Vargas, Jango e Lula foram presidentes que promoveram reformas que beneficiaram aos trabalhadores e aos mais pobres, procurando diminuir a concentração de renda e promover a justiça social.
Por Marcos Doniseti!
O Luis Nassif escreveu um bom texto, comparando os governos de Getúlio Vargas e o de Lula.
Somente quero fazer alguns comentários sobre o mesmo. Então, vamos começar.
Getúlio Vargas governou o Brasil em dois momentos distintos. No primeiro, entre 1930-1945, de forma crescentemente autoritária e que resultou na Ditadura do 'Estado Novo' (1937-1945).
Mesmo assim, este foi um período de modernização da economia e da sociedade brasileira, com a criação da Petrobras, da CLT, da Vale do Rio Doce e da CSN.
Embora tenha procurado controlar o movimento sindical, Vargas enfrentou uma forte resistência do movimento operário. E isso fez com que o mesmo nunca tenha sido inteiramente dominado pelo Estado.
E depois que o Estado Novo acabou e o Brasil se redemocratizou, o mesmo Vargas enfrentou lutas sociais muito mais amplas do que aquelas que ocorreram entre 1930-1945. Assim, por exemplo, em 1953 tivemos a chamada 'Greve dos 300 Mil', que paralisou as maiores cidades industriais do estado de São Paulo (a capital, Campinas, Santos, o ABC, etc).
A principal reivindicação deste movimento era a reposição das perdas salariais acumuladas desde 1945, o que foi parcialmente alcançado.
Foi como resultado deste maciço movimento grevista que Vargas percebeu que a política da época do 'Estado Novo', de controlar e submeter o movimento operário ao controle do Estado, era inviável nos tempos de Democracia Liberal que o Brasil vivia desde a Redemocratização, em 1945.
Por isso mesmo é que o próprio Vargas convidou João Goulart, presidente nacional do PTB e uma liderança renovadora e reformista do partido, para ser o Ministro do Trabalho. Em sua curta gestão, Jango modificou radicalmente a política trabalhista do governo Vargas, passando a dialogar com o movimento sindical, deixando de intervir nos sindicatos e de perseguir os comunistas que atuavam no mesmo e procurando, muitas vezes, se antecipar às mobilizações operários, dialogando com os seus líderes e representantes.
E o ápice deste Novo Trabalhismo ocorreu quando Jango sugeriu ao Presidente Vargas que reajustasse o salário mínimo em 100%, o que foi acatado pelo presidente. Entretanto, isso acabou provocando uma fortíssima mobilização das Forças Armadas, da Grande Mídia, do empresariado e das classes médias tradicionais e isso levou à uma saída negociada de Jango do ministério do Trabalho.
Com isso, Jango percebeu que a sua permanência no governo mais atrapalhava do que ajudava o governo Vargas e preferiu sair do mesmo.
Porém, ele continuou influindo fortemente na política trabalhista do governo, que seguia as suas novas orientações, de dialogar com o movimento sindical e reconhecer uma maior autonomia na atuação do mesmo.
Quando se tornou presidente da República, Jango levou adiante o projeto das chamadas Reformas de Base (agrária, urbana, financeira, estudantil, etc), mas tentava implementá-las através do diálogo com todos os segmentos da sociedade, em função das suas convicções democráticas. Ele também criou o Estatuto do Trabalhadores Rural, a primeira lei que reconhecia os direitos sociais, trabalhistas e previdenciários dos trabalhadores rurais, e estimulou estes a criar sindicatos para que o Estatuto se transformasse em realidade e não ficasse apenas no papel.
Jango queria aprovar e implantar as 'Reformas de Base', mas tentava levar isso adiante respeitando integralmente as regras do jogo democrático, sem apelar para soluções autoritárias, que eram tradicionais no Brasil.
Enquanto isso, Brizola e significativos segmentos dos movimentos sociais do período (sindical, estudantil, camponês, intelectuais, estudantes, etc) faziam parte do grupo que queria promover as reformas na 'lei ou na marra' (como diziam Francisco Julião e as Ligas Camponesas que ele liderava) e defendiam uma ruptura com a Democracia Liberal vigente no período, pois diziam que as reformas eram inviáveis dentro deste sistema.
Grande parte das Esquerdas Nacionalistas radicais da época diziam que o Congresso Nacional era um antro de latifundiários, reacionários, etc, e justamente por isso defendiam o seu fechamento e posterior substituição por uma Assembléia Constituinte da qual as forças mais conservadoras não participariam.
Jango sempre repudiou esse caminho.
O máximo que Jango aceitava era mobilizar a população (realizando gigantescas manifestações populares por todo o país, da qual a da Central do Brasil no dia 13/03/1964, foi a primeira) para, através disso, pressionar o Congresso Nacional para fazer com que o mesmo aprovasse as Reformas de Base.
Mas a solução, virtualmente revolucionária, de fechar o Congresso Nacional e substituí-lo por uma Assembléia Constituinte sem participação das forças conservadoras, sempre foi rejeitada por Jango.
Além disso, nem todos os sindicatos da época eram 'pelegos' e, de fato, o 'peleguismo' se enfraqueceu bastante durante o período 1945-1964.
Aliás, quem ressuscitou com o mesmo foi a Ditadura Militar, que apenas nos dois primeiros anos afastou (com prisões, exílios, torturas, assassinatos, etc) mais de dez mil dirigentes sindicais, justamente os mais combativos e atuantes.
Na verdade, durante o período 1946-1964 ocorreu um processo de crescente autonomização do sindicalismo frente ao Estado e aos Governos da época, ou seja, o movimento sindical passou a agir com crescente independência em relação aos governos, promovendo greves, manifestações, lutando pela ampliação dos direitos sociais e trabalhistas.
Exemplo disso: Durante a década de 1950 foi crescendo a luta do movimento sindical pela criação do que se chamava, na época, de 'Abono de Natal' (e que hoje se chama 13o. Salário).
Greves e manifestações começaram a acontecer, de forma cada vez mais intensa, para conquistar tal direito (e é claro que a imprensa empresarial do período era contra, dizendo que isso iria levar à quebradeira das empresas...).
Livro do historiador Jorge Ferreira, que mostra as lutas sociais do período 1946-1964 sob a perspectiva dos próprios trabalhadores.
Como resultado disso, em 1963 (em pleno governo Jango, portanto) tivemos a chamada 'Greve dos 700 Mil'. Isso mesmo! 700 mil trabalhadores entraram em greve reivindicando a criação do 'Abono de Natal'. E o presidente João Goulart atendeu a reivindicação.
Assim, foram as lutas dos trabalhadores, de forma cada vez mais intensa e autônoma em relação ao Estado, que propiciou essa conquista.
E esse processo de crescente autonomização do movimento sindical em relação ao Estado foi tão forte que o governo Jango, um ex-ministro do Trabalho que tinha muitos amigos e aliados no movimento sindical, foi o que mais enfrentou greves neste período de 1945-1964.
Aliás, na história brasileira, os momentos de maior mobilização da classe trabalhadora se deram quando tivemos governos progressistas (segundo governo Vargas, governos JK, Jango, Lula e, agora, Dilma) e não quando tivemos governos de Direita, conservadores (Dutra, Ditadura Militar, Collor, FHC).
Entendo que um dos motivos disso, embora não venha a ser o único, é que em momentos no qual temos governos com um perfil mais progressista administrando o país, existe um grau muito maior de liberdade de organização para o movimento sindical e para os movimentos sociais em geral.
Com isso, as lutas sociais se intensificam, pois os trabalhadores podem fazer greves, protestos, sem que sejam tratados com brutalidade e de forma repressiva e violenta pelo Governo, Exército, Polícia, Justila, ou seja, pelo Estado.
Por isso é que os maiores movimentos grevistas da história brasileira se deram quando tivemos governos com um perfil mais progressista no comando do país.
Isso ajuda a explicar porque, hoje, temos muito mais greves e mobilizações trabalhistas do que na época da Ditadura Militar, por exemplo.
Os governos de Lula e Dilma contaram e contam, inclusive, com a participação de inúmeros representantes dos movimentos sociais (estudantil, sindical, feminista, LGBT, sem-terra, etc) em inúmeros ministérios e órgãos do governo federal.
E tanto o governo de Lula, como o de Dilma, acabaram adotando políticas públicas que promoveram uma melhor distribuição de renda e uma melhoria nas condições de vida dos trabalhadores assalariados e dos mais pobres, como a do aumento real anual do salário mínimo (que era uma reivindicação antiga das Centrais Sindicais e que foi atendida pelos dois governos petistas), a criação e ampliação de políticas sociais (Bolsa-Família, Luz Para Todos, o Minha Casa Minha Vida), a geração de 18.600.000 empregos formais (entre 2003-2012) entre outras iniciativas que beneficiaram aos trabalhadores.
O governo Dilma dá continuidade e aprofunda políticas de inclusão social adotadas pelo governo Lula, visando melhorar a distribuição de renda e promover a justiça social.
Logo, há uma linha conectando os governos destes três presidentes da República (e, agora, também o de Dilma), embora o contexto histórico no qual eles governaram o país fosse muito diferente, é claro.
E esta linha que os conecta é o da a ampliação dos direitos políticos e sociais dos trabalhadores brasileiros, visando resgatá-los da pobreza e da miséria na qual historicamente viveram.
E isso aconteceu porque estes mesmos trabalhadores se mobilizaram, se organizaram e lutaram pela criação e ampliação destes direitos. E o mérito destes governantes foi o de perceber e de reconhecer a legitimidade destas mobilizações e lutas promovidas pelos trabalhadores brasileiros.
Caso Vargas (o do segundo governo, eleito democraticamente) Jango, Lula e Dilma fossem governantes conservadores ou reacionários, eles teriam adotado políticas muito distintas, como as que foram adotadas na época da Ditadura Militar, que reprimiu de forma brutal a todas as mobilizações e lutas populares, promovendo prisões, torturas, assassinatos e desaparecimentos de líderes e militantes dos movimentos sociais populares organizados (estudantil, sindical, mulheres, sem-terra, sem-teto, etc).
Portanto, foi a combinação da crescente capacidade de luta e de mobilização dos trabalhadores brasileiros e a sensibilidade social e política de lideranças que se tornaram Presidentes da República que viabilizou a expansão das lutas e dos direitos políticos e sociais em nosso país.
Obs: Vários livros (excelentes) já trataram destes assuntos. Sugiro alguns:
1) 'O Imaginário Trabalhista' - Jorge Ferreira;
2) 'PTB: Do Getulismo ao Reformismo' - Lucília de Almeida Neves;
3) A Invenção do Trabalhismo - Angela de Castro Gomes;
4) O Populismo e sua História - Jorge Ferreira (org.);
5) Os Sentidos do Lulismo - André Singer.
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