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domingo, 1 de setembro de 2013

Se ouvir “Eu não sou preconceituoso, mas…”, corra para longe

Leonardo Sakamoto

Eu não sou preconceituoso, mas…

Esta frase é deliciosa. Não é um aviso de “olha, não encare isso como preconceito”, mas um alerta. Do tipo “segura, que lá vem um preconceito”. A ressalva, completamente inútil, serve, pelo contrário, para reforçar que a pessoa em questão é exatamente aquilo pelo qual não gostaria de ser tomada.

Cultivamos nosso medo e ódio, mas, às vezes, pega mal expressá-los em público assim, tão abertamente. Porque pode ser visto como crime ou delito. Ou serem criticados – mesmo que os críticos compartilhem da mesma visão de mundo que você. E, além do mais, como todos sabemos, o Brasil é o país da alegre miscigenação, em que todos são considerados iguais em direitos. Os que discordam disso devem se mudar ou levar um corretivo para deixarem de serem bestas. É isso: ame-o ou deixe-o.

É engraçado como o preconceituoso não se vê como tal. Quem solta um “Eu não sou preconceituoso, mas…” separa essa palavra de seu significado e pensa o preconceito como algo abstrato, etéreo. Uma ideia que não teria nada a ver com tratar pessoas de forma diferente ou fazer um julgamento prévio de seu caráter devido à sua classe social, orientação sexual, cor de pele, etnia, nacionalidade, identidade de gênero, pela presença de alguma deficiência e por aí vai.

E cabe tanta abobrinha em um “Eu não sou preconceituoso, mas…” que ele se tornou o novo “Amar é…”, presente naqueles livrinhos simpáticos da minha infância.

Duvida?

Eu não sou preconceituoso, mas bandido bom é bandido morto.

Eu não sou preconceituoso, mas baiano é foda. Quando não faz na entrada faz na saída.

Eu não sou preconceituoso, mas mulher no volante é um perigo.

Eu não sou preconceituoso, mas tenho medo desses escurinhos mal encarados qe pedem dinheiro no semáforo.

Eu não sou preconceituoso, mas cigano é tudo vagabundo.

Eu não sou preconceituoso, mas os gays podiam não se beijar em público. Assim, eles atraem a violência para eles.

Eu não sou preconceituoso, mas acho o ó ter um terreiro de macumba na nossa rua.

Eu não sou preconceituoso, mas é aquela coisa: não estudou, vira lixeiro.

Eu não sou preconceituoso, mas não gostaria de ver minha filha casada com um negro. Não por ele, é claro, mas eles sofreriam muito preconceito.

Eu não sou preconceituoso, mas esses sem-teto são todos vagabundos.

Eu não sou preconceituoso, mas chega de terra para índio, né? Se eles ainda produzissem para o país, mas nem isso acontece.

Eu não sou preconceituoso, mas esses mendigos deviam ir para a periferia onde não incomodariam ninguém.

Eu não sou preconceituoso, mas sabe como é esse pessoal de esquerda. É tudo petralha.

Eu não sou preconceituoso, mas sabe como é pessoal da direito. É tudo tucanalha.

Eu não sou preconceituoso, mas São Paulo é São Paulo, né amiga? Não é Fortaleza.

Eu não sou preconceituoso, mas esse aeroporto tá parecendo uma rodoviária.

Eu não sou preconceituoso, mas adoro esse shopping. Só tem gente bonita por aqui.

Eu não sou preconceituoso, mas sobe o vidro, amor. Você não tá nos Jardins.

Eu não sou preconceituosa, mas vocês não acham que essas médicas cubanas têm cara de empregada doméstica?

Cuidado, seja sutil. Preconceito é para ser dito, repetido e aplicado, mas com naturalidade. Diluído no dia a dia, aparece como uma forma de manter a ordem das coisas e de lembrar quem manda. E quem obedece.

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