deve ser o tempo de salvar a democracia”.

“Já adverti o garoto”, disse o pai. 

A fala foi em julho mas não vem ao caso. 

O que ela expressa é a ideologia do grupo que integra, que transpareceu também, neste final de semana revelador, em declarações do senador Magno Malta, fiel escudeiro do candidato: “O Brasil tem bandidos também nos tribunais superiores. O Supremo Tribunal Federal deste país, cada um tem o seu bandido de estimação”.

O repúdio enérgico de Mello e Toffoli é insuficientes porque Eduardo Bolsonaro incorreu em crime previsto pela Lei de Segurança Nacional, como lembrou o ministro Alexandre de Morais. 

Caberia um pedido de abertura de inquérito, talvez pela Procuradoria Geral da República. 

A LSN trata de crimes “contra o regime representativo e democrático, a Federação e o Estado de Direito”, além dos que atentem contra a integridade e a soberania nacionais, e contra a pessoa dos chefes de poderes. 

O deputado eleito blasfemou contra o Estado de Direito, segundo previsão da lei, ao “fazer, em público, propaganda de processos violentos ou ilegais para a alteração da ordem política ou social”. Fechar o Supremo é isso, e portanto, caberia uma ação. Mas o Judiciário, que ajudou a criar o monstro, agora lida com ele cheio de dedos, temendo ser devorado.

Foram também indicadoras da tirania que nos espera, se Bolsonaro for eleito, suas próprias declarações, em mensagem por vídeo aos apoiadores reunidos na avenida Paulista: “Vamos varrer do mapa esses bandidos vermelhos do país. Essa turma, se quiser ficar aqui, vai ter que se colocar sob a lei de todos nós. Ou vão para fora ou vão para a cadeia.” 

Não duvidemos: os adversários serão perseguidos, forçados ao exílio ou a prisões arbitrárias.

Na mesma fala, ele falou de um Brasil “sem Folha de São Paulo”, em outro aviso macabro, este à imprensa livre que tanto contemporizou com ele. E proclamou que o ex-presidente Lula vai mofar na cadeia, explicitando a intenção de controlar o Judiciário, pois não cabe ao Executivo decidir sobre a execução da pena de nenhum preso. 

Avisou ainda que o líder do PT no Senado, Lindbergh Farias, será preso e fará companhia a Lula, juntamente com o atual candidato do partido, Fernando Haddad. 

Bolsonaro aponta para o terror de Estado, com o governo decidindo quem prender, fora do devido processo legal, fora do Estado de Direito. Quem for capaz, que arranje outro nome para esta ditadura anunciada.

Não podem os democratas brasileiros comungar da resignação do ministro do STF Roberto Barroso, para quem “os países, como as pessoas, passam pelo que tem que passar, para amadurecerem e evoluírem”. 

Isso equivale à teoria espírita do karma, que não pode ser aplicada às Nações. 

O Brasil que venceu uma ditadura há de evitar o seu retorno, se os democratas saírem de seu imobilismo.

sábado, 20 de outubro de 2018

Safatle: "Nós somos a última barreira contra o fascismo"


Brasil pode se tornar a primeira ditadura militar eleita da América do Sul

É preciso que o país assuma: com Bolsonaro no poder, as Forças Armadas voltarão a mandar por aqui, e desta vez por decisão popular

Cynara Menezes

Após a restauração da democracia na América Latina, só houve caso semelhante na Bolívia, em 1997, quando o general Hugo Banzer, ditador entre 1971 e 1978, voltou ao poder pelas urnas. Em 1971, o então coronel Banzer havia encabeçado a quartelada que originou uma das ditaduras mais sangrentas da região, vitimando sobretudo indígenas, mas que foi apenas um dos quatro golpes que o país sofreu entre 1964 e 1982 – o penúltimo deles arrancou do poder o próprio Banzer.

Fora do governo, o general tirou a farda e continuou na política. Tentou cinco vezes voltar ao poder pelas urnas, até conseguir, na sexta tentativa. Foi um feito inédito: um ex-ditador sul-americano reassumia a presidência da República pelas mãos do povo. Estimulado pelo governo dos Estados Unidos, sua principal marca foi a destruição de plantações de coca, o que resultou em protestos dos camponeses liderados por um sindicalista aymara, um tal Evo Morales.
Ao mesmo tempo, a maior promessa de campanha de Banzer, erradicar a pobreza, não foi cumprida, e os protestos sociais que explodiram em decorrência da insatisfação popular também com o projeto de privatizar a água do país, levaram à versão “democrata” de Banzer sucumbir e mostrar seus caninos, decretando Estado de sítio em 2000. A pobreza afetava 7 em cada 10 bolivianos.

Mas Hugo Banzer rejeitava a figura do ditador que foi, se envergonhava dela, não a enaltecia. Queria para si a imagem do estadista “democrata”, legitimado pelas urnas. Tanto é que, ao renunciar ao cargo, em 2001, após descobrir que era vítima de um câncer incurável, chegou a esboçar um pedido de perdão à nação pelos “excessos” cometidos em sua primeira passagem pelo cargo, como a matança de Cochabamba, em 1974, quando pelo menos 80 camponeses foram metralhados por fechar as estradas em protesto contra o aumento da cesta básica.

“A eles, meus adversários políticos, os de ontem e os de hoje, a quem se sentiu prejudicado, aos que talvez prejudiquei sem a intenção de fazê-lo, lhe ofereço novamente a minha mão estendida neste momento supremo para mim”, disse. Morreu sem pagar pelos seus crimes.

Bolsonaro é diferente. Ele encarna algo que parecia existir apenas entre lunáticos: a nostalgia da ditadura. A rigor, se o Brasil eleger, no dia 28, o ex-capitão como presidente, será o primeiro país da América do Sul a escolher o caminho da ditadura militar por conta própria. Ao contrário de 1964, ninguém está forçando ninguém; é o povo que está escolhendo (salvo alguma reviravolta de última hora) dar o poder aos militares novamente. Bolsonaro e os que o cercam não se envergonham, como seu similar boliviano, da tortura, da censura, da perseguição, da repressão ou dos assassinatos de opositores. Eles se orgulham disso.

Aquela meia dúzia de panacas com faixas de “intervenção militar” nos protestos contra Dilma se multiplicou em milhões, sob o beneplácito de setores da mídia comercial e dos pretensos “defensores da democracia” da direita liberal. Esta, aliás, se mostrou minúscula em tamanho e caráter. Exatamente como em 1964, lavam as mãos para depois se dizerem “vítimas” do regime.

Por que eu chamo uma possível administração Bolsonaro de “ditadura”? Ora, o candidato do PSL já deu sinais de que o seu não será um governo civil e sim militar: se eleito, o capitão pretende colocar generais em vários cargos importantes, como o ministério da Educação, dos Transportes e da Segurança Pública, sem contar o general Mourão, que deverá assumir alguma pasta além da vice-presidência. Os baixos escalões também devem ganhar seus milicos.

Quem, em sã consciência, acredita que os militares, capitaneados por um defensor declarado da tortura de seres humanos, se comportarão diferente desta vez? Que não perseguirão opositores, que não censurarão os meios de comunicação, que não impedirão protestos a bala, que não colocarão partidos de esquerda na clandestinidade? O próprio filho do candidato, o deputado Eduardo Bolsonaro, já tem um projeto de lei na Câmara neste sentido. E quem acredita que eles, uma vez aboletados no poder, largarão o osso após quatro anos? Eu duvido.

A esta altura, é preciso que o país assuma de vez: com Bolsonaro no poder, as Forças Armadas voltarão a mandar, a dar as ordens por aqui. E por decisão popular. Quem está votando em Bolsonaro está assinando embaixo de tudo que ele defende: que a ditadura foi boa, que as torturas e os assassinatos se justificaram, que o país era “melhor” com os militares mandando. Um governo Jair Bolsonaro seria a versão 2.0 da ditadura militar, ou “movimento”, como disse o presidente do STF, Dias Tóffoli. Ditadura abençoada pelas urnas, graças à manipulação da opinião pública via fake news. Para quê mobilizar tropas reais se existem as virtuais?

Se isso realmente se confirmar daqui a duas semanas, o Brasil perderá o status de nação “exótica” e entrará para o clube dos países francamente bizarros do planeta, ao lado da Coreia do Norte de Kim Jong-Un ou das Filipinas de Rodrigo Duterte. O que virá a partir daí é uma novela que já conhecemos.

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Anita Prestes: Existe ameaça fascista no Brasil?

Diante do fenômeno “Bolsonaro” que se explicitou com as eleições deste ano, parte das “esquerdas” se depara com a seguinte questão: podemos afirmar que existe uma ameaça fascista em nosso país? Seria correto identificar esse fenômeno com o fascismo?



A experiência histórica mundial revela que as classes dominantes têm sempre preocupação com a possibilidade de uma insurgência popular e tratam de adotar medidas preventivas para salvar o regime capitalista, mesmo quando não existe a ameaça iminente da revolução. O fascismo é uma arma à qual os sectores mais reacionários do capital financeiro recorrem para assegurar os seus interesses. O panorama europeu atual é revelador nesse sentido.

Diante do fenômeno “Bolsonaro” que se explicitou com as eleições deste ano, parte das “esquerdas” se depara com a seguinte questão: podemos afirmar que existe uma ameaça fascista em nosso país? Seria correto identificar esse fenômeno com o fascismo?

Enquanto alguns empregam o termo fascismo como sinônimo de autoritarismo, identificando qualquer forma de regime autoritário com essa designação, outros a associam exclusivamente a regimes que se estabeleceram na Europa, durante os anos de 1920/1930, em especial os que contaram com as lideranças de Hitler na Alemanha e Mussolini na Itália.

Entre os últimos é comum recorrer à definição, proposta, em 1935, por Jorge Dimitrov, conhecido dirigente da Internacional Comunista, para afirmar que o avanço atual da direita no Brasil não deve ser associado ao fascismo. Segundo Dimitrov, o fascismo no poder se caracteriza por ser “a ditadura terrorista aberta dos elementos mais reacionários, mais chovinistas e mais imperialistas do capital financeiro”1. Os críticos da adoção dessa definição para a situação que vem se configurando atualmente em nosso país não só questionam sua aplicação à nossa realidade, como, para justificar sua rejeição, recorrem a outros traços do fascismo europeu dos anos que antecederam a Segunda Guerra Mundial – a existência de partidos de massa, o expansionismo militar, o racismo declarado, etc. –, os quais não estariam presentes no Brasil.

Cabe lembrar que Jorge Dimitrov escrevera também que é tarefa do fascismo “assegurar no sentido político o êxito da ofensiva do capital, da exploração e do saque das massas populares pela minoria capitalista e garantir a unidade da dominação dessa minoria sobre a maioria popular”2. Para o dirigente comunista, o recurso ao fascismo se explica pela necessidade do capitalismo assegurar sua sobrevivência e sua continuidade em momentos de crise – algo que, tudo indica, está acontecendo no Brasil de hoje.

Ao buscar explicação para os regimes autoritários que se estabeleceram na América Latina durante os anos 1960/1970, o dirigente comunista de El Salvador, Schafik Handal, deu valiosa contribuição ao lembrar que “o fascismo acima de tudo é uma contrarrevolução”, afirmação que tanto pode ser entendida no sentido de salvar o capitalismo dos efeitos da Revolução Cubana, como afirma esse dirigente referindo-se ao período citado3, quanto no sentido de salvar o capitalismo da grave crise que atravessamos agora no Brasil e em nosso continente e, em particular, do perigo potencial constituído pela possibilidade de revolta das massas frente às sérias consequências dessa crise, e das políticas adotadas pelos governos burgueses, para suas vidas e seu futuro.

Shafik Handal destacava o papel modernizador do fascismo na América Latina, em comparação com a função dos “regimes tradicionais”, “conservadora, visando favorecer as oligarquias latifundiárias e burguesas”, acrescentando:

“a função do fascismo é salvar o capitalismo dependente frente à revolução e modernizá-lo, favorecendo os consórcios transnacionais e os burgueses locais seus associados, salvar e consolidar a hegemonia política e militar do imperialismo ianque, ameaçada de colapso em nossa região.”4

Pode-se argumentar que hoje não existe no Brasil a ameaça de uma revolução. Entretanto, a experiência histórica mundial revela que as classes dominantes têm sempre preocupação com a possibilidade de uma insurgência popular e tratam de adotar medidas preventivas para salvar o regime capitalista. O fascismo é uma arma à qual os setores mais reacionários do capital financeiro recorrem para assegurar seus interesses. O panorama europeu atual é revelador nesse sentido.

Não seria atitude coerente com uma análise marxista encaixar dogmaticamente a situação de hoje em esquemas elaborados para a Europa de oitenta anos atrás. Trata-se de captar a essência do fenômeno fascista para alcançar sucesso em possíveis analogias, que contribuam para o esclarecimento do momento atual.

Uma eventual vitória eleitoral de Jair Bolsonaro significaria a opção pelo fascismo de setores da extrema direita do capital financeiro internacionalizado na busca de uma saída anti-povo para a grave crise que afeta o Brasil nos últimos anos. Certamente, não é por acaso que o economista Paulo Guedes, seu principal assessor e provável ministro da Fazenda do seu governo, é um dos fundadores do Instituto Millenium (Imil), entidade que sabidamente defende e difunde os valores e os interesses do grande capital.5

Se o grande capital optou na Alemanha, em 1933, pela entrega do poder a Hitler, o grande capital internacionalizado pode hoje, no Brasil, sem outra opção, entregar o poder a Bolsonaro, da mesma forma que o fez com Hitler, através de processos eleitorais, reveladores da grande insatisfação de numerosos setores sociais. Num país como o Brasil, onde inexiste tradição partidária, isso pode acontecer sem partido fascista, sem uniformes fascistas e sem a mística fascista dos anos 1930, sem expansionismo militar declarado e sem racismo explicito. As formas são outras, mais elaboradas, com a utilização em larga escala dos meios fornecidos pela informática, mantendo sempre o discurso anticomunista e propagando a violência contra todos que se opõem aos seus objetivos, inclusive por meio da ação de hordas fascistas. Vale lembrar como exemplo desse emprego “moderno” da informática a colaboração com a campanha de Bolsonaro de Steve Bannon, estrategista de Donald Trump e especialista em desinformação.6

Se a eleição de Bolsonaro representa uma ameaça fascista, o que pode ser feito para impedi-la?

É necessário ter presente que a atual campanha eleitoral adquiriu características especiais: não estamos diante de uma campanha “normal”; ela acontece no bojo de grave crise econômica, social e política, marcada pela presença de um altíssimo índice de desemprego, de crescente deterioração das condições de vida de milhões de brasileiros, de acentuada insatisfação popular com a chamada “classe política” tanto pela sua inoperância quanto pelas denúncias de corrupção – expediente utilizado pela direita contra o PT, mas que contribuiu para o desgaste da maior parte dos partidos e dos políticos.

Frente a tal situação, existe o risco de as forças de esquerda voltarem a incorrer nos erros “ultraesquerdistas” condenados por Lenin em seu tempo, apesar de suas intenções, devido ao dogmatismo livresco que, em vez de acelerar o processo revolucionário, contribui para seu retrocesso. Como escreve Atílio Boron, cientista político marxista e comunista,

“[…] a derrota de Bolsonaro é um imperativo categórico para as forças genuína e realisticamente empenhadas na construção de uma alternativa anticapistalista. Uma vez consumada, as forças de esquerda deverão aprofundar seus esforços para, afinal, construir uma maioria política e social – coisa que atualmente está muito atrasada – que impulsione a necessária radicalização de um eventual governo do PT e seus aliados. Sei que toda esta argumentação pode soar como inaceitável, ou o “menos pior”, para alguns setores do trotskismo, do anarquismo pós-moderno e do autonomismo da antipolítica. Mas, como dizia Gramsci, só a verdade é revolucionária, e na hora da eleição essa verdade se imporá com a inexorabilidade da lei da gravidade para impulsionar as forças populares do Brasil a impedir o triunfo de um fascista. Salvo, está claro, se os companheiros do gigante sul-americano me convencerem de que estão em condições de conquistar o poder de Estado e impor o socialismo pela via insurrecional, deixando de lado as manobras e maquinações da democracia burguesa. Seria uma grande notícia, mas falando com a franqueza que deve caracterizar o diálogo entre revolucionários, creio que essa alternativa é, no momento, absolutamente ilusória e fantasiosa. E, além disso, paralisante e suicida.”7

No momento atual, caracterizado pela inexistência no país de um movimento popular organizado – consequência em grande medida das políticas adotadas pelos governos do PT –, diante da ameaça fascista, a única alternativa possível para as esquerdas é o voto em Fernando Haddad, no esforço conjunto com outras forças sociais e políticas para derrotar a candidatura fascista de Jair Bolsonaro. Neste momento, trata-se do embate entre fascismo e democracia burguesa, cuja defesa era assumida por Lênin com a argumentação de que tal democracia, apesar das grandes limitações que impõe aos trabalhadores, apesar de ser uma garantia para os interesses burgueses, sempre é melhor para o avanço da organização popular que os regimes autoritários e, certamente, que o fascismo – último recurso do capital, quando a democracia burguesa deixa de ser uma garantia para seus lucros. Lênin escrevia em 1919:

“[…] A democracia burguesa representa historicamente um avanço enorme em relação ao czarismo, à autocracia, à monarquia e a todas as sobrevivências do feudalismo. Certamente, devemos utilizá-la e então vamos levantar a questão de maneira que, enquanto não se colocar na ordem do dia a luta da classe operária por todo o poder, a utilização de formas de democracia burguesa é obrigatória para nós.” 8

Seria um erro fatal, para as esquerdas e as forças populares, embarcar na concepção do “quanto pior, melhor”, tendo como consequência um gravíssimo retrocesso de todo o movimento popular no Brasil e na América Latina.

terça-feira, 16 de outubro de 2018

O fascismo e os “homens bons”

Na Alemanha de Weimar também haviam pessoas boas que só queriam um país grande e forte. Estavam descontentes com a crise, a inflação e o desemprego. Tinham críticas aos governos democráticos, muitas delas bastante pertinentes. Queriam defender a família, queriam uma raça pura, bonita e forte. Por isso votaram em massa pelos nazistas e os elegeram em 1932.





“Esse que em mim envelhece
assomou ao espelho
a tentar mostrar que sou eu.

Os outros de mim,
Fingindo desconhecer a imagem,
Deixaram-me, a sós, perplexo,
Com meu súbito reflexo.”

O Espelho – Mia Couto


Desde 2004 não voto no PT e me coloquei como oposição de esquerda a seus governos. No segundo turno entre Dilma e Aécio em 2014 votei nulo e não me arrependo dessa posição, inclusive pelo cenário que se desdobrou após o pleito e a vitória da petista. O que haveria de diferente neste segundo turno?

Em todas as outras oportunidades víamos um discurso que afirmava que era necessário garantir o governo petista diante do retrocesso que significaria apostar no PSDB e em sua declarada política privatista e pró-mercado, sua política externa entreguista e sua rendição aos ditames do capital financeiro. Sempre argumentamos que, ainda que houvessem diferenças importantes entre as propostas de governo de petistas e tucanos, havia uma campo de consenso no que dizia respeito a aspectos como a reforma do Estado, a política de superávits primários, a submissão à lei de responsabilidade fiscal, a lógica de parcerias publico privadas, o abandono da reforma agrária diante da prioridade ao agronegócio, a forma de governabilidade via concessões e negociatas e tantos outros.

Hoje acreditamos que a situação é qualitativamente diferente quando nos confrontamos com a extrema direita. Hoje defendemos um voto “crítico” em Fernando Haddad. Não se trata de programas de governo, ainda que uma breve análise do que está proposto pelas candidaturas seja mais que o suficiente para alertar sobre os graves perigos que a vitória do candidato do PSL representa. É muito mais do que isso. Não alimentamos ilusões sobre o caráter do programa petista e sabemos que sua inclinação ao centro e à centro direita será um fato certo, até mesmo pela chantagem entorno dos termos da chamada governabilidade.

Ocorre que o fracasso dos governos de conciliação de classe e a total falta de estabilidade do governo usurpador que se seguiu ao golpe institucional, parlamentar e midiático de 2016, gestou as condições para o fortalecimento da alternativa de extrema direita. Tal fato foi profundamente facilitado pelo braço jurídico do golpe e pela condenação sem provas do ex-presidente Lula que teria, muito provavelmente, ganho estas eleições.

A desarticulação do PT e a impossibilidade da direita golpista encontrar uma alternativa viável do ponto de vista eleitoral abriu o espaço para que a alternativa reacionária se apresentasse como possibilidade de governo. Programaticamente aponta para o que tem se chamado de “ultraliberalismo”, mas que, parodiando Lênin, poderíamos chamar de “ultrabobagens” que nem mesmo os mais neoliberais com ainda alguma capacidade de intelecção acreditam ser viáveis. Isto é, coisas como realizar a total privatização dos serviços oferecidos pelo Estado, implementar uma simplificação grosseira do imposto de renda com porcentagens iguais diante de uma realidade de profunda desigualdade de rendimentos e rendas da população, levar a cabo o desmonte das universidades federais do ensino público gratuito, dotar o famigerado movimento “escola sem partido” de retaguarda legal para operar uma cruzada de perseguições políticas e obscurantismo no sistema educacional, eliminar todos aos “ativismos” (sabemos o que isso significa) e acabar com o 13 salário e do adicional de férias, entre outras sandices.

O verdadeiro sentido da extrema direita é outro. Acirrar as contradições para vender a alternativa da ordem imposta violentamente, seja pela interferência direta das forças armadas, seja através do controle da ordem institucional, legislativa e judiciária. O problema é que o acirramento é fundamental para ganhar as eleições, mas impossível para manter condições mínimas de governabilidade, daí a alternativa da força.

A história nos ensina que os verdadeiros planos aparecem depois da solução de força, como vimos na clara diferença entre os projetos da Aliança Liberal de Vargas em 1929, que falava da “vocação agrária do Brasil” e as prioridades do Estado Novo depois de 1937; da pregação moralista e anticorrupção das forças golpistas de 1964 e o entreguismo corrupto da ditadura por décadas.

Podemos ver esse processo mesmo nos clássicos casos do nazi-fascismo europeu, quando a retórica nacionalista e a crítica ao grande capital se transformou na aliança prática do capital financeiro e monopolista com o nazismo e o fascismo. É ridículo mas necessário lembrar que o fascismo e o nazismo foram projetos da extrema direita. Se seguirem o “raciocínio” que se tem feito esses dias, é capaz dos reacionários do futuro afirmarem que o Bolsonaro era de centro, pois eu partido se autodenomina “social e liberal”.

A extrema direita é um instrumento do grande capital que lança mão da barbárie para salvar sua civilização diante do risco da democracia. Seu método, como já discutíamos em outra oportunidade, é a estigmatização do inimigo, a manipulação dos valores da Nação, da família, da moral, do perigo comunista, deslocando a responsabilidade pela crise e seus efeitos para os ombros de seus adversários. Por isso, não nos espanta que a mentira seja a principal arma política daqueles que defendem os interesses de uma minoria e precisam do apoio das massas para suas aventuras. Não foi o Facebook nem o WhatsApp que criou o fenômeno. Ainda que esses dispositivos sejam veículos eficientes da mentira e das falsificações, a “propaganda” é reconhecidamente um instrumento do fascismo, pois a verdade os destrói como a luz aos vampiros.

Mas, por que devemos combater a extrema direita? Não é uma doutrina política como outra qualquer que devemos respeitar no sagrado debate de ideias e o direito ao divergente? Não acredito nisso, pelo simples fato que não há diálogo com aqueles que negam o diálogo e optam pela manipulação, a mentira, a manobra grosseira e pregam nossa eliminação física. Não devemos ser tolerantes contra a intolerância e o obscurantismo.

A extrema direita desperta na sociedade forças reacionárias que ameaçam a integridade física e moral da maioria da população. Não estão simplesmente apresentando suas propostas e disputando uma eleição, estão operando um golpe. Já passa de 50 o número de atentados notificados em que apoiadores de Bolsonaro constrangeram, ameaçaram ou agrediram ou mataram pessoas, como foi o caso do mestre Moa do Katendê, assassinado com doze facadas covardemente pelas costas na Bahia. Outro caso alarmante foi o da menina que teve uma suástica gravada a canivete em sua pele no Rio Grande do Sul. Essas agressões dão corpo a uma escalada de violência política à qual poderíamos somar tantos outros casos como o assassinato de Marielle Franco, de Jorginho Guajajara e muitas outras lideranças indígenas ainda este ano.

Consolidou-se uma postura entre parte da população de que a resposta a ser dada ao PT (seja pelo que de fato fez e pelo que a ele se atribui através de diversas e inverossímeis alegações) é votar em Bolsonaro. Desta maneira, o deputado aparece como a forma vazia de conteúdo que recolhe o antipetismo e o transforma em alternativa política. O problema é que se a forma se presta perfeitamente a tal função, de modo algum esta candidatura é vazia de conteúdo e sua substância real fica obliterada pelo antipetismo.

Entre as milhares de pessoas que votaram no primeiro turno é possível que existam fascistas convictos, reacionários de todo tipo e conservadores, mas a grande maioria escolheu alguém para derrotar o PT. Caso retirássemos este fator, restaria uma trupe de pessoas muito estúpidas que acreditam que a terra é plana, que o Francis Fukuyama é comunista e que Rogers Waters, do Pink Floyd, nunca prestou atenção nas letras que ele mesmo escreveu. O problema é que estas pessoas, supostamente boas, estão acalentando a ilusão de que o mais importante é derrotar o PT, de que o maluco do Bolsonaro não fará tanto estrago como seus antecessores. O vice Mourão seria um militar simplório e racista que gosta de seu neto que está a cada dia mais branco e que prometeu acabar com o 13o salário, mas que não vai fazer isso. As “pessoas boas” só estão preocupadas em salvar a família tradicional, morrem de medo de jovens do mesmo sexo que passeiam de mãos dadas pela rua, mas ninguém vai sair nas ruas matando homossexuais a golpes de barra de ferro, ou queimar índios, ou estuprar mulheres, ou ligar fios desencapados nos testículos de ninguém, pendurar pessoas no “pau de arara”, espanca-las e depois de deixa-las nuas, cobertas de sangue e fezes, para em seguida trazer seus filhos de quatro anos para presenciar a cena. Ninguém vai pegar um jovem, tortura-lo, amarrar sua boca no escapamento de um Jipe e arrastá-lo pelo pátio do quartel. Ninguém enfiaria um rato na vagina de ninguém. Ninguém vai assassinar opositores, esquartejá-los e queimar os restos nos fornos de uma usina de açúcar no Rio de Janeiro. Pessoas boas preferem não pensar nisso.

Mas tudo isso aconteceu de verdade (o contrário do fake news é uma coisa chamada história) e já está acontecendo quer as “pessoas boas” queiram ou não. De alguma forma, elas são cumplices da barbárie. São elas que estão colocando a arma na mão dos assassinos, são elas que colocam as pedras nas mãos dos fanáticos que apedrejam meninas saindo dos cultos afros, são elas que estão dando a chave do cofre para as quadrilhas que as assaltarão. São elas que estão assinando um contrato no qual acreditam que há apenas uma clausula: impedir que o PT volte a governar.

Não. Bolsonaro não é maluco. Nem seu vice, um milico simplório. Nem seus asseclas, que não passam de profissionais bem remunerados para fazer uma “campanha eleitoral”. São políticos de extrema direita, alguns com claras características fascistas, que estão tentando encobrir suas pegadas e seus crimes, desde 1964 e o golpe, as torturas e a longa noite que se abateu sobre o Brasil, mas também suas falcatruas presentes, seu apoio inconteste ao governo do usurpador Temer e seus ataques aos trabalhadores e sua responsabilidade direta pela destruição do país. Não são anjos vindos do céus com a missão de derrotar o PT, como dizem alguns pastores coniventes e parceiros da farsa, em nome da fé, da família e do fim da corrupção. São, em poucas palavras, pessoas más que habitam os bastidores do terror e da barbárie, com negócios e interesses escusos.

Em 2015, quando essas forças iam as ruas pedir o afastamento da então presidente Dilma, ao fazer uma análise de conjuntura, eu dizia que com esses setores não poderia haver diálogo possível. Fui envolvido numa manipulação grosseira de minha fala para me apresentar como aquele que queria fuzilar “todos os conservadores” por conta de uma citação descontextualizada de poema de Brecht. Fui caluniado, perseguido, ameaçado, processado, ironicamente por aqueles que defendem e praticam o extermínio e os fuzilamentos. Mas o que o poeta alemão externava em seu poema, usando a imagem do fuzilamento, dizia respeito à responsabilidade daqueles que ajudaram o fascismo a chegar ao poder e que, depois da catástrofe, se diziam inocentes pois o fizeram na mais boa das intenções, porque, afinal, eram pessoas boas.

Na Alemanha de Weimar também haviam pessoas boas que só queriam um país grande e forte. Estavam descontentes com a crise, a inflação e o desemprego. Tinham críticas aos governos democráticos, muitas delas bastante pertinentes. Queriam defender a família, queriam uma raça pura, bonita e forte. Por isso votaram em massa pelos nazistas e os elegeram em 1932. Continuaram os apoiando quando em 1933 Hitler eliminou toda a oposição ao seu governo. Por isso, também, aceitaram quando apareceu a proposta de esterilizar pobres e pessoas com comportamento antissocial hereditário, assim como matar aqueles que tinham uma vida indigna de ser vivida. Estavam alegres e confiantes como as boas pessoas que eram… até que começaram a levar as crianças com problemas mentais para eventualmente serem mortas no projeto Aktion 4 (até 1945 foram mais de 5 mil crianças), e terem seus cérebros destinados à pesquisa de um prestigioso doutor (ele também uma boa pessoa) Depois foram os judeus, os ciganos, os homossexuais, os comunistas que passaram a ser levados para o extermínio nas câmaras de gás e nos fornos crematórios dos campos de concentração. Mas tudo isso para eliminar o crime, a corrupção e afastar o mundo perigo do comunismo. No final das contas, entretanto, foram os comunistas que ajudaram a salvar o mundo dos nazistas. Os homens de bem ficaram, compreensivelmente confusos. Será que estávamos do lado errado, pensavam em meio às cidades em ruinas e às bombas que caiam sobre suas cabeças, enquanto corriam para se livrar de todo símbolo que os pudessem associar ao mundo que ruía à sua volta.

Será possível que as pessoas de bem estivessem entre aqueles corpos esqueléticos jogados em valas comuns e cobertos de cal? Será que as crianças assassinadas não eram… pessoas boas? Seriam mesmo os judeus os culpados de tudo? Seriam os comunistas realmente nossos inimigos? Assim divagavam as pessoas que se achavam boas e apoiaram a barbárie fascista, mas toda e qualquer dúvida desaparecia quando confrontavam suas vítimas, porque seu lugar era entre os carrascos.

Então vamos combinar uma coisa: vote em que quiser. Se você é um fascista convicto, vote nos assassinos e torturadores, pois acredito mesmo que eles o representam. Mas, se você acredita que é uma pessoa boa, não diga depois que não sabia. O sangue de homens e mulheres de bem, gente simples e corajosa – Moas e Marielles e tantos outros – o sangue dessas pessoas já está caindo e tingindo o solo de nosso país de vermelho, jovens são agredidos no meio da rua e têm sua carne marcada com a suástica nazista. Você que se acha uma pessoa de bem e um cristão e votou no candidato da extrema direita já está com sangue nas mãos e nenhuma água ou esquecimento será capaz de limpar suas mãos e sua consciência desses crimes cometidos em seu nome.

Ainda temos uma chance de evitar uma catástrofe que já é reconhecida e temida por todos os órgãos de imprensa sérios do planeta. Você quer ser lembrado por ter ajudado a derrotar as forças do mal (e depois ajudar a organizar a oposição ao governo do PT) ou por ter dado seu apoio a um governo que será catastrófico do ponto de vista econômico, social, cultural e civilizatório? No futuro, quando você que não escutou todos os alertas, tentar negar sua responsabilidade, repetindo como um mantra que é uma pessoa boa, olhando para o espelho verá, inconfundível, os traços dos assassinos, o olho brutal da maldade e o horror de todas as vítimas consumindo suas pretensões de ingenuidade. Só podemos garantir uma coisa: nós estaremos lá, como estivemos no passado, todos os dias, para que você e ninguém jamais esqueça.

A máquina das mentiras

Por Tereza Cruvinel, no Jornal do Brasil:

A vantagem de Jair Bolsonaro sobre Fernando Haddad subiu para 18 pontos percentuais (em relação aos 16 apurados na semana passada por Datafolha). 

Podia ser até maior, nas circunstâncias: Bolsonaro cresce surfando nova e forte onda antipetista, turbinada pelo mar de mentiras, calúnias e baixarias disseminadas contra o adversário pelo aplicativo whastsapp, através de milhares de grupos fechados, muitos criados a partir do exterior. 

O que se diz neste tubo de esgoto só é conhecido por quem lê, não podendo ser desmentido ou combatido. 

Esta variante digital da guerra suja eleitoral pode fazer da eleição brasileira caso tão rumoroso quanto o da Cambridge Analytics/Facebook na eleição americana.

A presidente do TSE, ministra Rosa Weber, convocou as campanhas de Jair Bolsonaro (PSL) e Haddad para discutirem o assunto hoje. 

Ela sabe que a eleição virou um faroeste sem lei e que um lado atua no vale-tudo. 

Faz seu gesto inútil para que fique registrado. 

Os consultores do tribunal teriam recomendado alguma forma de controle do aplicativo mas a maioria dos ministros não parece disposto a comprar uma briga. 

Acordo não haverá porque Bolsonaro já recusou um protocolo ético proposto por Haddad. 

Seus representantes dirão que não controlam os grupos, apesar das evidências de que seguem uma estratégia e um comando. 

O jogo sujo pelo whatsapp difere das fake news, notícias falsas postadas em espaços públicos. 

Ontem mesmo o TSE mandou o Facebook retirar conteúdos ofensivos a Haddad. Mas como entrar nos grupos e determinar que deixem de veicular isso e aquilo? O TSE não tem este poder.

Eu fiquei algumas horas em um grupo. 

Um participante pediu meu “adicionamento” mas logo depois, por minha baixa interação ou outro motivo, fui excluída. Mas vi e li horrores. Desde mentiras sobre desvios ocorridos nos governos petistas, que revoltam um eleitor já amargurado com a crise e a corrupção, até obscenidades, como o meme erótico de Lula e Haddad, completamente nus numa montagem.

Sobre desvios, destaco a série de 32 fotografias de obras de infraestrutura que Lula e Dilma teriam bancado em diversos países, presenteando-os com o dinheiro do BNDES, que deixou de ser aplicado no Brasil em nossas estradas, hospitais e escolas, dizem lá. 

Cada obra com sua foto, descrição e valor, na casa dos bilhões de dólares. 

Quem não se revoltaria com isso? 

É tarde para o PT explicar que o BNDES não deu dinheiro para os governos destes países, como ali é sugerido. 

O banco financiou empresas brasileiras, como a Odebrecht, que faz o porto de Mariel em Cuba, para poderem executar as obras que conseguiram. Isso se chama financiar exportações de serviços. Exporta-se o serviço e a matéria-prima nacional e os brasileiros ganham empregos nestas obras. Não sei se foram 32, como asseguram.

Há fartura de banner, memes e textos sobre roubalheiras, a riqueza de Lula, o luxo em que vivem os petistas (como a falsa Ferrari de Haddad). 

E também sobre as acusações de ordem moralista, na linha kit gay e pregação do incesto nas escolas. Diante da pancadaria nos grupos, soam como brincadeiras inocentes as Fake News bolsonaristas no Twitter e no Facebook.

Segundo a revista Fórum, o ativista Everton Rodrigues, responsável pelo blog “Falando Verdades”, foi desligado do Whatsapp após divulgar, no sábado, 13, uma lista com mais de 50 grupos pró-Bolsonaro administrados por números telefônicos que ficam nos Estados Unidos, principalmente em cidades da Califórnia. 

Ele apresentou cópia de um registro dos grupos mantido pela central do aplicativo. 

Alguns destes números, segundo Everton, atuaram como “administradores” na campanha de Donald Trump, cujo estrategista digital, Stevie Bannon, tornou-se consultor de Bolsonaro. Em recente entrevista, Bannon apontou o Brasil como parte de um “movimento” populista de direita global, que contaria com sua atuação.

Assim, a eleição vai sendo decidida não pelo que Bolsonaro diz, não pelo que ele propõe, no inexistente programa de governo, ou no debate de que se recusa a participar, e sim pelo mar de mentiras que vai arrastando mais eleitores para Bolsonaro, fornecendo os argumentos toscos e infundados, que eles brandem exaltados para justificar a escolha feita.

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

O QUE SERIA UM GOVERNO BOLSONARO



Prof. João Márcio Mendes Pereira, UFRRJ


O deputado Bolsonaro já se comprometeu com o "mercado" a entregar toda as decisões da área econômica aos grandes agentes privados, sob a hegemonia do capital financeiro (personificado no tal Paulo Guedes). Pelas declarações do candidato, seria um governo comandado diretamente por homens de negócio comprometidos com a redução do "custo Brasil", ou seja, com o aumento do lucro privado. Um governo com esse perfil não apenas continuaria, mas radicalizaria a agenda Temer, a fim de implantar:

1) A redução brutal dos custos de remuneração da força de trabalho (isto é, a redução do salário mínimo e o fim de diversos direitos trabalhistas combinadas com a deterioração das condições de trabalho, por meio da generalização do trabalho intermitente, da terceirização e do sucateamento da justiça do trabalho);

2) O fim das restrições legais à máxima exploração econômica dos recursos naturais, passando por cima de populações tradicionais e preocupações ambientais;

3) O sucateamento e a privatização da educação pública (mediante o desfinanciamento crônico de escolas e universidades, a implantação em massa do ensino à distância via empresas privadas, a substituição de concursos públicos para técnicos e professores pela contratação via terceirização, a redução drástica das bolsas de estudo, pesquisa e apoio à permanência nas universidades, a imposição de reitores pelo MEC contra a escolha democrática de comunidade acadêmica e a perseguição ideológica à liberdade de ensino e pesquisa);

4) O sucateamento e a privatização da saúde pública (mediante o desfinanciamento do SUS, a regulação fraca das empresas privadas de saúde, a generalização das parcerias público-privadas como modelo de gestão e a substituição de concursos públicos pela contratação temporária via terceirização);

5) O favorecimento à indústria armamentista (nacional e estrangeira), mediante a liberação do porte de armas e a prioridade orçamentária às demandas das polícias e das forças armadas;

6) Um modelo de segurança pública ainda mais belicoso, menos responsável perante a sociedade e menos responsabilizável juridicamente;

7) O alinhamento externo do Brasil aos EUA e a Israel, colocando o país numa agenda militarista que contraria a sua tradição diplomática e põe em risco a paz na região.

Além disso tudo, ainda teríamos uma reforma da previdência (que cortaria direitos para os de baixo, mas manteria privilégios para a elite estatal e os militares), uma reforma tributária que reforçaria a concentração de renda e riqueza, a privatização de empresas e bancos públicos e a fragilização das instituições de controle e investigação contra a corrupção.

Para implantar uma agenda desse tipo (os capitalistas de cima vão aplicar a "lei do cão" para os debaixo), só com intimidação, perseguição e violência. Aquilo que a historia registrou como métodos fascistas.

SOBRE O PERSONAGEM QUE OS CAPITALISTAS PRECISAM

Antes de tudo o Bolsonaro é um imbecil, que nunca foi levado a sério, nem nas forças armadas. Ele só é confiável para o "mercado" (a burguesia, como se dizia não tão antigamente assim) se terceirizar todas as decisões estratégicas do seu eventual governo, ficando apenas com pautas secundárias para despejar as suas bravatas e lançar factoides à opinião pública. Essa é a leitura dos agentes econômicos relevantes que estão pagando a conta da campanha dele. O problema (para eles) é que o Bolsonaro é despreparado até pra entender isso, o que coloca um horizonte de imprevisibilidade e incerteza para os "investidores" (os capitalistas). Ademais, o sujeito não tem base política sólida (o tal do PSL é um fenômeno de ocasião, sem consistência programática).

Por outro lado, o Bolsonaro carrega um ranço autoritário que é constitutivo da sua figura pública, do qual ele não pode abrir mão sem negar a si próprio. E é esse ranço que gera uma reação contrária a ele que é socialmente plural e internacionalmente consensual até agora. 

Em suma, o sujeito só convence de fato os fanáticos que o seguem. Os capitalistas o estão utilizando agora, mas já o precificaram, estabelecendo como prazo de validade a execução das reformas neoliberais (o pacote de maldades contra o povo e contra o patrimônio nacional, ao estilo terapia de choque - um ou dois anos, no máximo). Depois disso, o sujeito será dispensável. 

A incerteza (para todos) consiste em que, depois de aberta a caixa de Pandora, os demônios não voltam a ela facilmente e, como diz a lei de Murphy, nada é tão ruim que não possa piorar mais.

Rio de Janeiro é a incubadora e o laboratório do Fascismo



O Rio de Janeiro como a incubadora do fascismo e o laboratório do nepotismo do bolsonarismo. O Rio de Janeiro foi o único estado a garantir 100% dos municípios para Bolsonaro. Elegeu senadores, deputados federais e estaduais associados ao pior tipo social de políticos do bolsonarismo.

1 – Cidade historicamente dividida e profundamente partida. O maior porto escravista da história. A cidade Imperial. A cidade da desigualdade social mais explícita, favelas e milionários convivendo lado a lado. A cidade da informalidade, violência e da criminalidade em todos os níveis. Rap das armas. Fortes divisões étnicas, religiosas, ideológicas e de classes sociais. Purgatório da beleza e do caos.

2 – A crise da transferência da capital para Brasília. O Rio de Janeiro como uma ex-cidade-capital e suas perdas burocráticas, decadência e crise prolongada. Cidade capital e sua imensa burocracia parasitária – Max Weber. Magneto para atrair oportunistas nascidos em outras cidades para aventuras políticas locais. Espertos com senso de oportunidade. O Juiz do tipo do Witzel, com vídeos ensinando os juízes a acumularem mais gratificações, o militar ambicioso, indisciplinado e politiqueiro como Bolsonaro, os espertos da burocracia.

3 – A concentração de militares, eleitores de direita e de extrema direita. A Vila Militar, Marechal Hermes, Realengo, grande presença de militares na ativa, aposentados, famílias e pensionistas bilionárias distribuídas por todos lugares da Zona Sul. Base social de direita nas elites estatais, na magistratura, alto funcionalismo público de direita hereditário. Contexto social do filme Tropa de Elite. 

4 – Transferência direta da tradição de direita local lacerdista, golpista e anti-institucional da UDN, da ARENA, PDS, PP para Bolso e o PSL.

5 – Chaguismo do MDB. O PMDB como força partidária dominante antes da redemocratização e da abertura. O Chaguismo como produto do final da ditadura e suas marcas clientelistas no PMDB dos últimos 30 anos. O desmonte do governo de Cabral e sua prisão como fenômeno regional. Outros governadores ainda mais corruptos foram protegidos e poucos foram fiscalizados pela justiça e somente na reta final da campanha, tipo Beto Richa (PSDB) no Paraná. 

6 – Origem da igreja universal (IURD). Neopentecostalismo e crise do catolicismo popular. O Rio de Janeiro e a criação de novas experiências religiosas neopentecostais, como a igreja universal, Edir Macedo e sua família, a vitória de Crivella na prefeitura, profusão desse tipo de protestantismo neopentecostal em várias outras igrejas, seitas, níveis e camadas.

7 – Sede da Globo. Manipulação e lavagem cerebral de direita durante décadas. 

8 – Crescimento do PSOL reforçando o antipetismo. O antipetismo nada mais é que o ódio à inclusão dos mais pobres, o ódio às políticas sociais e de redistribuição de renda. O PSOL como partido de classe média, com poucos trabalhadores e de jovens que não viveram o final da ditadura militar, de muitos renegados do PT e que sempre demonstraram seus abertos ressentimentos e ódios contra o PT e se somaram aos anos de perseguições, ódios e antipetismo, anti-esquerdismo da direita, da grande mídia. Só agora entenderam a urgência e necessidade de escolherem o lado (esquerda X direita) no caráter plebiscitário e o dueto inevitável da política nacional.

9 – Falência teórica e prática de muitos intelectuais públicos locais – Quando não estão nas torres de marfim isoladas da “pureza da academia e da neutralidade axiológica dos isentões”, caíram para a direita. Um exemplo é César Benjamin, participou da resistência contra a ditadura, foi um dos coordenadores da campanha do PT em 1989, foi candidato a vice-presidente na chapa do PSOL com Heloísa Helena em 2006 e terminou como secretário municipal de educação de Crivella, até ser afastado, a típica trajetória antipetista e sua degenerescência política. Muitos intelectuais no RJ representam elevado estado de confusão política, apoiaram as jornadas de junho de 2013 sem entenderem o reacionário “ovo da serpente” de direita, são contra os partidos políticos importantes de esquerda e enfraqueceram a resistência contra a atual onda de direita. Não sabem o que fazer e se perderam politicamente na atual conjuntura do segundo turno de 2018.

10 – Muitos ativistas e pensadores do RJ não entenderam que o Golpe de 2016 era contra a democracia, contra Dilma e o PT. O Rio de Janeiro foi o exemplo de um Brasil sem o PT, um Brasil ameaçado pela extrema direita e sem maiores espaços de resistência somente oferecidos nacionalmente pelo PT, por seus parlamentares. Sem o PT falta visão estratégica a curto, médio e longo prazo para qualquer outra alternativa de esquerda. Não conhecem o Brasil profundo e pensam a política apenas no contexto regional e partidário do Rio de Janeiro. De frente para o mar e de costas para o Brasil. A derrota do fascismo e do bolsonarismo passará pela renovação da esquerda, do PT e de novas experiências no Rio de Janeiro.

A luta continua

Não sou patrulheiro ideológico e não compartilho ideias extremista. As divergências e consenso fazem pate do jogo democrático e nos ajuda na conscientização política e amplia o conhecimento de cidadania. Tenho evitado debater com seguidores do candidato do PSL, pois em grande pate disseminam mentiras e ódio. Esse comportamento não agrega nada ao debate e esvazia de certa forma um embate no sentido de fortalecimento do processo democrático. O que me assusta é a falta de lucidez e o apoio ao culto da violência, o culto da nacionalidade e insensibilidade em relação as classes vista como minorias.   



domingo, 14 de outubro de 2018

O que você precisa saber sobre o “kit gay”. Por Silvia Amélia



Via DCM

Por Silvia Amélia

1) Nunca existiu algo chamado ”kit gay” em nenhum governo.

2) Em 2011 foi encomendado e produzido um material chamado ”Escola sem homofobia”. Mas setores conservadores do Congresso protestaram e esse material NUNCA chegou a ser entregue nas escolas. Repetindo, não foi entregue, então tudo o que se diz que chegou até uma escola como sendo um ‘’ kit gay’’ do governo federal é mentira.

3) Mas vamos entender melhor o que aconteceu, se tem alguma verdade nas Fake News sobre o assunto que todo mundo já recebeu. Fernando Haddad era Ministro da Educação no momento? Sim, ele era. Veio do MEC a ideia de produzir o material? Não. Foi a Comissão de Direitos Humanos da Câmara que fez a proposta e o Ministério Público que cobrou do MEC tomar a providencia. E então o MEC contratou uma ONG especializada no assunto para produzir o material.

4) Agora vamos entender como isso virou um escândalo. Enquanto o material ainda estava na mesa do Haddad para a aprovação políticos conservadores como Magno Malta e Garotinho começaram a espalhar mentiras. Destacando: eles inventaram coisas sobre algo que eles não conheciam e não sabiam do que se tratava já que o material ainda estava em fase de aprovação.

Uma das primeiras estratégias foi pegar um material produzido pelo Ministério da Saúde para caminhoneiros e prostitutas sobre prevenção da AIDS e outras DSTS e espalhar que aquilo era o material do MEC para as escolas. Claro que a linguagem desse material do Ministério da Saúde era inadequada para crianças já que servia a outro propósito.

5) Como essa história termina? No ano seguinte, quando Dilma assumiu a presidência, diante de toda a confusão, ela simplesmente vetou o material. Que nunca chegou a nenhuma escola.

6) Mas novas mentiras sobre o que seria esse kit gay surgem a todo momento. O que acontece é que existem inúmeros materiais sobre educação sexual para crianças e adolescentes que são produzidos por editoras comerciais e vendidos em livrarias do Brasil e do mundo para os pais e as mães que quiserem comprar.

Só que pessoas mal intencionadas compram algum desses livros que consideram ”inadequados” e fazem vídeos falando que aquele livro foi distribuído pelo governo num kit gay para crianças pequenas. Mas não foi. Repetindo, todos os materiais do projeto Escola sem Homofobia, devido à pressão conservadora, nunca foram levados até as escolas.

Importante destacar que o livro mostrado pelo Bolsonaro no Jornal Nacional NUNCA foi distribuído pelo MEC. O livro foi publicado no Brasil pela Companhia das Letras. Bolsonaro sabe que não se trata de material do MEC, ele já foi por diversas vezes alertado sobre isso. Ele mente porque sabe que funciona, sua popularidade aumenta a cada vez que ele se mostra indignado com algo que ele mesmo sabe que é mentira.

7) Mas afinal de contas o que tinha nesse material Escola Sem Homofobia? Que ótimo que você se perguntou isso. Neste link você pode ver os três vídeos, a cartilha voltada para os professores e os materiais deste projeto que, lembrando, nunca chegou até as escolas. Leia, assista e tire suas conclusões.


8.) Se você pegar o material para analisar vai ver que ele não contém nenhum tipo de pornografia. Uma das mentiras divulgadas sobre ele é um desenho de dois adolescentes tendo relações sexuais. Isso é uma invenção maldosa, aquela ilustração jamais fez parte deste projeto.

9) Esse material, que nunca chegou a se distribuído, era voltado para adolescentes e pré adolescentes, alunos de ensino médio e segunda etapa do fundamental, não para crianças pequenas, da educação infantil ou primeira etapa do fundamental (antigo primário). O objetivo era ensinar o respeito e combater a violência homofóbica muito comum nas escolas brasileiras.

10) Os materiais do Escola sem Homofobia não tinha nenhum tipo de objeto erótico, nada de ‘‘mamadeira com bico em formato de pênis para ser distribuído para crianças de 6 anos alunas de creches’’. Gente, pelo amor de Deus, como vocês acreditam nisso? Crianças de 6 anos não usam mamadeira, não estudam em creches e NINGUÉM viu esse objeto em nenhuma escola ou creche do Brasil. Isso é uma das mentiras mais toscas já inventadas e infelizmente milhões de pessoas acreditaram.

Esquerda e Direita


Definição de fascismo


sábado, 13 de outubro de 2018

As crônicas do antipetismo

Por Tereza Cruvinel, no Jornal do Brasil:

A pesquisa Datafolha de ontem trouxe Jair Bolsonaro com 16 pontos de vantagem sobre o petista: 58% dos votos válidos a 42%. 

Para virar o jogo, Haddad teria que crescer quase um ponto por dia, conquistando diariamente cerca de um milhão de eleitores. Tamanho desafio exigirá do PT, para além de alianças, um esforço monumental para desconstruir Bolsonaro e desmentir as crônicas do antipetismo, discurso que articula os demais pretextos para votar no candidato da extrema direita. E isso devia começar hoje, no horário eleitoral, em que cada um terá cinco minutos diários duas vezes por dia.

Haddad ocupa-se, neste momento, da ampliação de forças para resistir à insurgência reacionária. 

Os apoios do PSOL, PSB e PDT foram garantidos, com maior ou menor entusiasmo. 

Hoje terá encontro com a cúpula da CNBB, movimento importante para neutralizar o apoio das igrejas evangélicas a Bolsonaro. Nos cultos e nos grupos entre frequentadores da mesma igreja, os pastores determinam aos irmãos o voto contra o “candidato comunista, que é contra a família e a pregação do evangelho”. 

A frente é importante mas sem uma vigorosa ofensiva contra o antipetismo, será tudo em vão.

Se o programa eleitoral dedicar-se, como no primeiro turno, a evocar romanticamente os bons tempos dos governos petistas, não conquistará os eleitores disponíveis, entre eles os 20 milhões que não votaram em ninguém no primeiro turno. 

Impregnados pelo antipetismo, se não forem confrontados com argumentos fortes e convincentes, não votarão em Haddad, ainda que não se animem também a votar no capitão. 

Por ter cometido seus pecados, o PT permitiu que lhe fossem também atribuídos erros e crimes que não cometeu. 

Deixou que proliferassem calúnias e mentiras, algumas até ridículas, como a do kit gay que seria distribuído nas escolas.

Cobra-se do PT a autocritica pelos casos de corrupção, que foi seletivamente e gradualmente revelada, de modo a grudar menos nos outros. 

Que comece por aí, admitindo que, chegando ao governo, e precisando formar a maioria, errou ao fazer o que os outros sempre fizeram, distribuindo cargos aos aliados para ter votos no Congresso. 

E que, tanto quanto eles, também passou a receber recursos ilícitos, ou propinas, para financiar as campanhas e a vida partidária. Que alguns petistas, é verdade, embolsaram parte dos recursos, corromperam-se, como o delator-mor, Antonio Palocci, mas que a raiz do mal é o conluio secular entre o capital e a política, o público e o privado.

Admitindo o erro, nestes termos, o PT pode obter audiência e crédito para rebater as crônicas caluniosas, que vão de seu suposto “comunismo” à acusação de ter quebrado o país. 

Poderá lembrar o crescimento nos anos Lula, as obras realizadas, como a transposição do Rio São Francisco e as hidrelétricas, ou o vasto legado social, que vai do Luz para Todos ao Bolsa Família. 

Contra a lenda de que destruiu o pais, poderia recordar o pagamento da dívida externa de US$ 40 bilhões, as reservas de mais de US$ 300 bilhões que ainda estão aí, a duplicação da safra agrícola e o boom da economia nacional, que passou do 13º para o sexto lugar no ranking mundial em 2011, no início do governo Dilma. 

Devia admitir que houve erros de gestão econômica no governo dela mas denunciando cabalmente a sabotagem do MDB, do PSDB e de Eduardo Cunha, com as pautas bombas que minaram as contas públicas.

E por que não lembrar aos militares que nos governos petistas as Forças Armadas foram reequipadas, com a aquisição dos caças Grippen, dos mísseis Astros, do submarino nuclear e do cargueiro militar KC 390?

Mas são as crônicas mais simplórias as mais deletérias, e a mais em voga agora é a do comunismo. 

Fosse o PT comunista, por que não acabou com a propriedade privada em seus governos, quando banco e empresas ganharam tanto dinheiro? 

A democracia é bela mas dá muito trabalho, como disse Ciro Gomes quando o Cabo Daciolo falou na suposta Ursal.

sexta-feira, 12 de outubro de 2018

A indigência do “fascismo tropical”

Por Rafael Zacca, no site Outras Palavras:

Em todo o mundo a extrema direita surfa a onda conservadora da última década. Sempre que nos deparamos com um fenômeno confuso, vasculhamos a memória atrás de algum ponto de apoio para distinguir as coisas. É assim que por toda a parte o nazi-fascismo volta a ser sussurrado de ouvido em ouvido, como o marulho dessas águas. Chamar as coisas por seu nome é uma tarefa importante – mas distinguir os nomes corretamente é a tarefa justa. No caso brasileiro, o retorno do recalcado de nossa época ditatorial militar nos impele, a um só tempo, a lhe dar o nome de fascismo, e a acrescentar-lhe um broche, provavelmente maior que a roupa. Um broche tropical. Pois é difícil de acreditar que se possa sobrepor diretamente a imagem de Hitler ou de Mussolini à de Jair Bolsonaro, e nada nos parecerá mais absurdo do que a ideia de um povo ariano brasileiro.

Não obstante, a morte do capoeirista Moa do Katendê, na madrugada de 8 de outubro, é a mais recente evidência da existência de um fascismo à brasileira que diferentes discursos negacionistas tentam abafar. O capoeirista foi morto pela peixeira de um bolsonarista muito mais jovem (Moa tinha 63, o assassino tem 36), que cometeu o crime por “discordância política”. Outra evidência se dá no contexto dos acontecimentos que se seguiram ao assassinato da vereadora do PSOL, Marielle Franco. Sete meses depois da execução, motivada pela atuação de Marielle no combate às milícias e na defesa da população negra e pobre das favelas do Rio de Janeiro, os então candidatos (e agora eleitos) a duas vagas na Assembleia do Rio, Rodrigo Amorim e Daniel Silveira, quebraram uma placa feita em homenagem à vereadora na rua em que ocorreu o assassinato, no bairro do Estácio. Tratava-se de um evento político, e ao lado dos dois estava, no mesmo palanque, o atual candidato ao governo do Rio, Wilson Witzel – todos do partido da oligarquia Bolsonaro.


Nas eleições para o primeiro turno, fotos da urna eletrônica indicando voto em Jair Bolsonaro e pistolas repousando sobre os números expõem, com uma clareza freudiana, a vontade de entregar poderes excessivos ao candidato. A poucas semanas do processo eleitoral, em Copacabana, uma corrida de militares, destinada a homenagear um sargento morto durante operação em uma favela carioca, tornou-se prontamente uma carreata de apoio ao presidenciável, em uma espécie terrível de anúncio de uma possível “versão tropical dos Freikorps”, como afirmou Gilberto Maringoni, professor da UFABC. O professor referia-se aos grupos paramilitares que encabeçaram a escalada de violência nazista no século passado. Bolsonaro parece aceitar de bom grado o trono que lhe querem entregar: já afirmou, ao longo de sua história, que é a favor da tortura, que fechará o congresso na primeira oportunidade, e, recentemente, que irá “por um ponto final em todos os ativismos do Brasil”.

Quando teve fim o seu exílio, Leonel Brizola regressou ao Brasil com a ideia de realizar um “socialismo moreno”: mais libertário, mais afeito aos trópicos. Em uma espécie de piada histórica de mau gosto, o que parece ter vingado no país é um “fascismo moreno”, com as cores de nossa bandeira. Torquato Neto escreveu em 1968: “não faça esforço para ser tropicalista: continue moralista e será. O trópico é fatal.” Um nome mais adequado para essa ideologia talvez seja “fascismo tropical”.

Para compreender esse fenômeno, é preciso partir da premissa de que o que encontramos aqui não é exatamente igual àquela ideologia que nasceu das fasci di combattimento italianas. É preciso repetir o gesto daqueles que enfrentaram a meia-noite do século XX: na década de 1930, os que resistiam ao autoritarismo e à morte criaram institutos de estudo e combate ao nazi-fascismo. Tais institutos viriam a calhar hoje no Brasil. A história não se repete – conhecer o que se passa aqui, dessa vez, é tarefa prioritária, para que possamos traçar estratégias de resistência e combate mais bem definidas. O que se segue é um ensaio de distinções.

Lembrar ou esquecer

É curiosa a franca oposição em que se encontram a mentalidade histórica nazi-fascista e a do fascismo tropical. Enquanto para o primeiro a história (ainda que inventada e travestida de ciência) é importante na fundamentação dos símbolos nacionais a serem adorados pela população, para o segundo, o esquecimento é o cimento sobre o qual o autoritarismo pode se firmar. Não à toa a Comissão Nacional da Verdade tenha sido, desde a sua fundação, duramente atacada, simbólica e materialmente, por partidários, civis e militares, da ditadura. Ligada a um projeto de revisão da lei da anistia, que admitiu o retorno dos exilados políticos e perdoou os crimes dos agentes do Estado brasileiro, a Comissão trabalhou no sentido de revisar a dívida histórica com o passado recente nacional, quando o regime militar sequestrou, torturou, matou e desapareceu com inúmeros cidadãos, muitos dos quais sem paradeiro certo até hoje. O projeto de esquecimento envolvido nesse processo conhece agentes armados, e não apenas ideologicamente eloquentes. Em 2014, por exemplo, o coronel Paulo Magalhães confessou crimes de tortura e sequestro à Comissão; um mês depois, sua casa foi invadida, o coronel assassinado, e seus computadores roubados.

Enquanto no fascismo tradicional o passado é glorioso e os ancestrais exaltados, no fascismo tropical o passado é motivo de vergonha e deve ser esquecido. O fascismo tropical é um projeto de futuro que quer purgar, com fogo mesmo, o território nacional de seus males. Apenas o patriarca é respeitável, o que explica, por sua vez, que a centralização de poder em nossa história seja tão mais facilmente alcançável. Essa ideologia funda em nós uma atração desproporcional, mesmo se comparada a outros contextos patriarcais, pelas figuras do super-herói incorruptível, do avô amoroso provedor ou do coronel que apazigua os conflitos locais. E não importa que sejam essas as figuras nacionais que mais rapidamente se mostrem corruptas, avarentas e violentas, quando não as três coisas: o fascismo tropical tem mais amor pela violência do chefe que pela instauração de uma ordem, pois identifica ordem com o cano de um revólver.

Sob gritos de “mito”, Jair Bolsonaro é eleito deputado, ano após ano, como o grande patriarca do fascismo tropical. Quanto mais os seus adversários relembram de seu flerte com os crimes de guerra do regime militar, mais o candidato se apoia na amnésia social promovida pela lei da anistia como escudo ideológico. Esse grande patriarca sofre hoje, não por mera coincidência, a maior rejeição por parte das mulheres, sob a bandeira do movimento do #elenão.

O inimigo externo ou interno

A tipificação do alvo nacional, do inimigo número um, também difere nos dois casos. Na Itália de Mussolini e na Alemanha de Hitler, esse elemento sempre foi exterior. Fora do território, esse inimigo movia a guerra de conquista. Marinetti chegou a afirmar em manifesto futurista, em apoio à Itália na guerra colonial na Etiópia, que “a guerra é bela”. O nazismo, por seu turno, cresceu na sombra do argumento da humilhação por seus vizinhos: o discurso revanchista, pelas consequências da derrota na Primeira Guerra Mundial, pavimentou a marcha da SS. E mesmo o grande alvo interno dos arianos, os judeus, eram tidos como inimigos externos, que teriam saqueado e destruído a nação. De um modo ou de outro, o nacionalismo se constrói por oposição ao internacional.

No fascismo tropical, o alvo é nacional. Esse efeito é possível graças à produção de esquecimento – assim, o alvo pode ser aquilo que é nacional, mesmo sob justificativa nacionalista. O ódio aos afrodescendentes e aos índios, e a todas as políticas de reparação histórica e de inclusão social desses grupos na sociedade, é a mais estranha contradição de um fascismo tropical. E é vestindo a camisa da seleção nacional de futebol, que teve historicamente a maior parte de seus melhores jogadores pessoas negras, que os novos verde-amarelos exigem políticas de extermínio nas favelas, fim de cotas nas Universidades e em concursos públicos, etc. Também o nordestino pode ser odiado desse ponto de vista, como inimigo interno que desorganiza o país, bem como o pobre. Todos esses alvos acusados de imoralidade – pois o fascismo, lá como aqui, é antes de tudo um ato de conservação dos costumes do patriarcado.

Exatamente por isso, tanto em um caso como no outro, um alvo continua o mesmo: o corpo estranho. O desejo de morte aos corpos que fogem da norma reprodutiva heterossexual se traduz, hoje, sob gritos de “fim do kit gay nas escolas” ou na exigência de que os não-heterossexuais não se mostrem de tal forma em espaços públicos. De qualquer maneira, a pressão para que esses modos de vida permaneçam na esfera privada significa – mesmo antes dos espancamentos e das violências verbais, que ocorrem todos os dias – a morte social desses corpos.

Nacionalismo e entreguismo

É curiosa a posição dos fascistas tropicais: são nacionalistas e entreguistas ao mesmo tempo. Essa foi a postura social e econômica da Ditadura Militar, e parece continuar a ser o projeto do militar Jair Bolsonaro. A aceitação de sua candidatura, por parte de grandes contingentes da população, coincidiu, inclusive, com uma mudança de posição do candidato: de passado protecionista, Bolsonaro se move cada vez mais para o campo neoliberal. Nesse sentido, o fascismo tropical é bastante diferente de seu irmão europeu – lá, o protecionismo é a palavra de ordem. Aqui, o economista liberal, formado por Chicago, Paulo Guedes, é a arma do convencimento de fecundidade do projeto de Bolsonaro. Privatização e entrega das riquezas nacionais podem conviver em seu discurso porque o nacionalismo, no fundo, não é sequer a exaltação de tais ou quais aspectos nacionais. Nacionalismo no fascismo tropical é pura e simplesmente a defesa da família tradicional e a repressão da sexualidade.

Esse fenômeno ficou conhecido entre os historiadores como “modernização conservadora”. Modernização com a livre-circulação do capital e dos capitalistas internacionais, e conservação nos costumes. Se no nazi-fascismo a modernidade é imoral e destrói o passado glorioso das nações superiores, no fascismo tropical a modernização é o que pode fazer com que a nação concorra a um papel de destaque no arranjo internacional de disputa de riquezas. E como sempre cabe mais um ingrediente no prato brasileiro, soma-se a esses aspectos um reacionarismo no campo social, com a retirada progressiva de direitos. Ataques à legislação trabalhista são justificáveis em prol de uma “estabilização financeira” e “reequilíbrio das contas públicas”, delegando, no fundo, ao trabalhador, a tarefa de fechar as contas do cofre nacional.

O fenômeno não se desenvolve sem contradições, é claro. Um dos principais aliados de Bolsonaro, por exemplo, Alexandre Frota, é um dos defensores da moralidade e dos bons costumes, além de guardião discursivo da família tradicional brasileira, e parece não causar espanto o fato de que Frota tenha sido ator pornô e tenha contracenado tendo relações sexuais com diferentes moças e rapazes, performando hetero, bi e homossexualidade em seus filmes. Também não parece contradizer a família tradicional o fato de que Frota tenha feito apologia ao estupro em rede de televisão aberta. Nada disso impediu que o ator tivesse sido eleito deputado federal com 152 mil votos pelo partido de Bolsonaro, o PSL.

Antipartidarismo como guarda-chuva ideológico

O fascismo não se fundamenta sem um guarda-chuva ideológico. É preciso canalizar uma grande variedade de medos e inseguranças da população sob um mesmo signo para arregimentá-la em seu projeto. Largos contingentes de seres humanos, formados até mesmo pelos corpos ameaçados por essa ideologia, não são fascistas por natureza. São boas pessoas, incapazes de ferir o semelhante. É preciso que um elemento que filtre as diferentes demandas sob um só signo odiento e que, nesse mesmo movimento, impulsione a violência em ondas cada vez mais fortes. Somente com essa canalização aquilo que Hannah Arendt chamou de banalização do mal é possível. Como o fascismo floresce em épocas de crise das relações sociais, esse filtro se liga a um elemento que possa a qualquer custo conservar essas relações. Em 1964, o filtro era o anticomunismo. Hoje, é o antipartidarismo, principalmente o antipetismo. Sob o argumento da corrupção, esconde-se um ódio às transformações sociais exigidas por pobres, negros, mulheres, LGBTQ+ e índios.

De outro modo, não se explica o apoio dado a Jair Bolsonaro e àqueles que coligam com ele. Sua história partidária está ligada aos mesmos escândalos que sustentam a retórica do PT como o partido mais corrupto de todos. Bolsonaro era deputado pelo PTB na mesma época em que o partido protagonizou o mensalão; foi deputado pelo PP na mesma época em que o partido teve o maior número de indiciados no petrolão; além de ter participado da base ampla do PT por muitos anos. Mas nada disso adiantará nos ouvidos tropicais desse fascismo à brasileira. Atacar a sustentação do filtro ideológico é gastar energia sem produzir efeitos; aqueles que se comprometem com o combate ao fascismo devem estar dispostos a refazer as perguntas fundamentais que movimentam o medo daqueles que coligam com este projeto. Apenas na reformulação dos problemas sociais que servem de fundamentação real ao fascismo, a esquerda conseguirá apontar uma direção mais adequada. Isto é: não é a questão partidária que está em jogo. No limite, a questão partidária é apenas o conteúdo manifesto de um conteúdo latente que precisa ser trazido novamente para os debates públicos. Já o combate aberto, deve ser reservado aos ideólogos do fascismo tropical, tais como toda a oligarquia Bolsonaro, Kim Katagury, Olavo de Carvalho, Rodrigo Gurgel, Alexandre Frota, e outros pseudo-pensadores semeadores dos campos da morte.

Cadê o plano econômico do capitão?

Por Marcelo Manzano, no site da Fundação Perseu Abramo:

Neste grave momento eleitoral que vivemos, são muitas as solicitações aos analistas de economia para comparar os programas econômicos das duas candidaturas que passaram para o segundo turno. Mas, a tarefa não é nada trivial, por uma simples e única razão: Bolsonaro, o candidato da extrema-direita, não apenas não apresentou um plano econômico minimamente consistente, como a cada nova pesquisa eleitoral redireciona sua estratégia criando factoides programáticos que vão no sentido inverso do que havia pregado anteriormente.

No documento oficial (“Projeto Fenix”) depositado pelo PSL para registrar a candidatura do ex-capitão Bolsonaro, o capítulo dedicado à economia reúne algumas proposições para lá de genéricas (ex: “um país justo deve propiciar aos mais pobres oportunidades para que superem suas dificuldades e prosperem”) que são acompanhadas por um pequeno amontoado de diagnósticos falaciosos (fakes), aos quais se seguem nada mais do que três propostas econômicas ultraliberais.

Entre os diagnósticos, procurando demonstrar que os governos do PT levaram a uma suposta desordem das contas públicas, apresentam um gráfico que beira o ridículo, no qual são excluídos os onze anos em que os governo petistas registraram superávits fiscais – lembremos: naquele período, o Brasil foi o país que auferiu os mais altos superávits fiscais entre o G20 - limitando-se aos três últimos anos sob o comando de Dilma, quando a crise recessiva de fato derrubou as receitas e levou as contas públicas primárias ao campo negativo.

Em seguida, para dar corpo ao falso argumento do descontrole de gastos, o nebuloso “Plano Fênix” do ex-capitão lança mão de outra afirmação descabida: diz literalmente que “a administração pública inchou de maneira descontrolada nos últimos anos.” Nada mais fake. Ao longo dos treze anos de governo do PT, embora tenha crescido a contratação de servidores nas áreas fins (saúde e educação) reduziram-se as contratações na área meio, de tal maneira que, ao final do período o gasto federal com servidores era, proporcionalmente ao PIB, menor do que aquele que existia em 2002, último ano do governo FHC. Quanto ao crescimento meritório dos gastos sociais, que saltaram de 12% para 15% do PIB, vale lembrar que foram mais do que compensados pelo recuo nas despesas com os serviços da dívida (juros) e pela recuperação das receitas (por exemplo: das estatais).

Já no que se refere às propostas econômicas propriamente ditas, o Plano Fênix se limita a uma pregação neoliberal ainda muito mais simplista que o antiquado “Consenso de Washington” defendendo a inócua redução do número de ministérios; a venda de estatais para reduzir a dívida pública (vale lembrar que em condições normais as estatais brasileiras são fonte de receita e não de despesa; e a reforma da Previdência, que propõem migrar do atual modelo de repartição para um modelo de capitalização (para o que seriam necessárias algumas centenas de bilhões de reais).

Por fim, além de um arrazoado de proposições bem intencionadas – mas não explicitadas – a respeito da necessidade de aperfeiçoar o nosso sistema tributário, ironicamente o plano que se apoia no imaginário da mitológica ave Fênix – que ressurge das cinzas – anuncia de forma enfática que manterá a exata ossatura do chamado “tripé econômico”, o qual foi fincado em terras brasileiras no crítico ano de 1999 pelo banqueiro Armínio Fraga, então presidente do Banco Central de FHC.

terça-feira, 9 de outubro de 2018

Liberalismo e fascismo: afinidades eletivas

Por Augusto C. Buonicore, no site da Fundação Maurício Grabois:


Se fascismo e liberalismo não são iguais, tão pouco existe entre eles uma muralha intransponível. Diria mesmo que existem mais pontos de convergência do que sonha a nossa vã filosofia. Foi na América Latina que o conluio liberalismo e fascismo tornou-se mais evidente. Os liberais constituíram-se em vanguarda ideológica e política da maior parte dos golpes militares ocorridos ao longo do século 20. Por aqui, em 1964, os muito liberais Estadão, Folha e UDN conclamaram abertamente a intervenção militar e aplaudiram a repressão que se seguiu à autodenominada “redentora”. O mesmo fenômeno se repetiu no Chile, Argentina, Uruguai, Bolívia, Paraguai etc. O fenômeno voltou a se repetir no século 21.

Num artigo escrito há alguns anos atrás tratamos da relação conflituosa, às vezes explosiva, entre o liberalismo e a democracia política. Buscamos, seguindo as preciosas indicações de Domenico Losurdo e João Quartim de Moraes, demonstrar que os mecanismos da democracia moderna – especialmente o sufrágio universal e o direito de organização – são frutos das lutas populares e que, em certo sentido, foram vitórias dos trabalhadores contra o liberalismo.

Lembramos, por exemplo, que os principais ideólogos da burguesia, os liberais, foram porta-vozes do sufrágio censitário – baseado na renda – e do sufrágio qualificado – baseado na educação formal e/ou nas funções sociais de mando exercidas. As duas formas de sufrágio teriam por finalidade excluir as classes populares do jogo político. Democracia, entendida como soberania popular, seria quase um sinônimo de “despotismo das massas”.

John Stuart Mill (1806-1873), um liberal bastante avançado para a sua época, chegou a declarar: “Considero inadmissível que uma pessoa participe do sufrágio sem saber ler, escrever e, acrescentaria, sem possuir os primeiros rudimentos de aritmética”. Em outra passagem, sem meias palavras, afirmou: “Um empregador é mais inteligente do que um operário por ser necessário que ele trabalhe com o cérebro e não só com os músculos (...). Um banqueiro e um comerciante serão provavelmente mais inteligentes do que um lojista, porque têm interesses mais amplos e mais complexos a seguir (...). Nestas condições, poder-se-iam atribuir dois ou três votos a todas as pessoas que exercessem uma destas funções de maior relevo.”

Naquele artigo tratamos apenas da análise da gênese da democracia e não das características que ela assumiu ao longo dos últimos séculos. A democracia política, ao contrário do que pensavam os operários e burgueses no século 19, demonstrou que também poderia ser funcional ao capitalismo. Por isso mesmo, a resistência burguesa foi se reduzindo pouco a pouco. Reduzida, mas não completamente eliminada. A democracia política não é – e jamais será – um valor universal para ela e seus ideólogos.

Paradoxalmente, no início do século 20, os ideólogos do fascismo foram buscar no arcabouço liberal clássico muitas de suas teses sobre o direito à participação política das massas populares. Vejamos o que afirmou Mussolini, em 1925, logo após a sua triunfal “Marcha sobre Roma”: “é absurdo conceder os mesmos privilégios a um homem inculto e a um reitor de universidade. Não é abaixando as classes elevadas que se cria a igualdade (...). Atribuem-me a ideia de restringir o sufrágio universal. Não! Todo cidadão conservará seu direito de voto ao parlamento de Roma. Mas um professor universitário ou um grande técnico deve ter mais uma palavra a dizer do que um carregador analfabeto”. Mussolini também, como a maioria dos liberais dos séculos 18 e 19, era contrário ao sufrágio feminino. No mesmo discurso, citado acima, declarou: “Sou partidário do sufrágio universal, mas não do sufrágio feminino”.

Poucos se espantaram com tal declaração, pois ela estava dentro do senso comum liberal-conservador predominante na época. Mesmo o sufrágio universal masculino era uma novidade na grande maioria dos países capitalistas e as mulheres ainda não tinham direito ao voto nem na Inglaterra, mãe do liberalismo, e nem na França, terra da revolução liberal-democrática.

Este descompasso entre democracia política e liberalismo ainda podia ser sentido na segunda metade do século 20. Um dos fundadores do neoliberalismo, Von Hayek, chegou a defender que não haveria nenhuma incompatibilidade entre sufrágio censitário, exclusão política das mulheres e a democracia. Escreveu ele: “É útil recordar que, no país em que a democracia é mais antiga, e mais bem-sucedida, a Suíça, as mulheres ainda são excluídas do voto e, pelo que parece, com a aprovação da maior parte delas. Também parece possível que, numa situação primitiva, um sufrágio limitado, por exemplo, reduzido somente aos proprietários de terra, consiga formar um Parlamento tão independente do governo que possa controlá-lo de modo eficaz.”

Continuou o decano do neoliberalismo: “nem o mais dogmático dos democratas pode afirmar que toda e qualquer ampliação da democracia é um bem. Independentemente do peso dos argumentos a favor da democracia, ela não é um valor último, ou absoluto, e deve ser julgada pelo que realizar. (...) A decisão relativa à conveniência ou não de se ampliar o controle coletivo deve ser tomada com base em outros princípios que não são os da democracia em si”. Os princípios aos quais ele se refere seriam: a defesa da propriedade privada e da “livre iniciativa” (para o capital). Dentro deste esquema limitado, as ditaduras de direita, sob determinadas condições, também poderiam se tornar “os melhores métodos” para os fins últimos propostos. Não deixa de ser irônico que os liberais ainda sustentem que é a esquerda que tem uma visão limitada e instrumental da democracia política. 

Liberalismo e colonialismo

Mas é em relação ao problema do colonialismo que o velho e o novo liberalismo mais se aproximam das teorias reacionárias e proto-fascistas. Ao contrário do que geralmente se pensa, o liberalismo na sua forma clássica não se constituiu num entrave ao colonialismo e ao imperialismo nascente. Ele forneceu as justificativas ideológicas para a expansão europeia – e, mais tarde, estadunidense – sobre a África, a Ásia e a América Latina.

Como bem lembrou Losurdo, um liberal do porte de um Tocqueville comemorou assim a vitória inglesa sobre a China na infame Guerra do Ópio: “Eis afinal a mobilidade em combate contra o imobilismo chinês! Trata-se de um acontecimento grandioso, sobretudo quando se considera que é mera continuação, última etapa numa série de acontecimentos da mesma natureza, que gradativamente vão empurrando a raça europeia para além de suas fronteiras, submetendo sucessivamente todas as outras raças ao seu império ou sua influência (...); é a sujeição das quatro partes do mundo, por ora da quinta parte. Por isso, é bom não se maldizer demais o nosso século e a nós mesmos; os homens são pequenos, mas os acontecimentos são grandiosos”.

John Stuart Mill, por sua vez, na sua obra clássica Da Liberdade, escreveu: “O despotismo é uma forma legítima de governo quando se está a lidar com bárbaros, desde que o fim seja o progresso e os meios sejam justificados pela sua real consecução. A liberdade, como princípio, não é aplicável em nenhuma situação que anteceda o momento em que os homens se tenham tornado capazes de melhorar através da livre discussão entre iguais. Até então não haverá nada para eles, salvo a obediência absoluta a um Akbar ou a um Carlos Magno se tiveram sorte de encontrá-los.” Para Mill, parece que liberdade e a democracia só teriam plena validade no mundo ocidental e cristão. Também não podia ter pesos iguais para a elite e as massas trabalhadoras, mesmo nos países capitalistas centrais. Por isso, o voto censitário e qualificado. Assim, essas noções não poderiam ter nenhum valor universal.

Certas ideias dos séculos 18 e 19 continuaram fazendo estragos nos séculos seguintes. Karl Popper – liberal e defensor das chamadas “sociedades abertas” –, num artigo recente, escreveu: “Libertamos esses Estados (as colônias) de modo muito apressado e simplista” e comparou este fato ao de “se abandonar uma creche a si mesma”. O que ele se esqueceu de dizer é que a libertação das colônias não foi dádiva das metrópoles europeias, mas uma conquista arrancada com muita luta Em muitos casos precisou-se de anos de guerras de libertação nacional sangrentas. As potências ocidentais França, utilizaram os meios mais bárbaros para manter seus impérios além-mar. O filme Batalha de Argel retrata bem esses métodos ditos civilizados usados pelo colonialismo francês no norte da África.

O fim da União Soviética e das experiências socialistas no Leste Europeu ocasionou uma profunda alteração na correlação de forças mundial a favor do imperialismo. Isso teve impacto no campo da luta de ideias. O liberalismo – na sua versão neoliberal – tornou-se amplamente hegemônico, e velhos valores reacionários (como o racismo), anteriores às revoluções socialistas e anticoloniais, adquiriram novo vigor. Justificam-se a guerra e a ocupação de territórios do terceiro-mundo em nome da liberdade, da democracia e dos direitos humanos. Como no passado, novamente, a barbárie se impõe em nome da civilização e do progresso.

Fascistas e liberais 

Não pretendemos aqui colocar um sinal de igualdade entre liberalismo e fascismo. Após a trágica experiência de ascensão de Hitler ao poder na Alemanha, a esquerda aprendeu a importância de distinguir os dois termos. A confusão neste terreno conduziu os trabalhadores a uma das maiores derrotas de sua história, que ocorreu num fatídico janeiro de 1933.

Se fascismo e liberalismo não são iguais, tão pouco existe entre eles uma muralha intransponível. Diria mesmo que existem mais pontos de convergência do que sonha nossa vã filosofia. Isso se explica, fundamentalmente, porque os dois são expressões ideológicas de uma mesma e única classe: a burguesia. Esta constatação não é secundária.

Durante as últimas décadas, os ideólogos burgueses procuraram reverter o jogo e colocaram um sinal de igualdade entre o comunismo e o nazismo, tachando-os indistintamente de totalitários. Neste esquema a contraposição ao totalitarismo (comunista e nazista) seria feita pelo liberalismo político e econômico. Dentro desta mesma operação ideológica, o termo liberalismo novamente foi amalgamado com o de democracia. Os pais do liberalismo foram promovidos a pais da democracia moderna. Constituiu-se, assim, o mito ou a fórmula mais eficiente da política moderna: liberalismo = democracia.

Ironicamente, Quartim de Moraes afirmou: “Os politicólogos liberais costumam enfatizar as semelhanças entre fascismo e comunismo, apresentando-os como duas variantes do que chamam de totalitarismo (...) (mas) qualquer estudo histórico-estatístico minimamente objetivo mostraria que a quantidade de liberais que aderiram ao fascismo foi incomparavelmente maior do que a de comunistas”. Por fim, não “foi nos países do extinto bloco soviético que os exterminadores de judeus e de comunistas, membros da SS ou esquadrões da morte (...) encontraram refúgio, mas principalmente no muito liberal Canadá”. Acrescentaria aqui a operação secreta realizada pelo governo estadunidense – em comum acordo com o Vaticano – para dar cobertura à fuga de criminosos de guerra alemães, especialmente oficiais e cientistas.

No entanto, foi no nosso continente que o conluio entre liberais e fascistas tornou-se mais evidente – uma aliança que produziu uma das páginas mais sombrias da nossa história. Os liberais latino-americanos tornaram-se a vanguarda ideológica e política da maior parte dos golpes militares ocorridos na segunda metade do século 20, inclusive no Brasil. Por aqui, em 1964, os muito liberais Estadão, Folha e UDN conclamaram abertamente a intervenção militar e aplaudiram a repressão que se seguiu à autodenominada “redentora”. O mesmo fenômeno se repetiu no Chile, Argentina, Uruguai, Bolívia, Paraguai etc.

Não foi sem razão o esforço feito por alguns neoliberais para retirar as ditaduras militares latino-americanas da lista de regimes ditos totalitários. Elas passaram a ser definidas apenas como autoritárias. Males menores diante da ameaça do totalitarismo comunista.

Escreveu Hayek, “o oposto de democracia é governo autoritário: do liberalismo é totalitarismo. Nenhum dos dois sistemas exclui necessariamente o oposto do outro: a democracia pode exercer poderes totalitários, e um governo autoritário pode agir com base em princípios liberais”. E continuou: “Devo confessar que prefiro governo não-democrático sob a lei a governo democrático ilimitado (e, portanto, essencialmente sem lei)”. Por isso, ele e Milton Friedman deram apoio aberto e assessoraram o governo neoliberal “não-democrático” de Pinochet.

Maior exemplo da possibilidade de articulação entre neoliberalismo e fascismo pode ser extraído da vergonhosa entrevista dada pelo mesmo Hayek ao jornal chileno El Mercúrio em abril de 1981. Depois de dar apoio à ditadura, justificou: “Uma sociedade livre requer certas morais que em última instância se reduzem à manutenção das vidas; não à manutenção de todas as vidas, porque poderia ser necessário sacrificar vidas individuais para preservar um número maior de vidas. Portanto, as únicas normas morais são as que levam ao ‘cálculo de vidas’: a propriedade e o contrato”. Naquele exato momento em que o papa do neoliberalismo dava sua entrevista, muitas vidas estavam sendo sacrificadas nos porões da ditadura fascista do general Pinochet.

* O título original desse artigo era Fascismo, liberalismo e colonialismo e foi publicado no livro Marxismo, história e a revolução brasileira (Editora Anita Garibaldi, 2009).

** Augusto Buonicore é historiador, mestre em Ciência Política pela Unicamp e diretor de publicações da Fundação Maurício Grabois. E autor dos livros Marxismo, história e a revolução brasileira; Meu Verbo é Lutar: a vida e o pensamento de João Amazonas; e Linhas Vermelhas: marxismo e os dilemas da revolução, publicados pela Fundação Maurício Grabois e Editora Anita Garibaldi.

Bibliografia 

LOSURDO, Domenico. Fuga da história? Rio de Janeiro: Revan, 2005.

________________. Democracia e bonapartismo. São Paulo: Ed. Unesp; Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2005.

________________. Liberalismo. Entre civilização e barbárie. São Paulo: Anita Garibaldi, 2006.

________________. A linguagem do império: léxico da ideologia estadunidense. São Paulo: Boitempo, 2010.

MORAES, João Quartim de. “Contra a canonização da democracia”, in Crítica Marxista, n. 12, São Paulo: Boitempo, 2001.

________________. “Liberalismo e fascismo”, in Crítica Marxista, n. 8, São Paulo: Xamã, 1999.

MORAES, Reginaldo. Neoliberalismo: De onde vem, para onde vai? São Paulo? Senac, 2001.