Por Luciano Martins Costa - Observatório da Imprensa
Nas edições de sexta-feira (13/9), os jornais fazem a crônica do jogo de futebol em que se transformou o julgamento da Ação Penal 470 no Supremo Tribunal Federal. Não faltam ofensas pessoais, ironias de nível mediano, meias verdade e principalmente demonstrações explícitas de partidarismos nos debates que acompanham as declarações de voto. Tudo detalhadamente publicizado pela televisão e pela internet, ao vivo e sem cortes.
Vistos na tela, os nobres ministros se revelam homens e mulheres comuns, quase todos nivelados pelo mesmo conjunto de paradigmas que faz do ambiente político no Brasil uma atmosfera cáustica na qual não cabem sutilezas.
Da leitura dos jornais pode-se concluir que o que move as decisões da mais elevada corte da Justiça brasileira não é a Justiça: é a política. Portanto, se a própria imprensa deixa claro que os critérios técnicos e o conhecimento jurídico se amoldam às ideologias e preferências partidárias, não há por que se preocupar com eventuais reações da sociedade a esta ou àquela decisão judicial.
Os diários dizem, por exemplo, sem meias palavras, que o presidente da Corte, Joaquim Barbosa, e o ministro Gilmar Mendes, que votaram contra a validade dos embargos infringentes, protelaram quanto puderam a conclusão da sessão, para evitar que houvesse tempo para o voto do decano do Tribunal, ministro Celso de Mello.
Sabe-se que Mello tem opinião declarada em favor da aceitação do recurso, e o alongamento das manifestações tinha como objetivo claro, segundo a imprensa, impedir que o último ministro a votar encerrasse a questão admitindo os embargos. Dessa forma, haveria tempo para tentar mudar sua opinião até a próxima quarta-feira (18/9), quando o STF deverá concluir a votação.
No dicionário Aulete, a palavra “chicana”, tão deplorada no sistema da Justiça, é definida como:
“1. (Jur.). Ação ou resultado de impedir ou dificultar o andamento de um processo, com argumento ou questão irrelevante, ligada a aspectos técnicos ou a sutilezas e detalhes das leis; 2. Uso abusivo, distorcido, das formalidades, tecnicidades, sutilezas próprias ao funcionamento da justiça, ou, por extensão, de outras instituições e atividades”.
Outras definições falam em “ação capciosa”, “manobra de má fé”, “ardil”, “tramóia”, “trapaça” e “astúcia”.
Mudando a “narrativa”
Estaria a imprensa dizendo à sociedade que o presidente da Suprema Corte de Justiça, Joaquim Barbosa, e o ministro Gilmar Mendes se valeram de chicanas para impedir o voto do ministro Celso de Mello e impor suas opiniões pessoais ao colegiado?
Para usar uma expressão tirada do ambiente acadêmico pelo fenômeno midiático conhecido como Mídia Nínja, a análise da “narrativa” dos jornais permite apenas uma interpretação: manobras para adiar decisões judiciais são definidas como chicanas.
Mas nada parece surpreender os jornalistas, que tratam o Supremo Tribunal Federal como terreiro de cortiço. Nas edições sobre o costumeiro bate-boca entre os ministros, não faltam a estética das histórias em quadrinhos e a reprodução de manifestações ofensivas trocadas entre suas excelências.
O Estado de S. Paulo volta a utilizar a expressão “narrativa”, que parece ter caído no gosto de seus editores, para falar que, se a Corte aceitar o embargo interposto pelos advogados e, num novo julgamento, o ex-ministro José Dirceu conseguir se livrar da condenação por formação de quadrilha, a “narrativa” sobre o ex-ministro da Casa Civil teria que mudar.
Ora, a mesma análise de narrativa, aplicada à linguagem jornalística no trato desse escândalo, mostra que a maioria dos réus estava condenada antes da sentença, o que tem motivado afirmações segundo as quais parte dos ministros age em consonância com o que vem da imprensa. Tal interpretação é reforçada nas edições de sexta-feira, quando os jornais comentam as justificativas dos votos.
Os ministros Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello, que votaram contra a validade dos embargos infringentes, alegaram que a reabertura do caso poderia gerar indignação popular e descrédito para a Corte. De olho no que dizem os jornais, e com seus egos expostos na TV e na internet pela transmissão direta das sessões, os magistrados caem das alturas para a vala comum onde fervem as paixões ideológicas.
Nas redes sociais, não há como escapar do ambiente de arquibancada em que se transformou o julgamento. Nas bancas de apostas, não há barbadas: mesmo se aceitos os embargos, pode ser que nada mude na retomada dos debates sobre o mérito.
As argumentações dos nobres ministros miram lá adiante, na eleição presidencial de 2014, mas quanto mais se engalfinham os magistrados, menor será a influência de suas decisões nas urnas.
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