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sexta-feira, 29 de agosto de 2014

O messianismo da terceira via é neoliberal


O Brasil já conheceu candidatos messiânicos. O Jânio ia salvar o Brasil da corrupção. O Collor, do Estado povoado de marajás e das carroças. Deu no que deu.




O messiânico se julga agente da Providência, diz que veio para dar um jeito em todos os problemas do mundo, escolhe os bons, que devem acompanhá-lo na gesta, não diz quais são os problemas, nem como vai resolvê-los. Se julga acima de tudo o que o mundo conhece.

O Brasil já conheceu candidatos messiânicos. O Jânio ia salvar o Brasil da corrupção. O Collor, do Estado povoado de marajás e das carroças a que o mercado interno protegido nos condenava. Deu no que que deu.

Marina diz que veio para nos salvar da polarização PT-PSDB, como se fosse uma terceira via. Esta foi uma operação internacional levada a cabo pela segunda geração de governantes neoliberais – Bill Clinton, Tony Blair – que pretendiam ser uma visão adocicada do neoliberalismo duro de Margareth Thatcher e de Ronald Reagan. Era a terceira vida quem convidada a FHC para suas reuniões, para mostrar que havia vida inteligente nestas paragens barbaras.

O próprio FHC queria ser a terceira via aqui, mas diante do fracasso do Collor teve que vestir o tailleur da Thatcher e fazer o jogo mais pesado do neoliberalismo: privatizações, abertura dos mercados, Estado mínimo, precarização laboral. Uma vez mais a terceira via não pôde se realizar.

Marina apela de novo a esse chavão gasto da terceira via, desta via, de forma messiânica, para nos salvar da polarização PT-PSDB. Só que deixa seu rabo de fora: equipe econômica ortodoxamente neoliberal – André Lara Resende, Neca Setúbal, Eduardo Gianetti da Fonseca -, independência do Banco Central, etc., etc. , o mesmo tipo de equipe dos tucanos – da mesma estirpe de Armínio Fraga -, e as mesmas posições.

A terceira via da Marina se volta contra o Estado e sua apropriação pelo PT, pregando a superação disso, que chama de “bolivarianismo”.

A mescla integra componentes da salada ideológica do seu discurso: ONGs, sociedade civil, menos Estado. Silêncio total sobre as teses que caracterizam os avanços na superação do neoliberalismo do FHC: centralidade das políticas sociais, integração regional e intercâmbio Sul-Sul, papel ativo do Estado na economia e nos direitos sociais.

A equipe econômica e o discurso sobre a apropriação do Estado pelo PT não deixa dúvidas que traz no seu bojo um duro ajuste fiscal, tendo as políticas sociais e a massa da população como suas vítimas.

Marina se afirma assim como uma farsante, que afirma distância da polarização do PT e do PSDB, mas substitui a este, decadente, na polarização, com teses e equipes similares. Vem dar novo fôlego na direita brasileira, neoliberal como tem sido desde Collor, passando por FHC e chegando agora na Marina, segunda vida, estepe dos neoliberais, prestes a sofrer outra derrota.

Desmistificar essa “novidade” da Marina é o caminho para desinflar sua popularidade, mostrando seu caráter, a quem serve, que não tem nada de novo, menos ainda corresponde ao que as manifestações de junho de 2013 levantaram e ao que Brasil precisa para avançar.

Corruptos e Corruptores




Se há um tema que não sai da pauta nacional é a corrupção. Escândalos se sucedem e bodes expiatórios são criados um após outro para acalmar os ânimos. A mídia denuncia, o público pede cabeças e vez ou outra alguma vai para a guilhotina. Nesse circo contínuo se alimenta a descrença do povo na política institucional.

Descrença, é verdade, que tem bases legítimas na história e no caráter do Estado brasileiro. Mas o viés que tem assumido leva a caminhos perigosos. "Militares no poder!", "Varre vassourinha!", "Vamos acabar com essa desordem!". O discurso que tem se fortalecido é o da direita. Não se pode nunca esquecer que a Marcha da Família com Deus, que preparou o golpe militar de 64, tinha o combate à corrupção como lema.

Isso porque a roda das denúncias midiáticas gira em falso. A corrupção é mostrada no varejo, mas pouco se fala do atacado. A estrutura carcomida do sistema político brasileiro não entra em questão. Acreditar que o vereador ou o deputado que recebe propina é o grande agente da corrupção beira o ridículo. São apenas os varejistas, atores coadjuvantes do processo.

É a mesma lógica de atribuir o problema do narcotráfico ao "aviãozinho" da boca de fumo. O saldo e o mando do negócio milionário das drogas estão bem longe dali. O vereador corrupto é nada mais que o "aviãozinho" do sistema político. Obviamente não é nenhum coitado e merece ser enxotado da vida pública.
Mas a corrupção no atacado é o verdadeiro problema. Estamos falando da apropriação do Estado pelos interesses de uma elite patrimonialista. A captura dos recursos públicos está aí. A burguesia brasileira pede um Estado mínimo e enxuto para o povo, mas desde sempre teve para si um Estado máximo. Privatizar os lucros e socializar o prejuízo, esta é sua diretriz.

Hoje a principal demonstração dessa captura do Estado é o financiamento privado de campanhas eleitorais. É o genuíno berço da corrupção no Brasil.

O mecanismo é simples e vicioso: uma grande empresa, com interesses em algum filão do Estado, financia as campanhas eleitorais dos principais candidatos. O vencedor, por ter sido financiado e desejando novo financiamento dali a 4 anos, favorece os interesses da empresa. Esta, por sua vez, renova suas "doações" nas eleições seguintes. E assim caminha a vida política brasileira.

Os benefícios que a empresa financiadora pode ter são variados. Favorecimento em licitações, aportes complementares que viabilizem o superfaturamento de obras públicas, rolagem de dívidas milionárias com o Estado ou os bancos públicos, etc. Tem negócio para todos os gostos.

Não à toa que os principais "doadores" de campanha eleitoral no país são as empreiteiras, que também são o setor mais acionado para obras públicas.

Recentemente o UOL publicou um levantamento que mostra que dos 10 maiores financiadores privados de campanha, 7 estão sendo investigados por corrupção. E aí é no atacado: as cifras são de dezenas ou centenas de milhões, quando não de bilhões de reais.

Vamos dar nome aos bois. De acordo com a reportagem do UOL, a Camargo Correa, líder no financiamento eleitoral em 2010, é investigada por desvios de R$29 milhões na Refinaria de Abreu e Lima. Nesta mesma obra, a Galvão Engenharia é investigada pela bagatela de R$70 milhões. A Andrade Gutierrez, vice-líder em 2010, é alvo do TCU por superfaturamento de R$86 milhões na Arena Amazônia, além de ser investigada pela participação no cartel fraudulento das licitações do metrô de São Paulo. A JBS Friboi, maior frigorífico do mundo, é objeto de inquérito por fraude em precatórios que pode chegar a R$3,5 bilhões.

O conluio entre grandes empresas, partidos e candidatos é o maior câncer da política brasileira. O legítimo pai da corrupção. No Congresso Nacional este jogo de interesses é escancarado. Dados do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar) mostram que quase 50% dos deputados eleitos em 2010 compõem a chamada bancada empresarial.

É por isso que o Brasil precisa urgentemente de uma Reforma Política. Ficar no sofá ou nas redes sociais reclamando da corrupção pode até ter serventia psicológica para quem o faz, mas não tem qualquer consequência prática.

Defender uma Reforma Política ampla pautada no fim do financiamento privado das campanhas eleitorais, na revogabilidade dos mandatos e no fortalecimento dos mecanismos de participação popular é apenas dar coerência ao repúdio à corrupção e aos corruptos na política brasileira.

Na próxima semana, de 1 a 7 de setembro, será realizado em várias partes do país um Plebiscito Popular por uma Constituinte do sistema político, organizado por dezenas de entidades sociais. O objetivo é ampliar o debate popular entorno do tema da Reforma Política.

As soluções só podem vir de iniciativas populares. Afinal, não se pode esperar que o Congresso Nacional, verdadeiro balcão de negócios de interesses privados, faça ele próprio uma Reforma Política que liquide com seus privilégios patrimonialistas.

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

O que pode salvar o Brasil é a política, não a sua negação

Já que o brasileiro não liga para a política, detesta os políticos, acha que todo político é ladrão ou corrupto, o jeito é eleger para presidente alguém que não seja político.
E aí, como mágica, surge o nome dessa doçura de pessoa chamada Marina Silva.
Ela é, para esse brasileiro que tem pelos políticos um ódio visceral, tudo de bom.
Como o brasileiro que cultiva a ojeriza pela política, Marina também externa esse sentimento, garantindo que com ela essa raça de abominações que tem acabado com o Brasil vai ser posta devidamente em seu lugar, ou seja, ficará completamente fora da máquina administrativa.
Marina diz que esses partidos que estão aí fazem parte de um modelo ultrapassado, que todo o sistema político brasileiro não presta, que é preciso colocar algo novo - ela, é claro - em seu lugar, que é necessário mudar tudo para que a sociedade brasileira, e a própria democracia, avancem.

Quando eu era adolescente, de certa forma, também pensava mais ou menos dessa maneira.
Com o tempo, porém, percebi que só há duas formas de se fazer mudanças sociais num organismo tão complexo quanto uma nação: devagar, de modo quase imperceptível, para que os afetados pelas transformações possam absorvê-las, ou abruptamente, pela força de uma revolução.
Como a segunda hipótese, por razões óbvias, é uma possibilidade inviável no Brasil, resta apenas a primeira.
Desde 2003 o governo trabalhista vem mudando o país.
Devagar, devagarinho.

Parece que quase nada foi feito, mas esse pouco, essas migalhas que melhoraram a vida de milhões de pessoas, conseguiram tirar o sono daqueles que sempre consideraram o Brasil sua propriedade particular - uma enorme senzala controlada por meia dúzia de casas grandes.
A Marina que surge nesta eleição como a representante de uma "nova política" parece não entender o que se passa no país.

Ignora todos os avanços sociais e econômicos dos últimos anos.
E, o pior, com a sua pregação juvenil, rejeita a única forma que existe para levar o Brasil ao Primeiro Mundo, que é exatamente a política, feita e conduzida por políticos dedicados à vida pública, pessoas preparadas para entender o sofisticado mecanismo social - e não por operadores do mercado financeiro, aventureiros e carreiristas, socialites e herdeiras de fortunas, fanáticos religiosos e ambientalistas, picaretas de todos os matizes.

Só a política, e não a sua negação, é capaz de salvar o Brasil.

domingo, 24 de agosto de 2014

PT ''encarna herança de Getúlio", diz biógrafo

Polarização absurda, radical e irracional" faz "mal ao Brasil", afirma Lira Neto

KENNEDY ALENCAR 

ISABELA HORTA
Brasília
Em entrevista ao SBT, o biógrafo Lira Neto afirmou que o PT “encarna” a herança do projeto nacional-desenvolvimentista de Getúlio Vargas. “Lula, queiramos ou não, é junto com Getúlio a personalidade mais popular de toda história brasileira”. Segundo o autor da mais recente biografia do ex-presidente gaúcho, o governo do PT tem ideias semelhantes as de Getúlio ao defender um Estado interventor.

Para o escritor, o espectro político brasileiro atual tem semelhanças com a cenário dos anos 1950. “Aquela polarização que tomou conta entre os getulistas e antigetulistas, eu vejo certa semelhança na mesma estridência polarizada que temos hoje. Essa polarização absurda, radical e irracional está fazendo mal ao Brasil.”

O biógrafo explicou a importância de Alzira Vargas, uma das filhas de Getúlio, para a volta do ex-presidente ao poder em 1951. “Ela era uma espécie de grilo falante do pai. Mesmo sendo muito mais nova que ele, tinha uma análise de conjuntura absolutamente sofisticada, arguta e perspicaz, chegando às vezes a dar conselhos a Getúlio.” Neto teve acesso a mais de 1.600 páginas de cartas trocadas entre os dois de 1945 a 1950. Nesse período, o ex-presidente estava “exilado” em São Borja (RS) e a filha acompanhava o cenário político no Rio de Janeiro.

Neto também comentou o discurso anticristianismo feito por Getúlio em sua formatura de Direito. Na ocasião, o estudante falava que a religião era “um retrocesso a grandes conquistas progressivas da história”. O texto foi escondido por Getúlio enquanto esteve no poder. Depois de muito tempo foi incorporado aos arquivos oficiais do ex-presidente. Para o biógrafo, a revelação desse discurso teria sido “fatal“ para a carreira de Getúlio. “Hoje, isso seria inadmissível um homem público ter esse juízo de valor sobre o cristianismo. Imagina naquela época.”

Segundo o escritor, a experiência de Getúlio no exército deu a ele “disciplina militar”. O ex-presidente chegou aos primeiros postos da carreira do oficialato, mas foi expulso da corporação. “O que surpreende é a capacidade de autodisciplina e de avaliação de cenário e das correlações das forças. Getúlio não se precipitava nunca. Calculava milimetricamente todas as suas ações.”

Neto afirma que, apesar dos “senões” da Era Vargas, é inquestionável o legado deixado pelo ex-presidente. “Ele levou o Brasil no rumo da industrialização: criou a Petrobras, Volta Redonda, o projeto da futura Eletrobrás.” Outra herança deixada por Getúlio seria, segundo o autor, a legislação trabalhista. “Ele tutelou os movimentos sindicais mais radicais e atualizou a relação entre capital e trabalho, patrão e empregado no Brasil.”


A permanência de Getúlio Vargas

O projeto de Vargas continua sendo contraposto a todo o tempo às políticas entreguistas, de desmonte do Estado e de restrição dos direitos sociais no país.


Carta Maior 


Gilberto Bercovici (*)


Há sessenta anos, no dia 24 de agosto de 1954, o Presidente Getúlio Vargas suicidou-se no Palácio do Catete, então sede da Presidência da República, no Rio de Janeiro. A morte física veio somar-se a uma série de “mortes” de Getúlio Vargas, sempre proclamadas aos quatro ventos por seus inimigos (os setores conservadores e liberais vinculados ao capital estrangeiro ou a parcela do grande capital nacional, parte das Forças Armadas, herdeiros insatisfeitos das oligarquias regionais e certa “intelectualidade”).

Os políticos da UDN (União Democrática Nacional) proclamaram a “morte” política de Vargas três vezes, ao menos: em 1945, quando depuseram Vargas e este os derrotou nas urnas das eleições presidenciais e da Assembleia Constituinte de 1946; em 1954, derrotados com a reação popular ao suicídio do Presidente; e em 1964, quando derrubaram seu herdeiro político João Goulart e instauraram uma ditadura militar de 21 anos. Mesmo com a vitória dos setores contrários ao getulismo em 1964, o Presidente Fernando Henrique Cardoso, em seu discurso de despedida do Senado, em 1994, insistiu em reiterar nova “morte” de Getúlio Vargas, decretando, sob o aplauso da elite econômica brasileira, o fim da “Era Vargas”. Por que, apesar de tantas “mortes”, Getúlio Vargas teima em estar vivo na memória, nos sonhos e nos projetos de futuro do povo brasileiro?

Meu objetivo aqui é apenas o de relembrar alguns aspectos fundamentais da atuação de Getúlio Vargas na Presidência da República, conquistada pela Revolução de 03 de outubro de 1930. Talvez os elementos aqui trazidos ajudem a refletir sobre a permanência e a importância de Getúlio Vargas para o nosso imaginário social.

A partir de 1930, a política deliberada será a da expansão econômica via mercado interno, especialmente por meio da industrialização. Autores como Celso Furtado entendem que há uma ruptura na política econômica a partir da Revolução de 1930, com destaque à clássica análise da política de preservação do setor cafeeiro para a manutenção dos níveis de renda na economia, favorecendo a internalização dos centros de decisão econômica e o processo de industrialização. O nacionalismo econômico brasileiro vai justamente se caracterizar pela busca de maior independência econômica, cujo pressuposto era o controle do Estado sobre seus recursos naturais para beneficiar a economia nacional. A posição do Brasil como exportador de matérias-primas, portanto, vulnerável às oscilações do mercado internacional, deixou de ser vista como vantajosa. E o Estado brasileiro será reestruturado e atuará decisivamente para promover as transformações estruturais julgadas necessárias para solucionar esta questão, especialmente buscando diversificar a economia por meio da industrialização.

Em 1938, no início do Estado Novo, Getúlio Vargas expôs as três alternativas possíveis para o início da industrialização pesada no país: a construção de uma usina siderúrgica estatal, financiada com capital estrangeiro ou recursos provenientes da exportação de minério de ferro; a construção de uma siderúrgica em conjunto pelo Estado e pela iniciativa privada nacional ou a construção de uma siderúrgica pela iniciativa privada nacional, com capital próprio e capital estrangeiro, mas sob supervisão estatal. A situação política internacional, de disputa entre a Alemanha e os Estados Unidos, por maiores esferas de influência, iria ampliar a margem de manobra do Governo brasileiro nas negociações para a implantação da siderurgia pesada no país, favorecendo a solução exclusivamente estatal. O resultado foi a constituição da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), sociedade de economia mista federal, em 1941, dando início à estruturação da usina siderúrgica estatal de grande porte. A construção da usina e da cidade industrial, apesar dos percalços gerados pela guerra, foi concluída em tempo razoável, sendo a CSN oficialmente inaugurada em 12 de outubro de 1946. Volta Redonda se tornou um símbolo da política industrial brasileira e da mudança estrutural da economia brasileira com o objetivo da emancipação econômica do país.

Ao contrário da criação das empresas estatais nos países europeus, a estatização no Brasil significou também a constituição da própria atuação empresarial nos vários setores da economia, internalizando o processo de industrialização. O Estado brasileiro vai, simultaneamente, concentrar recursos e constituir a base produtiva do país. Neste primeiro momento da construção do Estado industrial no Brasil, as questões referentes à mineração, siderurgia e petróleo se tornaram questões de Estado, vinculando a exploração dos recursos minerais à política nacional de industrialização. A criação das empresas estatais nestes setores, como a CSN, a Companhia Vale do Rio Doce (1942), as Centrais Hidrelétricas do São Francisco (1945), o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (1952), a Petrobrás (1953) e a Eletrobrás (1961), busca dar uma solução conjunta à implantação da base da indústria pesada e ao seu financiamento. O surgimento destas empresas estatais não se dá sem acirrados debates políticos e, como no caso da Petrobrás, após uma forte mobilização popular a seu favor, o que proporcionou a estas primeiras empresas grande legitimidade, inclusive permitindo a obtenção de seus recursos iniciais a partir de mecanismos de poupança forçada (recursos da previdência social, recursos provenientes da arrecadação de impostos setoriais, etc). A importância da iniciativa estatal no processo de industrialização brasileiro é insubstituível, embora o Estado não tenha assumido integralmente a responsabilidade de estruturar uma economia efetivamente nacional. A presença do Estado irá se materializar diante da ausência do capital privado nacional e em contraposição ao controle estrangeiro sobre os recursos minerais.

A grande diretriz da política econômica e social da chamada “Era Vargas” (1930-1964) foi, assim, a internalização dos centros de decisão econômica, por meio do processo de industrialização e urbanização. As teses da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina) tiveram grande receptividade a partir de 1949, pois davam fundamentação científica para a tradição intervencionista e industrialista existente no Brasil desde 1930. Especialmente a partir do Segundo Governo Vargas (1951-1954), a doutrina formulada pela CEPAL passou a ser vista como útil e importante para a reelaboração e fundamentação das políticas econômicas e da concepção de desenvolvimento, entendimento consolidado com a criação do Grupo Misto CEPAL-BNDE. A concepção do Estado como promotor do desenvolvimento, coordenado por meio do planejamento, dando ênfase à integração do mercado interno e à internalização dos centros de decisão econômica, bem como o reformismo social, característicos do discurso cepalino, foram plenamente incorporados pelos nacional-desenvolvimentistas brasileiros. Com o desenvolvimentismo, o Estado evolui de mero prestador de serviços para agente responsável pela transformação das estruturas econômicas, promovendo a industrialização.

Um projeto nacional de desenvolvimento precisa estar presente no imaginário coletivo da sociedade, sob pena de não sair do papel. Afinal, não é um simples plano de governo, mas uma construção coletiva que busca essencialmente os objetivos de uma sociedade melhor, mais igualitária e mais democrática no futuro. Os governos de Getúlio Vargas conseguiram realizar isto, ao defender a soberania nacional.

Getúlio Vargas não se destaca apenas por ter incorporado o projeto nacional de superação do subdesenvolvimento por meio da transformação da economia brasileira em uma economia industrial avançada. Sua presença é forte também no imaginário popular em virtude da legislação trabalhista promulgada em seu governo.

A chamada "Questão Social" não surge em 1930. A Revolução, inclusive, não significa o início da legislação trabalhista no Brasil. No entanto, é só a partir de 1930 que ocorre a aceleração e a sistematicidade das leis trabalhistas, encaradas, desde então, como uma política de Estado. A quase totalidade desta legislação foi editada durante o Governo Provisório, tendo sido elaborada pela assessoria jurídica do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (Oliveira Vianna, Joaquim Pimenta e Evaristo de Moraes). É durante a passagem de Salgado Filho pelo Ministério (entre 1932 e 1934) que o Estado assume a primazia da elaboração da legislação social. O Estado Novo, praticamente, apenas sistematizou a legislação trabalhista existente, com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943.

A interpretação dominante dos cientistas sociais brasileiros, elaborada a partir da década de 1970, vê o período entre 1930 e 1964 como uma época em que prevaleciam o clientelismo e a manipulação e cooptação das massas trabalhadoras pelo Estado. Este, por sua vez, teria interrompido o desenvolvimento da luta da classe trabalhadora, que vinha desde a República Velha, subordinando-a aos seus interesses. O corporativismo estatal teria estabelecido um sistema trabalhista repressivo, influenciado pelo fascismo italiano. Os adeptos desta corrente interpretativa acabam acreditando na efetivação concreta das intenções autoritárias dos promulgadores da legislação trabalhista durante a ditadura do Estado Novo.

Deste modo, limitam-se a qualificar a legislação de "fascista" e entendem que a propaganda e a repressão estatal criaram trabalhadores domesticados e dependentes do Estado. Esta análise não leva em consideração a complexidade e a ambiguidade que marcam a adoção da legislação trabalhista e seu impacto nas relações políticas e sociais da classe trabalhadora.

Deve-se ressaltar, também, que o Estado Novo não foi um Estado fascista, embora o corporativismo houvesse influenciado a Carta de 1937 e o regime ditatorial. Foi uma ditadura latino-americana, um Estado autoritário, não um totalitarismo. A grande influência ideológica na elaboração das leis trabalhistas que pode ser detectada foi a do positivismo de Auguste Comte, adaptado ao Rio Grande do Sul pelo líder republicano Júlio de Castilhos, fundador do Partido Republicano Riograndense (PRR, o partido de Getúlio Vargas durante a Primeira República). A proposta do positivismo castilhista era a de uma política de eliminação do conflito de classes pela mediação do Estado, com o objetivo de integração dos trabalhadores à sociedade moderna. Proposta implícita na elaboração das leis trabalhistas durante o Governo Provisório e, especialmente, durante o Estado Novo.

Hoje, as pesquisas realizadas vêm demonstrando que a adesão dos trabalhadores ao populismo e à legislação trabalhista é também entendida como uma espécie de atuação pragmática, visando consolidar conquistas alcançadas e obter novos benefícios. A legislação trabalhista permitiu a imposição de concessões e deveres ao Estado e aos empregadores. A sua utilização é apropriada de modos diferentes de acordo com os vários interesses em conflito. Os direitos trabalhistas não foram entendidos apenas como dádiva, mas também como conquista.

O ponto-chave a ser entendido sobre a legislação trabalhista é a sua vinculação com a cidadania no Brasil. Os direitos trabalhistas, pela intervenção do Estado, deram acesso à cidadania aos trabalhadores, que foram incorporados à política a partir da década de 1930. Deste modo, a cidadania dos trabalhadores, no Brasil, foi alcançada não pelos direitos políticos, mas pelos direitos sociais, definidos por lei. É, nas palavras de Wanderley Guilherme dos Santos, uma "cidadania regulada".

Isto significa que, a partir da década de 1930, os direitos dos cidadãos são decorrentes dos direitos vinculados à uma ocupação profissional, que, por sua vez, só existem pela regulamentação estatal. O instrumento jurídico que comprova o vínculo do indivíduo com a cidadania é a carteira de trabalho. A extensão da cidadania ocorre pela regulamentação de novas profissões e pela ampliação dos direitos associados ao exercício profissional, ou seja, os direitos trabalhistas.

Esta ampliação, ainda que limitada, da cidadania não foi absolutamente desinteressada. Na realidade, a elaboração da legislação trabalhista e a abertura do espaço político aos trabalhadores devem ser entendidos no contexto de um Estado nacional ainda fraco, com inúmeras divergências e conflitos entre os setores dominantes, que busca construir uma base social para firmar o seu poder. Este é um ponto crucial: as leis trabalhistas não foram elaboradas em benefício da burguesia industrial ascendente, embora pudessem atender aos seus interesses, mas para promoverem, com relativo controle do Estado, a organização e a estruturação da classe trabalhadora nos centros urbanos. Com o apoio dos trabalhadores, o Governo de Getúlio Vargas, sustentado por uma aliança frágil e dividida, poderia superar seus adversários internos. Do mesmo modo que os trabalhadores precisavam do Estado para garantir seus direitos, o Estado necessitava do apoio político dos trabalhadores.

Em vários setores, a legislação trabalhista e sindical favoreceu ou facilitou a mobilização e organização dos trabalhadores, pois a intervenção estatal contrapôs-se ao poder patronal, que passou a ser limitado por lei. O Estado acabou favorecendo, de forma não intencional, o surgimento de um espaço que poderia ser utilizado (e o foi, muitas vezes) para a organização dos trabalhadores. O que não significa que este espaço foi conquistado sem lutas. O atrelamento dos sindicatos ao Ministério do Trabalho (que durou até a Constituição de 1988) e a legislação sindical, elaborada, ainda, durante o Estado Novo, prejudicaram a organização autônoma dos trabalhadores, mas não a impediram.

A questão fundamental, na realidade, passa a ser a da concretização da CLT e o seu cumprimento pelo Estado, patrões e Justiça do Trabalho. A legislação trabalhista teve (e tem) este importante papel: o de criar uma cultura "jurídica" ou "legal" dos trabalhadores. Com a CLT, muitas vezes, o Estado foi utilizado para coibir violações de direitos por parte dos empregadores. Afinal, os trabalhadores não reivindicam nada mais do que o cumprimento da lei. A conquista dos direitos trabalhistas, em última instância, está ligada ao reconhecimento da dignidade dos trabalhadores.

Há muitas outras questões que poderiam ser aqui tratadas, mas que acabaram ficando de fora, como a política de integração nacional, da educação, da saúde, da ciência e tecnologia, etc. O importante foi ressaltar o papel central de Getúlio Vargas na estruturação do Estado brasileiro, na definição de um projeto nacional de desenvolvimento e na incorporação dos trabalhadores ao sistema jurídico e político.

Muitas críticas podem ser feitas às formas limitadas ou autoritárias sob as quais este processo ocorreu. No entanto, a intenção deste artigo foi o de chamar a atenção para a permanência de Getúlio Vargas, apesar de suas várias “mortes”. Se é verdade que o projeto nacional-desenvolvimentista de Getúlio Vargas foi derrotado pelo golpe de Estado de 1º de abril de 1964, com a queda de João Goulart e das “reformas de base”, também é verdade que este projeto continua sendo contraposto a todo o tempo às políticas entreguistas, de desmonte do Estado e de restrição dos direitos sociais que ocorreram e ocorrem no Brasil. Se há sessenta anos morria fisicamente Getúlio Vargas, sua obra e seus ideais continuam mais vivos do que nunca, à espera da tão adiada e necessária tarefa da superação do subdesenvolvimento, do término da construção da Nação, da efetiva emancipação do povo brasileiro.


(*) Gilberto Bercovici (Professor Titular de Direito Econômico e Economia Política da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

sábado, 23 de agosto de 2014

60 anos da morte de Getulio Vargas

Via Correio da Cidadania

Léo de Almeida Neves

Faz 60 anos que o inesquecível estadista Getulio Vargas, que tanto amou o povo brasileiro, dilacerou ele próprio seu coração com tiro certeiro na manhã de 24 de agosto de 1954.

O sonho brasileiro de justiça social, emancipação econômica, soberania, grandeza e ideal de transformar o país em potência mundial tem um símbolo a ser reverenciado sempre, Getulio Dornelles Vargas.

A Revolução de 30 por ele chefiada é um divisor histórico na Pátria brasileira, deixando para traz o Brasil arcaico, feudal, produtor de bens primários, profundamente desigual socialmente e que não reconhecia os direitos mais elementares da maioria da população. Ele cumpriu fielmente seus compromissos democráticos de introduzir o voto secreto e universal, de assegurar o direito de voto às mulheres e de criar a Justiça Eleitoral. Quanto mais passa o tempo, agiganta-se a recordação das iniciativas pioneiras e das realizações concretas de Getulio Vargas em prol do Brasil e da nossa gente.

Neste mês de agosto de 2014, foi lançado o 3º volume do aplaudido livro GETULIO 1945 – 1954, do renomado historiador Lira Neto. Também foram relançados, devidamente atualizados, os volumes 1, 2 e 3 da obra A ERA VARGAS, do notável jornalista e escritor José Augusto Ribeiro, por iniciativa da Fundação Leonel Brizola – Alberto Pasqualini de estudos políticos do PDT.

Precedido de grande publicidade foi exibido em todo o Brasil o filme GETULIO, focalizando os últimos dias do presidente a partir do “Atentado da Rua Toneleros” contra Carlos Lacerda, que resultou no assassinato do Major Rubens Florentino Vaz, no dia 5 de agosto de 1954.

A película tem duas falhas gritantes: não divulga a íntegra da Carta-Testamento de Vargas, o documento mais dramático da história brasileira, e omite a reportagem de sete páginas publicada em 19.04.1958 na principal revista da época, O CRUZEIRO, sobre o inventário de Getulio Vargas, revelando que havia deixado de herança apenas os bens recebidos de seus pais e um apartamento no Rio de Janeiro financiado pela Caixa Econômica Federal.

Após 45 anos de vida pública – deputado estadual, deputado federal, ministro da Fazenda, governador do Rio Grande do Sul, senador e 19 anos como Presidente da República, Getulio Vargas não aumentou bens no seu patrimônio, mostrando absoluta honestidade pessoal. Acrescente-se que seus filhos Lutero, Jandira, Alzira e Manuel, e seus irmãos Viriato, Protásio, Espartaco e Benjamim também não acumularam fortuna.

Getulio Vargas assumiu o poder em 03 de novembro de 1930 e já no dia 26 do mesmo mês decretou a criação do Ministério do Trabalho. Sucederam-se muitas medidas legais de proteção ao trabalhador, criação da Justiça do Trabalho e legislação previdenciária, culminando na Consolidação das Leis do Trabalho, em 1º de maio de 1943, com mais de 900 artigos, até hoje vigente.

Nenhum outro Presidente da República preocupou-se em escrever um diário, mais uma demonstração inequívoca do seu patriotismo e magnitude de estadista. Fantástico é que em todos seus discursos e manifestos escritos ele coloca no alto e em destaque absoluto a Pátria e o povo. Elaborado desde 03 de outubro de 1930 até 1942, o manuscrito foi transformado em livro (dois volumes) pela Editora Siciliano – 1995, e relata todos os principais acontecimentos que envolveram sua vida político-administrativa e a sua vigilância constante com a moralidade pública, o interesse permanente pela solução dos problemas brasileiros e da melhoria das condições de vida dos trabalhadores e do povo mais humilde.

Ele criou a Carteira de Crédito Agrícola e Industrial do Banco do Brasil, a Cia. Vale do Rio Doce (encampando a Itabira Iron), a Usina Siderúrgica de Volta Redonda, a Fábrica Nacional de Motores, o DASP, o Conselho Nacional do Petróleo.

Nacionalizou o subsolo, decretou o Código de Minas, e criou a Petrobras em 03 de outubro de 1953. Hoje, o Brasil é autossuficiente na produção de petróleo e estão em construção três grandes refinarias que garantirão o suprimento de derivados com tecnologia própria. A Petrobras descobriu e explora o pré-sal, já produzindo 500 mil barris diários. E, em 2020, o Brasil estará extraindo mais de quatro milhões de barris diários de óleo bruto, tornando-se um dos maiores produtores mundiais de petróleo.

A Eletrobrás que ele lançou, e seu sucessor João Goulart sancionou em lei, nos deu Tucuruí e Itaipu, a segunda maior usina hidrelétrica do universo.

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico fundado em 1952 por Vargas empresta mais dinheiro que o Banco Mundial e financia as grandes, médias e pequenas empresas brasileiras.

Getulio Vargas consolidou a unidade nacional e governou o país com visão de estadista, integridade pessoal, autoridade no exercício do cargo, competência e criatividade, nacionalismo e patriotismo exacerbados e, principalmente, com soluções brasileiras para problemas brasileiros, sem copiar figurinos estrangeiros ou a eles submeter-se, embora atento aos fatos universais e às suas repercussões internas.




Léo de Almeida Neves, membro da Academia Paranaense de Letras, ex-diretor do Banco do Brasil e ex-deputado federal.

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Quem são mesmo os invasores?






Não vamos falar aqui de Pedro Álvares Cabral, muito embora a origem das escrituras de imóveis privados sobre áreas públicas esteja nas capitanias hereditárias dos portugueses. Já faz muito tempo e ninguém mais se interessa pelo assunto.

O que gera furor é quando os sem-teto descamisados ocupam áreas ou edifícios ociosos para poderem ali morar. É um ataque ao direito e à lei. Onde já se viu, invadir o que é dos outros? Forma-se então uma "Santa Aliança" entre promotores, o Judiciário e políticos de plantão em defesa do Direito à Propriedade.

"Invadiu, tem que 'desinvadir'!", disse certa vez o governador de São Paulo para delírio da elite paulista.

Pois bem, é preciso ser coerente. Invadiu, tem que "desinvadir"? Vamos lá então. Apenas na cidade de São Paulo as áreas públicas invadidas ou com concessão de uso irregular para a iniciativa privada representam mais de R$ 600 milhões de prejuízo anual para o poder público.

A CPI das áreas públicas de 2001 mostrou que as 40 maiores invasões privadas representavam na época 731 mil m² de área.

E quem são os invasores?

Comecemos pelo setor de divertimentos. Os clubes Pinheiros, Ipê, Espéria, Paineira do Morumby e Alto de Pinheiros estão total ou parcialmente em áreas públicas e com cessão de uso irregular. Invadiu, tem que "desinvadir"! Cadê a bomba de gás na piscina do Morumbi?

Ah sim, isso sem falar no Clube Círculo Militar de São Paulo e no Clube dos Oficiais da Polícia Militar. E aí, quem topa despejar?

E os shoppings então... Os shoppings Continental, Eldorado e Center Norte invadiram expressamente áreas públicas, especialmente em suas zonas de estacionamento. No caso do Center Norte o abuso é gritante. A invasão foi legitimada pelo Judiciário, o que segundo o relatório da CPI configurou uma "decisão inusitada, inédita e revestida de ilegalidades que prejudicam o município".

Ué, o Judiciário legitimou invasão?! Cadê o direito à propriedade? No caso, ainda mais grave, trata-se de propriedade pública.

Compreensível, na medida em que a Apamagis (Associação Paulista dos Magistrados) está sediada numa área pública, com irregularidades na cessão de uso, no bairro nobre do Ibirapuera. E aí, não vai ter bala de borracha nos ilustríssimos juízes?

Querem mais? As agências do Bradesco na praça Panamericana e no Butantã invadiram áreas públicas em seus empreendimentos. O mercado Pão de Açúcar, na mesma praça Panamericana, e o Extra da avenida Juscelino Kubitschek fizeram o mesmo. Assim como as faculdades privadas Unisa e Unip Anchieta.

Por sua vez, o Itaú Seguros e a Colgate-Palmolive foram denunciados pela CPI de 2001 por concessão de uso irregular de áreas públicas.

Outro caso escandaloso é o da Casa de Cultura de Israel, ao lado do metrô Sumaré. Não satisfeitos em invadir o território palestino, os israelenses resolveram também tomar área pública em São Paulo. Tiveram concessão de uso de área pública e não cumpriram com termos e prazos.

E aí, governador: Invadiu, tem que "desinvadir"! Cadê a tropa de choque para despejar essa turma toda?

E ao Judiciário paulista, tão rápido em conceder liminar de reintegração de posse contra as ocupações de sem-teto, onde está o mandado contra os clubes, os shoppings e os bancos?

Neste momento há mais de 25 ordens de despejo contra ocupações de sem-teto só no centro de São Paulo. Nas periferias são outras tantas. Várias foram cumpridas nas últimas semanas, normalmente com truculência policial, como a da rua Aurora, quando o advogado Benedito Barbosa da Central de Movimentos Populares foi agredido e preso abusivamente.

Também neste momento mais de 8.000 famílias sem teto, de ocupações da região do Isidoro, em Belo Horizonte, estão à beira de serem jogadas violentamente na rua. A PM mineira está preparando uma operação de guerra, que pode vir a ter consequências trágicas nos próximos dias.

E então? Querem defender o direito à propriedade acima do direito à vida? Defendam, mas sejam ao menos coerentes. Despejem primeiro os bancos, mercados, shoppings e clubes em áreas públicas para depois virem falar da legitimidade de despejar trabalhadores sem teto.

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Os 90 anos da Coluna Prestes

“Hoje em dia, a estratégia das classes dominantes já não é tanto caluniar o Prestes, pois já não cola tanto. Como não dá pra silenciar, a estratégia deles é falsificar a história e apresentar Prestes e outros comunistas, como Gregório Bezerra e outras figuras revolucionárias, integrados ao sistema, figuras assim pasteurizadas, que podem ser aceitas por todos; esvaziá-las de seu conteúdo revolucionário, até porque já estão mortos e não podem protestar nem falar mais.”





Via O Diário.info
A professora e historiadora Anita Leocádia Prestes, filha dos revolucionários Luiz Carlos Prestes e Olga Benario, recebeu em sua casa, no Rio de Janeiro, a reportagem de A Verdade para uma entrevista sobre os 90 anos da Coluna Prestes, um dos movimentos políticos mais importantes da história brasileira no século 20.

Doutora em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF), professora do Programa de Pós-graduação em História Comparada da UFRJ e presidente do Instituto Luiz Carlos Prestes, Anita é uma grande conhecedora da experiência da Coluna. Na entrevista, ela explica as ideias defendidas pelos rebeldes e sua relação com a população pobre do interior do País, critica as tentativas de falsificação desta experiência e defende o legado do Cavaleiro da Esperança e de seus companheiros.

A Verdade: Neste ano, a Coluna Prestes completa 90 anos. Qual a importância deste movimento para a História do Brasil?

Anita Leocádia Prestes: A Coluna Prestes foi o único movimento de contestação do poder estabelecido que não foi derrotado no Brasil. Houve muitas lutas na história do País, tentativas de revolução, mas todas derrotadas. A formação histórica brasileira se deu de tal maneira que os 400 anos de escravidão e de grandes proprietários de terras tornaram as nossas classes dominantes extremamente poderosas e com força suficiente para derrotar todos os movimentos populares que ousassem contestar o poder.
A Coluna Prestes foi justamente o primeiro movimento que as classes dominantes não conseguiram derrotar. E por que foi possível acontecer isso? Tratava-se de uma tropa relativamente pequena, com apenas 1.500 homens desarmados (as poucas armas que tinham eram as que conseguiam retirar dos inimigos), sem uma logística militar, se contrapondo ao Exército brasileiro, a todas as Polícias Militares que o Governo mobilizou e aos jagunços dos coronéis do Nordeste, com os quais o Governo gastou muito dinheiro. Aliás, foram os jagunços que deram mais trabalho à Coluna, pois eles já tinham o hábito de lutar a cavalo, metidos no meio do mato, coisas a que as tropas oficiais do Exército não estavam acostumadas.
Foi a tática da guerra de movimento – que era uma grande novidade no Brasil e, em certo sentido, no mundo – que possibilitou à Coluna driblar as tropas governistas, derrotar 18 generais e nunca ter sido derrotada. Nós só podemos explicar esse êxito pela disposição de luta dos combatentes. As pessoas imaginam que a Coluna Prestes era formada por tenentes, mas, na realidade tinha apenas 12 oficiais. Os demais eram soldados, sargentos, cabos e muita população civil – trabalhadores, em sua maioria do campo. Também havia 50 mulheres.
Esse pessoal lutava com uma garra, um heroísmo, sem receber nada em troca. Desarmado, sem alimentação, comendo o que achava pelo caminho, atravessando desertos, pântanos, as maiores dificuldades, sempre sob fogo inimigo. Foram 53 combates, em nenhum dos quais o Governo saiu vitorioso; ao contrário, por vezes, acabava tendo que fugir por causa da tática da guerra de movimento e pela disposição de luta desses combatentes.

Em seu livro A Coluna Prestes você afirma que a Coluna era um exército diferente, com características populares. Esse certamente foi um dos motivos para ela nunca ter sido derrotada…

Justamente! A Coluna não era um exército elitista. Os comandantes levavam a mesma vida e passavam por mais sacrifícios que os soldados. Quando não havia cavalos suficientes, os que havia eram para os soldados, e o comandante ia a pé. Quando não tinha comida, a comida era para os soldados e não apenas para o comandante. Esse era o lema: o soldado da Coluna sabia que jamais seria abandonado. Quando ferido ou doente, sempre era levado no lombo do cavalo, e quando não tinha cavalo era carregado pelos companheiros. Essa disposição de luta tinha muito a ver com a confiança nas lideranças e com o acreditar no ideal, embora esse ideal fosse uma coisa bastante vaga para eles.
Os combatentes da Coluna acreditavam que precisavam derrotar o (presidente) Artur Bernardes, que, para eles, representava todos os males. Lutar contra o Bernardes era lutar por liberdade, e a Coluna fazia isso com o maior heroísmo, desmentindo essa história de que o brasileiro não é de luta, que o povo só gosta de samba, carnaval e futebol. A Coluna Prestes mostrou que os setores simples, pobres, do povo brasileiro lutam com muita garra quando acreditam na causa pela que estão lutando e encontram lideranças nas quais eles acreditam e confiam.

Qual era o programa da Coluna?

O programa era o mesmo dos tenentes. Nós não podemos isolar a Coluna do movimento tenentista. A Coluna foi o que durou mais daquele movimento, pois o Governo não o conseguiu derrotar. A Coluna Prestes correu 25 mil quilômetros pelo Brasil, atravessou 13 estados, derrotou 18 generais, durou mais de dois anos e nunca foi derrotada! O programa era, basicamente, o voto secreto, que era a grande reivindicação das oposições desde 1910, quando foi lançada na campanha civilista de Rui Barbosa, e que nunca foi conseguido na República Velha, pois isto era uma questão de princípios para as oligarquias agrárias que dominavam o País e que tinham interesse em continuar controlando o voto da população.
Tinha também a reivindicação de uma Justiça Eleitoral independente porque o processo eleitoral, além de ser fraudado, ainda passava pela chamada Comissão de Verificação de Poderes do Congresso Nacional, que era quem decidia quais candidatos eleitos podiam tomar posse.
De maneira geral, a Coluna cobrava que se cumprisse a Constituição Republicana de 1891. Os tenentes, em nenhum momento, pretendiam implantar uma ditadura militar. Ao contrário. Queriam entregar o poder a um político que fosse honesto, e nisso havia muita ingenuidade dos tenentes, sem dúvida. A ideia era bastante elitista, por sinal: não se tratava de mobilizar as massas populares nem organizá-las. Reforma agrária eles nem conheciam. Só quem falava de reforma agrária naquela época eram os comunistas, com os quais os tenentes não tinham contato.
Naquele contexto da década de 1920, quando o movimento operário estava em refluxo, pois saíra de derrotas muito sérias no final dos anos 1910, depois da grande greve de São Paulo, em 1917, e da insurreição anarquista no Rio de Janeiro, em 1918, as camadas médias urbanas estavam insatisfeitas com a impossibilidade de influir nas eleições, mas eram desorganizadas, sem lideranças, sem condições de realmente ter uma influência. Por isso, os tenentes acabam cumprindo esse papel de liderança de todos os movimentos de oposição.

Como a população recebeu essas propostas?

Havia muita simpatia, mas a massa popular estava desorganizada, e os tenentes também não estavam preocupados em organizá-las. A Coluna tinha uma visão substitutiva do povo, uma visão bem militar, de que eles fariam a revolução para o bem do povo. Não havia o objetivo de mobilizar as massas do campo, nem organizá-las ou conscientizá-las. A ideia era atrair as forças militares do Governo para o interior do País para, com isso, possibilitar os levantes tenentistas nas capitais. Prestes depois disse que os tenentes, como bons pequeno-burgueses, eram desorganizados, não sabiam conspirar, sempre eram descobertos pela Polícia, enfim, era um negócio muito bagunçado. Quem mais se organizou foi a Coluna, e o papel do Prestes teve muita importância nisso, pois conseguiu estruturar e organizar a tropa.

Em que momento surge a expressão “Cavaleiro da Esperança”?

Isso não surgiu no interior nem foi criação do Jorge Amado, diferente do que muitos pensam. No final de 1927, com a Coluna já na Bolívia, Astrojildo Pereira, na época secretário-geral do PCB, vai à Bolívia se encontrar com Prestes. Na volta, a entrevista que fez com Prestes é publicada no jornal Esquerda, do Rio de Janeiro, quando surge o epíteto de “Cavaleiro da Esperança”.
Nesse momento, o prestígio de Prestes era muito grande. O Governo de Washington Luís havia suspendido a censura da imprensa. A partir daí, ocorre uma explosão de informações sobre a Coluna, com repórteres sendo enviados à Bolívia para entrevistar Prestes. O prestígio da Coluna e de Prestes era tão grande que, quando a esquerda lança o epíteto de “Cavaleiro da Esperança”, isso pega.

Na condição de historiadora, como você define o papel de Luiz Carlos Prestes na história do País?

Começa pela Coluna. Todos que participaram dela reconhecem o papel destacado que Prestes desempenhou por ter sido responsável – não sozinho, mas principalmente – pela criação da tática da guerra de movimento, que foi algo extremamente inovador no Brasil e levou ao fracasso total da perseguição governista. Ao percorrer o interior do Brasil e se deparar com a miséria e a situação crítica das grandes massas, não só ele, mas todos os comandantes da Coluna, ficaram profundamente chocados. Prestes vai mais adiante que os outros e decide que tinha que fazer alguma coisa para modificar aquilo. É nesse momento que ele se aproxima do marxismo e descobre no comunismo a solução para os problemas que havia no Brasil.
Depois que a Coluna acaba, Prestes procura estudar e descobrir respostas. Estuda O Capital, de Marx, e as principais obras do marxismo, entrando, em contato não só com os comunistas brasileiros, mas com os comunistas latino-americanos, pois Buenos Aires (para onde Prestes foi depois de sair da Bolívia) era um centro do movimento comunista no continente.
Nesse processo, ele se aproxima do comunismo e lança o manifesto de maio de 1930, onde rompe oficialmente com os tenentes. Esse momento é muito importante não só na vida de Prestes, mas principalmente na história revolucionária brasileira, na história do Brasil. Isso porque as oligarquias dissidentes apostavam na figura de Prestes para fazer o movimento de 1930. Prestes, naquele momento, podia ter ocupado o lugar de Getúlio, pois tinha mais prestígio que Vargas. Basta pegar a imprensa da época para ver isso. Getúlio não era uma figura de grande destaque nacional; era no Rio Grande do Sul. Tinha sido ministro de Washington Luís, mas não tinha o prestígio que Prestes tinha naquele momento. Tanto que a campanha da Aliança Liberal para as eleições de 1º de março de 1930 foi feita sobre as bandeiras da Coluna, de Prestes e do tenentismo. Prestes era a figura que realmente empolgava as massas. No Nordeste era um entusiasmo enorme. Ele podia ter naquele momento assumido o lugar de Getúlio. O poder foi oferecido na bandeja. À medida que ele entende que aquilo não ia ser a solução dos problemas brasileiros, ele adere ao programa do PCB, que defendia uma revolução agrária e anti-imperialista.
Prestes entende que, se participar do movimento de 1930, ficará inteiramente subordinado aos objetivos das oligarquias agrárias que estavam dirigindo o movimento. Então, não concorda com isso. Esse é um gesto que as classes dominantes nunca perdoaram, pois contavam com Prestes e sua liderança a serviço destes interesses [das oligarquias]. À medida que rompe com isso e se torna comunista, ele salta para o outro lado da trincheira da luta de classe e vai se colocar ao lado dos operários, dos trabalhadores, dos oprimidos e explorados, abandonando aquela banda das classes dominantes que estava apostando na liderança dele.

A insurreição de 1935 é um marco nessa história…

1935 é o renascimento da liderança de Prestes. Em 1930, com esse gesto de renunciar ao poder, ele fica como um general sem soldados, totalmente isolado. Porém, logo depois da vitória de Vargas e do movimento de 1930, o processo de desgaste do novo regime começa muito rapidamente. À medida que esse processo de desgaste acontece, principalmente entre os setores das camadas médias urbanas, movimentos sindicais, operários e dos próprios tenentes, eles começam a se voltar para o Prestes e dizem: “Até que Prestes tinha razão”. Todo o prestígio de Prestes começa a renascer, embora ele esteja longe, lá em Moscou. Quando chega ao Brasil, em 1935, o prestígio dele é muito grande. Antes de chegar, já tinha sido criada a Aliança Nacional Libertadora (ANL) e ele tinha sido aclamado como presidente de honra. A liderança de Prestes vai ser muito importante neste momento. Enfim, o século 20 tem duas figuras importantes: uma é Getúlio e a outra, Prestes.

Mas nas escolas brasileiras esses fatos são pouco estudados. Por quê?

Essa história é totalmente desconhecida. Eu acho que a atitude dele tomada em 1930, quando adere ao marxismo e ao comunismo, e sua fidelidade a essa direção pelo resto da vida foram imperdoáveis para as classes dominantes.
Após 1930, os outros comandantes da Coluna aderiram a Getúlio e foram ser ministros. Eles não estavam interessados em divulgar a história da Coluna, porque para falar dela tinham que falar de Prestes, e, como ele havia se tornado comunista, isso não interessava.
No Estado Novo esse assunto era totalmente proibido. Na época da legalidade se falou muito pouco. O partido estava muito ocupado com outras coisas. Havia no PCB, e nas esquerdas de maneira geral, um descuido muito grande com a história, uma falta de preocupação com a necessidade de conhecer a história, de educar as novas gerações conhecendo as lutas do passado. Isso também contribuiu. Mas o principal é que as classes dominantes não estavam interessadas em que essa história fosse conhecida. Hoje em dia, a estratégia das classes dominantes já não é tanto caluniar o Prestes, pois já não cola tanto. Como não dá pra silenciar, a estratégia deles é falsificar a história e apresentar Prestes e outros comunistas, como Gregório Bezerra e outras figuras revolucionárias, integrados ao sistema, figuras assim pasteurizadas, que podem ser aceitas por todos; esvaziá-las de seu conteúdo revolucionário, até porque já estão mortos e não podem protestar nem falar mais. Então, se a gente não protesta, se a gente não procura mostrar a verdade, nos enganam muito. Isso [a falsificação] está sendo feito amplamente em relação ao Prestes.
Eu acho que o PCdoB está se especializando em se utilizar da imagem de Prestes. Exemplo: a devolução do mandato de senador de Prestes. Passaram-se 65 anos da cassação dos mandatos não só dele, mas de todos os parlamentares comunistas, e nunca esses senhores tomaram nenhuma iniciativa nesse sentido. Agora que tá todo mundo morto, não podem mais dizer nada, não representam mais nenhum perigo, se aproveitam do prestígio deles devolvendo os mandatos, fazendo uma encenação. Eu tenho certeza que se Prestes estivesse vivo ia botar a boca no trombone e não aceitaria isso.
Veja só, Renan Calheiros elogiando Prestes! É um negócio revoltante. Quem é Renan Calheiros para falar da vida de Prestes, fazer elogios?! Agora estão fazendo a mesma coisa com a Coluna. Já surgiu a ideia de institucionalizar a Coluna. Isso é integrar a Coluna na história oficial e esvaziá-la de seu conteúdo de luta, revolucionário.

Como deve ser o ensino da história da Coluna para as novas gerações?

Acho que tem que mostrar a história real da Coluna, não se trata de inventar nada. Apesar de todas as limitações, a Coluna lutou contra o poder, contra as classes dominantes, contra o poder estabelecido. E lutou com muita garra, se organizou para isso. Acho que isso é importante a gente mostrar: o caráter de luta. No fundo, acabava sendo uma luta de classes, embora eles não tivessem essa consciência. Nesse sentido é um exemplo. Prestes não era um herói nem um líder de todos os brasileiros, era um líder dos trabalhadores, dos revolucionários, daqueles que lutam para enterrar o capitalismo.

Os ideais revolucionários de Prestes e Olga continuam atuais?

Acho que continuam atuais, mas são muito pouco conhecidos e seguidos devido a essa repressão toda que houve no Brasil, à situação mundial, à derrota do socialismo real, enfim, uma série de fatores que aconteceram e que contribuíram para que a juventude hoje em dia conheça muito pouco. Mas acho que há interesse. Eu tenho, neste último ano, lançando meu livro – Luiz Carlos Prestes, o combate por um partido revolucionário –, viajado bastante pelo Brasil. Fiz muitas palestras em universidades, e há um interesse muito grande dos jovens.

Então você vê esperança na juventude?

Eu acho que tem esperança. Acho que a juventude tem principalmente ansiedade, está procurando uma resposta. As manifestações do ano passado revelaram isso. As pessoas, de repente, descobriram que precisam fazer alguma coisa, sair da pasmaceira, ir pra rua. E também viram que é possível conquistar alguma coisa. A responsabilidade das forças de esquerda, daqueles que realmente têm compromisso com as lutas populares, é tentar organizar – e acho que esse é o legado do Prestes também.

Por Heron Barroso e Pedro Gutman, Rio de Janeiro

Manifesto de Santo Ângelo

É chegada a hora solene de contribuirmos com nosso valoroso auxílio para a grande causa nacional.
Há 4 meses a fio que os heróis de São Paulo vêm se batendo heroicamente para derrubar o governo de ódios e de perseguições que só têm servido para dividir a família brasileira, lançando irmãos contra irmãos como inimigos encarniçados.
Todo o Brasil, de Norte a Sul, ardentemente deseja, no íntimo de sua consciência, a vitória dos revolucionários, porque eles lutam por amor ao Brasil, porque eles querem que o voto do povo seja secreto, que a vontade soberana do povo seja uma verdade respeitada nas urnas, porque eles querem que sejam confiscadas as grandes fortunas feitas por membros do governo às custas dos dinheiros do Brasil, porque eles querem que os governos tratem menos da politicagem e cuidem mais do auxílio ao Povo laborioso, que numa mescla sublime de brasileiros e estrangeiros, irmanados por um mesmo ideal, vive trabalhando honestamente pela grandeza do Brasil.
Todos desejam a vitória completa dos revolucionários porque eles querem o Brasil forte e unido, porque eles querem pôr em liberdade os heróis oficiais da revolta de 5 de julho de 1922, presos porque, num ato de patriotismo, quiseram derrubar o Governo Epitácio, que esvaziou criminosamente o nosso tesouro, e porque quiseram evitar a subida do Governo Bernardes, que tem reinado às custas do generoso sangue brasileiro.
Todos sabem hoje, apesar da censura da Imprensa e do Telégrafo, apesar das mentiras oficiais espalhadas por toda a parte, que os revolucionários têm recebido verdadeira consagração por onde têm passado e que até hoje não foram batidos.(…)De acordo com o plano geral, as tropas de Santo Ângelo talvez pouco demorem aqui, mas, durante este tempo, a ordem, o respeito, a propriedade e a família serão mantidos rigorosamente e, para isso, o governo revolucionário provisório conta com o auxílio da própria população.
Não queremos perturbar a vida da população, porque amamos e queremos a ordem com base no progresso. Podem, pois, estar todos calmos que nada acontecerá de anormal.São convocados todos os reservistas do Exército a se apresentarem ao quartel do 1º Batalhão Ferroviário, e fica aberto o voluntariado.
Todos os possuidores de automóveis, carroças ou cavalos deverão imediatamente pô-los a disposição do 1º Batalhão Ferroviário e serão em todos os seus direitos respeitados.Todas as requisições serão documentadas e assignadas sob a responsabilidade do Ministro da Guerra.
Pelo Governo Revolucionário do Brasil
Cap. Luiz Carlos Prestes 29/10/1924

(Trechos de um dos Manifestos da Coluna)
averdade.org.br/2014/07/os-90-anos-da-coluna-prestes-entrevista-exclusiva-de-anita-leocadia-prestes-ao-jornal-verdade/

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Reformar o pensamento é a grande tarefa na contemporaneidade

É preciso aprender a pensar, diz Nietzsche no final do século XIX, pensar é uma atividade que exige aquisição de uma técnica, assim como na dança. É preciso aprendê-la, exercitá-la, até adquirir a sofisticação de um mestre, de um bailarino. Nas escolas, e até mesmo nas Universidades, ninguém tem ideia do que isso seja.

Retomar a potência criativa do pensamento é o alvo, resgatar o prazer de ver uma questão a partir de diferentes perspectivas, de olhá-la cuidadosamente, perceber o que manifesta e o que oculta, onde se desdobra, antes de emitir um valor. Em vez disso, como franco-atiradores, lançamos juízos rasos e maniqueístas sobre o mundo, o outro, nós mesmos, a vida, e nos tornamos as maiores vítimas destas avaliações.

A função do pensamento deve ser sempre afirmar a vida, potencializá-la, por isso a vida deve ser o único critério para a aquisição de conceitos e valores: que importância este saber, este conteúdo tem para a vida, de que modo nos faz viver melhor?

Trechos do livro “O Homem que sabe- Do homo sapiens à crítica da razão” de Viviane Mosé.

domingo, 10 de agosto de 2014

O Filósofo, este inútil!



São Paulo, 8 de agosto de 2014. A Folha de São Paulo publicava no alto da primeira página uma foto cinzenta. Uma cidade envolta em brumas. Legenda: "camada de poluição cobre São Paulo, que teve umidade relativa do ar mínima de 19,3% nesta quinta e entrou em estado de alerta". O recomendável é um mínimo de até 30%, sendo que 16% é a média do deserto do Saara.

Poluição, ar seco e seca. O nosso governador de Estado, membro de um partido que está há décadas no poder, parece acreditar que a culpa é de São Pedro. O santo esqueceu sua obrigação de fazer chover sobre nós! E ele, o competentíssimo governador parece reivindicar seu lugar também no reino dos céus em substituição ao santo incompetente. Nosso governador contratou uma empresa para pulverizar as nuvens e fazer chover... Merece ou não merece o nosso voto?!

Na ex-terra da garoa, atual terra da seca, se inverteu a lógica ambiental. Há décadas o mundo fala em sustentabilidade, após ter falado por décadas em preservacionismo. Em São Paulo se acredita que reservatórios de água são itens desnecessários e que cada indivíduo deve ter seu próprio transporte movido à combustão para circular por esta selva de pedra, de preferência todos ao mesmo tempo agora. O carro do ano é símbolo da pessoa bem sucedida na vida, símbolo que se deve exibir ao limite. As faixas exclusivas de ônibus, inclusive, atrapalham o trânsito dos carros... E olha, uma atriz global num busão... Que coisa horrorosa!!!

Mas, São Paulo agora também é a terra do Templo de Salomão, que em breve, se não for embargado e demolido devido a desacertos com alvarás de construção (alguém acredita?), também estará cinzento por trabalho do nosso ar sulfúrico. De qualquer forma, trânsito de veículos parece algo que não preocupa o multimilionário proprietário do templo (o Salomão do século XXI), já que ele próprio pode sobrevoar a cidade fumacenta. Ele e suas maletas misteriosas. E não, não é por levitação ou asas angelicais, mas sim de helicóptero. E por estes dias alguém filmou funcionários do tal templo carregando o "bispo-coptero" com malas pesadas. A pergunta que não quer calar: o que tem nas malas? Sabe-se lá...

Os evangélicos, aliás andam se mostrando muito interessado em política internacional. Dias antes da inauguração do tal templo se moveram até Brasília para opor-se à decisão presidencial de retirar o diplomata brasileiro de Israel. Se é que eu entendi direito, na concepção deste grupo se opor à Israel é se opor a Cristo, então a comunidade cristã brasileira seria muito prejudicada se opondo a Israel... 

No meu facebook tem alguém que repassa fotos tiradas em Gaza. Crianças mutiladas, sem braços, sem pernas, carbonizadas, mães e pais desesperados... Periodicamente sou bombardeada com imagem revoltantes (para dizer o mínimo)... E na concepção dos nossos evangélicos, se opor a Israel é se opor a Cristo! E assim, Cristo continua sendo crucificado, todos os dias, pelos vendilhões do templo. Afinal, se o Brasil cortar relações com Israel, como as igrejas evangélicas "negociarão" as viagens de seus fiéis à Israel? É, a "comunidade cristã brasileira" será muito prejudicada... O que interessa aos evangélicos se Netanyahu e Obama promovem o genocídio de inocentes em prol de suas negociatas e ambições? O que interessa se a indústria de armamentos não cessa de cultivar guerras para não cessar de comercializar seus produtos? O que importa aos evangélicos é não se opor... a Cristo.

Políticos, pastores/bispos têm algo em comum: a retórica. O mesmo artifício de linguagem no qual as grandes corporações se escoram, de todas as formas possíveis, para exercer seu domínio sobre a humanidade, a civilização e os recursos naturais. E uma coisa nunca está desvinculada de outra. O corporativista/investidor, assim como o político e o "religioso", se servem do retórico comunicólogo e sua "comunicação corporativa". E a técnica é simples: ressalta-se o que parece benéfico às necessidades humanas mais básicas; esconde-se os malefícios. Quem presta atenção à retórica dos benefícios tem a sua atenção desviada dos malefícios e assim, ignorante, continua na situação de cordeiro de rebanho. A retórica e o marketing são a arte da manipulação, a política e a religião são seus usuários. 

R. R. Soares, na noite de ontem, dizia para seus fiéis não deixarem de assistir ao filme "Deus Não Está Morto", obra que conta a história de um estudante que se depara com um arrogante filósofo... A provocação tem endereço certo: os filósofos nietzschianos radicais de esquerda. Ora, filósofo sempre acaba taxado de arrogante, se bem que os retóricos mais sofisticados vêm usando a estratégia de assimilar a filosofia ao seu discurso e não de atacá-la. Então, falam em filosofia da administração, filosofia empresarial, filosofia de carreira, ética empresarial, comunicação ética... Falácias, falácias, falácias! Ao que parece, os menos sofisticados tentarão denegrir Nietzsche, o filósofo que em fins do século XIX disse "Deus está morto"... Como nietzschiana me sinto honrada e agradecida! O filósofo do martelo, se vivo estivesse, sentiria cócegas... Ah, esses arrogantes!

E a guerra verbal entre esquerda e direita continua. A esquerda sempre me parece estar à frente. Mesmo os mais ignorantes esquerdistas ainda me parecem superiores aos tolos direitistas. Os primeiros ainda conseguem discorrer, o outro grupo apela para a barbárie verbal e, também, agora tenta denegrir a Filosofia... Para que serve um filósofo, dizem eles? Eles não servem para nada, respondem os "azevetes". Não produzem riqueza, dizem os bárbaros espertalhões. Somos uns inúteis!

Quando eu era criança, lia os jornais e me perguntava porque os EUA se envolviam com os conflitos que aconteciam em todo o mundo. A retórica dos salvadores da pátria zelando pela paz mundial já me parecia furada... Mais recentemente, não simpatizei nem um pouco com Michel Onfray, o filósofo francês nietzschiano e precursor da Ateologia. Mas, como recusar o que ele diz (que por medo e desespero as pessoas imaginam um Deus antropomorfizado que as salvará das misérias da vida, enquanto sua crença é explorada por instituições manipuladoras) se vejo isso acontecendo hoje, todos os dias? A retórica sempre deixa um rabinho de fora e filósofo é especialista em torcer o rabo alheio (com todo o respeito).

O medo dos homens frente à sua condição de fragilidade diante da vida e das coisas do mundo é explorado pelos políticos, pelos religiosos, pelos marketeiros... O que temos hoje é esgotamento ambiental, esgotamento das instituições políticas, esgotamento das instituições religiosas... E a crise de Gaza é o sinal de fim de um mundo... Quem diria que como contraponto ao holocausto de judeus se criaria um Estado que faria um novo holocausto em nome do povo judeu?! Os injustiçados nem sempre recusam aplicar a injustiça a outros. Quando influenciados pelas circunstâncias e por má retórica político/religiosa/corporativista, perdem a memória.

Se há algo de realmente positivo neste tempo é que as peças do jogo estão muito claras. Os governantes norte-americanos não enganam mais nem os próprios norte-americanos. Os péssimos profissionais da comunicação enganam cada vez menos e os pastores evangélicos enriquecem por conta do crescente desespero, mas ainda há quem enfrente o desespero sem placebos... Esta não é primeira grande crise da humanidade e não será a última... Já a Filosofia e os filósofos, para seres inúteis e arrogantes, até que andam bem em evidência e incomodando!



Breno Altman: Judaísmo não é sionismo

Do Viomundo



O presidente da Confederação Israelita do Brasil, Claudio Lottenberg, publicou nesta Folha um artigo instigante. O título embute uma premissa fundamental: “Antissionismo é antissemitismo”.

Trata-se de conveniente cláusula para interdição do debate: não seria possível confrontar as ideias de Theodore Herzl sem se confundir com os que levaram seis milhões de judeus ao extermínio.

Tal escudo moral, amparado na vitimização, resvala para o cinismo. Sucessivos governos sionistas, afinal, transformaram Israel em país ocupante de territórios alheios, impedindo a soberania de outro povo, o palestino. Os requintes de brutalidade para manter essa dominação colonial, nos últimos anos, ofendem a comunidade internacional. O álibi do Holocausto, nessas circunstâncias, constitui insulto à humanidade e à memória judaica.

Lottenberg nem sequer se refere ao massacre de Gaza, mesmo diante dos corpos de mulheres e crianças. Prefere apresentar versão edulcorada do sionismo, que seria “a expressão moderna da autodeterminação nacional judaica”. Não faz qualquer questão de se diferenciar dos bandos mais reacionários, como o Likud de Benjamin Netanyahu.

O autor vai ainda mais longe. Para ele, os judeus “definem-se por uma religião (o judaísmo), uma língua (o hebraico) e uma terra (Israel)”. De uma penada, expurgou, por exemplo, os judeus que são ateus, aqueles cuja língua é a do país no qual vivem e os que não consideram primordial a existência de Israel.

Atualmente hegemônico entre os judeus, o sionismo é apenas uma corrente de opinião, que se caracteriza por abordagem nacionalista. Não equivale a eventual código histórico-cultural dos povos judeus. Trata-se tão somente de uma orientação político-ideológica fundida à religião e ao Estado.

O epicentro de seu discurso sempre foi a criação de uma “pátria judaica”. Vários dos fundadores do sionismo eram agnósticos, mas selaram aliança com chefes religiosos para reforçar seu poderio, ainda que às custas de construir o Estado de Israel como entidade confessional.

Ao contrário da autodeterminação dos negros na África do Sul pós-Mandela, forjando uma república laica e não racial, o nacionalismo sionista pressupõe supremacia judaica e religião estatal. Essa concepção levou a uma nação com tripla personalidade: democracia para judeus, cidadania de segunda classe para árabes-israelenses e regime de apartheid para palestinos dos territórios ocupados.

Nem todos os sionistas, é verdade, são defensores do colonialismo. Muitos, como o próprio Lottenberg, são partidários da solução dos dois Estados e da retirada para as fronteiras anteriores a 1967. Constitui manobra repulsiva, porém, afirmar que seja antissemitismo a contraposição ao sionismo. Essa é a lógica que dirigentes sionistas sempre quiseram impor aos críticos da política belicista e expansionista de Israel.

Não é ser antissemita negar aos grupos dominantes do sionismo o direito de cometer crimes de limpeza étnica, discriminação e agressão armada contra o povo palestino.

Não são definitivamente antissemitas os judeus que, honrando longa história de participação nas lutas pela emancipação dos povos e pela paz, se apresentam para combater a doutrina supremacista que rege o Estado de Israel.


BRENO ALTMAN, 52, jornalista, é diretor do site Opera Mundi

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Cara, eu ganho. Coroa, você perde!




A elite brasileira é intransigente. Não aceita concessões, por menores que sejam. Qualquer pequeno incômodo é tratado como abalo sísmico por seus representantes no poder de Estado, na mídia e em seu habitat natural, o mercado financeiro.

O inofensivo decreto 8.243 é acusado de bolivarianismo. Os gastos federais com assistência social, que correspondem a menos de 4% do Orçamento da União, são apresentados como perigoso risco fiscal. O governo petista não atacou nenhum de seus privilégios, mas quando Dilma sobe a Bolsa cai.

A bola da vez agora parece ser o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto e a luta popular por moradia. As ocupações urbanas tiveram um crescimento expressivo desde 2013, motivadas pelo aumento insano do valor dos aluguéis. Isso levou o movimento às ruas e ampliou a pressão sobre o poder público.

Pressão legítima e democrática, que é a forma que se conhece historicamente para o Estado atender os interesses dos mais pobres.

Vieram algumas vitórias. Poucas, aliás. A liberação de recursos para compra de terrenos e financiamento de obras de moradia, a criação de uma comissão para mediação de conflitos em despejos e o aprimoramento de normativas do programa Minha Casa, Minha Vida.

Pronto, foi o suficiente para despertar a ira da turma do eixo Higienópolis - Jardins. O Ministério Público de São Paulo entrou com três ações para investigar os "privilégios" do MTST. Choveram editoriais contra os novos "donos da política habitacional". E, naturalmente, matérias com denúncias e ataques para os mais variados gostos.

E vejam que o MTST não conseguiu sequer arranhar a estrutura da política habitacional brasileira. Suas conquistas foram pontuais. Significaram um fortalecimento tímido da modalidade Entidades do Minha Casa Minha Vida, onde a gestão do projeto e obra é feita pelos futuros moradores, ao invés de empreiteiras. Porém, esta modalidade permanece sendo uma pequena gota no oceano. Mais de 95% das moradias do programa são feitas por meio de construtoras.

O setor imobiliário e da construção civil continua dando o tom e definindo as regras da política habitacional brasileira. Detêm os terrenos e controlam a maioria dos financiamentos públicos do Minha Casa, Minha Vida. São os grandes interlocutores do Estado em todos os seus níveis, até por serem os maiores financiadores de campanha eleitoral do país. Mas os "privilegiados", os "donos da política habitacional" são os militantes do MTST.

As conquistas obtidas pelo MTST de 2009 a 2014, no Brasil todo, não chegam a 8.000 moradias, somando as contratadas e as somente acordadas. Só a MRV Engenharia, nos primeiros dois anos do programa, recebeu financiamento público para 40 mil moradias. Apenas entre 2009 e 2011! E estamos falando de uma construtora das dezenas que recebem financiamento pelo programa. Quem manda mesmo na política de habitação?

Mas para os donos do poder mesmo isso é demais. Resolveram então partir para o ataque. Na vanguarda, como sempre, a revista "Veja", maior especialista em desmoralização sem fatos.

A indústria de escândalos e factoides da revista "Veja" é de uma produtividade inquestionável. Quando há fatos, distorcem e amplificam de acordo com seu interesse. Quando não há os criam. É desnecessário retomar exemplos como o famoso grampo sem áudio no STF ou a entrevista com o líder forjado das manifestações de junho. O jornalista Luis Nassif, em seu dossiê "O Caso Veja", já desmascarou em minúcias o padrão "Veja" de fabricação de mentiras, seus métodos inescrupulosos e suas relações promíscuas com o poder econômico.

Atacar movimentos populares não é novidade para a mídia hegemônica no país. O MST foi seu alvo predileto durante muitos anos. Mas a "Veja" dá sempre um passo além. Faz descaradamente o que os demais fazem apenas nas entrelinhas.

Os argumentos que usou no recente ataque ao MTST são sintomáticos de seu método. O Movimento dos Trabalhadores Sem Teto é uma "indústria de ocupações" por organizar a participação de seus membros com listas de presença. E as ocupações são uma "farsa" porque as pessoas não moram definitivamente nelas.

São casos exemplares do cinismo argumentativo que tem como lema: Cara, eu ganho. Coroa, você perde.

Se o MTST não tivesse nenhum tipo de controle e organização de quem participa seria acusado de descriterioso. Como se organiza por listas e cadastros, para definir legitimamente sua demanda, é acusado de ser "indústria de ocupações".

O caso dos barracos nas ocupações, também ecoado por esta Folha, é ainda mais emblemático. As pessoas que ocupam um terreno normalmente não estavam em situação de rua. Tinham um local anterior, embora muito precário: um pequeno cômodo, um barraco numa área de risco ou uma casa na qual não conseguem mais pagar aluguel.

A metodologia do MTST implica não estimular as famílias a romperem este vínculo precário de moradia. Se as milhares de famílias que participam de ocupações, buscando uma condição mais digna de vida, fossem morar definitivamente lá, com todos seus pertences, o resultado seria a criação em larga escala de novas favelas.

As ocupações têm o sentido de pressão sobre a especulação imobiliária e o poder público para fazer andar a política habitacional, não a favelização. Por isso, a proposta das pessoas não morarem definitivamente nelas. Se o MTST fizesse o contrário seria acusado de "indústria de favelas", "loteador clandestino" etc.

Ou seja, não há saída quando o jornalismo é viciado. Os interesses são impermeáveis aos argumentos. Quando a ordem é atacar e desmoralizar prevalece sempre o cinismo: Cara, eu ganho. Coroa, você perde!

Fidel Castro: Holocausto palestino em Gaza


Por Fidel Castro Ruz.*

Penso que uma nova e repugnante forma de fascismo está surgindo com notável força neste momento da história humana, no qual mais de sete bilhões de habitantes se esforçam pela própria sobrevivência. 

Nenhuma destas circunstâncias tem a ver com a criação do Império Romano há cerca de 2.400 anos, ou com o império norte-americano que, nesta região do mundo, há apenas 200 anos, foi descrito por Simón Bolívar quando exclamou que: “(…) os Estados Unidos parecem destinados pela Providência a infestar a América com misérias em nome da Liberdade”.

Novamente, peço ao Granma que não dedique espaço de primeiro plano a estas linhas, relativamente breves, sobre o genocídio que se está cometendo contra os palestinos. Escrevo-as com rapidez apenas para deixar constância do que requer meditação profunda.

Por Fidel Castro, no GranmaA Inglaterra foi a primeira real potência colonial que usou seus domínios sobre grande parte da África, do Oriente Médio, da Ásia, Austrália, América do Norte e muitas das ilhas antilhanas, na primeira metade do século 20.

Não falarei, nesta ocasião, das guerras e dos crimes cometidos pelo império dos Estados Unidos ao longo de mais de cem anos, mas só registrarei o que quis fazer com Cuba, o que fez com muitos outros países no mundo e só serviu para provar que “uma ideia justa desde o fundo de uma caverna pode mais do que um Exército”.

A história é muito mais complicada do que tudo o que foi dito, mas foi assim, em grandes traços, como a conheceram os habitantes da Palestina e, é lógico, igualmente, que nos meios modernos de comunicação se reflitam as notícias que diariamente chegam; assim ocorreu com a vexatória e criminosa guerra na Faixa de Gaza, um pedaço de terra onde vive a população do que restou da Palestina independente até apenas meio século atrás.

A agência francesa AFP informou, no sábado (2): “A guerra entre o movimento islamita palestino Hamas e Israel causou a morte de cerca de 1.800 palestinos (…), a destruição de milhares de lares e a ruína de uma economia já debilitada”, ainda que não assinale, à partida, quem iniciou a terrível guerra.

Depois adiciona: “(…) no sábado, ao meio-dia, a ofensiva israelense havia matado 1.712 palestinos e ferido 8.900. As Nações Unidas puderam verificar a identidade de 1.117 mortos, majoritariamente civis. (…) A Unicef contabilizou ao menos 296 menores [de idade] mortos”.

“As Nações Unidas estimaram (…) (cerca de 58.900 pessoas) sem casas na Faixa de Gaza.”

“Dez dos 32 hospitais fecharam e outros 11 foram afetados.”

“Este enclave palestino de 362 quilômetros quadrados não dispõe tampouco das infraestruturas necessárias para os 1,8 milhão de habitantes, sobretudo em termos de distribuição de eletricidade e de água.”

“Segundo o Fundo Monetário Internacional, a taxa de desemprego ultrapassa 40% na Faixa de Gaza, território submetido, desde 2006, a um bloqueio israelense. Em 2000, o desemprego afetava cerca de 20% e, em 2011, cerca de 30%. Mais de 70% da população depende da ajuda humanitária em tempos normais, segundo o Gisha [Centro Legal para a Liberdade de Movimentação].”

O governo de Israel declara uma trégua humanitária em Gaza às 07h00 (hora de Greenwich) desta segunda-feira (4), entretanto, às poucas horas rompeu a trégua ao atacar uma casa em que 30 pessoas, em sua maioria mulheres e crianças, foram feridas e, entre elas, uma menina de oito anos, que morreu.

Na madrugada deste mesmo dia, 10 palestinos morreram como consequência dos ataques israelenses em toda a Faixa e já subiu a quase dois mil o número de palestinos assassinados.

A matança chegou a tal ponto que o “ministro das Relações Exteriores da França, Laurent Fabius, anunciou nesta segunda-feira que o direito de Israel à segurança não justifica o ‘massacre de civis’ que está perpetrando”.

O genocídio dos nazistas contra os judeus colheu o ódio de todos os povos da terra. Por que acredita o governo desse país que o mundo será insensível a este macabro genocídio que hoje está cometendo contra o povo palestino? Por acaso se espera que ignore quanto há de cumplicidade por parte do império norte-americano neste massacre desavergonhado?

A espécie humana vive uma etapa sem precedentes na história. Um choque de aviões militares ou aeronaves de guerra que se vigiam estreitamente ou outros fatos similares podem desatar uma contenda com o emprego das sofisticadas armas modernas que se converteria na última aventura do conhecido Homo sapiens.

Há fatos que refletem a incapacidade quase total dos Estados Unidos para enfrentar os problemas atuais do mundo. Pode-se afirmar que não há governo nesse país, nem o Senado, nem o Congresso, a Agência Central de Inteligência, o Pentágono, que determinarão o desenlace final. É triste, realmente, que isso ocorra quando os perigos são maiores, mas também as possibilidades de seguir adiante.

Quando houve a Grande Guerra Patriótica, os cidadãos russos defenderam seu país como espartanos; subestimá-los foi o pior erro dos Estados Unidos e da Europa. Seus aliados mais próximos, os chineses, que, como os russos, obtiveram a sua vitória a partir dos mesmos princípios, constituem hoje a força econômica mais dinâmica da terra. Os países querem yuanes, e não dólares, para adquirir bens e tecnologia e incrementar o seu comércio.

Novas e imprescindíveis forças surgiram. Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, cujos vínculos com a América Latina e com a maioria dos países do Caribe e da África, que lutam pelo desenvolvimento, constituem a força que, em nossa época, está disposta a colaborar com o resto dos países do mundo sem excluir os Estados Unidos, a Europa e o Japão.

Culpar a Federação Russa pela destruição, em pleno voo, do avião da Malásia é de um simplismo desconcertante. Nem Vladimir Putin ou Serguei Lavrov, ministro das Relações Exteriores da Rússia, nem os demais dirigentes deste governo fariam, jamais, semelhante disparate.

Vinte e seis milhões de russos morreram na defesa da Pátria contra o nazismo. Os combatentes chineses, homens e mulheres, filhos de um povo de cultura milenar, são pessoas de inteligência privilegiada e espirito de luta invencível, e Xi Jinping é um dos líderes revolucionários mais firmes e capazes que já conheci na minha vida.

Cuba,
4 de agosto de 2014

* Publicado originalmente no Granma. A tradução é de Moara Crivelente, para o Vermelho.