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quarta-feira, 29 de abril de 2015

A estranha leveza da história


Boaventura de Sousa Santos


O colonialismo europeu não terminou com a independência dos países de onde fogem os imigrantes. Continuou sob a forma de controles militares e econômicos.


Há gente demasiado pequena para ser humana. Talvez tenha sido sempre assim, mas desde que a modernidade ocidental se expandiu no mundo graças ao colonialismo e ao capitalismo a contradição entre a igual dignidade de todos os seres humanos e o tratamento desumano dado a alguns grupos sociais tomou a forma de uma fratura abissal. Uma fratura por onde correu muito sangue e se destilou muita hipocrisia. As zonas de sub-humanidade foram tendo várias populações — selvagens, indígenas, mulheres, escravos, negros — mas nunca foram encerradas; pelo contrário, foram sendo renovadas com novas populações que ora se juntaram ora se substituíram às antigas. A zona mais recente é a dos imigrantes indocumentados. Por isso, o sangue vertido no Mediterrâneo vem de muito longe, tanto no tempo como no espaço. E não é por coincidência que seja hoje vertido tanto no extremo norte como no extremo sul do mesmo continente, na África do Sul.

As zonas de sub-humanidade são zonas de não-ser, onde quem não é verdadeiramente humano não pode reclamar ser tratado como humano, isto é, ser sujeito de direitos humanos. Quando muito, é objeto dos discursos de direitos humanos por parte daqueles que vivem nas zonas de humanidade. A estes não passa pela cabeça que as zonas onde vivem não seriam o que são se não existissem as zonas onde os “outros” “sub-vivem” e donde desesperadamente querem sair movidos pela escandalosa aspiração a uma vida digna. E não lhes passa pela cabeça porque a história não lhes pesa; pelo contrário, confirma-lhes que só os empreendedores vitoriosos (individuais e coletivos, passados e presentes) merecem a humanidade de que disfrutam. A filantropia faz-lhes bem mas não têm dívidas a saldar com ninguém.

Só que não há história de vencedores sem história de vencidos e estes, muitas vezes, não perderam por serem humanamente menos dignos, mas apenas por não saberem ou poderem defender-se das atrocidades e dos saques a que foram sujeitos. No sangue que corre nos dois extremos de África há muita injustiça histórica e muitas histórias entrelaçadas. O colonialismo europeu não terminou com a independência de muitos dos países donde fogem os imigrantes. Continuou sob a forma de controles militares e econômicos, de fomento de rivalidades entre grupos étnicos para garantir acesso às matérias-primas ou para garantir posições na Guerra Fria. Muitos dos Estados fracassados foram ativamente produzidos como fracassados pelos poderes ocidentais. O caso mais recente e mais trágico é a Líbia. Não era a Líbia uma das fronteiras mais seguras a sul da União Europeia? Mereceu a pena destruir um país para garantir acesso mais fácil ao petróleo e servir os interesses geoestratégicos de Israel e dos EUA?

Mas a história do colonialismo europeu é muito mais complexa do que se pode imaginar e só essa complexidade pode ajudar a explicar o que se passa na África do Sul. Em que medida é que os colonizados aprenderam com os colonizadores a arrogância do racismo? Formalmente um país independente, a África do Sul foi, desde o início do séc. XX e até 1994, governada por uma das formas mais cruéis de colonialismo interno, o regime do apartheid. O racismo institucionalizado, muito para além de uma relação de poder assente na inerente inferioridade dos negros, tornou-se uma forma geral de ser e de saber (racismo cognitivo) que insidiosamente se foi libertando das grandes diferenças da cor da pele para se exercer. Será que é por isso que os negros sul-africanos são considerados o povo de África mais intolerante em relação a estrangeiros pobres e negros? Será que aqueles que se libertaram do apartheid não se libertaram totalmente do regime de ser e de saber em que ele assentava? Será que, bem à maneira da ideologia racista, um tom mais escuro de pele corresponde a um grau mais baixo de humanidade? Será que a solidariedade de moçambicanos e zimbabwianos na luta contra o apartheid é uma parte da história que os sul-africanos não querem recordar para não terem de pagar dívidas? Será que os sul-africanos correm o risco de serem europeus fora do lugar?

terça-feira, 28 de abril de 2015

Governo autista


Não há nada mais patético no Brasil do que ouvir políticos falarem sobre educação. 


Todos concordarão que a educação é a prioridade nacional, assim como descreverão programas maravilhosos aplicados em seus Estados que teriam redundado em inquestionável impacto na qualidade do ensino. Então, números fabulosos aparecem corroborando mais uma história de sucesso, até que um mal intencionado programa internacional de avaliação joga todos os números nacionais no chão. 

O princípio vale para o problema central do ensino brasileiro, a saber, a destruição da carreira de professor. A Coreia do Sul é sempre lembrada como exemplo de salto educacional. Seus professores do ensino público ganham em média US$ 4.000, ou seja, ao menos quatro vezes mais do que seus similares brasileiros. 

Com isso, não admira que nossos melhores alunos não queiram mais ser professores, criando uma profissão completamente sucateada e precarizada. Sem bons professores, não haverá tablet, matemática em 3D ou consultor de Harvard que conseguirá transformar nossa educação pública em algo minimamente aceitável. 

Então você lê, em algum pé de página de jornal, que "professores do Estado de São Paulo estão em greve há 44 dias" ou "professores do Estado do Paraná entram em greve por tempo indeterminado". Começam a aparecer relatos das condições precárias de trabalho, salas de aulas fechadas para a concentração de alunos em outras unidades, professores com mestrado e doutorado há dois anos sem reclassificação salarial e defasagens inexplicáveis de salários entre professores e outros funcionários públicos com o mesmo nível de formação. 

Em outras épocas, depois de 44 dias de greve, você esperaria que o poder público se mobilizasse para dar alguma resposta ou que a sociedade civil se indignasse com a passividade daqueles que gerem o dinheiro de seus impostos. Mas, ao menos em São Paulo, temos outra forma de resolver problemas. Aqui, o governo desenvolveu um método incrivelmente eficaz que pode ser chamado "eliminação nominalista". Por exemplo, perguntado sobre a greve de seus professores, o governador de São Paulo afirmou nesta segunda-feira (27): "Não existe greve de professores em São Paulo". 

Ele é particularmente bom nisso. Há alguns meses, confrontado com racionamentos de água que afetavam a população de seu Estado, não temeu em afirmar: "Não existe racionamento de água em São Paulo". 

Você também pode tentar isso em casa. Faça cara de sério, pense em algum problema grave e diga de maneira firme e pausada: "Este problema não existe". Ao menos em São Paulo, a técnica funciona.

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Rumo às trevas



O país vai mal das finanças. Para ficarmos assim, doses de incompetência e desonestidade foram decisivas. Porém, como elas vieram à luz e estão sendo combatidas (por vontade ou contra a vontade do governo), a tendência é que a situação melhore lentamente, embora não sem alto custo social. 

Muito difíceis de recuperar são as conquistas que as pessoas de uma sociedade buscam para a sua vida mais íntima --seu corpo, seus amores, seu núcleo afetivo, seu desejo de continuar existindo. 

Estamos assistindo (e só assistindo) a grupos políticos aproveitarem a fragilidade do Executivo para tentar impor no Legislativo um programa reacionário --ou seja, de reação a avanços, entre eles os debates sobre temas fundamentais. 

A união entre pessoas do mesmo sexo é uma realidade; mais de 600 mil abortos clandestinos são realizados anualmente no Brasil; mais de 50 mil pessoas são assassinadas todos os anos; temos mais de 500 mil presos em situação medieval, o que realimenta a violência. 

Diante disso, o que oferecem os parlamentares liderados por Eduardo Cunha? O Estatuto da Família, marginalizando os homossexuais; nenhuma discussão sobre aborto; a revisão do Estatuto do Desarmamento, para que mais gente tenha armas e dê tiros por aí; a redução da maioridade penal, para aumentar prisões e ódios. 

É claro que esses políticos representam o que muitos brasileiros pensam. Mas quem pensa diferente tem direito a dizer em voz alta que esses projetos significam um recuo às trevas. E será difícil sair delas. Basta ver quanto tempo levamos para chegar até aqui. 

Se vitoriosos agora, os reacionários logo pedirão ainda mais armas na rua, prisão para adolescentes de idade ainda menor etc. Nem será surpresa se algum, nostálgico do século 19, pedir a volta da escravidão.

domingo, 26 de abril de 2015

Fortalecida, bancada evangélica já influencia até deputados católicos

Professora da Universidade Metodista faz um balanço da atuação de parlamentares evangélicos neste início de legislatura na Câmara Federal e diz que seu discurso encontra eco em diferentes segmentos


São Paulo – Graças ao voto conservador para a Câmara Federal e à presença de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) na presidência da Casa, o Brasil hoje, que poderia estar discutindo pautas progressistas e avanços sociais, vê-se obrigado a mobilizar seus trabalhadores e outros segmentos da sociedade para impedir retrocessos como o Projeto de Lei 4.330, que expande a terceirização para as atividades-fim das empresas, e a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos.

Muito da onda conservadora que varre a Câmara ganha apoio da bancada evangélica, que é a terceira da Casa em número de parlamentares e a primeira a defender os “valores sagrados” da família, contra os direitos dos segmentos LGBT e dos grupos de direitos humanos.

Mas, afinal, o que se passa com a bancada evangélica e como entender a sua ascensão em um país que hoje vive a contradição de ter um governo central progressista e um parlamento conservador?

A jornalista e professora-doutora Magali do Nascimento Cunha, da Universidade Metodista de São Paulo, que desenvolve estudos sobre a bancada evangélica, afirma que a pauta dos evangélicos hoje encontra eco em outros setores da sociedade e, por isso, a sua repercussão.

“Mais recentemente é o forte tradicionalismo moral que tem marcado a atuação da Frente Parlamentar Evangélica, que trouxe para si o mandato da defesa da família e da moral cristã contra a plataforma dos movimentos feministas e de homossexuais e dos grupos de direitos humanos, valendo-se de alianças até mesmo com parlamentares católicos, diálogo historicamente impensável no campo eclesiástico. Este discurso tem um apelo que atinge não só evangélicos mas também católicos e outros grupos sociais mais conservadores que nem são ligados à religião”.

Nesta entrevista à RBA, a professora faz um balanço destes primeiros tempos da bancada na nova legislatura, mas adverte que não podemos falar em uma representação unificada dos evangélicos na Câmara, a despeito de sua força: “Primeiro porque 'evangélicos' é um segmento social de uma diversidade que em um parágrafo já não se pode explicar. Falamos de uma enorme gama de grupos desde os históricos ligados à Reforma Protestante, os pentecostais relacionados aos movimentos avivalistas nos Estados Unidos e na Escandinávia, aos grupos independentes nascidos no Brasil desta ou daquela experiência e que se concretizam em incontáveis denominações”.

Leia a entrevista

Por conta do perfil conservador do Congresso, o Brasil está discutindo hoje retrocessos como o do PL 4.330, sobre terceirização, e a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. Como você vê o peso da bancada evangélica nesse cenário?

A bancada evangélica, desde a sua formação em 1986, nunca teve uma pauta progressista, ou de esquerda. Os parlamentares evangélicos até os anos 2010 não eram identificados como conservadores do ponto de vista sociopolítico e econômico, como o é a Maioria Moral nos Estados Unidos, por exemplo.

Seus projetos raramente interferiam na ordem social: revertiam-se em “praças da Bíblia”, criação de feriados para concorrer com os católicos, benefícios para templos. O perfil dos partidos aos quais a maioria dos políticos evangélicos estava afiliada refletia isso bem com recorrentes casos de fisiologismo.

Mais recentemente é o forte tradicionalismo moral que tem marcado a atuação da Frente Parlamentar Evangélica, que trouxe para si o mandato da defesa da família e da moral cristã contra a plataforma dos movimentos feministas e de homossexuais e dos grupos de direitos humanos, valendo-se de alianças até mesmo com parlamentares católicos, diálogo historicamente impensável no campo eclesiástico.

Este discurso tem um apelo que atinge não só evangélicos mas também católicos e outros grupos sociais mais conservadores que nem são ligados à religião. É na última legislatura que vemos emergir uma pauta mais conservadora do ponto de vista sociopolítico e econômico entre os evangélicos, que são uma frente parlamentar estratégica, a terceira do congresso em número.

Isto é um sinal de mudança de postura tanto de boa parte dos parlamentares evangélicos, que se veem com força para pautar temas para além da moralidade sexual, como de políticos não-religiosos identificados com o conservadorismo e que veem neste grupo um aliado.

O que temos nos movimentos conservadores é que são causas reacionárias frente a avanços conquistados por movimentos sociais nas últimas décadas e estes grupos têm encontrado bastante eco na sociedade.

E o papel de Eduardo Cunha, que é ligado à bancada? Ele é mais responsável do que a bancada pela pauta conservadora que está em discussão com esses projetos?

Eduardo Cunha não está no cargo de presidente da Câmara porque é evangélico. Está pelo seu histórico de aliado das empresas de telefonia e de liderança do PMDB. Tornou-se evangélico há pouco mais de dez anos, o que foi um reforço a mais ao seu poder de penetração e já mudou de denominação, identificando a força das Assembleias de Deus para onde migrou como membro no final de 2014, deixando a Igreja Sara a Nossa Terra, que o vinha apoiando.

Portanto, a pauta de retrocessos é dele como político dos empresários e da ala mais conservadora do PMDB e o fato de ele ser evangélico reforça isso e dá mais margem de negociação a ele como integrante destacado desta que é a terceira bancada da Câmara.

Ao se colocar contra os direitos LGBT, a bancada evangélica está fomentando a homofobia?

Qualquer tema ligado à sexualidade humana desperta paixões, particularmente quando uma cultura é construída sob os princípios patriarcais de forma tão intensa como é a cultura latina, em que as bases cristãs-ocidentais estabeleceram o ato sexual como uma prática cujo objetivo exclusivo era a procriação, sendo os filhos a continuidade da família e sua herança.

A moralidade cristã (de evangélicos e católicos romanos) no que diz respeito ao corpo está baseada nos princípios patriarcais e na repressão à liberdade e ao prazer.

Portanto, é da natureza desses grupos religiosos cristãos reagir a todo e qualquer avanço que coloque o patriarcalismo e a moral sexual tradicional em xeque. A bancada evangélica se apresenta como credenciada para a defesa dessa moral tradicional e tem católicos como aliados. Isso é uma pauta pauta homofóbica e que fomenta a homofobia, sim.

Algumas informações dão conta de que até mesmo cultos evangélicos têm sido realizados dentro da Câmara. O que você pensa a respeito? Como fica a discussão sobre o Estado laico?

O Estado laico é uma busca não plenamente alcançada, desde que o Estado se desvinculou da Igreja Católica com a República. Esta questão está mais acesa agora à medida que temos uma bancada identificada como religiosa no Parlamento com poder de decisão baseado nos seus preceitos de fé.

No entanto, não podemos colocar apenas nos evangélicos o peso do comprometimento da laicidade do Estado. Há muitos anos, a fé católica romana interfere na dinâmica social, política e cultural do país, a começar com a existência de feriados nacionais relacionados aos santos e às festas católicas, passando pelos crucifixos em destaque nas paredes das repartições públicas e tribunais de Justiça até chegar no sério Acordo Brasil-Vaticano, de 2009, que concede isenção tributária a instituições católicas, privilegia a Igreja Católica no ensino religioso nas escolas públicas e garante cooperação para preservar e valorizar os bens culturais da Igreja Católica.

O que os evangélicos fazem agora no parlamento é ampliar este espaço que já é dado pelos poderes da República ao catolicismo.

Tudo isso é grave à medida em que constitucionalmente somos um país laico que garante liberdade de crença. Isso significa direitos a todos que incluem os que não creem. Questionar as posturas da bancada evangélica é imperativo, mas este questionamento deve ser acompanhado das posturas em relação ao catolicismo também.

Você acredita que da legislatura passada para a atual houve um ganho de peso/influência da bancada evangélica, apesar de numericamente ela ter crescido apenas de 73 para 75 deputados? Se esse ganho aconteceu, o que o explica?

A partir do Congresso Constituinte eleito em 1986 houve uma mobilização de igrejas para terem representantes no Congresso que votaria a nova Constituição depois da ditadura militar. Foram 32 eleitos naquele pleito.

Configurou-se então uma nova força não só política, mas sociocultural, com o crescimento intenso dos evangélicos a partir dos anos de 1990, que buscaram ocupar espaços na esfera pública, em especial os grupos pentecostais, com aquisição de mídias e projetos políticos muito claros – caso da Igreja Universal do Reino de Deus e da Assembleia de Deus.

Depois de altos e baixos em termos numéricos, desde o Congresso Constituinte, decorrentes de casos de corrupção e fisiologismo, a bancada evangélica se consolidou como força, o que resultou na criação da Frente Parlamentar Evangélica (FPE) em 2003.

Tudo isso é resultante do crescimento das igrejas evangélicas, em especial as pentecostais, e do desejo desses grupos de mais visibilidade e influência social. Soma-se a isso o claro projeto político de igrejas como a Universal do Reino de Deus e a Assembleia de Deus de ocupação e criação de partidos e busca de mais poder decisório na esfera pública.

Frente aos 513 deputados da Câmara Federal, a bancada evangélica, com 75 deputados, detém 14,6% das cadeiras, enquanto o IBGE indica que 22% da população são de evangélicos. Você acredita que os evangélicos estão bem representados na Câmara?

Não podemos falar que os deputados na Câmara representam os evangélicos. Primeiro porque "evangélicos" é um segmento social de uma diversidade que em um parágrafo já não se pode explicar. Falamos de uma enorme gama de grupos desde os históricos ligados à Reforma Protestante, os pentecostais relacionados aos movimentos avivalistas nos Estados Unidos e na Escandinávia, aos grupos independentes nascidos no Brasil desta ou daquela experiência e que se concretizam em incontáveis denominações. Temos na Câmara 15 igrejas representadas, entre elas 11 são pentecostais.

A Igreja Universal do Reino de Deus e a Assembleia de Deus são as duas grandes forças desse grupo, com mais de 50% dos deputados. Essas duas denominações evangélicas têm um projeto político claro e podemos dizer que os seus deputados as representam.

A outra fatia de 50% está distribuída por 13 diferentes denominações, oito delas com apenas um deputado eleito e que está lá não representando o seu grupo mas com um projeto pessoal. Só estes dados já jogam por terra a tese de que há uma representação.

Tamanha diversidade dos evangélicos no Brasil, e diversidade que está no interior dos próprios grupos na sua singularidade, torna impossível que falemos de representação. Esta tese é uma armadilha de algumas lideranças em busca de poder político e religioso na qual as mídias noticiosas são capturadas e a reproduzem sem reflexão e pesquisa.

A dissidência dentro da bancada evangélica que você previu no estudo do Diap (Radiografia do Novo Congresso) está de fato acontecendo? O que é possível notar sobre isso neste início de legislatura?

Ainda é cedo para uma avaliação mais precisa, mas nestes primeiros meses de legislatura é possível ver claramente o fiasco da presença do Cabo Daciolo no Psol-RJ. Se se esperava um candidato evangélico com propostas e postura de esquerda por ser vinculado ao Psol já está claro que isto não se concretizou, nem se concretizará.

A postura de Daciolo, que não tem vinculação com qualquer igreja, mas se declara evangélico, tanto na proposta de PEC de mudança no texto da Constituição para "todo poder emana de Deus", quanto na defesa dos policiais acusados do caso Amarildo e na "tietagem" com o deputado ultraconservador Jair Bolsonaro (PP-RJ), claro opositor do seu partido, não deixa dúvidas do erro cometido pelo Psol ao aceitar o candidato que agora tenta, a duras penas, corrigir.

Portanto, dos integrantes de partido de esquerda que mencionei no artigo, um deles já está descartado. Os outros, do PT, no caso da PL da Terceirização, se colocaram contrariamente.

Clarissa Garotinho (PR-RJ, presbiteriana) se manifestou contra a eleição de Eduardo Cunha à presidência da Câmara, mas, ao que tudo indica, foi uma oposição pontual pelas divergências políticas de Cunha com a família Garotinho, já que ela tem exposto nas entrelinhas de redes sociais simpatia ao tema da redução da maioridade penal, mas votou contra a PL da Terceirização. Por sinal, neste caso do PL ocorreu o que se poderia prever, com 40 evangélicos votando "sim" e 15 votando "não".

Mas ao mesmo tempo, temos um retrato de como a bancada evangélica pode ser previsível por suas características gerais mas não em particularidades. Por exemplo, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB, batista) votou "sim", mas foi o único evangélico membro da CCJ a votar "não" para a PEC da Maioridade Penal.

Por outro lado, entre os 15 que votaram "não" à PL da Terceirização estão conservadores no campo dos direitos humanos como os assembleianos Marco Feliciano (PSC-SP), Ronaldo Fonseca (Pros-DF) e Sóstenes Cavalcante (PSD-RJ). É preciso muito monitoramento e reflexão para entender tanta complexidade...

Congresso Nacional: Em breve, revogaremos a República e a Lei Áurea

Os movimentos sociais, organizações e setores da sociedade civil de caráter mais progressista sempre empurraram o Congresso Nacional para que ele fosse menos conservador do que a população do país. Em outras palavras, a força da mobilização e da organização desses grupos na política nacional conseguia fazer com que esse descompasso acontecesse entre a representação política e a realidade.

Boa parte desse pessoal, contudo, contava com relações com o Partido dos Trabalhadores e, na minha opinião, enfraqueceram-se ao fazer parte de sua base de apoio por várias razões – do “vamos influenciar o programa'', passando pela “escolha do menos pior'', resvalando ao “é um governo ruim, mas é melhor que o outro'' ao “cargo amigo''. Além disso, houve um afastamento dos militantes tradicionais desses movimentos sociais ou mesmo de partidos políticos com o distanciamento do governo federal com pautas tradicionais da esquerda e a caminhada em direção ao pragmatismo político e do vale-tudo da governabilidade. Estou atualizando essa análise que fiz há algum tempo, pois o tempo pede.

Há um intenso desgaste com a atuação média de representantes sindicais que estavam no Parlamento, independentemente de partido. Não é que o motor capital-trabalho tenha deixado de empurrar a História, muito pelo contrário. Mas uma parte das pessoas que clamam para si a autoridade de falar pelos trabalhadores há muito só falam por interesses corporativistas (na melhor das hipóteses) ou por si mesmas, na maioria das vezes. Muitos deles nem participaram de ações importantes, como a aprovação da PEC do Trabalho Escravo ou a campanha contra a ampliação da terceirização legal. Ou, pior, votaram a favor desse projeto de lei que representa o estrangulamento da CLT.

Empresários, por outro lado, são sempre bem representados. Em sua maioria, podem financiar campanhas que estão cada vez mais caras. Dessa forma, há uma distorção de representatividade: não são necessariamente grupos ou ideias que possuem assento, mas o dinheiro. Se não garantirmos limites para o financiamento privado de campanha, a situação vai só piorar. De um lado, aumentando a dificuldade de eleição de quem não tem recursos e não quer sujar as mãos para se eleger e, do outro, gerando mais corrupção através de quem aceita se “endividar'' com doadores de campanha. Nesse meio do caminho, surgem “petrolões'', “mensalões'' e “trensalões'' que ajudam a garantir financiamentos dos próprios partidos ou de duas bases aliadas.

Há boas pessoas que fazem um bom trabalho, independente do partido, sejam elas conservadoras ou progressistas. Pessoas que estão no parlamento e já honram a função que exercem e outras entrando pela primeira vez, cheias de ideias. Essas pessoas estão se frustrando diante da impossibilidade de garantir direitos adquiridos com base em lutas sociais ao longo de décadas.

Acompanho pautas que dizem respeito à defesa dos direitos humanos. E marcos legais que garantem dignidade aos mais pobres, como a que pune o trabalho escravo contemporâneo, estão por um fio para serem mudadas e reduzidas.

Parlamentares já elencaram essas leis como “barreiras'' a serem removidas nos próximos quatro anos para garantir o “progresso''. E esses grupos, que deram especial sustentação à eleição do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, estão agora passando a fatura.

A violência é um problema real no Brasil. Dezenas de milhares são assassinados anualmente e muito pouco é investigado, menos ainda indiciado, uma pequena fração julgada e quase ninguém punido conforme a lei. Mas as narrativas da violência urbana, que já existiam, circulam com mais força graças não apenas às redes sociais, mas também a determinadas pessoas que se dizem jornalistas mas, na verdade, espalham o ódio e o terror (lembrando, é claro, que a mídia pode funcionar como partido político). A situação da segurança pública é péssima mas, acredite: não raro, a espiral do vale-tudo pela audiência do jornalismo escreme-que-sai-sangue faz ela parecer o rascunho do mapa do inferno.

Há soluções mais efetivas do que a redução da maioridade penal (usada para atacar a “causa'' do problema quando, na verdade, nem resvala na “consequência''). Contudo, mandar a criançada para o xilindró é um discurso facilmente deglutível – tanto que pesquisas mostram que até 93% da população são a favor dele. Usar e abusar desse discurso, bem como o da repressão policial, ajudou a elevar o número de pessoas eleitas que surfaram no medo da população, aumentando as bancadas da bala e da segurança pública.

Ao mesmo tempo, o número de parlamentares evangélicos cresceu porque tinha que crescer mesmo. Havia uma sub-representação desses grupos, organizados em uma série de igrejas com pontos de vista diferentes. Eles não formam um movimento coeso como a Frente Parlamentar da Agropecuária (que cresceu junto com a força econômica do agronegócio no país). Pelo contrário: há gente que se detesta de ódio mortal entre eles. E, ao contrário do que pregam críticos inconsequentes, nem todos são reacionários. Muitos são bem progressistas, diga-se de passagem.

Há uma desmotivação muito grande com a democracia representativa tradicional. Isso vale tanto para jovens que estão cheios de gás para “mudar o mundo'' quanto para militantes, ativistas e figuras proeminentes da esquerda brasileira. Pessoas que, em outras épocas, aceitariam candidatar-se ao Parlamento para serem puxadoras de votos. Hoje, muitas querem distância. Tem medo de pegar tétano se chegarem muito perto.

A base do PT e do PSDB, que possuem quadros para discutir e defender o interesse coletivo, parecem estar mais preocupados com governabilidade e obstruções. A corrupção deve ser combatida e uma limpa-geral seria necessária e bem-vinda. O problema é que enquanto uns se preocupam apenas em se defender e outros em atacar, deixando o caminho livre para quem defende pautas bizarras, o Brasil vai retornando ao período colonial.

Liberação da terceirização para qualquer atividade da empresa. Transferência do poder de demarcação de Terras Indígenas para deputados e senadores. Redução da maioridade penal para 16 anos. Proibição de adoções por casais do mesmo sexo. Alteração do conceito de trabalho escravo contemporâneo para diminuir as possibilidades de punição. Redução da idade mínima para poder trabalhar de 14 para 10 anos. Proibição do aborto nos casos de estupro, risco de vida para a mãe e má formação fetal. Aprovação da pena de morte. Fim do voto feminino. Derrubada da República. Revogação da Lei Áurea…

Não sou pessoa de fé. Mas se Deus existir, que nos ajude.

sábado, 25 de abril de 2015

Inútil, caro, desumano



Não tratamos dos soltos, porque a prioridade é maltratar os presos


Em meio ao noticiário das balas perdidas e da menoridade penal, também merece atenção o da anomalia que atinge as penas alternativas em São Paulo. 

Longe de executar com presteza, dignidade e justiça a pena dos encarcerados, o poder público ainda falha ao administrar as penas restritivas de direito, que substituem a privativa de liberdade. 

Segundo reportagem de Daniel Marcondes, da 59ª turma do Programa de Treinamento em Jornalismo Diário da Folha, grande parte das punições que deveriam ser cumpridas fora das prisões não acontece. 

Em 2014, pelo menos 24% dos condenados foram beneficiados pela prescrição (perda do poder de punir pela passagem do tempo), o que indica ineficiência, e 30% foram alcançados por indulto presidencial, o que não parece ser adequado. Outros 27% descumpriram obrigações fixadas e foram transferidos para o regime aberto, tido como "vantajoso" pela falta de fiscalização. Descontados os que morreram, apenas 17% foram efetivamente punidos conforme a sentença original. É pouco. 

Já temos a quarta maior população carcerária do mundo: 567 mil. Se levarmos em conta os que cumprem prisão domiciliar, o número chega a 715 mil. A polícia abusa de armamento letal, mata demais, as leis são endurecidas, às vezes contra o princípio da proporcionalidade, a mão dos juízes é cada vez mais pesada, e, paradoxalmente, reina a sensação de impunidade. 

O deficit no sistema penitenciário é expressivo (210 mil vagas) e, agora, com apoio da maioria da população, querem acrescentar ao contingente de presos os adolescentes maiores de 16 anos. Agimos por impulso, não por planejamento. 

Mais barato que construir e gerir penitenciárias é estabelecer roteiros alternativos de punição e controle. É uma oportunidade para aplicar medidas capazes, sim, de apresentar resultados. Autores de pequenos delitos podem ser destinatários de serviços que o Estado está apto a oferecer, como terapias e formação escolar ou profissional. O remédio pode condizer com a doença. 

Há condenados, primários ou reincidentes, que não precisariam estar atrás das grades, mas estão. É inútil, é caro, é desumano. 

Hoje, penas restritivas de direito substituem a de prisão em casos de crime culposo (não intencional) e em condenações de até quatro anos de prisão por crime doloso cometido sem violência ou grave ameaça. É possível ampliar e aperfeiçoar as hipóteses de desencarceramento, com criatividade e sem desmoralizá-las. 

O índice de 17% (é assim só em São Paulo?) sugere o fecho de um círculo vicioso de incompetência e descaso. Falta política de Estado para a segurança pública no Brasil. 

Por algum motivo, governantes e economistas recomendam gastar com obras de engenharia, símbolo de investimento e prosperidade, e não com custeio. Erguemos penitenciárias, mas não há programas e pessoal treinado para acompanhamento de condenados não perigosos. 

Por vários motivos, o Poder Judiciário não se interessa pelo passado e pelo futuro da pessoa acusada de um crime. O réu percorre uma teia burocrática incapaz de apreender por que o fato aconteceu e o que depois pode ser feito. 

Não tratamos dos soltos, porque a prioridade é maltratar os presos. É o avesso do avesso do avesso.

Avançar sempre, retroceder jamais!!




sexta-feira, 24 de abril de 2015

Golpe Militar 1964 - Documentário

Frei Betto: Projeto do PSDB para acabar com Mais Médicos é crime de lesa-pátria

O escritor chama atenção para o fato de que não são apenas médicos que o Brasil importa de Cuba. Além de medicamento para a hepatite B, desde governos anteriores, nosso país compra a vacina de combate à meningite, única no mundo.

Brasil de Fato - 22/04/2015

O programa Mais Médicos conta, hoje, com 18.247 profissionais atuando em mais de 4 mil municípios do país. Neste ano, o número de brasileiros(as) a serem atendidos chegará a 63 milhões.

O atendimento dos médicos inscritos no programa chega a ser personalizado, segundo a metodologia do sistema Médico da Família, que permite ao profissional cuidar, não tanto da doença, e sim da prevenção. A saúde é um direito e a sua progressiva mercantilização põe em risco a vida de inúmeras pessoas que não podem pagar pelo tratamento.

Pesquisa da UFMG-Ipespe constatou que 95% dos beneficiários entrevistados estão satisfeitos com a atuação dos médicos, dos quais 84% estão no Norte e Nordeste. Naquelas regiões, 86% dos municípios têm ao menos 20% de sua população em situação de extrema pobreza.

Vale observar que, nas vagas disponibilizadas pelo programa, a prioridade cabe a médicos brasileiros. Como os que se inscreveram no Mais Médicos são insuficientes para atender a população, o governo destinou as demais vagas a brasileiros graduados no exterior e, em seguida, a médicos estrangeiros. Há profissionais de 50 nacionalidades atuando no Brasil.

Os cubanos são cerca de 14 mil, presentes em 2.700 municípios. Em geral, os mais pobres e mais distantes dos grandes centros urbanos.

Os médicos cubanos trazem a experiência de solidariedade e cooperação internacionais, já que Cuba presta serviços médicos, hoje, em 67 países. Até o governo dos EUA elogiou a atuação dos profissionais da ilha socialista no combate à epidemia de ebola na África.

Não são apenas médicos que o Brasil importa de Cuba. Além de medicamento para a hepatite B, desde o governo Collor nosso país compra a vacina de combate à meningite, única no mundo.
O projeto ora apresentado no Senado contra o Mais Médicos é um acinte a tantos brasileiros que, pela primeira vez, recebem atendimento domiciliar de saúde. O direito à saúde está acima de ideologias. Partidarizar um programa que traz benefícios a quase 1/3 da população brasileira é um crime de lesa-pátria.

O programa, que este ano chegará a mais de 72% dos municípios do país, atende prefeituras de todos os partidos, inclusive 66% (452 cidades) das que são administradas pelo PSDB.

Cuba conta com 6,9 médicos por 1.000 habitantes, um dos maiores índices do mundo. O Brasil, com 2/1.000; e os EUA, 3,2/1.000. Com a reaproximação EUA-Cuba, milhões de estadunidenses estão de olho no chamado “turismo médico”, ou seja, a possibilidade de se tratarem em Cuba, já que nos EUA o acesso ao sistema médico-hospitalar é caro e difícil para quem não dispõe de recursos.

O convênio do Brasil com Cuba é monitorado pela OPAS (Organização Panamericana de Saúde), braço da OMS (Organização Mundial da Saúde) para as Américas. A OPAS tem 110 anos de serviços prestados. E longa tradição de seriedade e qualidade.


*Frei Betto é escritor, autor de “Reinventar a vida” (Vozes), entre outros livros.

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Stedile: Que o espírito de Tiradentes nos ilumine a irmos às ruas por justiça social

Fui agraciado no último dia 21 de abril com a Medalha da Inconfidência, entregue pelo governador Fernando Pimentel, na Praça de Ouro Preto, em Minas Gerais, em nome do povo mineiro.

A distinção não foi uma homenagem pessoal. Considero que é um reconhecimento a todos os lutadores sociais dos movimentos populares mineiros e do Brasil, que lutam todos os dias pelos ideais de Tiradentes.

E mais que uma homenagem, renova o compromisso com aqueles ideais.

Tiradentes lutou contra a evasão de nossas riquezas saqueadas pela metrópole, lutou contra a escravidão, pela República e pela democracia.

Nada mais atual, depois de mais de duzentos anos.

1. No seu tempo a evasão de riquezas era feita de carroça e navio. Agora, o capital transporta bilhões de toneladas de minérios via minerodutos, exaurindo inclusive a água potável que falta na periferia de Belo Horizonte. E também querem colocar as garras sobre o nosso petróleo, com a clara campanha de privatização do petróleo e da Petrobras, que conta até com projetos de lei dos tucanos no senado.

2. Todos os anos a Polícia Federal liberta ao redor de mil trabalhadores escravizados no campo. Os fazendeiros recebem algumas multas, mas nenhuma punição real, como manda a constituição que prevê inclusive a expropriação das fazendas. Em Minas Gerais, um fazendeiro de Unaí mandou matar três fiscais do Ministério do Trabalho que fiscalizavam trabalho escravo em sua “moderna” fazenda. Tudo segue impune. Em Felisburgo, outro fazendeiro participou de uma chacina que matou cinco trabalhadores rurais Sem Terra. O Júri Popular o condenou a 220 anos de prisão, mas ele está solto, esperando apelações judiciais em liberdade.

3. O sonho de Tiradentes era um regime republicano, em que todo poder emanasse do povo, e por ele se organizassem os três poderes de forma autônoma. Hoje, apenas 10 empresas seqüestraram a democracia e elegeram 70% dos parlamentares. O Poder Judiciário ainda não é republicano e ninguém o controla, ao ponto que na mais alta corte, o Ministro Gilmar Mendes interrompe um julgamento cuja questão já está decidida por seis votos a um, e há um ano não devolve o parecer. E ninguém pode fazer nada.

4. Pior, agora temos um novo e mais poderoso poder, que não só não emana do povo, mas age contra ele: a mídia burguesa.

Há um monopólio vergonhoso, em que os proprietários destes meios, além de enviarem seus lucros para contas secretas na suíça, fazem o que querem. Dizem o que é certo ou errado e induzem juízes ao julgamento prévio.

Não haverá democracia no Brasil sem a reforma dos meios de comunicação, que garanta ao povo brasileiro o acesso a informações de forma igualitária, e sem os interesses do poder econômico.

5. A democracia sonhada por Tiradentes ainda é uma hipocrisia, pois confundem democracia apenas com o direito de ir às urnas a cada dois anos. As eleições são necessárias e faz parte do processo, porém, uma sociedade democrática se mede pelo grau de igualdades de direitos e oportunidades a todos seus cidadãos, sem distinção. Mas infelizmente o Brasil continua sendo uma das sociedades mais desiguais do mundo. A concentração da riqueza e da terra continua cada vez maior, nas mãos de apenas 1% de ricaços. 

Aos jovens, pobres e negros das periferias das cidades, além da falta de oportunidade, existe a pena de morte. Todos os anos são assassinados 20 mil jovens.

Mesmo aos trabalhadores que tem suas profissões e emprego, agora a sanha dos capitalistas se volta para eliminar os direitos conquistados durante 100 anos de lutas sociais durante o século XX, com o projeto de terceirização.

6. Não bastasse a herança estrutural de uma sociedade desigual, agora as vozes da direita pregam abertamente um golpe militar. Inconformados com o resultado das urnas, já fizeram isso outras vezes na nossa história. Toda vez que o povo teima em escolher ele mesmo seus representantes, há uma direita desavergonhada que passa a pregar golpes militares ou versões mais sofisticadas de impeachment.

7. Que o espírito de Tiradentes e seus ideais continuem nos ajudando a nos animarmos na luta. Que seu espírito ilumine os governantes, para que não tenham medo de aplicar os recursos públicos, que são povo, em investimentos sociais da educação, saúde, moradia e reforma agrária, e não em juros para os banqueiros.

Que o espírito de Tiradentes crie vergonha nos parlamentares para tomarem a iniciativa de aprovarem a convocação de um plebiscito popular para decidirmos sobre a necessidade de uma assembleia constituinte que faça uma verdadeira reforma política no país. E também uma reforma dos meios de comunicação.

Que o espírito de Tiradentes ilumine nossa juventude, para que tenha coragem de abraçar os mesmos ideais, e vá às ruas lutar por justiça social e por direitos iguais.




Salve, Salve Tiradentes!


Ouro Preto- Minas Gerais

É SIMPLES



Na condição de presidente da Fiesp, Paulo Skaf é beneficiário direto do Imposto Sindical. Já por aí lhe falta outra condição, a moral, para acusar as centrais trabalhistas de se oporem à terceirização por estarem "preocupadas com a arrecadação sindical". 

Paulo Skaf foi mais longe como aproveitador dessa arrecadação. Valeu-se dela ao utilizar a Fiesp para se promover e lançar-se candidato ao governo paulista, nas eleições de 2014. 

É simples: se a terceirização não fosse de conveniência das empresas, por que o empresariado a desejaria? 

É simples: se empresas demitem empregados e contratam, para substituí-los, mão-de-obra fornecida por outras empresas, só pode ser porque gastarão menos do que usando empregados seus; logo, a mão-de-obra fornecida tem salários inferiores aos dos empregados demitidos, o que resulta em perda no padrão geral de salários. 

É simples: terceirização diminui a pouca distribuição de renda havida nos últimos anos e favorece ainda maior concentração.

terça-feira, 21 de abril de 2015

A família do Estado


De onde saiu a ideia de que o Estado deve decidir qual relacionamento afetivo está apto a ser visto como família e qual não está?


Uma das maiores aberrações que tramitam em um Congresso Nacional pleno de propostas aberrantes é o chamado Estatuto da Família (PL 6.583/2013). 

O projeto de lei decide, de forma normativa, o que deve ser o conceito de família por meio de uma imposição do Estado. Sua proposta restringe a noção de "família" à "união entre um homem e uma mulher, por meio do casamento ou união estável", compreendendo tal "esclarecimento" como peça central contra, segundo o texto, "a desconstrução do conceito de família, aspecto que aflige as famílias e repercute nas dinâmicas psicossociais do indivíduo". 

Nesse sentido, se o problema é a desconstrução do conceito de família, uma boa sugestão seria impedir as tais famílias de lerem Jacques Derrida, ao que parece responsável, com suas pretensamente perigosas propostas de desconstrução, pela aflição e sofrimento social de que nossas uniões entre homens e mulheres seriam vítimas. 

Os que não estão dispostos a seguir tal via surreal deveriam perguntar-se quem, afinal, deu ao Estado a prerrogativa de decidir o que é uma família e como ela deve ser composta. De onde saiu a ideia de que o Estado deve decidir qual relacionamento afetivo está apto a ser visto como família e qual não está? 

Há de se insistir que essa não é uma atribuição do Estado. A ele cabe simplesmente reconhecer a multiplicidade de formas de vínculos afetivos que a sociedade produz, respeitando a todos eles. Ele não legisla, mas inscreve simbolicamente e reconhece o que a sociedade produz. 

Nesse sentido, precisamos não de mais leis, mas de menos leis. Quanto mais desregulados forem os aparatos que visam definir a produção afetiva dos sujeitos, menos teremos o risco de acordar com alguém travestido de legislador moral a definir como deve ser nossa vida. 

Faz-se necessário insistir nesse ponto, pois caminhamos para uma situação singular, na qual a vida social dos cidadãos brasileiros tende a ser altamente regulada (por meio de leis que visam restringir a configuração da família, do casamento, das identidades de gênero etc.), enquanto sua vida econômica será brutalmente desregulada e submetida a uma zona onde irá imperar a vontade do mais forte. 

Em suma, enquanto a bancada evangélica quer decidir por você como devem ser as famílias, seu emprego será destruído por uma lei que visa acabar com o que entendemos por "emprego formal", ou seja, mínimas garantias trabalhistas de estabilidade. 

Melhor seria se tivéssemos o inverso: forte regulação econômica e baixa regulação biopolítica.

segunda-feira, 20 de abril de 2015

A grande corrupção que dá pouca mídia



Tem corrupção que dá muita mídia e corrupção que não dá manchete.

Por quê?

O rombo começou a ser descoberto. A investigação que realmente pode sacudir o Brasil é a Operação Zelotes. A corrupção dos políticos é fichinha perto da corrupção dos empresários, que atende pelo nome vulgar de sonegação. Uma coisa não absolve a outra. Parcerias são frequentes. Curiosamente os sonegadores vão às manifestações contra a roubalheira com cartazes incríveis do tipo “sonegação não é corrupção”. São os defensores do Estado mínimo.

Roubar do governo seria uma obrigação moral, uma estratégia de sobrevivência, uma opção ideológica legítima, uma tomada de posição e até uma cruzada ética contra os tentáculos malditos do Estado usurpador e perverso.

A Tax Justice Network, organismo com sede em Londres, garante, com base em pesquisa, que, somente em 2010, a evasão fiscal teria roubado R$ 490 bilhões dos cofres da Receita Federal brasileira. Por que não tem manifestação na Avenida Paulista contra essa bandalheira? O pessoal do impostômetro não gosta de falar do sonegômetro. Tem o dia sem impostos. Poderia ter o ano sem sonegação. Só há um país na frente do Brasil em matéria de sonegação: os Estados Unidos. É lá que atuam e prosperam os teóricos da moralidade da sonegação como desobediência civil.

É uma turma cara-de-pau que ganha dinheiro chamando safadeza de anarquismo.

Markus Meinzer, da Tax Justice Network, destaca que em 2012 os nababos brasileiros guardavam mais de R$ 1 trilhão em paraísos fiscais, ocupando a desonrosa quarta posição no ranking dos países especializados nesse tipo de mutreta. A BBC de Londres vem repercutindo esse tipo de informação sobre o Brasil. A Operação Zelotes anda impressionando mais os britânicos do que a Lava-Jato. Meinzer, que só pode ser um cripto-comunista – assim é que falam os lacerdinhas e os coxinhas –, largou esta: “A verdadeira injustiça não está nas pessoas que usam benefícios da previdência social, mas nas pessoas no topo da pirâmide econômica que simplesmente não pagam imposto.

Pois isso é o que força governos a aumentar a taxação para os cidadãos.

Alguns milhares de sonegadores milionários fazem a vida de milhões mais difícil”. O problema do Brasil é a Bolsa-Rico: empréstimos subsidiados pelo BNDES e sonegação em grande escala.

Por que a sonegação corre solta? Por causa da impunidade. Sonegador sempre encontra um jeito de escapar. Enquanto se pretende diminuir a idade penal para colocar adolescente em presídio de adultos, alimentando a escola do crime, os sonegadores passeiam nos seu carrões, esbaldam-se nas suas mansões, contratam “consultorias” para resolver seus probleminhas com o fisco e passam férias em paraísos mais do que fiscais: totais, naturais e protegidos. É por isso que eu sempre digo: o grande problema do Brasil é a impunidade. Os grandes bandidos, os sonegadores, raramente são perturbados. A Papuda ainda é um território desconhecido para eles. Que doce vida.

O sonegador é um larápio ideologizado. Justifica o seu roubo com uma velha lorota: o retorno é pequeno. Os governos cobram muito e devolvem pouco. Conversa de ladrão do erário para dormir tranquilo.

E ainda se sentir moralmente superior.

Torcida do Santos comemora vaga e grita contra a Rede Globo na Vila Belmiro



Por Allan Simon

A torcida do Santos aproveitou a classificação do Peixe para a sétima final consecutiva de Campeonato Paulista para provocar a Rede Globo, que tem ignorado os jogos da equipe santista nos últimos tempos em suas escolhas para transmissões. Desde os minutos finais da vitória por 2 a 1 sobre o São Paulo, a torcida entoou gritos contra a emissora carioca.

“Chupa, Rede Globo, é o Santos na final de novo”, gritavam os torcedores do Santos. Nas quartas de final, na última semana, o jogo entre o Peixe e o XV de Piracicaba foi marcado para as 16h do domingo, um horário tradicional para a exibição de partidas ao vivo no canal, mas a Globo exibiu um filme do Homem-Aranha no horário.

Durante a semana, a Globo alegou que não transmitiu porque o contrato com a Federação Paulista de Futebol prevê apenas um jogo no fim de semana, e que a escolha foi pelo duelo entre Corinthians e Ponte Preta, realizado no sábado.

Na final, o Santos enfrentará outro time cuja torcida tem se revoltado contra a Rede Globo. Também ignorado pela emissora nas transmissões, chegando a ter o mesmo número de exibições na TV aberta que o Danúbio do Uruguai em 2015, o Palmeiras tem em seus torcedores um sentimento de contrariedade também pela forma como a emissora se refere ao novo estádio do Verdão, o Allianz Parque, chamando de Arena Palmeiras por causa da restrição a naming rights.

domingo, 19 de abril de 2015

Fora Dilma é estratégia contra Lula, diz Amaral



247 - Ex-ministro e ex-presidente nacional do PSB, Roberto Amaral considera que a estratégia de destruição do PT levada a cabo pela oposição tem como objetivo maior barrar uma nova candidatura de ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2018. “É uma tolice discutir se era elite branca ou só elite. Existe descontentamento, e a utilização desse descontentamento tem um fim, que é impedir uma eventual candidatura do Lula em 2018”, avalia Amaral, em entrevista ao Estado.

“Para atingir o Lula, é fundamental destruir o PT. O problema grave, do meu ponto de vista, é que a destruição do PT está levando consigo a destruição de forças progressistas e do campo da esquerda, que estão sendo envolvidas no mesmo balaio”, adverte.

Voz dissidente no PSB ao apoio ao senador Aécio Neves (PSDB-MG), Amaral iniciou a articulação de uma frente nacional popular, que reúne intelectuais, movimentos sociais, políticos com ou sem mandato e empresários para enfrentar a “falência da reflexão da esquerda”. “A esquerda deixou de refletir, de ter estratégia, de ter projeto. Eu não sei hoje qual o projeto da esquerda brasileira.”

A frente se sustenta em quatro pilares: a democracia, a soberania do País, os direitos trabalhistas e a redução das desigualdades em geral.

A frente não se pauta pelo calendário eleitoral, mas intensificou-se diante do momento de mobilização de setores liberais e dos riscos oferecidos pelo enfraquecimento do governo Dilma Rousseff. “O mais grave é o fato de vermos o Congresso desmontando uma a uma as conquistas sociais que obtivemos (desde 2003) e impondo uma pauta conservadora, tanto do ponto de vista econômico como dos valores sociais.”

Amaral também critica o próprio partido. Para ele, é “inconcebível” o apoio de parlamentares do PSB ao projeto que regulariza a terceirização da mão de obra, ao mesmo tempo em que setores no partido querem se reaproximar do governo o partido rompeu com Dilma em 2013 para lançar a candidatura de Eduardo Campos ao Planalto. “A discussão não é se aproximar ou não do PT, isso é muito pouco. O problema é se aproximar cada vez mais das forças conservadoras. Ainda que o partido sobreviva materialmente, ele rasgou seu programa, negando suas origens e a justificativa de sua existência. O PSB resolveu mudar para poder ganhar, e não ganhar para poder mudar.”

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Pesquisa da USP mostra a força da desinformação


247 – Uma pesquisa realizada com os manifestantes que foram à Avenida Paulista no último domingo 12, protestar contra o governo e pedir a saída da presidente Dilma Rousseff, captou a insanidade das ruas e mostrou a força da desinformação de quem tem ido aos protestos.
As respostas das 571 entrevistas com manifestantes maiores de 16 anos, feitas entre 13h30 e 17h30, mostram que 73% não confiam nos partidos, 70% não confiam nos políticos e 64% acreditam que o PT quer implantar um regime comunista no Brasil.

Dos entrevistados, 71% acreditam também que Lulinha, o filho do ex-presidente, é sócio da Friboi e 53% que o PCC é um braço armado do PT. Para 56%, o Foro de São Paulo quer criar uma ditadura bolivariana no Brasil.

"O PT trouxe 50 mil haitianos para votar na Dilma nas últimas eleições" foi uma frase que recebeu a concordância de 42,6% dos manifestantes que responderam à pesquisa. Esse resultado em especial foi criticado hoje pelo presidente do PT, Rui Falcão (leia mais).

A maioria também não aponta nenhuma liderança política como referência. Apenas 8% citaram o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e 12%, o senador Aécio Neves (PSDB-MG). Os políticos que mais receberam a confiança dos entrevistados foram Geraldo Alckmin (29%), José Serra (23,8%), Aécio (22,6%) e Jair Bolsonaro (19,4%).

O levantamento foi coordenado pela professora de Relações Internacionais da Unifesp Esther Solano e pelo filósofo Pablo Ortellado, da Universidade de São Paulo. "Entre um público que se autodefine como de direita ou de centro-direita [46%, segundo o Datafolha], políticos de oposição deveriam estar melhor colocados", comentou Esther Solano. Para ela, a "despolitização" é "impressionante".


Confira aqui a íntegra da pesquisa.

terça-feira, 14 de abril de 2015

Fuzilamento



"Foi a pior derrota dos trabalhadores brasileiros desde o golpe de 64." Essa frase do sociólogo Ruy Braga descreve muito bem o que significou a aprovação do projeto que facilita a terceirização e a subcontratação do trabalho (lei 4.330), na semana passada, pela Câmara dos Deputados. 

Ele visa fragilizar os vínculos trabalhistas, criando uma situação de precarização na qual, em um futuro próximo, não haverá mais empregos, apenas funcionários flexíveis alocados temporariamente em empresas por período incerto. 

As escolas não terão mais professores contratados e com o mínimo de estabilidade para planejar seu futuro, apenas "pessoas jurídicas" que prestarão serviços para outras pessoas jurídicas, podendo ser trocadas sem dificuldades. O mesmo em empresas e hospitais. 

Não por acaso, logo ficamos sabendo que salários de funcionários terceirizados tendem a ser 24% menor do que salários de empregados formais. Terceirizados trabalham, em média, três horas a mais do que empregados formais. Ou seja, vemos se abrir um cenário de intensificação brutal do trabalho e achatamento de salários. Vendem-se as imagens de um paraíso neoliberal de flexibilização, mas o que se entrega é o inferno medieval da espoliação no trabalho. 

De fato, essa é a tendência mundial. Relações trabalhistas são relações de força e há de se perguntar quem tem mais força hoje. Àqueles que acreditam em situações nas quais patrões e trabalhadores saem todos ganhando, gostaria de lembrar que entrou em cartaz nos cinemas "Cinderela": um filme que vem da mesma região desses pensamentos, a saber, a terra dos contos de fada. 

Nessa terra, ninguém consegue entender por que, enquanto o PIB norte-americano por habitante cresceu 36% entre 1973 e 1995, o salário horário de não-executivos (a maioria dos empregos) caiu em 14%. No ano 2000, o salário real de não-executivos nos EUA retornou ao que era há 50 anos. 

De nada serve também afirmar que leis dessa natureza aumentam o nível de emprego. Faz parte do velho mantra neoliberal tentar nos fazer crer que direitos trabalhistas dificultam a contratação, como se fosse do seu interesse não ter direitos que lhe protejam. 

Que uma lei dessa natureza foi aprovada pelo Congresso que temos não é de se espantar. Os 324 deputados que votaram a favor da lei que irá destruir o seu emprego não representam o povo. Eles representam os empresários que pagam suas campanhas e são comandados por um presidente da Câmara que entrará para a história como aquele que permitiu os trabalhadores brasileiros serem fuzilados em um conflito no qual eles, cada vez mais sem defesas, caminham para o aprofundamento de sua espoliação. Agradeça a eles quando você sentir as maravilhas da terceirização.

Vitória parcial




Apesar do empurrão da pesquisa Datafolha, divulgada na véspera, os atos contra Dilma perderam um tanto de sua força. Mas não é o caso de desqualificá-los. Pelo contrário. Comprovou-se que há gente engajada no que acredita ser o melhor para o país. Isso é relevante num movimento com marcas de despolitização, como desconhecimento da história brasileira --parecendo crer que a corrupção começou há 12 anos-- e apreço pequeno pela democracia duramente conquistada. 

No jogo de especulações sobre por que a revolta retraiu, talvez valha pensar em dois pontos, dentre outros. Um é que, mesmo sendo o impeachment o tesouro procurado, parte dos anseios dos descontentes já vem sendo atendida: esfacelamento do PT, que virou uma coisa invertebrada, etriunfo de uma agenda conservadora --redução da maioridade penal, leis para estimular a violência das polícias, bloqueio da ampliação dos direitos de mulheres e gays. 

É significativo que, em protestos que têm a corrupção como inimiga, seja difícil ver cartazes contra Eduardo Cunha. Ao emparedar o PT e devolver ao reacionarismo um vigor político que não tinha desde a ditadura, o presidente da Câmara dos Deputados realiza muito do que desejam os manifestantes. 

O segundo ponto é que o movimento ainda está sendo guiado mais pelo fígado (ódio ao PT) do que pelo estômago (desemprego, perda de renda); mais por vontade do que por necessidade. Para quem conhece o Rio, foi fácil perceber que não havia em Copacabana gente em situação financeira precária. Eram 10 mil pessoas de uma classe média que segue a pauta dos grupos de comunicação, claramente favoráveis aos protestos. 

Se a crise se instalar com a força que se espera e os mais pobres saírem às ruas, é possível que a turma deste domingo corra para seus apartamentos. E chame a polícia.

O fracasso dos protestos encerra, enfim, o terceiro turno



O flop sensacional dos protestos de hoje tem um significado essencial: acabou, enfim, o terceiro turno, depois de mais cem dias de governo Dilma.

Foi um final melancólico para os esperançosos de um golpe contra os 54 milhões de votos – um grupo diversificado que vai dos coronéis da mídia até aquela massa ignara formada por analfabetos políticos.

Os protestos se esvaziaram de pessoas, e a excentricidade boçal e desinformada foi se acentuando.

Um cartaz que viralizou dizia, por exemplo, que sonegação não é corrupção. Outro afirmava que Dilma tinha três opções: renunciar, ser derrubada ou se matar.

Malucos mais uma vez pediam um golpe militar em inglês. E o direitista punk do Movimento Brasil Livre, do alto do fiasco do espetáculo que tentou comandar, disse que é preciso meter uma bala na cabeça do PT.

Em meio a essas cenas beligerantes, a Globonews, como assinalou um tuiteiro, insistia em destacar o “caráter pacífico e familiar” dos protestos.

Numa das melhores tiradas do dia, o tuiteiro escreveu: “A Globonews insiste em dizer que famílias inteiras estão nos protestos. Ora, fodam-se as famílias inteiras.”

Pausa para rir.

Neste estertor de terceiro turno, não podiam faltar também os números inflados. A PM, depois do célebre milhão furado da vez anterior, recuou para um pouco mais de 200 mil pessoas na Paulista.
O Datafolha foi mais modesto: 92 mil no pico, às 16 horas.

Mesmo assim, as imagens de grandes vazios na avenida Paulista deixavam dúvidas quanto à precisão do prognóstico do Datafolha.

Um amigo me escreveu: “Como disse Wellington, quem acredita nestes 100 mil acredita em tudo.”

Derreteu-se o exército de manipulados que decidiram vestir a camisa da seleção e ir para as ruas. Não deixarão saudade, em sua imensa tolice.

Eles demoraram uma eternidade a entender que perderam as eleições, mas agora acordaram para a realidade.

Resta Dilma também acordar para o fato de que ela venceu. Não deve haver registro, na República, de um vitorioso em eleições presidenciais com ares tão derrotados.

Isso deu margem a que neoudenistas como FHC, Serra e Aécio agissem como napoleões de hospício, e adotassem um ar triunfal em nada compatível com os resultados das urnas.

Dilma deveria pegar um calendário que inclua todos os dias que restam até o final de seu segundo mandato. E a cada dia, a cada folha arrancada, verificar se fez todas as tarefas que estão por fazer.

Ela tem três anos e nove meses para fazer coisas como o desmame das grandes empresas de mídia, historicamente acostumadas a viver do dinheiro público sob múltiplas formas.

Nada é tão imperioso como isso, porque os coronéis da mídia se batem ferozmente contra todos os avanços, como se viu agora no caso da terceirização.

Da Globo à Folha e à Abril, as empresas jornalísticas precisam de um choque do capitalismo que pregam para os outros.

Fora todas as mamatas públicas, ainda hoje elas vivem protegidas da concorrência estrangeira, o que é simplesmente uma obscenidade.

Se o PT aspira a ter futuro depois deste governo, vai ter que enfrentar coisas que preferiu fingir que não via.


A hora é essa – com o final do terceiro turno.

Um analfabeto político mirim chamado Kim Kataguiri



É simplesmente inacreditável a quantidade de pseudoluminares de direita que o Brasil vem produzindo nos últimos anos.

A qualidade é desprezível. Onde alguém como Nelson Rodrigues, ou Roberto Campos, ou Mario Henrique Simonsen?

Em nenhum lugar, lamentavelmente.

Em compensação, a tropa não para de ganhar novos soldados rasos. Rasos nos debates, rasos nas formulações, rasos nos textos. Rasos em tudo, em suma, verdadeiros recrutas zeros do reacionarismo.

O mais novo deles é Kim Kataguiri, de 19 anos, líder de um certo Brasil Livre. Em sua louca cavalgada para encontrar um herói do 1%, a imprensa tenta transformá-lo em algo além da definição precisa de Jean Wyllys, um analfabeto político. Eu acrescentaria apenas: mirim.

No final de semana, do alto do fracasso do protesto que ele supostamente organizou em São Paulo, KK pronunciou uma frase que simboliza a obtusidade agressiva da endoidecida direita brasileira. Para ele, o PT tem que levar um tiro na cabeça.

Num mundo menos imperfeito e menos selvagem, alguém como ele diria que o PT tem que ser batido nas urnas, democraticamente.

Mas não: KK carrega uma arma na mente tumultuada, e quer usá-la a todo custo.

A tragédia de KK começa na escolha errada do mentor. Oriental, ele tinha mestres formidáveis à mão.

Confúcio, por exemplo. Os Analetos de Confúcio são um livro curto e simples de ler, e dão a você elementos para tocar com sabedoria sua vida.

Mas a Confúcio KK preferiu a ignorância enciclopédica de Olavo de Carvalho. Se você examinar os pupilos de OC terá uma ideia do que acontece com quem leva a sério suas palavras.

Cito alguns ao acaso: Danilo Gentili, Lobão, Pastor Everaldo, Roger do Ultraje, Rodrigo Constantino e Rachel Sheherazade.

Todos eles somados, você chega a zero. Ou, se for menos condescendente, a menos um. Você espreme um por um, como laranjas, e tudo que obterá se resumirá em duas palavras: estado mínimo.

Não é à toa que a direita não ganha eleições no Brasil: seus propagandistas são terrivelmente ruins.

KK não leu nada, mas pontifica sobre tudo. Numa entrevista para a IstoÉ, admitiu jamais ter lido sequer Friedman, um dos maiores nomes do conservadorismo econômico.

Se não leu Friedman, sendo um “liberal”, é porque não leu coisa nenhuma.

Mesmo assim, carrega uma placa em que revoga Marx. Na mesma entrevista, ele disse ter lido de Marx O Capital.

Chamo meu querido Wellington mais uma vez: quem acredita naquilo acredita em tudo.

Marx não é para principiantes. Estudiosos do Capital sugerem até uma ordem de leitura de capítulos que não foi a adotada pelo próprio Marx.

Por ler Marx, e interpretá-lo à luz destes tempos, Piketty virou Piketty, com seu livro que explica a brutal desigualdade do mundo moderno e sugere maneiras de combatê-la.

Por ter lido as apostilas mastigadas de Olavo de Carvalho, KK virou KK – um garoto de maus instintos e má índole que sonha dar tiros nos outros como se estivesse jogando videogame.

Só no Brasil ele viraria uma estrela da imprensa.

Mas todos os confetes que a mídia está lhe jogando não equivalem, juntos, ao curto diagnóstico de Jean Wyllys.

Eis um analfabeto político.


Mirim.

Morre o escritor uruguaio Eduardo Galeano, aos 74 anos



O escritor uruguaio Eduardo Galeano morreu nesta segunda-feira em Montevidéu, aos 74 anos, informou sua editora a este jornal. Na sexta-feira, ele havia sido internado por causa de um câncer de pulmão.

Galeano era autor de As Veias Abertas da América Latina, livro que desde seu lançamento, em 1971, se tornou um clássico da literatura política latino-americana. Sua obra, na qual se destaca também Memória do Fogo (1986), foi traduzida para cerca de 20 idiomas.

Antes de se tornar um intelectual destacado da esquerda latino-americana, Galeano trabalhou como operário industrial, desenhista, pintor, mensageiro, datilógrafo e caixa de banco, entre outros ofícios.

As Veias Abertas... saiu quando Galeano tinha 31 anos. Naquela época, como admitiu depois o próprio escritor, ele não tinha formação suficiente para a tarefa à qual se dispôs. “Tentou ser uma obra de economia política, só que eu não tinha a formação necessária”, afirmou ele sobre o seu livro mais famoso. “Não me arrependo de tê-lo escrito, mas é uma etapa que, para mim, está superada”, acrescentou.

Em 2009, durante a Quinta Cúpula das Américas, o então presidente da Venezuela, Hugo Chávez, presenteou seu colega norte-americano, Barack Obama, com um exemplar de As Veias Abertas da América Latina livro que havia sido proibido nos anos setenta pela censura das ditaduras militares do Uruguai, Argentina e Chile. 


sexta-feira, 10 de abril de 2015

Ricardo Antunes: Não se deve jamais regulamentar a terceirização, mas impedi-la

Entrevistamos o prof. livre-docente da UNICAMP Ricardo Antunes, sociólogo e um dos principais nomes no país sobre os debates do mundo do trabalho. É autor dos livros "Adeus ao trabalho?", "Os sentidos do trabalho" e recentemente escreveu "O continente do labor", entre outros livros que abordam a temática da sociologia do trabalho.


ED: Como você vê a aprovação do PL 4330 neste momento e as consequências para o mundo do trabalho?

Ricardo Antunes: Vejo como algo que para a classe trabalhadora tem o significado, guardadas as diferenças do tempo histórico, ao retorno da “escravidão”. A terceirização completa, total, que é o sentido essencial deste projeto é uma tragédia pra classe trabalhadora brasileira, ao invés de regulamentar 12 milhões de trabalhadores como os defensores do projeto estão falando, eles vão criar as condições para precarizar e desregulamentar as condições de trabalho de mais de 40 milhões de trabalhadores, ao contrário do que os defensores deste projeto de lei afirmam, é a lei da selva no mercado de trabalho.

Você vai criar uma situação de aparente regulamentação, mas será de fato uma clara desregulamentação das condições de trabalho de todos os trabalhadores e trabalhadoras. No fundo significa rasgar a CLT no aspecto que ela tem de mais positivo, qual seja, no aspecto em que ela cria um patamar básico de direito do trabalho, que vai ser eliminado. Porque se você permite a terceirização de tudo, basta ver o que todas as pesquisas sérias, e não as patronais, mostram, os trabalhadores e trabalhadoras terceirizados recebem menos, em média, quase 30% a menos; trabalham, em média, quase 30% mais, acidentam-se mais.

Tem a burla muito maior da legislação social protetora do trabalho, há muitos trabalhadores que entraram na Justiça do Trabalho, e é uma minoria, porque os terceirizados nem possuem sindicatos para os representarem na maioria das vezes. E muitas vezes, quando eles entram na Justiça do Trabalho, a empresa terceirizada já fechou, e eles não tem nem a quem reivindicar. Muitas vezes é um fechamento [da empresa] aparente, porque a empresa fecha sua razão social para não endividar-se e abre outra com outra razão social e continua a burla. Então, no seu sentido mais profundo é este.

Ou seja, a primeira consequência brutal é a diminuição do salário, aumento no tempo de trabalho, um terceiro ponto, o aumento nos acidentes, e uma quarta consequência é aumentar a divisão da classe trabalhadora, de modo a dificultar a organização sindical. Porque, é evidente que se você tem faixas de trabalhadores, tem sido mais difícil para os sindicatos organizarem os trabalhadores terceirizados.
Para o mundo do trabalho, a terceirização significa, em síntese, que nós caminhamos para ter o conjunto da classe trabalhadora brasileira, desprovida de direitos fora do marco da regulação e sujeito a uma superexploração do trabalho ainda maior do que ela vem sofrendo nas últimas décadas.

ED: Quais os interesses na ampliação do capital da terceirização?

Ricardo Antunes: Esta terceirização que conhecemos há 25, 30 anos atrás é uma terceirização de atividades secundárias da empresa, fundamentalmente, alimentação, limpeza, hoje ela já ampliou muito, mas, hoje, pelo menos, a existência de um limite entre atividade meio e fim, se do meu ponto de vista, é insuficiente (eu sou inteiramente contra a terceirização, ela é um flagelo para a classe trabalhadora), mas este projeto é pior, porque ele elimina a diferenciação criada pelo TST que se de certo modo criava um limite para as atividades fins.

Agora a terceirização está liberada. Isto mostra que é uma lógica do capital financeiro, que consegue com o mundo do trabalho, completamente desprovido de direitos, e aplicado por um Congresso, que é a instituição mais odiada pela população hoje. Não existe em nenhuma das instituições públicas, uma que consiga condensar toda a insatisfação popular como ocorre com o Congresso hoje. O Congresso é visto popularmente como o espaço da corrupção, da negociata. De tal modo que tem se tornado conhecida uma expressão que faz sentido, o Congresso é a turma do “BBB” (Boi, bala e Bíblia), esta conjunção, criou um campo a direita, nefasto, que ta passando a aprovação do nefasto PL 4330, ta aprovando a redução da maioridade penal para 16 anos, e isto só poderá ser travado com levantes populares.

Como o momento atual, é um momento de “levante da direita”, como vimos em SP dia 15 de março, mas nós temos também, e é muito importante lembrar, lutas, as mais distintas greves de garis, professores, metalúrgicos, motoristas, etc, revoltas das periferias, movimento de sem-teto e outros movimentos populares, é daí que pode sair alguma retomada das lutas sociais que fazem sentido e produzindo levantes que lembram junho de 2013. Porque os levantes atuais são produzidos pela classe médias e vários setores conservadores da sociedade.

ED: Em sua opinião, qual deveria ser a resposta dos trabalhadores e da esquerda para impedir o avanço da precarização e da terceirização do trabalho? Em sua visão, a regulamentação da terceirização seria o melhor programa?

A resposta só pode vir dos sindicatos, dos movimentos sociais da periferia, dos sindicatos de classe, da classe trabalhadora e dos vários setores de esquerda que são comprometidos com a classe trabalhadora. A esquerda de esquerda. Tem uma coisa importante, ontem foi aprovado o regime de urgência, hoje estava em discussão, em sendo aprovado pela Câmara, o que me parece inevitável, visto que é o Congresso “BBB”, é o “Big Brother Brasil a la parlamento”. Isto depois vai para o Senado, e teremos mais um momento em que será possível pensar em manifestações fortes. Se no Senado não houver mudança, irá para Dilma, e ela poderá vetar.

É este curto período de tempo que temos e que podemos pensar em greves localizadas e generalizadas contra este projeto de lei que afeta profundamente a classe trabalhadora brasileira. Esta não tem ideia da trama que foi urdida nessas últimas semanas e dias e que foi consolidada, na noite de ontem, contra ela. Isto tem, em termos históricos, uma equivalência à regressão à escravidão porque você eliminar numa tacada o direito do trabalho de 30 milhões de pessoas, sem garantir os 12, como eles estão dizendo, porque os elaboradores deste projeto são falaciosos, dizem que querem defender os terceirizados, mas ninguém acredita nisso, eles são os representantes da bancada do “patronato das terceiras” e das “quartas” [referente ao processo de quarteirização, ou “terceirizar o terceirizado”], e o que é mais grave ainda, a terceirização generalizada dos trabalhadores.

Isto é de uma gravidade profunda porque este projeto atinge aos trabalhadores do mundo privado, as trabalhadoras e os trabalhadores da agroindústria, indústria e dos serviços, e os trabalhadores e trabalhadoras do setor público, e daqui pra frente você poderá ter trabalhadores do setor público sendo contratados por empresas terceirizadas.

A resposta tem que ser da classe trabalhadora e dos seus polos mais organizados. Caminhando, se tivermos força para isto, para greves localizadas, até uma paralisação, porque é decisivo. Porque não adianta, se for aprovado e referendado pela presidente da República, que disse curiosamente no sua primeira reunião ministerial de que seria um governo dos trabalhadores, resta saber então, o que ela entende por “trabalhadores”. Ou será que para a presidente Dilma banqueiro é trabalhador? Então veremos qual será a posição da presidente, num governo de se diz de um “governo dos trabalhadores”, será que ela vai permitir esta escravização geral dos trabalhadores? A resposta é decisiva.

A regulamentação não é o melhor programa, veja, o que eles dizem é que estão regulamentando a terceirização. Mentira. Eles estão desregulamentando os regulamentados, esta é a falácia mentirosa do nosso empresariado. A fala do ministro Levy, que por sinal é banqueiro, o segundo homem do Bradesco, disse que, e isto é a prova cabal da tragédia, segundo a imprensa publicou, durante a negociação com Eduardo Cunha (o mesmo do “orgulho hétero”), que estava preocupado com o nível de burla que este decreto (PL 4330) traria em termos de arrecadação, o que significa reconhecer que o governo sabe que o empresariado vai burlar no pagamento de impostos.

Para o empresariado burlar no pagamento de impostos é porque está burlando a legislação, esta é a confissão de que o projeto 4330 é o projeto da burla. E ele tem que sofrer a repulsa da classe trabalhadora, este é o desafio, esta é a questão vital. E não é por acaso que ele está sendo votado num momento de onda das contra rebeliões da direita, se tentasse votar este projeto há dois, três anos atrás, ele não encontraria acolhida.

É um contexto de ajuste fiscal, crise política, de retração momentânea dos setores da esquerda e de uma ofensiva dos setores da direita e suas consequências são muito nefastas. Não se deve jamais regulamentar a terceirização, mas sim impedir a terceirização. Talvez seja muito importante começar uma campanha desde já pelo fim da terceirização em todos os sindicatos. Todos os sindicatos comprometidos com a classe trabalhadora deveriam lutar para acabar com os terceirizados e contratá-los com os direitos que eles exigem, com razão, nas empresas.