São Paulo, 8 de agosto de 2014. A Folha de São Paulo publicava no alto da primeira página uma foto cinzenta. Uma cidade envolta em brumas. Legenda: "camada de poluição cobre São Paulo, que teve umidade relativa do ar mínima de 19,3% nesta quinta e entrou em estado de alerta". O recomendável é um mínimo de até 30%, sendo que 16% é a média do deserto do Saara.
Poluição, ar seco e seca. O nosso governador de Estado, membro de um partido que está há décadas no poder, parece acreditar que a culpa é de São Pedro. O santo esqueceu sua obrigação de fazer chover sobre nós! E ele, o competentíssimo governador parece reivindicar seu lugar também no reino dos céus em substituição ao santo incompetente. Nosso governador contratou uma empresa para pulverizar as nuvens e fazer chover... Merece ou não merece o nosso voto?!
Na ex-terra da garoa, atual terra da seca, se inverteu a lógica ambiental. Há décadas o mundo fala em sustentabilidade, após ter falado por décadas em preservacionismo. Em São Paulo se acredita que reservatórios de água são itens desnecessários e que cada indivíduo deve ter seu próprio transporte movido à combustão para circular por esta selva de pedra, de preferência todos ao mesmo tempo agora. O carro do ano é símbolo da pessoa bem sucedida na vida, símbolo que se deve exibir ao limite. As faixas exclusivas de ônibus, inclusive, atrapalham o trânsito dos carros... E olha, uma atriz global num busão... Que coisa horrorosa!!!
Mas, São Paulo agora também é a terra do Templo de Salomão, que em breve, se não for embargado e demolido devido a desacertos com alvarás de construção (alguém acredita?), também estará cinzento por trabalho do nosso ar sulfúrico. De qualquer forma, trânsito de veículos parece algo que não preocupa o multimilionário proprietário do templo (o Salomão do século XXI), já que ele próprio pode sobrevoar a cidade fumacenta. Ele e suas maletas misteriosas. E não, não é por levitação ou asas angelicais, mas sim de helicóptero. E por estes dias alguém filmou funcionários do tal templo carregando o "bispo-coptero" com malas pesadas. A pergunta que não quer calar: o que tem nas malas? Sabe-se lá...
Os evangélicos, aliás andam se mostrando muito interessado em política internacional. Dias antes da inauguração do tal templo se moveram até Brasília para opor-se à decisão presidencial de retirar o diplomata brasileiro de Israel. Se é que eu entendi direito, na concepção deste grupo se opor à Israel é se opor a Cristo, então a comunidade cristã brasileira seria muito prejudicada se opondo a Israel...
No meu facebook tem alguém que repassa fotos tiradas em Gaza. Crianças mutiladas, sem braços, sem pernas, carbonizadas, mães e pais desesperados... Periodicamente sou bombardeada com imagem revoltantes (para dizer o mínimo)... E na concepção dos nossos evangélicos, se opor a Israel é se opor a Cristo! E assim, Cristo continua sendo crucificado, todos os dias, pelos vendilhões do templo. Afinal, se o Brasil cortar relações com Israel, como as igrejas evangélicas "negociarão" as viagens de seus fiéis à Israel? É, a "comunidade cristã brasileira" será muito prejudicada... O que interessa aos evangélicos se Netanyahu e Obama promovem o genocídio de inocentes em prol de suas negociatas e ambições? O que interessa se a indústria de armamentos não cessa de cultivar guerras para não cessar de comercializar seus produtos? O que importa aos evangélicos é não se opor... a Cristo.
Políticos, pastores/bispos têm algo em comum: a retórica. O mesmo artifício de linguagem no qual as grandes corporações se escoram, de todas as formas possíveis, para exercer seu domínio sobre a humanidade, a civilização e os recursos naturais. E uma coisa nunca está desvinculada de outra. O corporativista/investidor, assim como o político e o "religioso", se servem do retórico comunicólogo e sua "comunicação corporativa". E a técnica é simples: ressalta-se o que parece benéfico às necessidades humanas mais básicas; esconde-se os malefícios. Quem presta atenção à retórica dos benefícios tem a sua atenção desviada dos malefícios e assim, ignorante, continua na situação de cordeiro de rebanho. A retórica e o marketing são a arte da manipulação, a política e a religião são seus usuários.
R. R. Soares, na noite de ontem, dizia para seus fiéis não deixarem de assistir ao filme "Deus Não Está Morto", obra que conta a história de um estudante que se depara com um arrogante filósofo... A provocação tem endereço certo: os filósofos nietzschianos radicais de esquerda. Ora, filósofo sempre acaba taxado de arrogante, se bem que os retóricos mais sofisticados vêm usando a estratégia de assimilar a filosofia ao seu discurso e não de atacá-la. Então, falam em filosofia da administração, filosofia empresarial, filosofia de carreira, ética empresarial, comunicação ética... Falácias, falácias, falácias! Ao que parece, os menos sofisticados tentarão denegrir Nietzsche, o filósofo que em fins do século XIX disse "Deus está morto"... Como nietzschiana me sinto honrada e agradecida! O filósofo do martelo, se vivo estivesse, sentiria cócegas... Ah, esses arrogantes!
E a guerra verbal entre esquerda e direita continua. A esquerda sempre me parece estar à frente. Mesmo os mais ignorantes esquerdistas ainda me parecem superiores aos tolos direitistas. Os primeiros ainda conseguem discorrer, o outro grupo apela para a barbárie verbal e, também, agora tenta denegrir a Filosofia... Para que serve um filósofo, dizem eles? Eles não servem para nada, respondem os "azevetes". Não produzem riqueza, dizem os bárbaros espertalhões. Somos uns inúteis!
Quando eu era criança, lia os jornais e me perguntava porque os EUA se envolviam com os conflitos que aconteciam em todo o mundo. A retórica dos salvadores da pátria zelando pela paz mundial já me parecia furada... Mais recentemente, não simpatizei nem um pouco com Michel Onfray, o filósofo francês nietzschiano e precursor da Ateologia. Mas, como recusar o que ele diz (que por medo e desespero as pessoas imaginam um Deus antropomorfizado que as salvará das misérias da vida, enquanto sua crença é explorada por instituições manipuladoras) se vejo isso acontecendo hoje, todos os dias? A retórica sempre deixa um rabinho de fora e filósofo é especialista em torcer o rabo alheio (com todo o respeito).
O medo dos homens frente à sua condição de fragilidade diante da vida e das coisas do mundo é explorado pelos políticos, pelos religiosos, pelos marketeiros... O que temos hoje é esgotamento ambiental, esgotamento das instituições políticas, esgotamento das instituições religiosas... E a crise de Gaza é o sinal de fim de um mundo... Quem diria que como contraponto ao holocausto de judeus se criaria um Estado que faria um novo holocausto em nome do povo judeu?! Os injustiçados nem sempre recusam aplicar a injustiça a outros. Quando influenciados pelas circunstâncias e por má retórica político/religiosa/corporativista, perdem a memória.
Se há algo de realmente positivo neste tempo é que as peças do jogo estão muito claras. Os governantes norte-americanos não enganam mais nem os próprios norte-americanos. Os péssimos profissionais da comunicação enganam cada vez menos e os pastores evangélicos enriquecem por conta do crescente desespero, mas ainda há quem enfrente o desespero sem placebos... Esta não é primeira grande crise da humanidade e não será a última... Já a Filosofia e os filósofos, para seres inúteis e arrogantes, até que andam bem em evidência e incomodando!
Via:http://claro-escuro.blogspot.com.br/
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