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sábado, 12 de setembro de 2015

Dilma não é Jango



Dilma não é Jango. O primeiro foi deposto pela mira de canhões por um golpe de Estado. A segunda pode ser deposta por instituições democráticas que seu poder sustenta: ações do Tribunal Superior Eleitoral e do Tribunal de Contas da União, que justificariam um pedido de impeachment ao Congresso. Tropas e tanques, dispensados.

Poder Legislativo e Judiciário, com a implosão do Executivo, a destronariam. Sua baixa popularidade é uma aliada que cria rachas por todo lado. Num infeliz (ou bem calculado) comentário, Michel Temer, vice-presidente, lembra Francis Underwood, protagonista de House of Cards, que colabora para enfraquecer a presidência. 

Dilma deve saber, porque até eu sei por conversas aqui e ali com fontes bem informadas e boêmias: Temer nega a intriga, mas passou agosto visitando empresas de comunicações e federações empresariais, apresentando suas credenciais; o PSDB já prometeu a primeira valsa; o segundo escalão do TCU, o técnico, ameaça um motim caso o primeiro escalão, o político, não condene as contas de Dilma, como manda a cartilha.

Gilmar Mendes, do STF e TSE, já partiu para a grosseria ao classificar o arquivamento do pedido de investigação da campanha de Dilma, do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, como “ridículo”, que “vai de infantil a pueril”. Janot voltou atrás e aceitou a denúncia.

O racha no Brasil de Jango era parte de um complô da guerra fria. A ameaça comunista, as Reformas de Base, que tocavam em pontos sensíveis do capitalismo, como reforma agrária e controle de remessa de lucros, a radicalização do discurso e motins de soldados e marinheiros uniram partidos da oposição, a Igreja, órgãos de imprensa, políticos populares e as Forças Armadas, que já tinham tentado um golpe anos antes, para impedir a posse de Juscelino.

Em pesquisa secreta do Ibope, feita na véspera do movimento militar de 1964 em três cidades paulistas de diferentes portes (São Paulo, Araraquara e Avaí), encomendada pela Federação do Comércio do Estado de São Paulo, diferentemente de Dilma, Jango tinha apoio popular: 45% consideravam seu governo ótimo ou bom, 24% regular, e 16% mau ou péssimo.

Noutra pesquisa de eleitores de oito capitais, feita em março de 64 pelo Ibope e também engavetada, descoberta recentemente em arquivo da Unicamp, 49,8% admitiam votar em Jango se ele pudesse se candidatar à reeleição, o que não era permitido pela Constituição em vigor.

Márcia Cavallari, diretora do Ibope, disse que os critérios aplicados na pesquisa da década de 60 são semelhantes às recentes, como a encomendada pela CNI (Confederação Nacional da Indústria) e divulgada em julho, que apontou que a avaliação do governo Dilma é de apenas 9% como ótimo ou bom, 21% regular, e 68% ruim ou péssimo. 

Se Jango tinha 45% de aprovação, Dilma tem 9%. Mas a inflação de Jango era aterrorizante: chegou a 23% no primeiro trimestre de 1963, e a variação em 12 meses acelerou de 45,6% em dezembro de 1962 para 69,9% em março de 1963. 

A crise política e com o mercado externo e FMI detonou o Plano Trienal de Jango. A inflação fechou em 1963 encostando em 80%, bem pior que a de Dilma. Mas a taxa de crescimento do PIB era um pouco melhor: caiu de 6,6% em 1962 para 0,6% em 1963.

Jango e seu PTB foram depostos em horas, com o racha de base aliada, o PSD. Dilma e o PT vêm a base aliada rachar, mas sem a ameaça de intervenção militar e a menor possibilidade de um golpe de Estado, já que as instituições democráticas estão preservadas, oposição envolvida nos mesmos escândalos de corrupção, que provam a falência do sistema partidário e das regras políticas em vigor.

Um paradoxo interessante explica o Golpe de 1964. A popularidade de Jango teria sido decisiva para a sua deposição pela força, já que as frentes políticas adversárias não se sentiam encorajadas: em outra pesquisa engavetada pelo Ibope, 59% dos entrevistados eram a favor das medidas anunciadas em 13 de março de 64 no comício da Central do Brasil por Jango, as que desencadearam o golpe. 

Porém, os movimentos sociais pouco fizeram para impedir o desmantelamento do governo. Uma Greve Geral convocada pelas Centrais Sindicais e pela UNE em 1.º de abril atrapalhou mais do que ajudou. Tropas marcharam sem encontrar resistência, o que surpreendeu o próprio governo deposto.

É impensável calcular como os movimentos sociais ligados ao PT e partidos de esquerda, movimentos sindicais, CUT, sem-teto e sem-terra, mercado externo, acionistas, EUA, FMI, ONU, OEA, Mercosul reagiriam no caso de um impeachment, sintoma da instabilidade da República brasileira, que raramente vê um presidente cumprir o prazo designado pelo voto.

Deodoro da Fonseca ficou dois anos e foi forçado a renunciar na Revolta da Armada, depois de destituir o Legislativo. Floriano e Afonso Pena, que morreu antes de completar o mandato, ficaram só três anos. Rodrigo Alves, como Tancredo Neves, morreu antes de tomar posse. 

Washington Luís foi deposto pela Revolução de 1930, e seu sucessor eleito, Júlio Prestes, não tomou posse. Dutra ficou cinco anos, como Sarney. Getúlio entrou para a história e deu um tiro no peito. Café Filho foi afastado por motivo de saúde e ficou um ano. Carlos Luz, seu sucessor, foi deposto, e JK assumiu antes. 

Jânio Quadros viu forças ocultas e renunciou dois anos depois de ter sido eleito. Jango foi deposto, Collor, impeachado. FHC era para ficar quatro anos, ficou oito. E Dilma... 

Cumpre a sina da maldição presidencial do nosso doente processo representativo. E já tentamos de tudo: mandato de quatro anos, de cinco, de quatro com reeleição, vice eleito de outra chapa, junta militar provisória, parlamentarismo (em dois plebiscitos rejeitados), até monarquia, ironicamente, o governo mais estável da nossa história.

Muita gente festejará a queda de Dilma, como uma vitória da democracia. Mas deveria lamentar o nosso fracasso de projeto republicano.

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