O orgulho coxinha entrou na moda. Muitos andam por aí, nas ruas e nas redes, autoproclamando-se "coxinhas" sem nenhum pudor. Virou identidade positiva. O coxinha se considera trabalhador, estudioso, um cidadão de bem que cumpre seus deveres. É contra a corrupção e privilégios que firam a meritocracia.
Mas, já nos ensinou Freud, sempre é bom desconfiar do juízo que as pessoas fazem sobre si próprias. Os coxinhas que têm infestado o debate político atual não são exatamente modelos de retidão e coerência.
São adeptos do "dois pesos, duas medidas". Sua visão tacanha do mundo, que dificilmente resiste à crítica, com frequência descamba para o ódio e a intolerância. Substituem os argumentos por xingamentos.
O coxinha se indigna com os R$ 25 bilhões que o Estado paga anualmente ao Bolsa Família, mas acha normal os R$ 978 bilhões pagos por este mesmo Estado ao bolsa banqueiro.
Ele sai às ruas de branco pedindo redução da maioridade penal quando um cidadão de classe média é assassinado, mas mantém seu silêncio sorridente ao saber que, a cada dia, dois jovens pobres são mortos pela polícia de São Paulo.
Acha que a corrupção no Brasil começou com o PT e faz vistas grossas ao trensalão, ao escândalo do HSBC ou ao aeroporto do titio.
O coxinha, ao saber que as riquezas do 1% mais ricos ultrapassarão a dos 99% restantes no mundo em 2016, atribui isso ao trabalho e esforço desse 1%, mesmo estando sem dúvida alguma entre os 99%.
É contra privilégios desde que não sejam os dele. Queixa-se de que o aeroporto virou rodoviária e de que a classe média já não pode ter empregada doméstica.
O coxinha se mobiliza contra a corrupção, mas não lhe passa pela cabeça defender o fim do financiamento privado das campanhas eleitorais, fundamento de 11 entre 10 escândalos de corrupção no Brasil.
Para ele, o mundo se divide entre esforçados e vagabundos. Por isso é contra as cotas e programas sociais. Se os negros ganham 42% em média a menos que os brancos, deve ser porque trabalham menos. Se ainda há pobres é porque se escoram no Bolsa Família e não querem aprender a pescar.
O pensamento coxinha é primário. Não passa por elaboração crítica e não resiste a cinco minutos de questionamento. Numa típica formação reativa, transforma a insuficiência em insulto. Mostra que entre a inconsistência e a agressão há apenas um passo.
Alguns dizem que a onda coxinha revela o nascimento de uma nova direita no Brasil. Direita sim, nova nem tanto. São apenas os velhos ranços, preconceitos e indignações seletivas da porção mais conservadora da classe média que encontraram ocasião para sair de algum canto do armário.
Recomenda-se que guarde os fascismos para si. Quando se é racista, misógino e antipopular abertamente, tendo ainda auditórios para aplaudir, é mau sinal. O orgulho coxinha simboliza o emburrecimento do debate público no Brasil.
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