Hoje estão em consonância no Brasil forças extremas da sociedade, que em tempos mais serenos ficariam em campos opostos. O PSDB abraça os descontentes chantagistas do PMDB, enquanto o vampiresco Eduardo Cunha e sua horda de zumbis dão beijocas no sanguinário deputado Carlos Sampaio.
Hoje a reacionária alta burguesia paulista faz afagos na pelega Força Sindical, enquanto a elite janota do Rio de Janeiro se aconchega aos plebeus da zona norte.
Hoje dão as mãos o direitista "O Estado de S. Paulo", a minha querida quase (?) imparcial Folha, o oportunista "O Globo" e a histérica revista "Veja". Hoje se alinham para panelaços a população alienada e a estudantada militante.
Tudo isso porque elegeram um inimigo comum, o PT, e sua representante mítica, Dilma Rousseff. Ah, como é reconfortante encontrar um bode expiatório, alguém que, como Cristo, acolha todas as culpas, embora a contragosto. Ah, como é gostoso ter um inimigo comum.
É pena que a presidente Dilma Rousseff seja tão obstinada, tão voluntariosa. É pena que seja ela tão patriota, tão irredutivelmente profissional. Pois, o que aconteceria se inopinadamente esse inimigo comum fosse removido?
Apenas por razões de ordem acadêmica, vamos supor que a presidente Dilma decidisse abdicar. Vocês já imaginaram a balbúrdia que se instalaria no Brasil? Sem um inimigo comum, um bode expiatório geral? Como iriam comportar-se esses atores tão individualistas, tão egocêntricos da política nacional?
Imaginemos apenas que, se não para manter sua dignidade, mas apenas por macabra vingança, a presidente Dilma Rousseff resolvesse passar umas longas e merecidas férias em Côte d'Azur, na França.
José Serra mandaria mísseis "exocets" e outros petardos para Belo Horizonte. Eduardo Cunha mandaria seu exército pentecostal aniquilar o estarrecido Michel Temer, que, acossado de todos os lados e sem a têmpera de uma Dilma, não resistiria muito até desmoronar.
A mídia, confusa, já não saberia a quem hostilizar. Eduardo Cunha? José Serra? Fernando Henrique Cardoso? O PMDB, acostumado a aderir ao mais forte, ficaria sem orientação, sem rumo.
Os "pit bulls" da oposição –Rodrigo Maia, Carlos Sampaio, Álvaro Dias, Aloysio Nunes Ferreira–, viciados e sem ter a quem morder, passariam a se mastigar entre si ou passariam a atacar outros aliados? E quem governaria essa Câmara prenhe de cobiças e de extorsões?
FHC disse que é inoportuno o impeachment da presidente Dilma porque não há lideranças adequadas. Talvez o que ele queira dizer é que haja muitos candidatos medíocres para a substituição de Dilma. Com isso, agride seus correligionários Serra e Aécio Neves e outros opositores dos demais partidos, antes mesmo de qualquer processo de impedimento da presidente.
Ah, que pena que Dilma não é vingativa. Que pena, mas que sorte!
ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE, 84, físico, é professor emérito da Unicamp e membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia e do Conselho Editorial da Folha
Nenhum comentário:
Postar um comentário