Por Tereza Cruvinel, no Jornal do Brasil:
Os discursos e iniciativas do ministro da Economia, Paulo Guedes, recebem maior atenção do mercado, é claro, mas também da mídia.
Guedes, entretanto, estaria dizendo as mesmas coisas se fosse ministro de outro presidente alinhado ao liberalismo econômico.
O que nos exige maior vigilância são as palavras e atos dos ministros que integram o núcleo duro ideológico de extrema-direita.
Deles é que já começaram a vir as medidas mais regressivas contra direitos humanos, direitos coletivos e o convívio democrático, que não podem ser esquecidas em homenagem a eventuais acertos de Guedes.
Ao dizer, ontem, que na nova era “meninos vestem azul, meninas vestem rosa”, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, deu razão ao editorial do jornal português “Público”, que chamou Bolsonaro de “um Salazar brasileiro”.
O ditador português, afora o autoritarismo de traços fascistas, impôs aos portugueses a carolice e um conservantismo medieval em nome “da moral e dos bons costumes”, que chegava ao comprimento das saias das meninas.
Atualmente, é o talibã e outros regimes islâmicos que se metem com o modo de vestir dos governados.
Quando até as cores começam a ser castigadas, é mau sinal. Temendo ofender o antiesquerdismo de Bolsonaro, gestores do Congresso pediram ao fornecedor que só usasse flores brancas na decoração da Mesa para o ato de posse. Vermelhas, nem pensar, mas evitassem também o rosa e o amarelo.
Assim foi. No Alvorada, as cadeiras vermelhas foram trocadas por azuis.
A lei cromática de Damares propiciou o chiste do deputado Jean Wyllys: “Menino veste azul, menina veste rosa e Queiroz veste laranja”.
A pasta da ministra excluiu o público LGBT, que Wyllys representa e defende, dos segmentos que devem ter seus direitos humanos protegidos. Queiroz, por sinal, começou a ser esquecido.
Outro integrante do núcleo ideológico, o ministro da Educação, Vélez Rodríguez, tomou posse exaltando a igreja e a família e pregando o combate ao tal “marxismo cultural nas escolas”, bordão companheiro da “ideologia de gênero” que Bolsonaro brande todos os dias.
Até agora, não apresentaram evidências empíricas de que exista nas escolas a doutrinação ideológica e a ênfase na sexualidade. Vélez alterou atribuições e rebatizou a Secretaria da Diversidade, excluindo a palavra que a extrema-direita associa à esquerda, como se a diversidade não fosse uma realidade em si, derivada de nossa formação social, étnica e cultural, mas uma invenção.
Mais grave, porém, foi a nomeação de seus ex-alunos de filosofia, desprovidos de experiência em gestão pedagógica e de vivência no setor público para três importantes secretarias do MEC.
Outros colaboradores são ex-alunos e admiradores de Olavo de Carvalho, o filósofo de extrema-direita que se tornou guru do bolsonarismo. O MEC merecerá uma cobertura mais intensa da mídia.
Dali sairão medidas para colonizar consciências.
O discurso do chanceler Ernesto Araújo e os espantos que causou já foram muito comentados. Levado a cabo, o Itamaraty deixará de ser chancelaria para tornar-se porta-estandarte ideológico do novo regime.
Hoje ele estreia no cenário internacional participando da reunião do Grupo de Lima, que examinará a situação da Venezuela.
Mike Pompeo, secretário de Estado norte-americano, esteve com Bolsonaro e com o presidente colombiano Iván Duque pedindo jogo pesado.
Araújo vai bater-se por uma deliberação mais dura contra o regime de Maduro, como sanções econômicas ou rompimento de relações. Sua discutível habilidade diplomática será testada. Se trombar com vizinhos mais moderados, pode se queimar. O Itamaraty vai exigir também uma cobertura menos pontual.
Sem consenso
O apoio do PSL à candidatura de Rodrigo Maia à presidência da Câmara em troca de postos na Mesa e nas comissões, barganha inaugural do bolsonarismo, não agradou ao núcleo familiar.
Carlos Bolsonaro postou no Twitter uma matéria de 2017 (sem citar a data), em que o ministro do STF Luiz Fux diz que Maia “dá as costas ao povo”, deixando de pautar as “dez medidas contra a corrupção”.
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