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segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Monstros e Humanos - Antônio Prata

 
Às vezes me pego pensando se o fato de sermos humanos nos exime de nossos erros, afinal, dizem por aí que "errar é humano". Mas e quando o erro não afeta apenas você? E o que dizer dos erros que tiram vidas, esperanças? Dos erros que machucam e matam? Dos erros que magoam e ferem?

Essa crônica do Antonio Prata é antiga, mas ainda consegue refletir os nosso dias, pois ainda continuamos nos comportando como humanos, tanto com as características boas quanto com as ruins...
 
Monstros e Humanos

Quando uma pessoa é muito boazinha, honesta e prestativa, costuma-se dizer que ela é muito humana. É verdade, essa belas características são exclusividade da nossa espécie e nos distinguem dos outros animais. As araras não fazem caridade, as onças não dão carona a tartarugas atrasadas e, até onde eu saiba, as girafas não emprestam seus longos pescoços aos macacos interessados em pegar as frutas dos galhos mais altos das árvores.

O problema é que a capacidade de fazer o bem sem esperar nada em troca é apenas um dos traços da espécie humana: matar por motivo fútil, destruir o mundo para ganhar dinheiro e passar rasteira no corredor da escola também são. Por isso, quando dizemos que alguém é muito humano, estamos mentindo, ou melhor, omitindo o lado obscuro da humanidade. Afinal, se são próprias da humanidade coisas tão opostas como a poesia e a guerra, o beijo e o tapa, o cafuné e a tortura, dizer que alguém é muito humano deveria significar que esse alguém é capaz de todas essas coisas, do melhor ao pior que nós somos capazes de fazer.

Quando associamos à humanidade apenas seu lado cor-de-rosa e varremos para baixo do tapete tudo o que é feio em nossa condição, acabamos desumanizando tudo o que não assumimos, chamando os criminosos de monstros, inumanos, e isso causa dois grandes problemas. Primeiro: os monstros, como toda criança sabe, devem ser mortos sem dó nem piedade. Chamando os bandidos de monstros, aceitamos que se faça com eles aquilo que eles fizeram com suas vítimas - até matá-los. Segundo: ao identificarmos com os monstros aqueles que cometem atos que a maioria de nós considera horrorosos, deixamos de reconhecer em nós mesmos aquelas características que nos fariam capazes, em determinadas condições, de cometer os mesmos atos. Sim, cara leitora: você poderia roubar ou matar dependendo das condições.

Calma, não estou justificando essas lamentáveis ações, não estou dizendo que tudo bem, muito pelo contrário. É o reconhecimento dessa possibilidade que faz com que você, que opta por outro caminho (o diálogo em vez da violência, o trabalho em vez da corrupção), possa se orgulhar de sua atitude. E é o reconhecimento de que o outro, o cara que matou, assaltou ou fez sei lá o quê, é um ser humano como você, que poderia não ter feito nada disso, que te permite condenar seus atos. Afinal, não há nada estranho quando os monstros saem por aí fazendo o mal. Quando os humanos fazem, sim, temos que parar para pensar: o que está errado? O que fez com que um ser humano, como eu, possa ter cometido atos tão horrendos? É nisso que venho pensando há algumas semanas, vendo nos jornais as histórias da mulher que roubou uma criança dos braços da mãe, na maternidade, e da garota, que com a ajuda do namorado, matou os próprios pais. É nisso que penso também quando vejo a escalada da violência no Oriente Médio e nas cidades brasileiras. Como é que pode essa mesma espécie produzir poesia e assassinato, música e guerra, tanta beleza e tanta dor? Estive pensando e acho que vou continuar pensando por mais muito, muito tempo.


REFERÊNCIA: PRATA, Antonio. Adulterado. São Paulo: Moderna, 2009 p. 34-36 
 

Espetacularização da tragédia

Insensibilidade, falta de respeito, em prol da produção de notícias, ibope... 

sábado, 26 de janeiro de 2013

Neoconservadorismo religioso: fé, dinheiro e comunicação de massa

Há algo de novo por trás dos azarões

Os candidatos que surpreenderam por suas intenções de voto em algumas cidades do país podem não ser apenas “azarões”. Talvez sejam a face mais evidente de um fenômeno político que junta fé, dinheiro e comunicação de massa.

Os casos mais gritantes têm sido, até o momento, Celso Russomano, em São Paulo, e Ratinho Jr., em Curitiba. Mas eles não são os únicos. Ao contrário, expressam uma fórmula que tem feito sucesso. Não é um fenômeno que tende a tomar conta da política brasileira. Não representa um setor social majoritário. Não se vincula a um rígido padrão de classe. Mas se trata de uma maneira de se fazer política que tem ganhado corpo paulatinamente.

Uma legião de candidatos a prefeito, vice-prefeito e vereador será eleita fazendo uso dessa receita. Estarão alinhados aos que já têm assento federal. Segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP, 2011), a bancada evangélica eleita em 2010 mais que dobrou em relação à de 2006, passando de 36 integrantes para 73 parlamentares.

A fórmula garante sucesso pessoal, financeiro e político. É um meio de vida que tem na política um de seus braços; na comunicação, sua voz; na religião, sua plataforma.

Embora retrógrado em vários sentidos, o neoconservadorismo religioso é um fenômeno de novo tipo. Por sua relação umbilical com a religião e a comunicação de massa, não se equipara a qualquer espécie anterior de populismo. O neoconservadorismo também é uma novidade em relação ao velho conservadorismo elitista, golpista e liberal. Aquele conservadorismo da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, de 1964, e que fez da Teologia da Libertação seu principal inimigo, nos anos 1970 e 1980, colhe agora o fruto do que plantou: o maior retrocesso do catolicismo em todos os tempos, seu afastamento entre os mais pobres, sua dificuldade em modernizar-se.

Segundo os dados do Censo de 2010, os evangélicos foram o segmento religioso que mais cresceu no Brasil nos últimos 10 anos. Saltaram de 15,4% da população para 22,2%. Passaram de 26,2 milhões para 42,3 milhões de brasileiros. Em 1980, esse percentual era de apenas 6,6%. (IBGE, 2010)

Os católicos, que em 2010 ostentaram um poderoso número de 64,6% da população, coincidentemente têm seu menor percentual no Rio de Janeiro (45,8%), estado onde o conservadorismo ortodoxo e o combate à Teologia da Libertação tinha sua organização mais consistente e sua liderança mais expressiva, Dom Eugênio Sales, arcebismo do Rio por 30 anos.

Não é na chamada “nova” classe média que o segmento evangélico mais cresce. É entre mais pobres. Mais de 60% dos pentecostais recebem até 1 salário mínimo. A segunda maior proporção está entre os sem religião (59,2% deles são pobres). Os católicos têm apenas a terceira maior proporção nessa faixa de renda (55,8% ).

O neoconservadorismo gosta de Estado, de políticas sociais, da promoção da igualdade. Talvez por razões cristãs, mas também porque se beneficiam dos tempos de bonança. Podem obter retribuição crescente dos fiéis que se julgam recompensados por alcançarem uma graça (emprego, pagamento de dívidas, aumento de salário, um tratamento médico).

Demagogos modernos

As características socioeconômicas ajudam a entender, mas são insuficientes para explicar o fenômeno por completo. Elas precisam ser vistas à luz da montagem de uma poderosa máquina política a serviço do neoconservadorismo religioso. Os nomes lançados à disputa municipal não foram escolhidos por sua posição na hierarquia religiosa. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral, apenas 765 candidatos se declararam "sacerdote ou membro de ordem ou seita religiosa", sendo apenas 37 os candidatos a prefeito (apenas 0,24% do total), 39 vice-prefeitos (0,26%) e 689 (0,16%) os candidatos a vereador nessa condição, incluindo todas as denominações religiosas. (TSE, 2012)

A relação dos candidatos com suas igrejas é certamente um senhor reforço, na medida em que estão colados aos pastores que fazem sua pregação eleitoral de forma ostensiva, no púlpito e com o dinheiro dos fiéis, e a siglas partidárias patrocinadas por tais igrejas. Mas, para que os candidatos sejam competitivos, precisam de algo mais. Esse algo mais atende pelo nome de comunicação de massa.

Em um sistema eleitoral no qual as campanhas são muito curtas, o eleitor é cego diante de muitos candidatos, e o comunicador reina. O maior problema de um candidato é se tornar conhecido. O segundo é evitar ser rejeitado (conhecido negativamente).

O comunicador tem um horário eleitoral gratuito todo santo dia à sua disposição, conquistado, é bem verdade, por dotes pessoais. Ele deve ter talento na arte de atrair a atenção, de mobilizar paixões e ódios, de mexer com o sentimento das pessoas. Quando isso envolve pregação religiosa, a fidelidade tem tudo para ser bastante forte. O suficiente para aguentar três meses de campanha sob fogo cruzado.

O neoconservadorismo religioso pode ser uma novidade também por colher os frutos de um processo plantado desde 1997, quando se abriu espaço para uma nova leva de emissoras de rádio e TV e à renovação de antigas concessões. Em muitos casos, elas mudaram de dono e foram parar nas mãos de organizações religiosas, a ponto de se ter formado uma grande rede nacional de emissoras diretamente associada a uma dessas igrejas. Além disso, se tornou prática costumeira o aluguel de tempo de TV para programas de pregação religiosa. Algo aconteceu naquela época que transformou os evangélicos em uma força de grande peso midiático, antes mesmo de se tornarem uma força política e social de maior expressão.

Max Weber, no seu famoso texto em que distinguia os políticos que viviam para a política daqueles que viviam da política, chamava a atenção para o fato de que o jornalista havia se tornado o grande demagogo moderno. Tomava a expressão em seu sentido clássico, ou seja, referindo-se a quem tinha o talento especial de ser um mestre na arte de convencer o público a tomar partido, a se decidir a favor ou contra uma opção.

A velha mídia tem feito um convite diário à demagogia por meio da esculhambação do entendimento sobre a política. A disseminação da descrença nas instituições faz grassar o moralismo rasteiro e a fé ritualística que disputa o lugar do debate sobre propostas. O neoconservadorismo agradece. Mesmo seus representantes mais toscos têm muito mais a dizer do que os candidatos engomados e da predileção indiscreta da mídia mais tradicional.


*Antonio Lassance é cientista político e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). As opiniões expressas neste artigo não refletem necessariamente opiniões do Instituto.

Marilena Chauí: "Qualquer coisa que se possa dizer sobre a mídia brasileira será obscena"




A filósofa e professora da USP, Marilena Chauí, fez uma análise da atuação da imprensa no Brasil. "O que eu acho da mídia brasileira está abaixo de qualquer possibilidade de declaração em público", destacou.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

MST Comemora 29 Anos de Luta Pela Igualdade de Acesso à Terra

O Brasil vivia uma conjuntura de duras lutas pela abertura política, pelo fim da ditadura e de mobilizações operárias nas cidades. Como parte desse contexto, entre 20 e 22 de janeiro de 1984, foi realizado o 1º Encontro Nacional dos Sem Terra, em Cascavel, no Paraná. Ou seja, o Movimento não tem um dia de fundação, mas essa reunião marca o ponto de partida da sua construção.

A atividade reuniu 80 trabalhadores rurais que ajudavam a organizar ocupações de terra em 12 estados: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo, Bahia, Pará, Goiás, Rondônia, Acre e Roraima, além de representantes da Abra (Associação Brasileira de Reforma Agrária), da CUT (Central Única dos Trabalhadores), do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) e da Pastoral Operária de São Paulo.

Os participantes concluíram que a ocupação de terra era uma ferramenta fundamental e legítima das trabalhadoras e trabalhadores rurais em luta pela democratização da terra. A partir desse encontro, os trabalhadores rurais saíram com a tarefa de construir um movimento orgânico, a nível nacional. Os objetivos foram definidos: a luta pela terra, a luta pela Reforma Agrária e um novo modelo agrícola, e a luta por transformações na estrutura da sociedade brasileira e um projeto de desenvolvimento nacional com justiça social.

Em 1985, em meio ao clima da campanha "Diretas Já", o MST realizou seu 1º Congresso Nacional, em Curitiba, no Paraná, cuja palavra de ordem era: "Ocupação é a única solução". Neste mesmo ano, o governo de José Sarney aprovou o Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), que tinha por objetivo dar aplicação rápida ao Estatuto da Terra e viabilizar a Reforma Agrária até o fim do mandato do presidente, assentando 1,4 milhão de famílias.

A proposta de Reforma Agrária ficou apenas no papel. O governo Sarney, pressionado pelos interesses do latifúndio, ao final de um mandato de cinco anos, assentou menos de 90 mil famílias sem-terra. Ou seja, apenas 6% das metas estabelecidas no PNRA foi cumprida por aquele governo. Com a articulação para a Assembléia Constituinte, os ruralistas se organizam na criação da União Democrática Ruralista (UDR) e atuam em três frentes: o braço armado - incentivando a violência no campo -, a bancada ruralista no parlamento e a mídia como aliada.

Embora os ruralistas tenham imposto emendas na Constituição de 1988, que significaram um retrocesso em relação ao Estatuto da Terra, os movimentos sociais tiveram uma importante conquista. Os artigos 184 e 186 fazem referência à função social da terra e determinam que, quando ela for violada, a terra seja desapropriada para fins de Reforma Agrária. Esse foi também um período em que o MST reafirmou sua autonomia, definiu seus símbolos, bandeira e hino. Assim, foram se estruturando os diversos setores dentro do Movimento.
 

Parabéns São Paulo pelos seus 459 de encantos e contrastes

Hoje a maior metropólis do país, e uma das moiores do mundo, aquela que escolhi a duas décadas para viver comemora 459 anos. Uma cidade que acolhe milhões de pessoas de todas as  partes do mundo, na esperança de dias melhores. Essa música reflete bem o cotidiano e encanta os apaixonados por essa fantástica cidade.




quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Orientação racista na PM-SP provoca indignação de grupo de Direitos Humanos

Um documento com teor racista, assinado pelo capitão da Polícia Militar de São Paulo Ubiratan de Carvalho Góes Beneducci, veio à tona nesta quarta-feira 23 e gerou revolta de organizações de Direitos Humanos e de igualdade racial. O documento, divulgado pelo jornal Diário de São Paulo, orienta policias que trabalham no bairro Taquaral, região nobre de Campinas, a abordarem com rigor pessoas “em atitude suspeita, especialmente indivíduos de cor parda e negra”. Segundo o jornal, a determinação é adotada por policiais desde o dia 21 de dezembro do ano passado e é direcionada principalmente para jovens entre 18 e 25 anos, que estejam em grupos de três a cinco pessoas e tenham a pele escura.

Em carta, o diretor presidente da Educafro, frei David, pediu esclarecimentos sobre o caso para o governador do estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, e ao secretário de Segurança Pública, Fernando Grella. “Nos assusta saber que ainda ocorrem casos de racismo dentro da polícia”, disse o frei David a CartaCapital.

Às 11 horas desta quarta-feira 23, o secretário-adjunto de Segurança Pública, Antonio Carlos Ponte, se reuniu com frei David para assegurar a apuração da denúncia e a convocação do Comando-Geral da PM para explicar se a orientação também é dada a outros comandos e batalhões.

Motivada pelo caso, a Educafro solicitou, durante a reunião, a divulgação dos dados étnicos das vítimas de abordagens policiais registradas como “resistência seguida de morte”. O pedido foi baseado na Lei da Transparência. O secretário-adjunto se comprometeu, segundo o diretor da Educafro, a apresentar os dados até o dia 15 de fevereiro.

Em relação a Campinas, a carta requisita os dados estatísticos sobre as abordagens com e sem mortes realizadas pelo Batalhão de Campinas, com o intuito de verificar se há, de fato, uma tradição racista dentro da unidade.

Resposta da Polícia Militar

O Comando da PM nega teor racista do documento e explica que a ordem do oficial foi motivada por uma carta de dois moradores do bairro, na qual eles descreviam os criminosos “com a cor da pele negra”.

Procurada pela reportagem, a assessoria da Polícia Militar disse que o documento apenas reproduziu as características presentes na carta dos moradores. “Houve uma falta de atenção na escrita do documento, mas isso não é um caso de preconceito”, explica o capitão Araújo, da assessoria de imprensa da PM. “O próprio capitão Beneducci é pardo e quis, no documento, apenas expor as características físicas dos suspeitos”, completa.

Leia a íntegra da carta, redigida por frei David, abaixo:
Para: Governador Dr. Geraldo Alckmin
Cc para: SSP Dr. Fernando Grella

Acreditamos que neste novo Brasil que estamos construindo, que deseja ser modelo civilizatório para o mundo, especialmente a partir da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016, nenhum governante opta por ser racista ou desumano haja vista a responsabilidade da garantia assegurada pelos Direitos Humanos, tão atual no reconhecimento dos crimes praticados quando da Ditadura no Brasil. A própria ONU mostra-se preocupada com a violência de vários países entre eles, o Brasil e decretou a década do Afrodescendente que vai de 2013 a 2023. No entanto, em vários setores da sociedade, especialmente órgãos públicos, vários fatos concretos deixam-nos preocupados, como por ex: cobramos do governo do Estado, na ocasião das primeiras ocorrências e até hoje o governo estadual não revelou quanto por cento das mortes pelos ataques do (PCC e da Polícia) foram de indivíduos negros.

Apesar dos protestos de boa parte da sociedade, poucas providências foram e são aplicadas para reeducar os funcionários públicos da segurança e de outros setores, autores isolados de atos discriminatórios ou vítimas do “Consciente Coletivo” que perpassa ao longo da história grande parte da corporação policial e da sociedade. O “embranquecimento” ocorre para nossa tristeza e decepção na formação de nossos policiais que inconscientemente passam a não se verem como negros e aplicam na abordagem as ordens lhes passadas ao abordarem o negro como ele. Esta falta de formação gera e faz perpetuar a “abordagem RACISTA de pressupor que o negro até que se prove em contrário é considerado um bandido, marginal!”

O novo fato, muito preocupante, refere-se à Ordem de Serviço nº 8 – BPMI – 822/20/12 da região de Campinas emitida pelo Capitão Ubiratan Beneducci, que segue anexo.

A ordem leva-nos a entender que se os policiais cruzarem de carro ou a pé, com um grupo de 3 a 5 brancos entre 18 e 25 anos, não desconfiem deles. Se forem pardos ou negros, abordem-nos imediatamente! Queremos que a Polícia se liberte da imagem do cidadão/ã Negro/a como sendo bandido/a. Quase 100% dos políticos processados e daqueles que aplicam Grandes Golpes financeiros contra a nação são indivíduos brancos. Para estes sim, a polícia deveria emitir alertas urgentes! Para nossa tristeza, neste caso são considerados inocentes até que se prove o contrário. A inversão de valores está no conceito de que são “autoridades” e não moram na periferia ou favelas.

Compreendemos que esta orientação e determinação não é governamental, mas este mesmo governo ao qual apelamos através deste ofício, pode combater com determinação e direito esta medida aplicada por este servidor policial, mal formado e não preparado para suas funções de comando.

Ao final, baseado na lei de transparência nº 12.527 de 18/11/2011, solicitamos ao governador Alckmin:

1) Que nos apresente os dados étnicos das vítimas de abordagens policiais, registradas como “resistência seguida de morte”, e quantos por cento são cidadãos/ãs brancos/as, indiodescendentes, negros/as ou orientais.
2) Apresente-nos o perfil étnico das vítimas dos ataques do PCC e da Polícia do ano de 2006 quando dos primeiros ataques.
3) Apresente-nos os dados estatísticos daquele batalhão de Campinas sobre abordagens (sem e com mortes), bem como, a percentagem de moradores negros e brancos da área desse batalhão.
4) Apresente-nos os dados estatísticos dos assassinatos de negros e brancos, no estado de São Paulo nos últimos 12 meses (janeiro de 2011 a janeiro de 2012), com perfil étnico, idade e classe econômica.
 
Sem mais, confiando em um retorno de nossas solicitações o mais breve possível,
 
Com a saudação franciscana de Paz e Bem!
Frei David Santos
 
Fonte:Marcelo Pellegrini - Carta Capital

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

A internação compulsória de Alckmin

Por Altamiro Borges


Entrou em vigor nesta segunda-feira (21) o programa de internação compulsória de viciados em drogas do governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP). Após o fiasco da desocupação da Cracolândia, no centro da capital, e do aumento da violência no estado, o tucano decidiu endurecer ainda mais na repressão. A medida demagógica e truculenta visa conter a acentuada queda de popularidade do tucano. Mas ela já ocasiona os primeiros protestos das entidades de defesa dos direitos humanos e dos movimentos sociais.


Para o padre Julio Lancellotti, ativo defensor dos direitos dos moradores de rua, a iniciativa do governo é desastrosa. “A internação compulsória deveria ser considerada o último recurso. É a exceção e não pode virar regra”. No mesmo rumo, Nina Laurindo, do Fórum Permanente de Políticas Públicas para População de Rua e do Núcleo de Direitos Humanos dos Moradores de Rua, considera a medida fascistóide. “Não existe infraestrutura adequada nas casas de recuperação e você não pode segregar a pessoa”.

O novo prefeito da capital paulista, Fernando Haddad, também já manifestou a sua discordância. “Sem consentimento da família nem autorização judicial já me manifestei contrário, porque acho que estaríamos ferindo direitos fundamentais”, afirmou na posse do seu secretário de Direitos Humanos, Rogério Sotilli. Este, por sua vez, foi ainda mais incisivo nas críticas. “Sou contra o uso da força. E a internação compulsória é uso da força. É preciso construir outros caminhos para que essas pessoas saiam do crack”.

Uma crítica bem fundamentada ao projeto de Geraldo Alckmin foi publicada hoje na coluna de debate da Folha por Marcos Valdir Silva, vice-presidente do Conselho Regional de Serviço Social de São Paulo. Reproduzo o texto na íntegra:
Há um ano, o governo do Estado de São Paulo iniciou operações na região da capital conhecida como cracolândia para reduzir o número de usuários de crack que circulam diariamente no local. As medidas resultaram basicamente no deslocamento dos usuários, que se espalharam pelas imediações, ocupando ruas dos Campos Elíseos, de Santa Cecília e do Bom Retiro.

No início de 2013, o governador Geraldo Alckmin anuncia sua medida extrema: a internação involuntária e compulsória de dependentes químicos que se drogam nas ruas da capital.

Higienização é a forma mais clara e objetiva de denominar tal medida. O Estado "despoluirá" o centro, realizando a internação, sem garantir de fato um atendimento digno dentro dos preceitos do SUS. Para tal, seria necessário ter locais adequados, com técnicos munidos de infraestrutura e médicos preparados.

Também seria preciso conversar com o usuário, para que se entenda o seu caminho com o uso da substância, devendo construir um plano de trabalho dele juntamente com a família e a sociedade.

Não é possível aceitar a internação involuntária ou compulsória como a principal estratégia para o enfrentamento do uso de drogas nas ruas da capital.

A política pública do Estado não pode retroceder ao confinamento, como forma de "tratamento", após décadas da reforma psiquiátrica e luta antimanicomial conquistada pelos movimentos sociais brasileiros e ainda em consolidação. O Conselho Regional de Serviço Social de São Paulo (Cress-SP) se posiciona totalmente contrário à medida, salvacionista, preconceituosa e criminalizadora, que avilta os direitos humanos.

Hoje deverá ser iniciada a ação que internará à força usuários, sem que antes tenham sido feitos investimentos públicos em propostas de atenção básica à saúde, assistência social, opções de geração de renda e moradia para essa população em risco social, principalmente ações concretamente voltadas aos dependentes químicos.

A mesma "vontade política" do governo do Estado para a proposta de internação, prisões e intervenções militares nessa expressão da questão social deveria estar presente em serviços públicos na área da assistência social e na saúde coletiva no centro da cidade de São Paulo.

Aliás, quem são os especialistas nessa área que estão "assessorando" o governo? Será então essa "a" resposta pública que juízes, Ministério Público e médicos têm a propor?

Teremos que reconstruir instituições e manicômios para engrossar as novas modalidades de aprisionamento em São Paulo. Parece ser a solução mais prática e fácil e não a mais humana, social e garantidora de direitos e serviços de qualidade.

A questão vem sendo analisada em uma perspectiva moralista e conservadora. Efetivar ações que atendam a essas demandas exige a implementação de várias políticas públicas intersetoriais, que atuem em uma rede de atenção integral.

Não foram realizadas discussões sobre a medida. ONGs, profissionais da área e dos serviços municipais e estaduais e demais organizações não debateram a saúde dos usuários envolvidos. O processo não está sendo democrático.

Diante desse cenário, destaca-se a necessidade da ampliação do debate sobre o uso de drogas na realidade brasileira, na sua relação com a desigualdade social, reforçando a luta em defesa aos direitos humanos. A condição dos usuários de drogas não retira dessas pessoas o direito à autonomia e a uma vida plena de realizações.

sábado, 19 de janeiro de 2013

“Não podemos aceitar, sem indignação, tanta desigualdade social como há no Brasil”


Em entrevista, Frei Betto fala sobre Igreja, comunicação, as lutas e desafios do continente


Joana Tavares,

Portal Minas Livre

Quem diz isso é Frei Betto, escritor, teólogo, educador, escolhido por um júri internacional para receber o prêmio José Martí de 2013, concedido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). “Frei Betto foi escolhido por sua oposição a todas as formas de discriminação, injustiça e exclusão e por sua promoção da cultura de paz e dos direitos humanos”, explicou a organização. O prêmio será entregue no dia 30 de janeiro, em Havana, na Terceira Conferência Internacional pelo Equilíbrio Mundial, que marca o 160° aniversário do combatente da independência cubana e poeta da libertação latino-americana, José Martí.

Nesta entrevista ao Portal Minas Livre, Frei Betto, autor de mais 50 livros de diversos temas, mineiro de Belo Horizonte, fala sobre Igreja, comunicação, as lutas e desafios do continente.

Portal Minas Livre: Qual a importância de um prêmio como o da Unesco, que resgata o pensamento de José Martí e valoriza pessoas que seguem seu legado? Como é para o senhor recebê-lo neste ano?
Frei Betto: O mérito é de todos que lutamos por justiça, paz e direitos humanos na América Latina. Sou apenas um pequeno grão de imensa praia que converge rumo ao futuro melhor de nosso continente.

O senhor conheceu de perto diversas experiências de construção do socialismo, e atuou ativamente em um momento de ascenso da luta popular. Qual perspectiva o senhor vê hoje para retomar essa mobilização engajada? Há no horizonte da América Latina a possibilidade do socialismo?
O horizonte de toda pessoa generosa e altruísta tem que ser o de uma humanidade constituída em uma só família, sem preconceitos e discriminações, sem desigualdade e injustiças. Se isso vai chamar socialismo ou outro ismo, não me importa. Importa que não podemos aceitar, sem indignação, tanta desigualdade social como há no Brasil e no mundo. O engajamento dos jovens nesse processo é fundamental. Não conheço nenhum revolucionário que tenha iniciado sua luta após os 30 anos. E estou convencido: quando mais utopia, menos drogas; quanto menos utopia, mais drogas. O que não dá é viver sem sonhos...

Como intelectual, assessor e militante, na sua opinião quais seriam as principais lutas que as forças progressistas desse país deveriam centrar seus esforços e se unir em torno delas?

A principal é a reforma agrária. Seguida da educação e da saúde. O Brasil não terá futuro sem mexer na sua estrutura fundiária e sem promover uma verdadeira revolução na educação e na saúde.

A partir de sua experiência no primeiro governo Lula e de suas observações desde então, como o senhor vê o recente estudo da Cebrap que conclui que houve redução na miséria no Brasil, mas ainda somos um dos países mais desiguais do mundo?
É um fato. É a chamada Belíndia - o Brasil é um misto de Bélgica e Índia. Sem educação e melhor qualificação de nossa mão de obra não conseguiremos reduzir essa desigualdade gritante.

O senhor é articulista de alguns jornais da imprensa comercial, mantendo uma postura crítica nesses espaços. Como vê hoje a atuação da mídia na construção de um projeto de sociedade? Qual o papel da imprensa popular nessa disputa?

A imprensa popular tem que criar e alargar seu nicho, sem querer disputar com os grandes meios. E todos nós devemos pressionar o governo para que concessões de rádio e TV também sejam dadas a movimentos sociais, sindicatos, ONGs etc e não aos mesmos caciques de sempre.

Como o senhor vê a postura da Igreja hoje em relação aos problemas fundamentais do Brasil e da América Latina? A Igreja é mais reacionária hoje do que era há 30 anos?


Há uma vaticanização da Igreja Católica no Brasil, no refluxo em sua atuação social. Infelizmente ela deixou de ser a voz dos que não têm, voz nem vez. No entanto, as comunidades eclesiais de base, as pastorais populares e a teologia da libertação continuam ativas.

Houve uma dificuldade de aceitação da Igreja com a revolução cubana e com Fidel Castro. Na ocasião, seu livro “Fidel e a religião” alcançou grande repercussão em Cuba, no Brasil e no mundo, e contribuiu para esse diálogo. Estamos enxergando nesse momento um confronto parecido na Venezuela. Como vê esse conflito? Já pensou em contribuir com o processo venezuelano com alguma iniciativa parecida?

Estive em Caracas em 2011 e mantive bom diálogo com Chávez. Todo processo revolucionário produz choques com as forças reacionárias, e a Igreja Católica na América hispânica não tem a tradição progressista da Igreja no Brasil.

Como o senhor vê o projeto da direita neoliberal na América Latina hoje? Eles estão perdendo poder ou podem retomar pela via eleitoral ou golpes a controlar grande parte dos Estados?

Há que ficar atento. O imperialismo não dorme no ponto. Vide Honduras e Paraguai. No entanto, as forças progressistas avançam na América Latina e no Caribe, graças a Deus!

Como o senhor vê a pretensão de Aécio Neves ser candidato à presidência em 2014 e o que uma eventual vitória dele pode representar?

Ninguém tira da Dilma a vitória na eleição de 2014.

O senhor recentemente lançou um livro que passa pela história de Minas. Quais as marcas dessa história na nossa realidade atual?

Lancei o romance "Minas do ouro" (Ed. Rocco), no qual descrevo cinco séculos da história de Minas Gerais - do 16 ao 20 - através da saga da família Arienim. Levei 13 anos pesquisando a história de Minas e trabalhando no texto. As marcas atuais dessa história despontam na capacidade de indignação do mineiro frente às injustiças e em sua capacidade criatividade, tanto na política quanto nas artes.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Espaço - Paulo Freire


Espaço - Alcione


A ministra da Cultura Marta Suplicy respondeu ao preconceito elitista da mídia golpista



"A gente não quer só comida"


por Marta Suplicy*


A Folha publicou editorial ("Vale-populismo" ) crítico do Vale-Cultura (VC). Chama de "populismo" e promoção pessoal e eleitoreira projeto de lei que buscava aprovação desde 2009. Com a regulamentação do VC, empresas poderão passar R$ 50 a seus funcionários que recebam prioritariamente até cinco salários mínimos (R$ 3.390) para gastarem em cultura.

O Brasil nos últimos anos, com Lula e agora Dilma, tem dado passos gigantescos para acabar com a miséria. Não preciso citar os números dos que hoje comem nem dos que hoje entraram na classe média. O Bolsa Família, trucidado pela oposição, hoje é comprovadamente um instrumento de erradicação da pobreza.

O Vale-Cultura pode, sim, ser o "alimento da alma". Por que não? Pela primeira vez o trabalhador terá um dinheiro que poderá gastar no consumo cultural: sejam livros, cinema, DVDs, teatro, museus, shows, revistas...

Lembro que, quando fizemos os CEUs (Centro Educacional Unificado), na pesquisa (2004) realizada no primeiro deles, na zona leste, 100% dos entrevistados nunca tinham entrado num teatro e 86%, num cinema. Quando Denise Stoklos fez seu espetáculo de mímica, a plateia se remexia inquieta até entender a linguagem e não se ouvir uma mosca no teatro, fascinado.

Fomento ao teatro, aquisição de conhecimento e bagagem cultural! Não foi à toa que Fernanda Montenegro ficou pasma com a plateia dos CEUs. Essas pessoas, se tiverem criado gosto, finalmente poderão usufruir e escolher mais do que hoje podem. E os que não têm CEU têm televisão e conhecem o que é oferecido para determinado público. Sabem também o que aparece no bairro. E sabem que não podem ir.

Existe toda uma multidão de brasileiros (17 milhões) que hoje ganha até cinco salários mínimos (R$ 3.390) que potencialmente poderão, além de comer, alimentar o espírito. Este é um projeto de lei que toca duas pontas: o cidadão que vai consumir e o produtor cultural que terá mais público para sua oferta.

Quando chegarmos nesse potencial, serão R$ 7 bilhões injetados na cultura. Nossa previsão é atingir R$ 500 milhões neste ano.

Em 2008, o Ibope realizou pesquisa sobre indicadores de cultura no Brasil e mostrou que a grande maioria da população está alijada do consumo dos produtos culturais: 87% não frequentavam cinemas, 92% nunca foram a um museu; 90% dos municípios do país não tinham sala de cinema e 78% nunca assistiram a um espetáculo de dança.

Segundo a Folha, estaremos incentivando blockbusters e livros de autoajuda. Visão elitista. Cada um tem direito de consumir o que lhe agrada. Não esqueço quando, visitando um telecentro, fiquei indignada que a maioria dos jovens estava nos chats de um reality show. Fui advertida pela gestora: "Esse é um instrumento que eles estão aprendendo a usar. Depois, poderão voar para outros interesses. Ou não".

Não custa lembrar que a fome pelo acesso à cultura é enorme, o que ficou evidente nas filas quilométricas na mostra sobre impressionistas quando apresentada gratuitamente pelo Banco do Brasil.

O que a Folha também menosprezou é a enorme alavanca que o VC pode representar e desencadear na economia. A cadeia produtiva da cultura é o investimento de maior rentabilidade a curto prazo. Para uma peça de teatro, você vai desde os artistas, ao carpinteiro, cenógrafo, vestuário, iluminador...

Quanto ao recurso ir para formação e atividades de menor sustentação comercial, citadas como prioritários pela Folha, os editais do ministério, os Pontos de Cultura, têm exatamente essa preocupação, assim como os CEUs das Artes e Esporte que são, no momento, 124 em construção no país.


"A gente quer comida, diversão e arte." (Titãs)


*MARTA SUPLICY, 67, é ministra da Cultura. Foi prefeita de São Paulo (2001-2004), ministra do Turismo (2007-2008) e senadora (2011-2012)

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

"O MST é um movimento social que procura organizar os pobres do campo para que eles lutem por um direito que está na constituição: o direito que os pobres têm de trabalhar na terra": João Pedro Stédile no "Provocações"


Plim, plim!!!!: Exemplo de manipulação da informação

Exemplo de manipulação da informação



Mário Augusto Jakobskind - Direto da Redação

O Globo está cada vez mais extremado em matéria de pensamento único. Continua inconformado com a decisão da Suprema Corte de Justiça da Venezuela confirmando que o Presidente Hugo Chávez não precisava tomar posse necessariamente no último dia 10. Mas é impressionante, o jornal da família Marinho a cada dia se supera em matéria de jornalismo ideologizado.

Para se ter uma ideia a que ponto chegaram os editores, na quinta-feira (10), página 28, apareceu uma foto de uma mulher cozinhando e a legenda dizia o seguinte: “Desabastecimento. Uma mulher cozinha sob a vigilância de um poster de Chávez - população já enfrenta problemas de escassez de produtos alimentícios na Venezuela”.

Seria uma legenda digna de humor ao estilo de O Pasquim se o texto não fosse criado de forma realmente séria. O sério virou ridículo.

O Globo, claro, como impresso, tem o direito de fazer o que quiser, até mesmo em matéria de jornalismo de baixa qualidade, como tem demonstrado em suas edições diárias. Mas o que não pode ser aceito é transferir a manipulação da informação para os canais de televisão controlados pela família Marinho. 
E colocar, por exemplo, Arnaldo Jabor dando o recado do Instituto Millenium, para criticar de forma ignorante o Presidente Hugo Chávez, com o claro objetivo de demonnizá-lo.

Televisão é uma concessão pública e não pode ser utilizada pelos proprietários para o esquema de lavagem cerebral, como acontece também diariamente nos informativos das emissoras da família Marinho.

O desespero das Organizações Globo em relação ao que acontece na Venezuela chega as raias do absurdo. Convocam os colunistas de sempre, que seguem a pauta do Departamento de Estado e do Instituto Millenium. Qualquer crítica ao que acontece em matéria de manipulação da informação é geralmente respondida, quando respondida, como restritiva à liberdade de imprensa e de expressão.

As Organizações Globo convocaram também figuras do espectro ideológico do grupo, como Ives Gandra e Ophir Cavalcanti, presidente da OAB, para criticar a decisão da Justiça da Venezuela.

E o governo de Dilma Rousseff também não foi poupado por sua posição admitindo que a Venezuela adotou uma solução democrática na questão da posse de Chávez.

Como se todo esse exemplo de jornalismo absolutamente parcial não bastasse, as Organizações Globo até anteciparam a morte do Presidente Hugo Chávez. Torcem visivelmente para que isso aconteça. E aí se perdem também, pois se Chávez incomoda vivo, morto vai ser incomodar ainda mais a direita carcomida.

Mas detrás de tudo isso se esconde o fato de as Organizações Globo, o Departamento de Estado, os colunistas de sempre, regiamente pagos, e as oligarquias latino-americanas temerem um fato real, qual seja, o caráter irreversível da Revolução Bolivariana. Eis aí a causa principal do comportamento aético das Organizações Globo, ou seja, o temor que mesmo se Chávez não puder completar o novo mandato designado pelo povo, a Revolução Bolivariana continuará. Não tem mais volta.

A direita venezuelana, que continua jogando todas as suas cartas em Enrique Capriles, perde eleição e quer aproveitar a atual situação para ver se consegue reverter o fato histórico do novo tempo que representou a ascensão de Hugo Chávez.

E, como prova ainda da maior parcialidade das Organizações Globo, em um dos editoriais desesperadores, o jornal tenta comparar os acontecimentos atuais na Venezuela com um episódio ocorrido na vigência da ditadura no Brasil, quando o vice Pedro Aleixo foi impedido pelos militares de assumir no lugar do general de plantão Costa e Silva. O Globo conta com a falta de memória de parte dos seus leitores e omite o fato de que sempre apoiou a ditadura e, como diria Leonel Brizola, ”engordou na estufa da ditadura”.

Em relação ao que acontece em matéria de manipulação de informação nas emissoras de televisão e rádio das Organizações Globo, mais do que nunca é preciso que o Brasil retome a discussão sobre o controle social da mídia, para que a democracia avance neste país, porque, sem isso, não se pode afirmar que no Brasil a democracia é cem por cento.

Esse debate não pode ser jogado para debaixo do tapete, como querem as poucas famílias que controlam as emissoras de televisão do país.

Nesse sentido, espera-se que a Presidenta Dilma Rousseff siga o exemplo de Cristina Kirchner e aceite enfrentar a questão. Primeiro, a continuidade do debate amplo pela sociedade brasileira, por sinal já iniciado. Depois, um posicionamento do Congresso e, finalmente, vontade política do Executivo para não evitar que haja avanço no setor.

Resta saber o que pensa sobre o tema o Ministro das Comunicações, Paulo Bernardo.

Via:http://mariadapenhaneles.blogspot.com.br/

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Felicidade realista - Martha Medeiros


Felicidade realista
De norte a sul, de leste a oeste, todo mundo quer ser feliz. Não é tarefa das mais fáceis. A princípio, bastaria ter saúde, dinheiro e amor, o que já é um pacote louvável, mas nossos desejos são ainda mais complexos.

Não basta que a gente esteja sem febre: queremos, além de saúde, ser magérrimos, sarados, irresistíveis. Dinheiro? Não basta termos pra pagar o aluguel, a comida e o cinema: queremos a piscina olímpica, a bolsa Loius Vuitton e uma temporada num spa cinco estrelas. E quanto ao amor? Ah, o amor... não basta termos alguém com quem podemos conversar, dividir uma pizza e fazer sexo de vez em quando. Isso é pensar pequeno: queremos AMOR, todinho maiúsculo. Queremos estar visceralmente apaixonados, queremos ser surpreendidos por declarações e presentes inesperados, queremos jantar à luz de velas de segunda a domingo, queremos sexo selvagem e diário, queremos ser felizes assim e não de outro jeito.

É o que dá ver tanta televisão. Simplesmente esquecemos de tentar ser felizes de uma forma mais realista. Por que só podemos ser felizes formando um par, e não como ímpares? Ter um parceiro constante não é sinônimo de felicidade, a não ser que seja a felicidade de estar correspondendo às expectativas da sociedade, mas isto é outro assunto. Você pode ser feliz solteiro, feliz com uns romances ocasionais, feliz com três maridos, feliz sem nenhum. Não existe amor minúsculo, principalmente quando se trata de amor-próprio.

Dinheiro é uma benção. Quem tem, precisa usufruí-lo. Não perder tempo juntando, juntando, juntando. Apenas o suficiente para sentir-se seguro, mas não aprisionado. E se a gente tem pouco, é com este pouco que vai tentar segurar a onda, buscando coisas que saiam de graça, como um pouco de humor, um pouco de fé e um pouco de criatividade.

Ser feliz de uma forma realista é fazer o possível e aceitar o improvável. Fazer exercícios sem almejar passarelas, trabalhar sem almejar o estrelato, amar sem almejar o eterno. Olhe para o relógio: hora de acordar. É importante pensar-se ao extremo, buscar lá dentro o que nos mobiliza, instiga e conduz, mas sem exigir-se desumanamente. A vida não é um game onde só quem testa seus limites é que leva o prêmio. Não sejamos vítimas ingênuas desta tal competitividade. Se a meta está alta demais, reduza-a. Se você não está de acordo com as regras, demita-se. Invente seu próprio jogo.


Referência: MEDEIROS, Martha. Montanha Russa. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2009 p. 54-55

A liberdade de expressão de oligopólios

Por Michelle Amaral

Elaboração de um marco regulatório para os meios de comunicação não avança no Executivo. Entidades consideram a Lei de Meios da Argentina um exemplo a ser seguido pelo governo brasileiro.

O debate sobre a necessidade de de­mocratização da comunicação no Bra­sil tem sido feito há muito tempo. Mo­vimentos sociais, parlamentares e orga­nizações da sociedade civil defendem a criação de um marco regulatório para o mercado midiático brasileiro, para que se amplie o acesso de diferentes vozes aos meios de comunicação em massa.

No final do segundo mandato do ex­presidente Luís Inácio Lula da Silva, em 2009, a esperança pela criação da lei pa­ra o setor foi fortalecida com a realiza­ção da Conferência Nacional de Comu­nicação (Confecom). No encontro, fo­ram levantadas mais de 600 propostas para a democratização da comunicação brasileira, que tratavam desde o fim do monopólio no setor até o fomento à pro­dução independente nacional. Um estu­do para a elaboração da nova legislação chegou a ser encomendado por Lula pa­ra o então ministro das Comunicações, Franklin Martins. No entanto, a discus­são não avançou no Executivo.

Como forma de pressionar o governo federal para a elaboração do marco re­gulatório, diversas entidades lançaram em agosto deste ano a campanha “Para expressar a liberdade, uma nova lei pa­ra um novo tempo”. A campanha, en­cabeçada pelo Fórum Nacional pela De­mocratização da Comunicação (FNDC), alerta para a urgência em se ter uma no­va lei de regulação da mídia. O atual Có­digo Brasileiro das Telecomunicações (CBT), única legislação do setor, com­pletou 50 anos em 2012 e, segundo as organizações sociais, “é de outro tem­po, de outro Brasil”. O ministro das Co­municações, Paulo Bernardo, chegou a anunciar que uma proposta seria apre­sentada em consulta pública ainda neste ano, o que não ocorreu até o momento.

Monopólios

Mesmo sem ter um avanço na elabo­ração da nova legislação, grandes grupos de comunicação e parlamentares a eles ligados acusam que a instituição do mar­co regulatório representaria uma tenta­tiva de cercear a liberdade de imprensa. A reação é decorrente da possibilidade de perderem concessões públicas de uso das radiofrequências e terem o controle do setor comprometido.

De acordo com o estudo Donos da Mí­dia, do FNDC, o Brasil possui 9.477 veí­culos de comunicação, mas quatro gran­des grupos nacionais controlam diferen­tes mídias, criando uma espécie de oli­gopólio no setor da comunicação. A Re-de Globo de Televisão possui 340 veí­culos; o Sistema Brasileiro de Televisão (SBT) tem 195; a Rede Bandeirantes de Televisão, 166; e a Rede Record, 142.

O marco regulatório visa, entre outras coisas, democratizar o acesso a essas concessões públicas, garantindo, assim, a pluralidade de meios e a diversidade de ideias e opiniões a serem difundidas. Es­te é, também, o objetivo da Lei de Servi­ços de Comunicação Audiovisual da Ar­gentina, mais conhecida como Lei de Meios. A lei foi aprovada em 2009, mas ainda não entrou em plena vigência de­vido ao embate travado pelo Grupo Cla­rín, expressão do monopólio midiático no país, contra o governo da presidenta Cristina Kirchner. O Clarín tem conse­guido impedir a aplicação da lei, que de­veria ter entrado em vigor no último dia 7 de dezembro, por meio de liminares ju­diciais. O motivo é que, com a nova le­gislação, o conglomerado perderá gran­de parte de seus veículos. Isto porque a Lei de Meios estabelece que nenhuma empresa pode ter mais do que dez emis­soras de rádio e televisão e 24 licenças de TV a cabo, nem superar 35% de alcance em relação ao total da população ou do total de assinantes. O Clarín possui 240 concessões no sistema de cabo, nove rá­dios AM, uma FM e quatro canais na te­levisão aberta.

Em visita não-oficial ao Brasi em dezembro de 2012, o rela­tor especial para promoção e proteção do direito à liberdade de opinião e ex­pressão da Organização das Nações Uni­das (ONU), Frank La Rue, elogiou a lei argentina, justamente porque comba­te o monopólio dos meios de comunica­ção e cria um órgão regulador indepen­dente para o setor. “Na América Latina, temos permitido que a comunicação so­cial seja vista, especialmente o rádio e a TV, pela ótica comercial. E isto é um er­ro. Qualquer Estado, inclusive o Brasil, tem a obrigação de regular o uso das fre­quências audiovisuais como um patri­mônio da nação”, defende.

Segundo La Rue, o Uruguai também está produzindo uma legislação seme­lhante “ou mais avançada”. Para o rela­tor da ONU, todo país deve ter um órgão regulador no setor das comunicações porque as concessões são bens públicos e devem ser ofertadas de forma igualitá­ria entre todos. Ele pondera, contudo, que este órgão deve seguir princípios es­tabelecidos a partir de um amplo debate com os diversos setores da sociedade. “É importante que o órgão regulador seja coletivo, com a representação de muitos setores de diferentes partes, e que haja um processo de diálogo com a sociedade para a aplicação e implementação da re­gulação”, explica.

Democratização
Nesse sentido, Rosane Bertotti, coor­denadora-geral do FNDC, afirma que a Lei de Meios é um exemplo para os paí­ses que ainda não possuem uma regula­ção específica para o setor, como o Bra­sil. “Ela é fruto de um processo de debate e construção política pública feitos com o povo argentino”, descreve.

A mesma opinião é compartilhada por Pedro Eckman, do Coletivo Intervozes. Segundo ele, a lei tornou-se uma refe­rência internacional, pois “diminui a concentração de meios e aumenta a plu­ralidade e diversidade de pontos de vis­ta, atores e falas, o que reforça a questão da liberdade de expressão”.

No caso do Brasil, Eckman conta que a concentração midiática por alguns gru­pos específicos impede a consolidação da democracia no país, já que por meio de seus veículos influenciam a opinião de grande parte da população. “A de­mocracia, em seu sentido mais amplo, não vai se consolidar no Brasil enquan­to a gente nãhttp://www.brasildefato.com.br/node/11515o conseguir democratizar a comunicação, porque ela é parte consti­tuinte da cultura da sociedade”, afirma.

Por isso, de acordo com a deputada fe­deral Luciana Santos (PCdoB), o deba­te pela regulação das concessões públi­cas de frequências audiovisuais no país é estratégico e deve ser ampliado. “É im­portante enfatizar o papel da comunica­ção enquanto direito básico de qualquer cidadão, que repercute diretamente no seu modo de agir, de pensar e de se rela­cionar culturalmente”, analisa.

O relator da ONU, durante sua pas­sagem pelo país, ouviu diversos relatos de violação da liberdade de expressão e de dificuldades de setores da sociedade brasileira de terem acesso aos meios de difusão de informação. Ele disse espe­rar um convite oficial para que possa re­tornar ao Brasil para investigar os casos e produzir um informe com recomenda­ções ao governo brasileiro.
 
 
 
Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/11515

sábado, 12 de janeiro de 2013

Meninos e meninas aprisionados

Os adolescentes respondem por 10% dos homicídios, mas compõem os 40% das vítimas desse mesmo crime. Diminuir a maioridade penal, como foi feito em países como os EUA, em nada diminuiu a violência entre menores

por Dora Martins*
Começa o ano e, não tarda, logo recomeçarão os falatórios sobre a redução da maioridade penal. Esse tema surge e some ao sabor de interesses eleitoreiros e quase sempre sob a comoção de algum fato trágico e violento que envolve adolescentes.

Quase sempre despossuídos de cidadania, sem estudo, casa, família ou respeito, meninos e meninas em fase de crescimento e desenvolvimento físico e psíquico, há muito expostos a diárias doses de violência, apenas fazem reproduzi-la, neste mundo em que o humano perde cada vez mais espaço para coisas compráveis. E eles, também querem comprar, e, para tanto, roubam e matam.

É preciso lembrar que diminuir a maioridade penal, tal como foi feito em países como os Estados Unidos, por exemplo, em nada diminuiu a violência que envolve crianças e adolescentes.

Aliás, segundo dados da Unicef eles, os adolescentes, respondem por pequena parcela da criminalidade, 10% dos homicídios, mas compõem os 40% das vítimas desse mesmo crime.

É muita hipocrisia querer convencer a sociedade que aprisionar meninos e meninas a quem se negam os básicos direitos vá fazê-los melhores, ou reabilitá-los para viver em sociedade. Se a sociedade não habilita a criança e o jovem para ser cidadão, nada restará para ser reabilitado.

Educação, somada a outros direitos básicos, é o único meio de fazer uma criança vir a ser um homem ou mulher que olhe seu próximo como a si mesmo. Sem isso, é construir presídios sem cessar e crer que leis e números no papel podem ser a salvação. É tapar o sol com a peneira que, precisamos reconhecer, já está muito furada.

*Dora Martins é membro da Associação Juízes para a Democracia e da Coordenadoria da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de São Paulo.
 
 
 

Nota da Embaixada da Venezuela sobre os comentários desastrosos de Arnaldo Jabor




Além de desrespeitar os venezuelanos, povo irmão do Brasil, e de proferir acusações sem base nos fatos reais, o comentário de Arnaldo Jabor nesta quinta-feira, 10 de janeiro, no Jornal da Globo, demonstra total desconhecimento sobre a realidade de nosso país.
Existe hoje na Venezuela, graças à decisão de um povoque escolheu ser soberano, um sistema político democrático participativo com amplo respaldo popular, comprovado pela alta participação da população toda vez que é convocada a votar em candidatos a governantes ou a decidir sobre temas importantes para o país. Desde que Hugo Chávez chegou ao poder, o governo já se submeteu a 16 processos democráticos de consulta popular - entre referendos, eleições ou plebiscitos.

Não nos parece ignorante ou despolitizado um povo que opta por dar continuidade a um projeto político que diminuiu a pobreza extrema pela metade, erradicou o analfabetismo, democratizou o acesso aos meios de comunicação e que combina crescimento econômico com distribuição de renda. Esse povo consciente de seus direitos não se deixa manipular pelas mentiras veiculadas por um setor da mídia corporativa - essa que circula livremente também na Venezuela.

Considerando o alto grau de organização e conscientização da população venezuelana, não são nada menos do que absurdas as acusações feitas por Jabor da existência de um aparato repressor contra o livre pensamento. Na Venezuela, civis e militares caminham juntos no objetivo de garantir a defesa, a segurança e o desenvolvimento da nação. É importante lembrar que se trata do mesmo comentarista que em 11 de abril de 2002, quando a Venezuela sofreu um golpe de Estado que sequestrou seu presidente durante 48 horas, saudou e comemorou este ato antidemocrático, durante comentário feito na mesma emissora, a Rede Globo.

Embaixada da República Bolivariana da Venezuela

Os milicianos da direita conservadora e golpista, já estão em campanha para 2014



A semana dos grandes erros na grande imprensa

Primeiro, a Folha noticiou uma reunião de emergência sobre o setor elétrico, que era rotineira. O Estadão, em letras garrafais, anunciou que o Ministério Público investigaria o ex-presidente Lula. E o Globo avisou que empresários já estariam fazendo seu próprio racionamento. Três exemplos "wishful thinking", em que a vontade política dos editores se impõe à objetividade dos fatos. Se isso não bastasse, Veja também derrapou feio ao anunciar uma megafusão bancária que não houve.

247 - Wishful thinking. A expressão inglesa é a melhor tradução para o comportamento dos grandes jornais brasileiros na semana que passou e expressa um dos principais erros do pensamento, que é o de transformar desejos em realidade. Em vez de narrar os fatos como eles são, a história é contada como gostaríamos (ou gostariam) que fosse.

Entre pessoas comuns, o erro é perdoado. Mas quando se trata de grandes jornais, que têm o dever da objetividade, a questão se complica. A semana que passou, para a grande imprensa, foi também a semana dos grandes erros. Não pequenos deslizes, mas erros colossais, que, em alguns casos, foram escritos em letras garrafais – fugindo até ao padrão gráfico das publicações.

O jogo dos erros começou com a Folha de S. Paulo, dos Frias, que, na segunda-feira, anunciou: "Escassez de luz faz Dilma convocar o setor elétrico". No subtítulo, a mensagem de que, na "reunião de emergência", seriam discutidas medidas contra o racionamento, sob a imagem de uma vela acesa na escuridão. Este era o desejo – o wishful thinking. A realidade, no entanto, é que a reunião não era emergencial nem haverá racionamento.

No dia seguinte, foi a vez do Estadão, principal concorrente da Folha, que não ficou atrás. O sonho da família Mesquita, que controla o jornal, talvez seja ver o ex-presidente Lula atrás das grades. E a manchete "MPF vai investigar Lula" veio em negrito e letras gigantes como se anunciasse que a Alemanha nazista foi derrotada pelos aliados. Mais um exemplo de wishful thinking. No mesmo dia, a "informação" foi negada pelo procurador-geral Roberto Gurgel.

O Globo, dos Marinho, naturalmente, não poderia ficar de fora da festa e anunciou que grandes grupos empresariais já planejam racionar energia. Outra demonstração de um desejo – na quinta-feira, após uma reunião com a presidente Dilma, os principais empresários do País deram demonstrações públicas de que não estão trabalhando com a hipótese de apagão.

Se tudo isso não bastasse, houve também a barriga de Veja Online, que, também nesta semana, anunciou a fusão entre Bradesco e Santander. Neste caso, não era wishful thinking. Apenas um erro de informação e os jornalistas responsáveis foram demitidos.

De todo modo, a semana foi exemplar ao escancarar os riscos que se corre quando a vontade política dos editores se sobrepõe à objetividade dos fatos.

PS: até agora, apenas a Folha admitiu o erro, ainda que em letras miúdas.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

José Genoino em entrevista ao Sul21


“Minha expectativa é exercer o mandato”, reforça José Genoino



Rachel Duarte

Pouco antes de completar dois meses após sua condenação do Supremo Tribunal Federal (STF), o deputado federal José Genoino (PT-SP) assumiu mandato na Câmara Federal. Eleito em 2010, com mais de 92 mil votos e em meio ao começo de uma campanha pública pela sua condenação por envolvimento no escândalo conhecido como Mensalão, o parlamentar defende a constitucionalidade da posse. O STF já decidiu por 5 votos a 4 pela cassação automática dos mandatos dos condenados na Ação Penal 470 – embora tanto o então presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), quanto um dos principais candidatos a assumir o posto, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), tenham afirmado que vão recusar a decisão, afirmando que cabe ao Legislativo definir a questão em votação secreta.

“A minha expectativa é de exercer o mandato, porque eu tomei posse respeitando a Constituição Federal e as leis do meu país. Além de responder aos 92.326 eleitores que votaram em mim”, diz José Genoino em entrevista ao Sul21. Ele rebateu acrítica do ex-governador gaúcho e colega de fundação do PT, Olívio Dutra, sobre macular a imagem do partido com o exercício do mandato após a condenação. “Eu respeito a opinião do governador Olívio Dutra e tenho uma divergência sobre isso. A ética e a moral de um país são dadas pelas normas gerais, leis e procedimentos normativos. Eu tenho o dever de segui-las e obedecê-las. Portanto, éticas individuais, de uma família, de um partido ou igreja não podem gerar julgamentos de A, B ou C”, afirma.

José Genoino diz que mesmo não concordando com as decisões da corte e possivelmente de uma eventual cassação do mandato na Câmara, irá cumpri-las. Reforça sua inocência quanto aos crimes de formação de quadrilha e corrupção ativa, das quais poderá cumprir pena de seis anos e 11 meses em regime semiaberto. “Eu sempre fiz política por ideais e sonhos. Nunca acumulei patrimônio ou riqueza com a política. É isso que conta para mim. Minha luta por um estado democrático e soberano e pela minha honestidade nunca se apagarão”, afirma.

José Genoino participou da fundação do PT depois de ser anistiado em 1979. Ex-integrante do PC do B, participou da Guerrilha do Araguaia e capturado pelos militares em 1972, passou cinco anos na prisão. Pelo PT, foi deputado federal por São Paulo entre 1982 e 2002. Em 2002, candidatou-se a governador de São Paulo, mas perdeu a eleição para Geraldo Alckmin (PSDB) no segundo turno. No mesmo ano, foi eleito presidente nacional do PT, em substituição a José Dirceu. Renunciou à presidência do PT em julho de 2005, após denúncias relacionadas ao escândalo do mensalão. Em março de 2011, foi nomeado assessor especial do Ministério da Defesa, cargo do qual pediu demissão no último dia 10 de outubro, um dia depois de ser condenado pelo STF.

“Eu estou nesta espécie de tortura psicológica há sete anos. Desde 2005 sofro campanhas pré-condenação. Quem tem muitas cicatrizes está mais preparado para enfrentar certos golpes, certas pancadas”

Sul21 – A sua decisão de tomar posse como deputado federal tem causado polêmica e críticas, até mesmo de companheiros de PT. Como o senhor recebe esses questionamentos?

José Genoino – A minha expectativa é exercer o meu mandato, porque eu tomei posse respeitando a Constituição Federal e as leis do meu país. Além de responder aos 92.326 eleitores que votaram em mim. Ao cumprir esta determinação legal, que é válida a todos os brasileiros, pretendo desempenhá-la como sempre fiz, sendo um deputado presente, de projetos e ideias. Eu sempre fui atuante em plenário e nas comissões. É isso que eu vou fazer. Exercerei meu mandato plenamente a cada dia. Sobre expectativas de futuro (condenação), não me compete especular.

Sul21 – O senhor imagina futuro prejuízo à sua vida política depois desta condenação?

José Genoino – Eu estou nesta espécie de tortura psicológica há sete anos. Desde 2005 sofro campanhas pré-condenação. Quem tem muitas cicatrizes está mais preparado para enfrentar certos golpes, certas pancadas. Mas eu estou tranquilo, tenho a serenidade da minha inocência. Vou provar isso. Mais cedo ou mais tarde, a verdade prevalecerá. Nesse período todo, os acusados (no mensalão) foram tratados como nunca antes no nosso país – mesmo assim, não quero emitir juízo de valor sobre isso por ter um compromisso profundo com a democracia, eu lutei por ela. Eu fiquei cinco anos preso por lutar pela democracia. Ingressei na política com 21 anos de idade. Sempre fiz política. Política por ideais e sonhos. Nunca acumulei patrimônio ou riqueza com a política. É isso que conta para mim. Continuo com a consciência que a minha luta por um estado democrático e soberano e pela minha honestidade nunca se apagarão.

Sul21 – O deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) que disputa a presidência da Câmara, já disse que, se eleito, tem intenção de descumprir a decisão do STF sobre a cassação automática do mandato dos condenados na Ação Penal 470. O senhor fica mais tranquilo com esta posição?

José Genoino – Eu não vou opinar sobre isso. Não é de minha competência, é de competência da Câmara Federal. Eu respeito os poderes constituídos. Reafirmo que, mesmo concordando ou discordando de decisões, eu as cumprirei.

Sul21 – Os críticos ao julgamento do mensalão afirmam que a condenação foi exagerada, que houve ausência de provas, que o STF atuou de forma política ou mesmo criticam uma suposta condenação antecipada por parte da imprensa. O senhor partilha de alguma dessas opiniões? 

José Genoino – Não emitirei opinião sobre o julgamento ou o processo, até porque ele não terminou. Quem responde pelo processo é o meu advogado. Lamentavelmente eu não sou advogado porque o AI-5 me cassou da faculdade de Direito. Eu não tenho elementos para fazer este tipo de avaliação. Eu penso que o Brasil está vivendo um bom momento de consolidação da democracia, bom momento econômico, com distribuição de renda e programas sociais exitosos, além de ter prestígio no exterior. A minha vida sempre foi dedicada às causas. Eu sempre fiz escolhas políticas. Estas escolhas foram desde governar com Lula e com a companheira Dilma, como pela democracia com a luta pelas Diretas e a Constituinte. Fiz política no movimento estudantil de 68, depois na luta de resistência armada. Isto faz parte da minha vida e da consciência que tenho de mim mesmo.

“Eu não estou assumindo cargo comissionado, não estou sendo nomeado, é um mandato eletivo. Aliás, eu exerci um cargo em comissão no governo federal e no dia seguinte à minha condenação eu abri mão dele”

Sul21 – O senhor afirma que não cometeu crime enquanto foi presidente do PT. Sua participação no escândalo está relacionada aos empréstimos que avalizou, mas que já teriam sido liquidados pelo partido.

José Genoino – Estão nos autos do processo os empréstimos que eu assinei. Um com o Banco Rural, no valor de R$ 3 milhões, e outro ao BMG, de R$ 2,5 milhões. Foram registrados na contabilidade oficial do partido e registrados junto ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e foram pagos judicialmente ao longo de quatro anos. Começaram a ser pagos em 2007 e terminaram em 2011. Negociação esta que não era mais na minha gestão e (que ocorreu) com aval da Justiça. Prestei contas das ordens de pagamento nos autos do processo. O que eu fazia como presidente do PT naquela época eram articulações políticas no momento difícil de início do governo Lula. Não podemos confundir escolhas políticas com crime. Eu tenho minha consciência tranquila de que eu não cometi crime enquanto presidente do PT. Respeito as pessoas que pensam diferente. Respeito as decisões da Suprema Corte brasileira, mesmo discordando. Independente de discordar, vou cumpri-las. O importante para mim é a consciência que eu tenho de mim mesmo. É uma história de vida de luta.

Sul21 – O ex-governador gaúcho e seu correligionário Olívio Dutra disse diretamente ao senhor na Rádio Guaíba nesta segunda-feira (07), que o senhor deveria renunciar ao mandato parlamentar em nome da imagem pública do partido que, segundo ele, está profundamente atingida com a atuação dos quadros condenados na Ação Penal 470. Qual a sua posição? 

José Genoino – Eu respeito a trajetória do companheiro Olívio Dutra, mas discordo democraticamente. Em primeiro lugar porque a ética e a moral de um país são dadas pelas normas gerais, leis e procedimentos normativos. Eu tenho o dever de segui-las e obedecê-las. Portanto, éticas individuais, de uma família, de um partido ou igreja não podem gerar julgamentos de A, B ou C. Aliás, a história da humanidade está rica de tragédias quando se coloca a ética e a moral acima da lei de condutas e direitos. Eu respeito a opinião do governador Olívio Dutra e tenho uma divergência sobre isso. Eu assumo mandato porque está dentro da lei e estou respeitando os eleitores que votaram em mim. Os mais de 92 mil votos que recebi foram em 2010, em plena campanha pública pela minha condenação. Eu tenho recebido inúmeras solicitações de pessoas que votaram em mim me incentivando a assumir. Eu não estou assumindo cargo comissionado, não estou sendo nomeado, é um mandato eletivo. Aliás, eu exerci um cargo em comissão no governo federal e no dia seguinte à minha condenação eu abri mão dele utilizando, ao fazer a carta de exoneração, a famosa frase de Mário Quintana: “Eles passarão, eu passarinho”. Portanto, eu respeito a opinião do Olívio, mas tenho uma visão diferente.

Sul21 – Alguns líderes petistas defendem a renovação do partido, outros falam em refundação. Qual o tamanho do impacto do mensalão na vida do partido?

José Genoino – O PT tem que olhar o seu futuro. Nós temos dez anos de governo vitorioso. Temos novos desafios pela frente. Teremos que olhar o país no pára-brisa e não no retrovisor. Eu estou no PT desde a fundação, participei de toda luta que levou o PT ao governo e nós melhoramos a vida das pessoas. Portanto, creio que o debate interno tem que ser com olhos no futuro e não no passado.

“A luta faz parte da minha vida e quem luta corre risco. Entre abaixar a cabeça e correr riscos, eu prefiro o risco da luta. Estou de cabeça erguida e seguirei vivendo a política com sangue na veia”

Sul21 – O PT mudou? Em que sentido?

José Genoino – Ao longo da história do PT o partido mudou, mas não mudou de lado. O PT amadureceu e governa com outras forças, fazendo alianças. Para governar tem que fazer alianças. Isto é uma exigência de uma sociedade democrática que se governa com maioria, tanto ao nível social como político. Este é o amadurecimento que o PT viveu. Mas não mudamos de lado. É visível o nosso compromisso com a distribuição de renda, com a melhoria salarial, com a geração de emprego, com a soberania nacional com política externa independente, com a recuperação do papel do Estado como indutor do desenvolvimento econômico. Eu entendo que o país está melhor e o PT, e tantos outros partidos que participaram desta caminhada, tiveram papel fundamental.

Sul21 – O senhor assumiu o mandato no mesmo dia em que o delegado alagoano Francisco Tenório assumiu vaga no parlamento após cumprir pena por crime de encomenda de assassinatos. Com base neste exemplo, o senhor se julga injustiçado? Acredita que está havendo supervalorização do seu caso?

José Genoino – Eu não gosto de opinar sobre a atuação da mídia. Os fatos falam por si só. Eu quero apenas dizer que, na minha relação com a mídia, eu conheci a poesia e o sangue. É isto que me fica claro. Tenho uma relação respeitosa com o princípio conquistado democraticamente da liberdade de expressão. Princípio este que deve ser pluralista, independente, com base em fatos e no direito de resposta e ao contraditório. Este processo que o Brasil está vivendo trará as próprias lições. Eu prefiro não fazer julgamento de órgãos de imprensa em particular, sobre determinadas condutas. Deixarei que os fatos falem por si.

Sul21 – Como estão a sua vida pessoal e o seu estado emocional com todo este processo de julgamento – e agora, com o senhor assumindo mandato parlamentar após o Supremo Tribunal Federal o ter condenado? 

José Genoino – A minha vida foi sempre de luta e de emoções e enfrentamentos. Isto faz parte da minha existência. Eu fiquei cinco anos preso e incomunicável. Fui anistiado e fui para luta política. A fundação do PT foi um processo difícil. Ser parlamentar por 24 anos foi também algo muito difícil. A luta faz parte da minha vida e quem luta corre risco. Entre abaixar a cabeça e correr riscos, eu prefiro o risco da luta. Estou de cabeça erguida e seguirei vivendo a política com sangue na veia. Nunca separei a minha vida da política. Faço política a qualquer hora, em qualquer lugar e de qualquer maneira. Foi assim que eu aprendi. Eu sou da geração de 68, que pode ser derrotada, mas não abaixa a cabeça e segue lutando. Eu aprendi isso com companheiros que são os verdadeiros heróis da democracia. Alguns nem estão mais aqui. É isso que me dá tranquilidade para viver minhas emoções, meus desafios, minha vida familiar e com meus amigos.

Cristianismo de esquerda: Teologia da Libertação comemora 50 anos de existência. Michael Lowy analisa o significado e a influência da ideologia religiosa nos movimentos sociais brasileiros





A contribuição da Teologia da Libertação

do Brasil de Fato

Sociólogo Michael Löwy realiza análise sobre os 50 anos do movimento cristão progressista no país

08/01/2013
por Gustavo Xavier, de São Paulo (SP)

Michael Löwy é um sociólogo marxista brasileiro, radicado na França, onde é diretor de pesquisas emérito em ciências sociais do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS). Ele é um dos pesquisadores que vem buscando compreender o movimento da Teologia da Libertação. Sentindo-se impactado pelo que vinha acontecendo com a Igreja brasileira no final dos anos 1970 e, sobretudo, pela participação massiva de cristãos na Revolução Sandinista de 1979, ele começou a escrever sobre marxismo e Teologia da Libertação a partir dos anos 80. Com o material reunido ao longo dos anos, tal como entrevistas e documentos, Löwy escreve o livro Guerra dos deuses – religião e política na América Latina, com a primeira edição em inglês, no ano de 1996, e publicado no Brasil em 2000 pela Editora Vozes. Este livro analisa o campo de forças político-religioso na América Latina desde o final dos anos 50 e foi o ganhador do prêmio Sérgio Buarque de Holanda, na categoria ensaio social. Seguindo a coerência de sua adesão ético-política, Löwy doou o dinheiro do prêmio ao MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Nesta entrevista ao Brasil de Fato, concedida pela ocasião dos 50 anos da Ação Católica Operária/ Movimento dos Trabalhadores Cristãos (ACO/MTC) no Brasil, ele reflete sobre a trajetória deste movimento como parte do cristianismo da libertação.


Brasil de Fato – Há pontos de contato entre o horizonte de movimentos como a ACO e o projeto socialista? Quais?


Michael Löwy – Movimentos como a Juventude Universitária Católica (JUC), a Juventude Operária Católica (JOC), a ACO, promoveram, em particular nos anos de 1960 e 1970, uma crítica radical do capitalismo, inspirando-se não só em fontes cristãs – desde encíclicas papais até escritos da esquerda católica francesa, como Emmanuel Mounier etc. – mas também em textos de Marx e dos marxistas latino-americanos (teoria da dependência). Entre seu horizonte sociorreligioso, o reino de deus, e o reino da liberdade socialista, existe uma espécie de afinidade eletiva.


Na sua avaliação, quais são as principais contribuições sociais, políticas, ideológicas de movimentos do cristianismo da libertação, entre os quais a ACO? E quais as principais limitações?


O cristianismo da libertação é um vasto movimento social que aparece no Brasil desde o começo dos anos 1960 – bem antes da aparição dos primeiros livros da teologia da libertação. Este movimento inclui setores significativos do clero – padres, freiras, ordens religiosas, bispos – dos movimentos religiosos leigos, como a Ação Católica, a JUC, a JOC, a ACO, das comissões pastorais, como Justiça e Paz, Pastoral da Terra, Pastoral Operária, e das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Trata-se de uma ampla e complexa rede que ultrapassa os limites da Igreja como instituição, e que reúne, a partir dos anos 1970, milhões de cristãos que partilham a opção prioritária pelos pobres. Sem a existência deste movimento social, sem o cristianismo da libertação – o que inclui ao mesmo tempo uma prática social emancipadora, novas formas de prática religiosa e uma reflexão espiritual (mais tarde teológica) que corresponde a esta experiência – é impossível entender o conflito entre a Igreja e o regime militar no curso dos anos de 1970, assim como, a partir de 1978, o espetacular surgimento de um novo movimento das classes subalternas, dos trabalhadores da cidade e do campo: o Partido dos Trabalhadores, a Central Única dos Trabalhadores e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Com efeito, uma grande parte dos militantes e quadros dirigentes dessas novas organizações vêm das CEBs e pastorais populares, e é no cristianismo da libertação que se encontra a motivação primeira de seu compromisso social e de sua mística política.


Uma das principais contribuições ideológicas do cristianismo da libertação – objeto de críticas incessantes de parte do Vaticano e das correntes conservadoras da Igreja no Brasil – é a integração, em maior ou menor grau, segundo os casos, de elementos fundamentais do marxismo. Obviamente, existe uma grande diversidade neste terreno, indo desde a desconfiança ou a hostilidade de alguns até a explícita autodefinição de grupos ou indivíduos como “cristãos marxistas” – passando por várias formas de prudente e implícita utilização de alguns aspectos. A grande maioria dos militantes de base do cristianismo da libertação provavelmente nunca ouviu falar em Marx, mas isto não impede que em sua cultura político-religiosa se encontrem, mais ou menos diluídos, temas e conceitos do marxismo. Obviamente se trata de uma integração seletiva: são rejeitados elementos como o ateísmo materialista, e assimilados outros como a crítica do capitalismo – em particular em sua forma dependente, no Brasil e na América Latina – e do poder das classes dominantes, a inevitabilidade do conflito social e a perspectiva da auto-emancipação dos explorados.


A descoberta do marxismo pela esquerda cristã não foi um processo puramente intelectual ou universitário. Seu ponto de partida foi um fato social evidente, uma realidade massiva e brutal no Brasil: a pobreza. O marxismo foi escolhido porque parecia oferecer a explicação mais sistemática, coerente e global das causas desta pobreza e, ao mesmo tempo, uma proposta radical para sua supressão. Para lutar de forma eficaz contra a pobreza, e superar os limites da visão caritativa tradicional da Igreja, era necessário compreender suas causas. Como o resumiu com ironia e humor Dom Helder Câmara: “Enquanto eu pedia às pessoas que ajudassem aos pobres, diziam que eu era um santo. Mas quando fiz a pergunta: ‘porque existe tanta pobreza?’, me chamaram de comunista”.


A principal limitação de alguns – não todos – setores do cristianismo da libertação, sobretudo na hierarquia da Igreja, tem a ver com a dificuldade de aceitar o direito das mulheres a disporem de seu corpo: divórcio, contracepção, aborto.



Em seu ponto de vista, militantes de base marxista podem enriquecer sua militância ao tomar contato com a trajetória destes movimentos cristãos? Como avalia este contato entre militantes marxistas e militantes cristãos?


Em primeiro lugar, é preciso enfatizar que vários destes “militantes cristãos” também são marxistas. A pergunta então seria: o que podem os marxistas ateus ou sem fé religiosa aprender com os militantes do cristianismo da libertação? Acho que em primeiro lugar, uma visão mais dialética da religião, que não pode sempre ser reduzida a um simples “ópio do povo” – coisa que Friederich Engels, Antonio Gramsci, José Carlos Mariátegui e vários outros marxistas haviam entendido muito bem. Também há muito que aprender com o trabalho de base, paciente e obstinado, destes militantes nos bairros populares, buscando a auto-organização e a conscientização dos oprimidos. Finalmente, é enriquecedor o contato com a fé, a dedicação, a entrega, a mística destes militantes cristãos das lutas sociais.


Para o senhor, quais as iniciativas de maior peso da ACO em sua história?


Entre outras, a resistência à ditadura militar e a contribuição à formação da Pastoral Operária, que teve papel decisivo na formação do novo movimento operário brasileiro. Desde 1978, os militantes da ACO estão presentes em sindicatos – como membros ativos e dirigentes sindicais –, em associações de trabalhadores, fundos de greve, sociedades de amigos de bairros, partidos políticos de esquerda.


E qual sua avaliação do papel dos movimentos do cristianismo da libertação, especialmente a ACO, durante a ditadura militar?


Os movimentos ligados ao cristianismo da libertação, entre eles a ACO, tiveram um papel importante na transformação da Igreja brasileira, levando-a, a partir de 1970, a romper com o regime militar – o qual havia apoiado em 1964 – tornando-se sua principal força de oposição.


Muitos militantes cristãos, inclusive padres e religiosos, participaram diretamente de atividades de resistência contra a ditadura, chegando, em alguns casos, a apoiar a resistência armada. Os militantes da ACO trataram de desenvolver correntes sindicais opostas ao regime e dispostas a lutar contra a tirania patronal nas fábricas.


Qual o balanço dos avanços e retrocessos relacionados aos movimentos do cristianismo da libertação até os dias atuais?


Como observamos, os avanços são consideráveis, e levaram à formação do novo movimento operário, camponês e popular no Brasil a partir do fim dos anos de 1970. Mas a partir de 2002, com a institucionalização governamental do Partido dos Trabalhadores e da direção da CUT, uma parte desta militância oriunda do cristianismo da libertação perdeu sua mística, seu horizonte utópico, e acabou enveredando pelos caminhos do pragmatismo político tradicional. Felizmente muitos setores da militância cristã, em particular nas fileiras do MST, mas também outros movimentos sociais ou políticos, preservaram a chama sagrada da luta pela libertação dos explorados e dos oprimidos.