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sábado, 30 de maio de 2015

O ódio no Brasil

Corrupção na Fifa: Entenda por que o silêncio de Ronaldo e Pelé está ligado a J. Hawilla e aos EUA, país que lidera investigações



No país do futebol, não são poucos os brasileiros que se questionam sobre o silêncio de grandes ídolos da bola, como os ex-jogadores Ronaldo Fenômeno e Pelé acerca do escândalo de corrupção na Fifa. Uma rápida busca nas redes sociais permite ver que a demanda por uma palavra deles existe. Porém, a expectativa não deve ser atendida por pelo menos dois motivos: José Hawilla e os Estados Unidos.

Citado pela Justiça norte-americana como um delator no processo que investiga o pagamento de propinas a cartolas nos últimos 24 anos, o empresário brasileiro J. Hawilla possui conexões com os principais dirigentes do futebol nacional há décadas. Ele intermediou negócios da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) no auge da era Ricardo Teixeira. A empresa fundada por ele, a Traffic, comandou diversas negociações, de direitos de transmissão a jogadores.

A ligação com Hawilla fez do empresário Kleber Leite, ex-presidente do Flamengo,o primeiro alvo de buscas por parte da Polícia Federal e do Ministério Público Federal (MPF), na quarta-feira (27), no Rio de Janeiro. As autoridades brasileiras participam do esforço concentrado que, além dos EUA, ainda possui um braço investigatório na Suíça – este apurando mais precisamente os processos das escolhas das Copas do Mundo de 2018 (Rússia) e 2022 (Qatar).

Tanto Ronaldo quanto Pelé possuem conexões antigas com Hawilla. O primeiro projeto do Fenômeno na área de comunicação, em 2002 – a compra dos direitos de transmissão do Campeonato Espanhol pela Rede Bandeirantes – aconteceu em uma parceria com a Traffic. Na época, Kleber Leite (então vice-presidente da empresa de Hawilla) disse ao jornal Folha de S. Paulo que a “intenção é fazer com que o brasileiro possa assistir ao maior jogador da atualidade todos os domingos”. Ronaldo integrava o time galáctico do Real Madrid na ocasião.

Posteriormente, a Traffic chegou a ter algumas disputas de mercado com a 9ine, empresa que o Fenômeno abriu para atuar no mercado do marketing esportivo – uma delas no Flamengo, como noticiou o Lance! em 2011. Apenas um ano antes, em uma festa que comemorou os 30 anos de atuação da Traffic no mercado, Hawilla reuniu a nata do futebol nacional – incluindo Ronaldo, Pelé e Ricardo Teixeira –, mostrando ao mundo por que era tido como "dono do futebol brasileiro".

Hawilla se afastou dos negócios e se mudou para os EUA em 2013. Lá, passou a ser figura importante na NASL, sendo dono inclusive de alguns times da liga que é uma espécie de segunda divisão do futebol americano. Em dezembro de 2014, Ronaldo adquiriu uma participação no Fort Lauderdale Strikers, time adquirido quatro meses antes por um grupo de empresários brasileiros da Traffic – que ainda detém o Carolina RailHawks.

A sociedade indireta entre Ronaldo e Hawilla no futebol dos EUA também atinge, em menor grau, o Rei Pelé. Enquanto explodia o escândalo da Fifa, com prisões em um hotel de luxo de Zurique – incluindo o ex-presidente da CBF José Maria Marin –,Pelé estava em Nova York. Lá o maior jogador de futebol de todos os tempos fez história com o New York Cosmos, clube com o qual mantém relações (emocionais e econômicas) até hoje. Pelé inclusive irá com a delegação da equipe para Cuba, onde um jogo amistoso entre o Cosmos e a seleção cubana será realizado no dia 2 de junho.

Os dados disponíveis até o momento em torno das investigações nos EUA não implicam o nome de Ronaldo ou de Pelé em irregularidades. Possivelmente isso nem venha a ocorrer. O mesmo não pode ser dito da Traffic e da própria NASL. O executivo Aaron Davidson, ex-presidente dos Strikers, atual presidente dos RailHawks e da Traffic nos EUA, é um dos executivos da Fifa denunciados pelas autoridades americanas. Para tentar conter a crise, a NASL e seus executivos suspenderam Davidson e também os negócios com a firma de Hawilla.

sexta-feira, 29 de maio de 2015

A síndrome de Pelé



A base ideológica da proibição da reeleição reside numa persistente visão que despreza a capacidade da população reconhecer seus interesses: "o povo não está preparado para votar"

O debate sobre o direito de presidentes, governadores e prefeitos disputarem a reeleição é uma dessas conversas permanentes da política brasileira. Seu horizonte é a improvisação e o preconceito. Periodicamente, tenta-se manipular a reeleição ou a não-reeleição ao sabor das conveniências do momento.

Ao votarem contra a reeleição os deputados assumiram uma escolha irracional e anti-democrática. Em minha opinião, ninguém pode impedir a população de reconduzir ao cargo — pelo voto, em eleições limpas — um governante de seu agrado. Isso não a ver com regras eleitorais, mas com respeito a soberania popular.

Costuma-se dizer que, por causa da reeleição, o Brasil tem uma tradição de maus governos. Por ironia, é um raciocínio extremamente generoso com a quase totalidade de nossos políticos, já que a reeleição é um direito novo em nosso processo político, tendo sido experimentado, pela primeira vez, em 1998.

Será que as dezenas de presidentes, centenas de governadores e milhares de prefeitos que tivemos desde a proclamação da República foram governantes exemplares, cônscios de seus deveres e responsabilidades? Quantos não deixaram o palácio sem deixar saudades? Quantos não foram embora por que o povo queria sua permanência?

Outro problema envolve Luiz Inácio Lula da Silva, o mais popular presidente de nossa história. Lula conservou e ampliou a aprovação popular justamente no segundo mandato. Deixou o Planalto consagrado. Mau exemplo? De que? Para quem?

Na verdade, a lógica contra o direito de disputar uma reeleição é tão primitiva que não resiste a uma segunda reflexão.

Consiste em dizer que o cidadão eleito já inicia o primeiro mandato motivado pela má-intenção de fazer “tudo” para ser eleito uma segunda vez. Falta responder a pergunta oposta. Por que não imaginar que o sujeito que sabe que não pode disputar um segundo mandato “nada” será um preguiçoso que nada fará para conservar e até ampliar o apoio conquistado, condenando o país a uma gestão medíocre?

Uma decisão que retira do eleitor o direito de escolher seus governantes entre os candidatos que achar melhor se apoia numa verdade inconfessável mas real. Estou falando do profundo desprezo pela capacidade da população de reconhecer quais são seus interesses reais e escolher quem está mais preparado para defendê-los.

A certeza de que muito possivelmente a população será levada a fazer escolhas erradas está por trás da visão de que uma regra, elaborada pelo Congresso, deve se sobrepor a seu direito de escolha. O que se está propondo, afinal, é mutilar a soberania popular.

Pode-se votar uma vez — ainda bem, não é mesmo? — mas quem já ocupou determinado cargo não pode permanecer no posto.

O direito de um presidente disputar a reeleição foi estabelecido em 1997, quando Fernando Henrique Cardoso aprovou a emenda que lhe deu o direito de tentar a reeleição. Depois de 1997, todos os presidentes que tentaram a reeleição conseguiram um segundo mandato. Você pode achar, como dizia Pelé sob o regime militar, que o povo não sabe votar.

Ou pode reconhecer que o eleitor costuma fazer a melhor escolha de que é capaz, nas condições dadas no momento em que se dirigiu às urnas.

Surpresas agradáveis e decepções profundas são uma contingente natural dos regimes democráticos, esse sistema que é muito superior a todos os outros exatamente porque, ao contrário das ditaduras, admite com honestidade um grau inevitável de incerteza nas decisões políticas e na maioria das decisões humanas.

O democrata Franklin Roosevelt permaneceu quatro mandatos consecutivos na Casa Branca e é muito provável que, sem ele, a recuperação do país após a Depressão teria sido muito mais prolongada e difícil. Mas é claro que o segundo mandato pode ser menos empolgante do que o primeiro. O começo de Dilma Rousseff, em seus cinco meses de 2015, não guarda a menor relação a fase inicial do primeiro. Mesmo os aliados de FHC estão convencidos de que o primeiro mandato foi bom — e o segundo, muito ruim.

Não por acaso, o cientista político Adam Przeworski, que conheceu de perto os rigores das ditaduras comunistas do Leste, cunhou uma frase insubstituível: “Amas a incerteza e serás um democrata.”

Os países com regimes democráticos mais duradouros aceitam o direito à reeleição e, nos casos da Europa parlamentarista, sequer se debate um limite para o direito de um primeiro-ministro — titular do poder de fato — disputar quantos pleitos conseguir. Margareth Thatcher permaneceu quinze anos no posto. O trabalhista Tony Blair ficou quinze. Na Alemanha, Charles Adenauer foi reeleito quatro vezes, entre 1949 e 1963 e Angela Merkel já completou dez anos no posto. Nos regimes presidencialistas, a reeleição também costuma ser permitida. Depois que Franklin Roosevelt venceu quatro eleições consecutivas, o Congresso norte-americano estabeleceu que um presidente eleito só tem direito a disputar uma reeleição. Na França, a regra aceita dois mandatos consecutivos, também.

Você pode ter uma opinião sobre o desempenho de cada um desses governantes. Pode achar que foram um desastre ou a maravilha de sua época.

Dificilmente irá negar que só conseguiram uma longa permanência em seus respectivos cargos depois de demonstrar que eram bom de serviço — pelo menos, na opinião da parcela da população que lhe deu a vitória na primeira vez.

terça-feira, 26 de maio de 2015

Chico: querem destruir o PT pelo medo de Lula

247 – O cantor e compositor Chico Buarque saiu em defesa do PT, da presidente Dilma Rousseff e do ex-presidente Lula em entrevista publicada na noite desta segunda-feira 25 pela versão em português do portal El País. Ao falar sobre a atual crise política e as manifestações contra o governo, ele declarou que "o alvo não é a Dilma, mas o Lula; têm medo que Lula volte a se candidatar".

Chico disse que "entre aqueles que saem às ruas há de tudo, incluindo loucos pedindo um golpe militar. Outros querem acabar com o Partido dos Trabalhadores, querem enfraquecer o Governo para que, em 2018, o PT chegue desgastado nas eleições". Para ele, a situação atual é "muito confusa, não há nenhuma maneira de saber o que vai acontecer nos próximos anos".

O músico classificou a oposição de "muito dura" e defendeu, sobre o governo, que "é preciso tomar certas medidas impopulares", pois "a crise econômica é forte". O ícone da Música Popular Brasileira afirmou sem receio que 'toma partido' e que não tem "qualquer problema em declarar isso. Sempre apoiei o PT, agora a Dilma Rousseff e antes o Lula".

"Apesar de não ser membro do partido, de ter minhas desavenças e de votar em outros candidatos e outros partidos em eleições locais. Mas sempre soube que o problema deste país é a miséria, a desigualdade. O PT não resolveu tudo, mas conseguiu atenuar. Isso é inegável. O PT tem melhorado as condições de vida da população mais pobre", declarou.

domingo, 24 de maio de 2015

Sempre é possível uma auto-correção e um recomeço


Nem toda crise, nem todo caos são necessariamente ruins. A crise acrisola, funciona como um crisol que purifica o ouro das gangas e o libera para um novo uso. O caos não é só caótico; ele pode ser generativo. É caótico porque destrói certa ordem que não atende mais as demandas de um povo; é generativo porque a partir de um novo rearranjo dos fatores, instaura uma nova ordem que faz a vida do povo melhor. Dizem cosmólogos que a vida surgiu do caos. Este organizou internamente os elementos de alta complexidade que desta complexidade fez eclodir a vida na Terra e mais tarde a nossa vida consciente (Prigogine,Swimme,Morin e outros).

A atual crise política e o caos social obedecem à lógica descrita acima. Oferecem uma oportunidade de refundação da ordem social a partir do caos social e dos elementos depurados da crise. Como no Brasil fazemos tudo pela metade e não concluimos quase nenhum projeto (independência, abolição da escravatura, a república, a democracia representativa, a nova democracia pós ditadura militar, a anistia) há o risco de que percamos novamente a oportunidade atual de fazermos algo realmente profundo e cabal ou continuaremos com a costumeira ilusão de que colocando esparadrapos curamos a ferida que gangrena a vida social já por tanto tempo.

Antes de qualquer iniciativa nova, o PT que hegemonizou o processo novo na política brasileira, deve fazer o que até agora nunca fez: uma auto-crítica pública e humilde dos erros cometidos, de não ter sabido usar do poder realmente como instrumento de mudanças e não de vantagens corporativas e de ter perdido a conexão orgânica com os movimento sociais. Precisa fazer o seu mea-culpa porque alguns com poder traíram milhões de filiados e por ter maculado e rasgado sua principal bandeira: a moralidade pública e a transparência em tudo o que faria. Aquele pequeno punhado de corruptos e de ladrões do dinheiro público, dentro da Petrobrás, que atraiçoaram os mais de um milhão de filiados do PT e envergonharam a nação deverão ser banidos da memória.

Cito frei Betto que esteve dentro do poder central e que ideou a Fome Zero. Ao perceber os desvios, deixou o governo comentando: ”O PT em 12 anos, não promoveu nenhuma reforma da estrutura, nem agrária, nem tributária, nem política. Havia alternativa para o PT? Sim, se não houvesse jogado a sua garantia de governabilidade nos braços do mercado e do Congresso; se tivesse promovido a reforma agrária, de modo a tornar o Brasil menos dependente da exportação de commodities e favorecido mais o mercado inerno; se ousasse fazer a reforma tributária recomendada por Piketty, priorizando a produção e não a especulação; se houvesse enfim assegurado a governabilidade prioritariamente pelo apoio dos movimento ssociais, como fez Evo Morales na Bolívia…Se o governo não voltar a beber na sua fonte de origem – os movimento sociais e as propostas origináris do PT – as forças conservadoas voltarão a ocupar o Planalto”.

E agora concluo eu: temos posto a perder a revolução pacífica e popular feita a partir de 2003 quando ocorreu não a troca do poder, mas a troca da base social que sustenta o Estado: o povo organizado, antes à margem e agora colocado no centro. O PT pode suportar a rejeição dos poderosos. O que não pode é defraudar o povo e os humildes que tanta confiança e esperança colocaram nele. E muitos, como eu e Frei Betto que nunca nos inscrevemos no PT (preferimos o todo e não a parte que é o partido) mas sempre apoiamos sua causa, por vê-la justa e afim às propostas sociais da Igreja da Libertação, sentimos abatimento e decepção. Não precisava ser assim. E foi pela imoralidade, pela falta de amor ao povo e pela ausência de conexão orgânica com os movimento sociais.

Nem por isso desistiremos. No expectro político atual não vislumbramos nenhum projeto que fuja da submissão ao capitalismo neoliberal, que faça a sociedade menos malvada e que apresente lideranças confiáveis que tornem melhor a vida do povo. A vida nos ensina e as Escrituras cristãs não se cansam de repetir: quem caiu sempre pode se levantar; quem pecou sempre pode se redimir depois de clara conversão para o primeiro amor. Até se diz que quem estava morto, pode ser resusscitado, como Lázaro e o jovem de Naim.

O PT tem que recomeçar lá em baixo, humilde e aberto a aprender dos erros e da sabedoria do povo trabalhador. Valem ainda os ideais primeiros: inclusão social de milhões de marginalizados, desenvolvimento social com distribuição de renda e redistribuição da riqueza nacional, cuidado para com a natureza com seus bens e serviços ameçados e a sempre ansiada justiça social. Mas tudo isso não terá sustentabilidade se não vier acompanhado por uma reforma política, tributária e pesado investimento na agroecologia na impossibilidade atual de fazer a reforma agrária.

Para que isso ocorra, precisamos acreditar na justeza desta causa; fortalecer-se face à batalha que será travada contra o PT por aqueles que vivem batendo panelas cheias porque nunca querem mudanças por medo de perder benefícios; mas jamais usar as armas que eles usam – mentiras e distorções – mas usar aquelas que eles não podem usar: a verdade, a transparência, a humildade de reconhecer os erros e a vontade de melhorar dia a dia, de querer um Brasil soberano e um povo feliz porque justo, não mais destinado a penar nas perifierias existenciais mas a brilhar.Vale o que o Dom Quixote sentenciou: “não devemos aceitar as derrotas sem antes dar as batalhas”.

Leonardo Boff é teólogo, ecólogo e escritor, veja A Grande Transformação, Vozes, Petrópolis 2014.

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Sugestões ao ministro Levy



A presidenta Dilma e o ministro Joaquim Levy anunciaram mais um pacote de corte nos investimentos públicos. Desta vez, a meta é economizar R$ 70 bilhões do orçamento federal, que já havia perdido R$ 22 bilhões nos cortes de janeiro. 

Solidário ao esforço fiscal comandado pelo ministro resolvi apresentar aqui sugestões mais ousadas. R$ 70 bilhões é mixaria! Acho que Levy esqueceu as origens, anda meio desenvolvimentista, talvez conversando demais com o Belluzzo. Onde está a sanha neoliberal de outrora? Vamos economizar mais! 

Precisamos de um plano mais arrojado, ministro, que pense a economia de recursos públicos na escala dos centenas de bilhões. Há espaço para isso, áreas em que os gastos do Estado brasileiro estão descontrolados. Talvez por desatenção tenham passado à margem do atual plano de contingenciamento. 

Comecemos com o tema da sonegação fiscal. Estima-se que a arrecadação em 2014 poderia ter sido R$ 500 bilhões maior não fosse a sonegação de impostos, especialmente por parte das grandes empresas. Olha que filé para ajustar as contas, ministro! Se a Receita Federal e o Ministério da Fazenda organizarem um mutirão nacional de combate à sonegação podemos ganhar aí uns bons bilhões. 

Se isso aparenta ser muito trabalhoso, podemos pensar em compensar a sonegação elevada com um imposto sobre as grandes fortunas, que te parece? A taxação progressiva da riqueza já existe na França, em outros países europeus e mesmo na América Latina. Até os Estados Unidos anda discutindo o assunto, ministro. O economista Amir Khair realizou um estudo em que estima um aumento de arrecadação de R$ 100 bilhões ao ano tributando apenas rendas de mais de R$ 1 milhão. Veja bem, é mais do que os cortes atuais e deixa as MPs no chinelo. 

Outra alternativa é em relação aos juros. Baixá-los, é claro. Cada aumento de 0,5% na taxa Selic significa em média ônus de R$ 10 bilhões ao Tesouro, que é quem paga os juros pelos títulos vendidos no mercado. Ora, ministro, se quer economizar de verdade, tem que pedir para o Banco Central baixar os juros, não aumentá-los. Senão fica difícil, daqui a pouco não tem corte no seguro-desemprego que resolva. 

Não quero me alongar, mas gostaria de deixar uma última sugestão. Que tal voltarmos o ajuste para a verdadeira enxurrada dos recursos públicos no Brasil? Falo dos gastos com a dívida pública. Em 2013, foram R$ 718 bilhões para os juros e amortização da dívida; em 2014 subiu para R$ 978 bilhões. Não acredita, ministro? Olha aqui. Que belo ajuste daria uma auditoria dessa dívida, hein! Aposto que ganharia uma medalha da turma de Chicago. 

E o que é melhor: não precisa nem aprovar lei nova, é só regulamentar. A Constituição de 88 prevê a auditoria da dívida e a taxação das grandes fortunas. Você nem vai precisar ficar aturando o Renan e o Eduardo Cunha, os pedidos do PMDB, coisa e tal. 

Bem, caro Levy, espero que estas modestas propostas ajudem no glorioso esforço de ajuste das contas nacionais. A crise é mundial, temos que pensar grande! R$ 70 bilhões no Orçamento é ajuste pra inglês ver, cortar pensão das viúvas é dinheiro de pinga. Chega de empurrar com a barriga, de ajuste meia-boca. Vamos afiar mais esta tesoura. 


Se é para arrochar os gastos, vamos arrochar de verdade. Topa, ministro?

quinta-feira, 21 de maio de 2015

O Brasil no pêndulo das elites: entre liberalismo submisso e desenvolvimentismo autoritário

Por Edemilson Paraná.

Várias leituras da história brasileira no último século, algumas delas já canônicas entre nós, adequadamente contextualizadas em termos da inseparabilidade dos grandes embates políticos de seus respectivos contextos culturais e intelectuais, apontam para um antagonismo clássico, que vive a nos assombrar de tempos em tempos: de um lado um suposto liberalismo cosmopolita, democrático e sustentado na pregação das liberdades individuais e de mercado; de outro certo estatismo nacionalista de tons positivistas, desenvolvimentista e voltado para os problemas da “organização nacional”. Em sua busca conjunta pela superação do “atraso” na luta prometeica por um “Brasil moderno”, ambos denunciam-se mutuamente como inimigos mortais: de um lado o anti-nacionalismo submisso, dependente, elitista e inautêntico; de outro o dirigismo populista, burocrático, corrupto e autoritário.

Ainda que seja absolutamente questionável a pureza desses “tipos-ideias” quando se fala de gestão do capitalismo aqui ou alhures, ler a disputa entre tais “projetos” a partir de seus supostos antagonismos pode até ser útil do ponto de vista taxonômico. Compreender a história política do país no último século a partir desta chave interpretativa, no entanto, é o mesmo que tornar-se refém de uma meia verdade, simplória e simplificadora em sua incompletude. É que, dessa forma enquadrada, tal contraposição esconde as flagrantes homologias entre tais (o)posições por meio das quais um acordo tácito fica nebulosamente encoberto: a manutenção das graves e intocadas estruturas de poder, controle e propriedade social no Brasil. Talvez seja mais adequado, alternativamente, caracterizar nossa história política como um pêndulo: um movimento previsível que varia entre centralização e descentralização, liberalismo e estatismo, nacionalismo e cosmopolitismo, sustentado por um mesmo eixo de tensão: nossa condição dependente em termos da divisão internacional do trabalho e escandalosamente desigual em termos de configuração interna.

Os pontos de encontro a sustentar o eixo desse pêndulo das elites são muitos: estadocentrismo político, elitismo e ideologia anti-popular (seja pelo porrete, seja pela “assistência”, as massas são vistas como submissas, perigosas ou incapazes), o racismo (implícito e/ou explícito), a crença na força do “império da lei” como via para o controle social e manutenção da estrutura de desigualdades, de onde emana o compartilhamento de certo autoritarismo judicial e, por fim, a crença na tecnocracia meritocrática como saída para o “atraso” por ambos diagnosticado: a leitura, em suma, do país primitivo, do Estado sem sociedade, do capitalismo sem iniciativa, da revolução sem proletariado.

Contemporaneamente, em especial a partir da Nova República, mas com raízes mais profundas, o apego a um conceito vazio de democracia, bonito no papel e pavorosamente violento na prática, reificado na estabilidade institucional e macroeconômica (rentista e patrimonial) como remédio para todos os males de que padecemos, consubstancia-se num pacto nada silencioso dessas mesmas elites, que a cada quatro anos, no entanto, voltam a encenar para o grande público o grande espetáculo de seus viscerais desafetos.

É evidente, e sobretudo quando o gotejar desse copo cheio ameaça transbordar, que o povo em movimento e resistência joga papel fundamental nas tensões, arranjos e rearranjos de poder antes como hoje. Mais do que desconhecimento desse fator, o que há de parte de nossas elites dirigentes é um medo inconfesso da raiva justa, encaminhado de forma cínica e brutal. Tudo somado, há entre Geisel e Dilma, Getúlio e Lula, JK e FHC, Beto Richa e Paulo Garcia menos diferenças do que se supõe: ruidosas na superfície, talvez, mas quase imperceptíveis em suas profundezas. Eis algumas das origens do mal-estar atual: já é passada a hora de desestabilizarmos de vez a “máquina” pendular do poder no Brasil.
 
Via:http://blogdaboitempo.com.br

quarta-feira, 20 de maio de 2015

A autoridade moral de Fernando Henrique Cardoso – I

O ex-presidente, que pontifica lições de boa governança para Dilma Rousseff, foi reeleito com dinheiro dos bancos e depois jogou o Brasil na crise

por Maria Inês Nassif, em Carta Maior


A crise econômica vivida pelo governo Dilma Rousseff, no primeiro ano de seu segundo mandato, nem de longe tem a gravidade da que balançou o país no primeiro ano do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (1999-2002). A crise política enfrentada por Dilma apenas é mais intensa que a de FHC nesse primeiro ano de segundo mandato porque ele tinha uma base de apoio que, embora mais vulnerável do que a dos primeiros quatro anos, reunia elementos de coesão ideológica inexistentes na atual coalizão governista. FHC apenas tinha uma posição um pouco mais confortável do que tem Dilma agora.

No governo FHC, a aliança parlamentar se fazia do centro à direita ideológica. Assim, mesmo que houvesse discordâncias pessoais na base parlamentar e quedas-de-braço do Congresso com o Palácio do Planalto – e o então senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) fazia questão que isso acontecesse com regularidade –, nas questões fundamentais para o projeto econômico os interesses convergiam. Ajudava a constituir maiorias parlamentares o apoio dos meios de comunicação às chamadas “reformas estruturais” – e a pressão de fora para dentro do Congresso tinha o poder de resolver as disputas mais mesquinhas.

Nas gestões do PT, a diluição ideológica do apoio parlamentar – ao centro, à direita e à esquerda – tornaram a vida dos presidentes Lula e Dilma mais difícil. No governo Dilma, a exposição de uma fragilidade econômica deu à mídia oposicionista o elemento que faltava para pressionar os parlamentares, de fora para dentro do Congresso, a assumirem posições contrárias ao governo; e, junto à opinião pública, jogar elementos de insegurança e desqualificar toda a gestão anterior.

Ainda assim, e apesar da propaganda contrária ao governo Dilma, não se pode atribuir ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso qualidades morais para pontificar julgamentos sobre política econômica, ajuste fiscal, relacionamento com a base parlamentar, relações apropriadas com financiadores de campanha ou de fidelidade a promessas eleitorais da atual presidente. Se sua experiência ajudar em alguma coisa a crise de agora, é para dar o exemplo de como não fazer o ajuste fiscal, de como não se relacionar com a base parlamentar e de como não fazer política eleitoral.

No ano de 1999, segundo os jornais, o Brasil pagava a conta do governo anterior tucano, que manteve a estabilidade de preços às custas de uma âncora cambial artificial e de uma política fiscal rigorosa, que resultou numa enorme fragilidade externa, em grande desemprego, pífio crescimento econômico e, ironicamente, aumento da inflação.

A conta foi alta. Em 1998, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 0,4%, e em 1999, 0,5%; o dólar, que valia R$ 1,2 em 1998, saltou para R$ 1,8 no ano seguinte. A inflação foi de 8,9% em 1999; o ajuste fiscal do governo imprimiu uma inflação de 19,2% em 1999 sobre os preços monitorados (petróleo e energia). O consumo das famílias teve crescimento negativo de 0,7% em 1998 e apenas 0,4% positivo no ano seguinte. O investimento público federal caiu de 2,1% do PIB em 1998 para 1,4% em 1999; a taxa de investimento, de 17% para 15,7% do PIB; a formação bruta de capital fixo, que sofreu variação negativa de 0,2% em 1998, chegou ao fundo do poço em 1999, com queda de 8,9% em relação ao ano anterior.

As reservas internacionais, que eram de US$ 52,1 bilhões em 1997 e haviam caído para US$ 34,4 bilhões em 1998, chegaram ao perigoso nível de US$ 23,9 bilhões em 1999. O saldo da balança comercial no final do ano eleitoral de 1998 foi negativo em US$ 6,6 bilhões, e em 1999 de US$ 1,3 bilhões. Em 1998, o Brasil perdeu 36 mil postos de trabalho, e 582 mil em 1989.

Eleições caras


Em outubro de 1998, Fernando Henrique Cardoso conquistou o seu segundo mandato no primeiro turno, com a ajuda de financiadores privados de campanha que haviam sido enormemente beneficiados no seu primeiro governo e no governo Itamar Franco, quando o PSDB ocupou o comando econômico que permitiu ao partido e a FHC se credenciarem como os pais do Plano Real nas eleições de 1994.

Segundo a Folha de S. Paulo (“Bancos lideram doações para campanha de FHC”, 26/11/1998 e “Bancos lideraram contribuições a FHC”, 6/6/1999), bancos e instituições financeiras foram os principais doadores de campanha, e contribuíram com 25,7% do total de R$ 43 milhões arrecadados pelo comitê do presidente reeleito.

É o próprio jornal que lembra a razão do interesse de financiadores de campanha do mercado financeiro pelo candidato: “Em novembro de 95, o governo FHC criou o Proer, o programa de socorro a bancos em dificuldade. Já foram injetados R$ 21 bilhões para financiar fusões bancárias”, diz na material de 1998.

Na matéria publicada em 1999, o jornal afirma: “No primeiro mandato de FHC, as instituições [financeiras] viveram anos de prosperidade, segundo balanços divulgados pelo Banco Central, e escaparam dos impostos, segundo a Receita Federal. A soma do patrimônio líquido do conjunto das 223 instituições financeiras mais do que duplicou no periodo, passando de R$ 26,426 bilhões para R$ 55,653 bilhões”.

Além disso, FHC teve uma generosa contribuição de empresas com interesse direto no processo de privatização levado a termo pelo PSDB desde o governo Itamar. Figuravam entre os dez maiores financiadores da campanha de 1998 de FHC a Inepar (que participou do Consórcio Telemar), a Vale do Rio Doce (privatizada em 1997), a Companha Siderúrgica Nacional (CSN, privatizada em 1993, quando FHC era ministro de Itamar), a Copesul (privatizada em 1992) e a Copene (privatizada em 1993). A Andrade e Gutierrez, que também fez parte do Consórcio Telemar, figurava no 11º lugar entre os financiadores de campanha do tucano.

domingo, 17 de maio de 2015

Como morrem os fascistas





Um neonazista, veemente antissemita e anticomunista, vivendo em um país da Europa Oriental, vice-líder de uma organização de brutamontes que invadem, uniformizados, bairros de periferia, para desfilar e espancar velhos, crianças e mulheres ciganas - povo profundamente discriminado por essas bandas - descobre, repentinamente, que é judeu, e que sua avó foi prisioneira no campo de extermínio de Auschwitz, na Polônia, durante a Segunda Guerra Mundial, onde perdeu boa parte da família.


Ele deixa, então, sua velha vida, abandona aquele que era o seu partido e a sua antiga organização paramilitar, e passa a fazer palestras em escolas de segundo grau, alertando para os perigos da discriminação. 


O que é isso? Um conto do escritor alemão Günter Grass, morto há poucas semanas? Um roteiro de Rainer Werner Fassbinder, o diretor de “Berlin, Alexanderplatz”?


Nada disso. Por incrível que pareça - até agora, pelo menos - trata-se de uma história real, a do político húngaro Csanad Szegedi.


Fundador da “Guarda Húngara”, inspirada nas milícias nazistas como as SA e as SS, e até pouco tempo atrás membro do partido de extrema-direita Jobbik, Szegedi foi eleito deputado para o Parlamento Europeu, pregando o ódio aos judeus e aos ciganos, que considerava, como muitos fascistas húngaros consideram, culpados pelos problemas do país. 


Com apenas dez milhões de habitantes, a Hungria foi, a exemplo de outras nações que mais tarde pertenceriam à área de influência da URSS, um dos aliados que apoiaram Hitler em uma grande coalizão contra os russos, e enviou, junto com os alemães, um milhão de judeus e ciganos nascidos em seu território, para a morte nos campos de extermínio nazistas, nos últimos anos da Segunda Guerra Mundial.


Szegedi, hoje, converteu-se ao judaísmo, vai à Sinagoga e estuda o Talmude, embora ainda não tenha - segundo o jornal israelense Haaretz - abandonado o hábito de comer salsicha e carne de porco, que adquiriu ao ser educado como evangélico por seus pais. 


Não dá para saber, portanto, qual seria sua reação a propósito dos palestinos, como minoria no Oriente Médio, ou ao ter seu casaco puxado por um pequeno mendigo cigano nas ruas de Budapeste. 
O importante, em sua história, é como o destino se encarrega, às vezes em irônica vingança, de combater o fascismo - mesmo quando ele reside, eventualmente, dentro de nós - dando ao indivíduo que o carrega um pouco de seu próprio veneno, fazendo com que sinta, em sua pele e carne, o que sentem as vítimas de seu ódio e violência, racismo, sadismo e discriminação.


Na impossibilidade de transformar todos os nazistas, os anticomunistas e os neofascistas, em recém autodescobertos “judeus novos” e netos de prisioneiros de campos de extermínio, o melhor remédio para matar um fascista, sem eliminar, necessariamente, a pessoa que ele habita, é ministrando-lhe a dose certa de dados e de informação.


Água mole em pedra dura tanto bate até que fura, mesmo que a contrainformação promovida pelo fascismo midiático que têm tomado conta da maioria das redes de comunicação contemporâneas, nas mãos de bilionários como Murdoch, Berlusconi, e Ted Turner - como se pode ver pelo serviço em espanhol da CNN - esteja erguendo muros mais altos e aparentemente mais inexpugnáveis que os inacessíveis paredões de Olimpus Mons, que se erguem no planalto marciano de Tharsis, no maior vulcão extinto do Sistema Solar.


Mais pode a chuva, que cai, durante anos, gota a gota, do que os tsunamis conservadores que tudo arrasam, e, depois que passam, revelam aos povos porque os homens devem se afastar, horrorizados, do fascismo, quando ele aponta, como cabeça de serpente, nos meandros da história, mostrando a terrível essência e a verdadeira natureza do mal.

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Espero que possamos refletir juntos (professores ou não), sobre a questão racial

O dia seguinte ao fim da escravidão






Imagine um amigo seu ou um parente que fosse tratado como um animal. Imagine as pessoas que você ama vivendo sem ter nenhum direito, podendo ser vendidos, trocados, castigados, mutilados ou mesmo mortos sem que ninguém ou nenhuma instituição pudesse intervir em seu favor. Imagine você, seu pai, sua mãe ou seu filho sendo tratados como coisa qualquer, como um porco, um cavalo, ou um cachorro. Imagine sua filha sendo levada ou mesmo ao seu lado, estuprada, todos os dias e depois, grávida à serventia do negócio de seu dono.

Clóvis Moura (Moura, 1989, p.15-16), faz o relato sem personagens. Eu os incluí para pedir que imagine.

Você que já chorou diante das cenas que remetem o sofrimento de Jesus Cristo na sexta feira da paixão; Você que fechou os olhos frente às fortes imagens deDjango Livre; Você que se emocionou com 12 anos de escravidão, imagine.

Imagine – e saiba – que teu país e as riquezas que o conformam existem em função de 4 séculos de escravidão. E de tudo que deste período e deste sistema decorreu a partir de então.

Mas enfim, a escravidão acabou: 13 de maio, princesa Isabel e muita festa! Festa e promessa de abonança, tal qual desrespeitosamente a amiga Globo nos lembrou.

E no dia seguinte tudo seria diferente.

Desde que acompanho o movimento negro, aprendi que dia 14 de maio, o dia seguinte ao fim da escravidão, foi o dia mais longo da história. Aliás, dizem outros, é o dia que não terminou.

Depois de séculos de sequestros, escravidão e assassinatos, o que se viu nos anos pós-abolição foi a formação e o desenvolvimento de um país que negou e ainda nega à população negra condições mínimas de integração e participação na riqueza.

Sem terra, sem empregos, sem educação, sem saúde, sem teto, sem representação. Sequer a mais liberal das reformas, a agrária, fora possível no país das capitanias hereditárias. Vamos olhar para o campo e observar as fileiras ou os acampamentos de Sem Terra, maioria negras e negros. Vamos buscar na memória os rostos de quem conforma o pelotão que estremece São Paulo na justa luta por moradia capitaneada pelos movimentos de Sem-Teto nos dias de hoje: negras e negros! Bora olhar para as filas dos hospitais, para os que esperam exames e tratamentos, para os analfabetos ou para as crianças em idade escolar que estão fora da escola. Vamos olhar para a população carceráriae suas condições de existência. Vamos olhar para as vítimas de violência policial, para os números de desaparecimentos e homicídios. Vamos olhar para os dependentes do bolsa-família ou da previdência social. Vamos olhar para a pobreza. De fato, ela atinge a todos. Mas a presença de negras e negros nas condições narradas aqui, tem sido desproporcional e pouco se alterou desde 1888.

O dia seguinte, a década seguinte, os 127 anos seguintes ao fim da escravidão não foram suficientes para nos livrar de uma herança racista, reafirmada cotidianamente pelos descendentes dos colonizadores que sempre dirigiram o Brasil. Estes mantém a posse do latifúndio, hoje rebatizado agronegócio. Mantém o domínio dos grandes meios de comunicação, são donos das grandes empresas, bancos, conglomerados educacionais-empresariais, além de dirigir politicamente as maiores Igrejas. Com isso garantem o poderio econômico a supremacia política e a representação eleitoral de maneira a manter intocáveis seus interesses.

Nada diferente do que tem sido os últimos 127 anos. Ou os últimos 515?

E nesse dia seguinte ao 13 de maio, nesse dia depois do “fim da escravidão”, resistimos! E em saraus, cursinhos comunitários, coletivos negros, nas rodas de samba e candomblé, nos bondes funkeiros, no hip-hop, na poesia, na literatura, nas artes, na internet, no movimento negro, e aos pouquinhos, nas universidades, existimos.

E sendo assim, dotados de tamanha resiliência, imaginem a revolta!

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Entrevista Mauro Santayana





Meritocracia



A "meritocracia" é uma autoilusão de grandeza para quem acha que atingiu um patamar invejável. E é uma autoilusão de futuro possível para quem ainda o almeja.

A neodireita adora berrar que a "meritocracia" é o "sistema" ideal - e é fácil compreender por que fazem isso: é uma maneira de ao mesmo tempo justificar os privilégios de quem já tem muito (como pagar menos impostos de quem tem pouco) e de garantir que os que têm pouco não se revoltem. "Trabalhe e conseguirá o que conseguir", vendem numa estratégia publicitária. "O Estado não deve ajudar quem precisa; é melhor ensinar a pescar", repetem sempre, deixando de dizer a parte fundamental que se segue: "A não ser claro, que quem 'precisa' for eu através de créditos de financiamento reduzido do BNDES, de 'bailouts' caso minha corporação quebre, de liberdade para comprar mandatos parlamentares e (de novo) de impostos reduzidos".

É inacreditável perceber como o candidato desta neo-direita pode repetir o mantra da "meritocracia" ao mesmo tempo em que toda a sua carreira se deve não aos seus esforços, mas aos de seus antepassados, que abriram seu caminho na vida pública através de cargos comissionados já na juventude, de fortunas que asfaltaram este caminho e de contatos poderosos que garantiram que a estrada estivesse sempre aberta e sem fiscalização.

O conceito de "meritocracia" é um cuspe perverso na cara de 95% da população - e o mais chocante é perceber como parte destes 90% acaba absorvendo a retórica dos 5% e defendendo-a sem perceber que está agindo contra seus próprios interesses.

O grande truque do Diabo é fazer você defender os interesses dele acreditando que são os seus. E a mídia é o braço direito do Diabo, seu chefe de relações públicas, seu agente, seu porta-voz.
Outro dia, um leitor me perguntou como eu podia ser contra a "meritocracia" se certamente havia atingido um bom status na minha profissão graças aos meus próprios esforços.

De fato, sou um privilegiado por viver da escrita e do Cinema - algo difícil em qualquer país e ainda mais complicado no Brasil, onde a cultura é sempre a primeira a ser considerada dispensável. E também me considero feliz por ter um número considerável de leitores e até mesmo de pessoas que se identificam como minhas "fãs" (embora eu sinta um estranhamento ao ouvir este termo, já que não me vejo na posição de ter "fãs").

E, sim, trabalhei e estudei muito e longamente para chegar aqui. E não pude contar com ninguém para abrir o caminho, pois não tenho parente algum que tenha trabalhado na área para facilitar a jornada.

Assim sendo, posso dizer que foram apenas meus méritos que me trouxeram até aqui e que sou um exemplo perfeito do sucesso do sistema "meritocrata"?

Até poderia - caso eu fosse extremamente hipócrita.

Pois a verdade é que tive ajuda - e muita - para chegar até aqui.

Pude estudar em escolas particulares. Pude comprar os livros que precisava. Pude alugar filmes e mais filmes e tive tempo de assisti-los. Tinha meu próprio quarto e, por não ter que dividi-lo com ninguém, podia me concentrar nos estudos e em outras tarefas (e, na adolescência, também a outras "tarefas"). Não tive que trabalhar para ajudar na renda familiar. Não tive que cuidar de meus irmãos mais novos enquanto minha mãe (viúva aos 27 anos) trabalhava fora, pois tínhamos assistente doméstica (ou, como se dizia naquela época, "empregada").

Pude fazer excursões. Pude sair com os amigos. Ir ao cinema, ao teatro. Viajar durante as férias e, assim, recarregar as baterias. Tive computador no quarto. Nunca passei fome. Pude fazer cursinho para me preparar para o vestibular.

Ao decidir largar a faculdade de Medicina (na UFMG, para a qual passei graças à possibilidade de poder me dedicar aos estudos), não hesitei em abandonar uma profissão estabelecida por outro de futuro incerto, já que, por nunca ter tido que lutar por meu sustento e por não ter uma família que dependia de mim, podia me dar ao luxo de me arriscar a tentar viver de minha profissão dos sonhos. E, durante os primeiros anos, quando não ganhava um centavo com meus escritos, pude depender do apoio financeiro de minha família.

Sim, trabalhei muito. Insisti. Perseverei.

Mas na corrida rumo ao sucesso profissional em minha área, saí MUITO na frente de pessoas que não tiveram a mesma oportunidade que eu. E que, portanto, jamais puderam competir em pé de igualdade comigo. Dizer que "venci" por ser melhor do que elas seria uma imensa estupidez. Seria crueldade. E seria mentira.

Pois o fato é que vivemos numa sociedade - e a "meritocracia" tenta ignorar isso. Tenta afirmar que TODOS têm a oportunidade de "vencer", o que é uma inverdade colossal. Mas é uma inverdade conveniente aos que já detêm o poder, pois amansa os que não detêm poder algum, mas que acabam acreditando que, sozinhos, poderão alcançá-lo.

Não posso comprar esta mentira apenas porque seria reconfortante pensar que foi apenas minha competência que me trouxe até aqui. Pois minha competência, sozinha, acabaria sendo sufocada por um contexto mais hostil.

Como disse o filósofo espanhol José Ortega y Gasset, "Eu sou eu e minhas circunstâncias; se não salvo a elas, não salvo a mim".

E não reconhecer as minhas circunstâncias seria não só uma imensa arrogância, mas uma profunda ingratidão.

Sangue negro



Não que o Brasil precise de mais um feriado, mas é significativo que 13 de maio esteja fora das "datas nacionais". Pouco celebramos aquele dia de 1888 em que, com vergonhoso atraso, aboliu-se a escravidão. Ela é a nossa tragédia maior e, paradoxalmente, também a nossa glória, pois não seríamos nada, em qualquer aspecto, sem a presença africana. 

A antropóloga Lilia Schwarcz, que está lançando com a historiadora Heloisa Starling o livro "Brasil: Uma Biografia", relatou nesta Folha a indignação que sentiu ao ouvir pessoas, após uma sessão do filme americano "12 Anos de Escravidão", dizerem coisas como "que bom que no Brasil não foi assim". 

Por desconhecimento ou má-fé, encampamos falácias como as de que a ditadura militar não foi tão dura quanto de fato foi e que a corrupção é obra de alguns malfeitores --e não uma chaga que está no DNA do país e que praticamos no nosso cotidiano. 

Entre os séculos 16 e 19, chegaram ao Brasil, em navios negreiros, 4,8 milhões de seres humanos escravizados --e outros 300 mil morreram nas viagens. A fantasia de uma boa convivência entre casa-grande e senzala e o consequente mito da democracia racial não resistem aos fatos nem a um mínimo de inteligência. 

Cegos para a verdade, banalizamos a brutalidade. Pesquisa divulgada no dia 7 --por Unesco, governo federal e Fórum Brasileiro de Segurança Pública "" aponta que jovens (12 a 29 anos) negros são duas vezes e meia mais vítimas de homicídios do que os brancos. O último Mapa da Violência, com dados de 2010, mostra que são negros 75% dos jovens que tiveram morte violenta. 

E ainda há o quartinho de empregada, a entrada de serviço, a roupa branca das babás, os salários menores... Pode ser que falte festa para o fim da escravidão porque ela ainda não acabou de fato.

sexta-feira, 8 de maio de 2015

O curioso ataque sofrido por Lula




A revista Época produziu uma monstruosidade jornalística, replicada pela TV Record, acusando Lula de traficar influência, na condição de ex-presidente, em favor da Odebrecht, com base num fantasmagórico processo aberto pelo núcleo de Combate à Corrupção da Procuradoria da República em Brasília. Não sei qual das duas instituições, a revista ou a Procuradoria, esta escondida no anonimato, são mais cretinas. Tratam de coisas que não entendem direito e usam isso, com deslavada má fé, para atacar o mais aclamado ex-Presidente da República do Brasil.

Qual é o crime? Abrir espaço no mundo para uma empresa brasileira com capacidade técnica para gerir grandes obras e gerar milhões de dólares para o balanço de pagamentos do país. Será que Época e a Procuradoria não sabem que é justamente isso que fazem presidentes da República de países desenvolvidos, abrindo espaço no exterior para suas empresas? Será que o Governo americano, ou o Governo francês, ou o Governo sueco ficaram fora das negociações para a compra de caças pelo Governo brasileiro?

Décadas atrás, encontrei num evento no Rio o velho Norberto Odebrecht, então reputado como muito avesso a entrevistas e imprensa. Apresentei-me de qualquer maneira como repórter do Jornal do Brasil. Perguntei-lhe como fora sua primeira e fracassada tentativa de ir para o exterior participando de concorrência externa para construir uma hidrelétrica no Chile. “O que você quer?, me disse ele. Eu tinha melhor preço e competência para a obra. Acontece que Reagan ligou para Pinochet e o obrigou a contratar uma empresa americana.”

Uma testemunha desses eventos me contou detalhes adicionais. Estávamos em ditadura, no Brasil e no Chile, e os militares brasileiros, que haviam promovido a venda de armas leves para seus colegas chilenos, gozavam de grande simpatia entre eles. A equipe da Odebrecht recebeu, por conta disso, sem surpresa, a notícia de que a empresa havia ganho a concorrência. Surpresa maior veio quando a americana foi declarada oficialmente vitoriosa no dia seguinte. O que se soube é que Reagan, antes mesmo de tomar posse, prometeu a Pinochet eliminar nas relações com Chile, em troca da vitória americana, todos os embaraços criados por seu antecessor Jimmy Carter por conta de sua defesa de direitos humanos.

Tempos depois, caiu na antiga Iugoslávia um avião norte-americano. Nele estavam e morreram o Secretário do Comércio Brown e cerca de 12 grandes empresários da construção pesada dos Estados Unidos. Era uma visita formal para promover no centro da Europa empresas de construção norte-americanas. Que eu saiba, nenhum americano se levantou para colocar sob suspeita essa iniciativa. Os americanos, ao contrário dos brasileiros, acham natural que seu Governo promova empresas fora do país. Nós as invejamos, quando isso acontece.

O financiamento tão criticado pelos idiotas para a construção do porto de Mariel, em Cuba, foi extremamente favorável ao BNDES, a fornecedores brasileiros de equipamentos e ao Brasil. Enfim, à geração de emprego e renda no país. O BNDES financiou a obra em reais para receber em dólares com taxa de juros acima de seus custos. Favoreceu o balanço de pagamentos do Brasil. Por se tratar de uma obra sofisticada, com grandes requisitos tecnológicos, serviu para expor lá fora a bandeira de uma empresa brasileira de grande porte, talvez odiada no exterior por poder concorrer em grandes obras em qualquer parte do mundo.

É o veneno da inveja e do despeito, somado ao oportunismo mais deslavado de vaidosos procuradores públicos, que coloca em primeira página de revista esse suposto crime de favorecimento de uma empresa privada por Lula. Acho que, fora do Brasil, muita gente, inclusive presidentes da República, ficaria muito orgulhosa de ter um grupo de grandes construtoras brasileiras com a capacidade operacional e tecnológica das nossas. Entretanto, os despeitados, invejosos do enriquecimento dessas empresas – o que indiscutivelmente é bom pra o Brasil -, não deixarão de latir como cães enquanto a caravana passa, mesmo que passe tumultuada pela Lava Jato, hoje atuando como um centro de destruição de riquezas e tecnologias do país em nome do combate burro à corrupção: o certo é criminalizar os empreiteiros, não as empresas!


J. Carlos de Assis - Economista, doutor pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 20 livros sobre Economia Política brasileira.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

A oposição que virou panelas

 Por Renato Rovai


Na década de 80 uma lanchonete se tornou famosa em São Paulo por conta do nome curioso. O Engenheiro que Virou Suco ficava na Avenida Paulista, nas proximidades com a Brigadeiro Luis Antônio. A história do nome é também um pouco o retrato de uma época. Odil Garcez Filho, que já morreu, foi demitido da empresa em que trabalhava. Sem perspectiva de se recolocar, decidiu mudar de ramo. E como tinha boa formação conseguiu se dar melhor que muitos que tiveram o mesmo destino que ele.

O Brasil dos anos 80, do Chico Buarque que andava com sua cabeça lá pelas tabelas, era um desespero só. A inflação altíssima, as perspectivas mínimas. O país iniciava sua caminhada rumo à democracia e ainda teve que ver o avô de Aécio, que era muito melhor que o neto, morrer e deixar como presidente um autêntico filhote da ditadura, como dizia o Brizola. Sarney foi presidente da Arena e só pulou do barco para se tornar candidato a vice na chapa do PMDB-PFL no Colégio Eleitoral quando a vaca da ditadura já não tossia mais.

O regime militar tirou do país ao menos 20 anos. O Brasil Bossa Nova onde tudo parecia que ia dar certo dos anos 50 e 60 foi soterrado pelas botinas dos generais. E o tal crescimento dos anos 70 só gerou riqueza para poucos e as custas de uma enorme dívida externa que comprometeu a economia ao menos por mais 10 depois da redemocratização.

Só com as privatizações de FHC e com o Plano Real é que as tais contas públicas ganharam algum fôlego, mas as panelas da maior parte do povo brasileiro continuaram vazias.

Lula assumiu o governo em 2003 com o país vivendo ainda um dramático caos social. E com a economia entrando em colapso. O dólar batia em 4 reais e o salário mínimo não comprava nem a cesta básica.

E depois de 12 anos, uma parte da população resolve bater panelas em boa medida não só para criticar o PT ou se manifestar contra a corrupção. Mas porque está com saudades de um Brasil que não existiu. O país dos sonhos dourados dos anos 80 e 90 é aquele em que algumas famílias do Sul maravilha traziam meninas do nordeste para ser suas serviçais. Onde o filho da empregada não tinha sequer um caderno para ir pra escola. Onde a desnutrição infantil era altíssima. Onde um trabalhador da construção civil não ganhava nem para comprar uma bota. E onde em muitas palafitas havia apenas uma panela que nunca tinha visto mistura. Ah, claro, mistura, amigos paneleiros, é aquele algo mais além do arroz, da farinha e do feijão. Porque no Brasil dos anos 80 e 90, bife ou ovo eram artigos de luxo.

Quando as panelas soam reclamando por um futuro melhor ou por liberdade dá pra entender. Mas as panelas que têm soado nos bairros mais nobres das grandes cidades brasileiras pedem um passado que foi muito pior do que hoje. As panelas dos bairros nobres das grandes cidades não soam pelos professores e pela melhoria da educação. Elas são pelo Dilma sua vaca e pelo Lula filho de qualquer coisa. São panelas vazias, sem rumo e sem discurso.

Isso pode até dar certo num momento de crise mais aguda, mas se a situação melhorar um pouco, ficarão apenas os radicalizados. E como panela não vota, a tendência é a oposição ser derrotada de novo. Porque os radicalizados vão fazer seu candidato chamar quem quer que seja de leviana, de vadia e de bandido. E o povo que sabe o valor da educação e do respeito não costuma aceitar esse tipo de atitude como um procedimento correto.

E como o PT e o governo vão ter de trabalhar muito para sair dessa situação, que de fato é ruim, as panelas que pareciam ser um fantasma a lhes aterrorizar, podem lhe ajudar a achar o rumo de casa.

A oposição que hoje bate panelas pode virar panelas. E daqui a algum tempo pode vir a ser encontrada numa beira de estrada, sozinha, vazia e sem perspectiva. As panelas de hoje já não foram tantas quanto nos primeiros protestos. Essa é uma informação que precisa ser levada em conta.

O pensamento neo-direita

 Pablo Villaça


Há textos que escrevemos mesmo sabendo que quem deveria lê-lo não o fará. Ainda assim, o texto pede para ser escrito - no mínimo, como desabafo ou como forma de mostrar para tantos outros (que não precisariam lê-lo) que não estão sozinhos.

Este é um destes textos.

Imaginem tentar conversar com uma criança birrenta. Daquelas mal educadas, concentradas em si mesmas (como são todas as crianças, em maior ou menor grau) e que só aceitam ouvir o que reforça suas vontades. Nada de "o mundo não gira ao seu redor" ou "é preciso entender que há outras pessoas com ideias diferentes", apenas "sim, você está certo", "sim, faremos o que você quer", "sim, você determina os rumos do mundo".

Pois não é necessário imaginar. É só observar o comportamento de parte da neo-direita brasileira, aquela que se descobriu como direita há dois anos e que, desde então, vem se comportando exatamente com a imaturidade esperada de uma criança que acabou de aprender a falar.

É a direita que se recusa a dialogar ou a ouvir contrapontos. É a direita que, quando percebe que alguém de quem discorda vai se manifestar, opta por insultos ou por cobrir os ouvidos e emitir "lálálás" em forma de panelaços. É uma direita que se acredita dona da razão absoluta e- mais importante - dona da verdadeira moral e de uma integridade que a esquerda jamais conseguiria ter.

É uma direita que pode ser resumida por bios no Twitter que trazem "reaça orgulhoso", "coxinha e conservador inveterado", "Cidadão de BEM!" ou, como li hoje em um perfil que me disparou vários insultos, "Cara gente boa. Anti-comunista, anti-esquerdista, anti-petista, anti-gayzista, anti-anarquista. Cristão".

Ou como o outro que, sem qualquer traço de ironia, me enviou uma mensagem me chamando de "comunista apátrida".

Revogou minha cidadania sem hesitar. E eu nem sabia que qualquer um tinha o direito de fazer isso, me deixando como um pobre escritor sem nação.

Aliás, outro traço recorrente desta neo-direita é se declarar como "verdadeiros brasileiros". Enchem seus perfis de símbolos nacionais, de verdes e amarelos, de bandeiras. Cantam o hino (intercalando-o com o "Pai Nosso") com a intensidade de um soldado no campo de batalha. Decretam que os que defendem ideais de esquerda devem ir para Cuba ou para a a Venezuela, insinuando, claro, que o Brasil lhes pertence. Temem a "praga comunista" e a "ditadura stalinista". Repetem que os petralhas destruíram o país. Declaram que o PT é o partido mais corrupto de toda a história da galáxia e que é o grande mal do Brasil.

Enviam bordões absolutamente infantis como "Chola mais!" para todos os esquerdistas que identificam, aparentemente esquecendo-se de que foram eles, da neo-direita, que perderam as eleições. Entram em massa em comentários de posts no Facebook para postar insultos ao autor de quem discordam: acusam-no de receber dinheiro para defender o governo (e se você pede alguma prova de algum dia ter recebido um centavo que seja, ignoram a pergunta e o fato de que há pouco descobriu-se que eram representantes da neo-direita que recebiam mesada do governo de São Paulo) e limitam seus argumentos a ‪#‎ForaPT‬, a ‪#‎mimimi‬ e a insultos machistas a Dilma.

São pessoas que não hesitam em usar até mesmo o nome da filha de 6 anos de um oponente político para tentar provocá-lo. Vasculham tweets de quatro, cinco anos de idade, tiram-no do contexto, removem a data de publicação para sugerir que são recentes e fazem montagens que, contrapondo o que não faz sentido contraposto, atingem um resultado quase kuleshoviano de criar um significado onde antes não existia algum.

É uma neo-direita que trata oponentes políticos como inimigos. E que, confrontados com isso, tentam se convencer de que o oponente é quem exibe perversidade digna de ser dizimada.

É uma neo-direita que ignora índices de avanço social, de erradicação da miséria, de melhorias evidentes no combate à corrupção que são reconhecidas até mesmo por entidades internacionais. Uma neo-direita que parece confundir a recusa em se investigar desmandos no passado com uma absurda ausência de corrupção - e nisto mais uma vez parecem crianças: se não enxergam, é porque não existe.

É uma neo-direita que afirma que Lula está sendo investigado pelo Ministério Público porque leu na Época, mas que se recusa a acreditar quando o PRÓPRIO MINISTÉRIO PÚBLICO desmente estar investigando o ex-presidente. É uma neo-direita que, quando confrontada com todos os casos similares de manipulação por parte da mídia, diz que se trata de "paranoia esquerdista". Que exige impeachment sem base legal, como se fossem donos da bola e quisessem tomá-la porque não foram chamados para a posição de titular.

É uma neo-direita que afirma não haver esquerda ou direita no Brasil. Ou que afirma que o PSDB é de esquerda.

É uma neo-direita que acha absurdo o Estado oferecer qualquer tipo de auxílio a populações carentes, mas não vê problema no fato de o segmento mais rico da sociedade pagar menos impostos do que os mais pobres, que acha certíssimo quando um governo como o dos Estados Unidos salva corporações com "bailouts" de bilhões de dólares e que encara a sonegação via paraísos fiscais como um problema menor (ou pior: como algo legítimo, já que "cobramos impostos demais").

É uma neo-direita que chama texto de "textão", que entra em perfis de mulheres esquerdistas e as chamam de "feias", "vacas", "putas", "gordas" (ou que "precisam de homem"). É uma neo-direita que acusa movimentos sociais de "coitadismo" e "vitimismo". Que acredita que os ativistas LGBT querem implantar uma "ditadura gay" e que o feminismo tem interesse em fazer com que as mulheres tenham mais direitos que os homens.

É uma neo-direita que insiste em falar de "meritocracia" mesmo votando em um sujeito que (também repetindo sempre o termo) construiu carreira nas costas do nome do avô e que, aos 17 anos, já tinha emprego público garantido pelos parentes. É uma neo-direita que fala em "meritocracia" como se os indivíduos não vivessem dentro de uma sociedade injusta e que não oferece as mesmas chances a todos.


É, enfim, uma neo-direita que faz muito barulho, mas não consegue ganhar eleições.

terça-feira, 5 de maio de 2015

Boulos: Sobre a questão da moradia, de Friedrich Engels

Capa de Sobre a questão da moradia, de Friedrich Engels, com ilustração inédita de Gilberto Maringoni.


Por Guilherme Boulos.

Num momento em que a luta dos sem-teto e as ocupações urbanas ganham força no Brasil, nada mais pertinente do que lançar Sobre a questão da moradia, de Engels. O texto aborda a falta de moradia, suas razões e soluções de forma dolorosamente atual. Sim, lamentavelmente, a natureza do problema da habitação permanece a mesma quase 150 anos depois.

Engels mostra como a formação de grandes aglomerados urbanos provoca aumento de aluguéis, concentração de famílias em uma única moradia e, no limite, desabrigados. Explica que o problema não é de falta quantitativa de moradias, mas de distribuição: “já existem conjuntos habitacionais suficientes nas metrópoles para remediar de imediato, por meio de sua utilização racional, toda a real ‘escassez de moradia’”. Era a Europa do século XIX, mas poderia ser o Brasil do XXI. Temos em 2015 mais de 5 milhões de imóveis ociosos, pouco menos do que o necessário para resolver o déficit habitacional do país, em torno de 5,8 milhões de famílias.

A bandeira dos movimentos populares, em defesa da expropriação desses imóveis para destiná-los aos trabalhadores sem-teto, é levantada por Engels nos textos escritos entre 1872 e 1873. No entanto, ele é categórico em afirmar que o problema da moradia não poderá ser definitivamente solucionado nos marcos do capitalismo. As reestruturações urbanas pelo capital não eliminam o infortúnio, fazem apenas com que reapareça em outro lugar. Engels fala de Georges-Eugène Haussmann em Paris. Poderíamos falar de São Paulo e Rio de Janeiro na última década. As favelas retiradas do centro renascem nas periferias.

Talvez o Brasil atual seja um exemplo forte dessa limitação estrutural. Vivemos um ciclo de crescimento econômico e a política habitacional teve um investimento público inédito, mas mesmo os milhões de casas construídas pelo governo não estancaram a falta de moradia. Ao contrário, a escassez de moradia aumentou nas grandes metrópoles. A velocidade com que a especulação imobiliária e as remodelações urbanas criam novos sem-teto é maior que o ritmo de produção de novas casas.

O ressurgimento de legiões de trabalhadores sem-teto, após 2008, nos Estados Unidos e na Europa, além da explosão de ocupações urbanas no Brasil, mostram que o prognóstico de Engels estava certo. O problema não é de construção de casas, mas da lógica social.

Não seja professor



Quem escreve este artigo é alguém que é professor universitário há quase 20 anos e que gostaria de estar neste momento escrevendo o contrário do que se vê obrigado agora a dizer. Pois, diante das circunstâncias, gostaria de aproveitar o espaço para escrever diretamente a meus alunos e pedir a eles que não sejam professores, não cometam esse equívoco. Esta "pátria educadora" não merece ter professores. 

Um professor, principalmente aquele que se dedicou ao ensino fundamental e médio, será cotidianamente desprezado. Seu salário será, em média, 51% do salário médio daqueles que terão a mesma formação. Em um estudo publicado há meses pela OCDE, o salário do professor brasileiro aparece em penúltimo lugar em uma lista de 35 países, atrás da Turquia, do Chile e do México, entre tantos outros. 

Mesmo assim, você ouvirá que ser professor é uma vocação, que seu salário não é assim tão ruim e outras amenidades do gênero. Suas salas de aula terão, em média, 32 alunos, enquanto no Chile são 27 e Portugal, 8. Sua escola provavelmente não terá biblioteca, como é o caso de 72% das escolas públicas brasileiras. 

Se você tiver a péssima ideia de se manifestar contra o descalabro e a precarização, caso você more no Paraná, o governo o tratará à base de bomba de gás lacrimogêneo, cachorro e bala de borracha. Em outros Estados, a pura e simples indiferença. Imagens correrão o mundo, a Anistia Internacional irá emitir notas condenando, mas as principais revistas semanárias do país não darão nada a respeito nem do fato nem de sua situação. Para elas e para a "opinião pública" que elas parecem representar, você não existe. 

Mais importante para eles não é sua situação, base para os resultados medíocres da educação nacional, mas alguma diatribe canina contra o governo ou os emocionantes embates entre os presidentes da Câmara e do Senado a fim de saber quem espolia mais um Executivo nas cordas. 

No entanto, depois de voltar para casa sangrando por ter levado uma bala de borracha da nossa simpática PM, você poderá ter o prazer de ligar a televisão e ouvir alguma celebridade deplorando o fato de o país "ter pouca educação" ou algum candidato a governador dizer que educação será sempre a prioridade das prioridades. 

Diante de tamanho cinismo, você não terá nada a fazer a não ser alimentar uma incompreensão profunda por ter sido professor, em vez de ter aberto um restaurante. Por isso o melhor a fazer é recusar-se a ser professor de ensino médio e fundamental. Assim, acordaremos um dia em um país que não poderá mais mentir para si mesmo, pois as escolas estarão fechadas pela recusa de nossos jovens a serem humilhados como professores e a perpetuarem a farsa.

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Tremei, tucanada!!

Intelectual brasileiro tem mentalidade de 3º Mundo

Entrevista - Domenico de Masi


Sociólogo italiano, que concluiu pesquisa sobre visões do Brasil em 2015, afirma que Dilma sofre "vendeta neoliberal"




Se trabalho é vida e vida é trabalho, o sociólogo italiano Domenico De Masi, 77, que estuda atividades produtivas na era pós-industrial, paradoxalmente reitera como solução para o crescente desemprego no mundo a antiga reivindicação dos proletários: redução das jornadas.

O professor da Universidade La Sapienza, em Roma, celebrizou-se por conceitos como "ócio criativo" (aliar trabalho, estudo e lazer a um só tempo) e "teletrabalho" (produção à distância facilitada por meios tecnológicos).

Fã do Brasil e da cultura brasileira, que já destacou como "exemplo" de produção criativa, De Masi esteve em São Paulo para um ciclo de palestras intitulado "Utopia e Realidade: trabalho produtivo e qualidade de vida".

Em entrevista à Folha, ele diz que os brasileiros têm complexo de vira-latas: o país coleciona posições de Primeiro Mundo, mas seus intelectuais só conseguem deixar de enxergar o país como Terceiro Mundo quando confrontados com dados. Leia a seguir.
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Folha - Suas teorias sobre ócio criativo e redução das jornadas de trabalho são, em geral, encaradas como utopia. Essas ideias podem ser aplicadas?

Domenico de Masi - À medida que a tecnologia avança, engole postos de trabalho nas mais diversas áreas. Mas suplanta principalmente os trabalhos executivos, físicos ou intelectuais, que são 77% das atividades laborais do mundo, restando os trabalhos criativos, que correspondem a 33%.

É como se tivéssemos uma mesma torta para dividir por um número crescente de pessoas. O que fazer? Dividi-la em pedacinhos menores para que todos possam comer. Assim funciona com o trabalho. Precisamos reduzir as jornadas de trabalho para que todos possam trabalhar.

Mas não se pode esperar que os setores produtivos estejam dispostos a reduzir jornadas para ter mais funcionários...
Não. Empresas são organizações conservadoras. Olham para trabalho como se fosse a era industrial. Só que apenas 33% da atividade produtiva hoje é braçal, o restante é trabalho intelectual.

Para produzir cem automóveis, antes eram necessárias cem horas. Se hoje são necessárias 50 horas, ou o total de empregados trabalha metade do tempo de antes ou teremos metade dos funcionários. Os que ficarem sem trabalho não poderão mais consumir. E, se não puderem consumir, para quem vou produzir tantos automóveis? A conta não fecha.

É esse o motor de muitas das crises econômicas?

Não. Crise é algo transitório. Isso é uma reestruturação mundial da riqueza.

Na Itália, dez pessoas têm a mesma riqueza de 6 milhões. No mundo, 85 pessoas, incluindo 12 brasileiros, têm a riqueza de 3,5 milhões de pessoas. Esses 85 bilionários podem ter duas, três, dez Ferraris, mas não vão comprar 3,5 milhões de calças, vestidos e sapatos. O consumo cai, a produção cai junto.

Como mudar essa reestruturação da riqueza?

Pagando impostos --e impostos altos. Na verdade, a maioria das 85 pessoas mais ricas do mundo é formada por ladrões de impostos. Eles sonegam impostos e, quando pagam, o fazem na Holanda, onde são mais baixos.

São pessoas que financiam campanhas eleitorais em barganha por leis que os favoreçam. E isso alimenta o ciclo da desigualdade.

Trata-se de uma luta de classes às avessas?

É uma vendeta. O neoliberalismo da era Thatcher inverteu as coisas: a luta de classes dos pobres contra os ricos se tornou a luta dos ricos contra os pobres.

Isso ocorre no Brasil também. Os oito anos de governo Fernando Henrique Cardoso adotaram uma política social-liberal, estabilizaram a economia e iniciaram uma política social. Os oito anos de Lula redistribuíram parte da riqueza que FHC criou, com uma política social-democrata, que permitiu a muitos brasileiros ascenderem.

Hoje, Dilma é vítima de uma vingança neoliberal. Aécio Neves (PSDB) perdeu as eleições, e o movimento neoliberal se voltou contra Dilma, que não é pior que outros presidentes. A corrupção sempre existiu no país. O Brasil tem mil outros problemas para resolver... Há um grande desencontro entre o Brasil real e o Brasil intelectual.

Que desencontro é esse?

O Brasil tem uma taxa de desemprego que é um terço da italiana ou metade da norte-americana...

Mas espera-se um aumento...
No Brasil é assim: se algo vai mal, vai mal; se algo vai bem, no futuro vai piorar (risos). Esse é um pensamento típico dos brasileiros. Confrontadas com a realidade, essas ideias não param de pé.

Terminei uma pesquisa com 11 intelectuais brasileiros sobre como estará o Brasil em 2025. Grande parte desses intelectuais é pessimista.

O PIB brasileiro é o sétimo do mundo, à frente da Itália e da Inglaterra. O Brasil está em quinto em produção industrial. Está em terceiro lugar em acesso à internet, atrás dos EUA e da Suécia. Ou seja, o Brasil ocupa posições de Primeiro Mundo, mas os brasileiros ainda se enxergam como Terceiro Mundo.

Quando esses mesmos intelectuais foram confrontados com dados reais, eles se mostram mais otimistas do que quando discutiram entre si. Os brasileiros têm complexo de vira-lata.

Dever de casa com o vampiro de Curitiba



Hei de vencer, mesmo sendo professor. O mantra do adesivo que circulava em muitos fusquinhas dos anos 1970 e 80 está mais em voga do que nunca. Hei de vencer, vejo aqui no retrovisor da infância, Grupo Escolar Virgílio Távora, o mantra dos mestres estampado em uma faixa gigante na praça dos Ourives, Juazeiro do Norte.

Hei de vencer, mesmo sob as bombas e as porradas do governo Beto Richa ou Rixa (PSDB) na capital paranaense. Hei de vencer, mesmo depois de uma longa greve, uma quaresma, que o tucano Geraldo Alckmin define simplesmente como novela —parte da imprensa também lista o protesto no gênero ficção, acredite sem-querer-querendo, meu brother Jack Palance.

Hei de vencer, mesmo que pancadaria braba e covarde seja chamada tecnicamente de “confronto” nas emissoras de rádio e TV. Hão de pensar: se o cão, mesmo policial, mordeu o homem, no caso o cinegrafista Luiz Carlos de Jesus (TV Band), ainda não é lá essas notícias. Afinal de contas, o conceito clássico de notícia, como aprendemos na faculdade, é quando o homem morde o cachorro.

Hei de vencer, mesmo sendo professor em qualquer ponto desta terra que já foi a pátria de chuteiras e agora se propõe, ainda somente no slogan publicitário, uma pátria educadora. Hei de vencer, ilustríssimo Paulo Freire, mesmo sendo terceirizado e não mais dono do meu próprio suor para vendê-lo sem atravessadores, como tu já discutias, método por método, ti-jo-lo por ti-jo-lo, ainda em tempos mobrais.

Hei de vencer, professor Darcy Ribeiro, mesmo copiando, como em um antiditado construtivista, a sua lição de coisas mais conhecida:

"Fracassei em tudo o que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu".

Vampiro de Curitiba


Hei de vencer, mesmo que tenha que convocar o “vampiro de Curitiba”, o perverso Nelsinho, personagem clássico do escritor Dalton Trevisan, para explicar como o sr. Rixa pode ser tão sádico com a turma do pó de giz. Só o vampiro, vagando pela madruga fria do Centro Cívico, é capaz de reconstituir o crime e explicar, tintim por tintim, miúdo humano por miúdo humano, a sanguinolenta pedagogia aplicada.

Hei de vencer, mesmo sendo professor em qualquer ponto desta terra que já foi a pátria de chuteiras e agora se propõe, ainda somente no slogan publicitário, uma pátria educadora

Estava escrito nos contos de Trevisan, curtos como os salários professorais, todo esse Boletim de Ocorrência. Um B.O. à maneira de Nelsinho talvez explicasse tudo, afinal de contas o vampiro, na sua ambivalência permanente, sempre fica entre o estranho e o familiar. É familiar que um governo tipo Rixa trate assim os professores: é estranho, mas necessário, que a gente ainda se espante e rejeite enxergar com a lente fumê da banalidade.

Hei de vencer, mesmo sob a tonfa de uma gestão “desgracida”. Até parece frase, embora este cronista seja um péssimo aluno de redação e estilo, do professor Dalton, mestre dos meninos e velhos contistas. Donde tonfa —“ai que saudade da professorinha que me ensinou o beabá”—, venha a ser o popularíssimo cassetete, pedagogia de quem força na marra o ajoelhamento no milho da humilhação política.

Agora de forma mais didática, repare como começa essa história de tonfa, na boca de um dos comandantes da PM paranaense:

"Se precisar usar a tonfa, é por baixo! Nada de sair girando por cima", deu ordens aos espartanos.

Problema é que, no “confronto”, sabe cumequié, meu caro vampiro de Curitiba, a tonfa acaba atingindo os elementos docentes em partes indesejadas da anatomia e não apenas nos membros inferiores, conforme orientação inicial à tropa.

Hei de vencer, mesmo dando a cara a bater aos corretos portadores de tonfa. Hei de vencer, mesmo que chova bombas de helicópteros.

Tonfa neles


Quem essa professorada pensa que é, só porque dá aulas neste país de analfas, só por ensinar alguma coisa... Sabe-se lá o que passa em sala, deve ensinar um comunismo medonho às pobres criaturas indefesas. Coitada das criancinhas. Eu poderia estar por ai protestando, bando de vagabundo, cada abusadinho desses ganha muito mais que eu, no entanto sigo na lida, na trabalheira, com farda ou na base do bico... Desço a tonfa mesmo, sem dó nem piedade, quem manda vandalizar o coreto?

Hei de vencer, mesmo diante do pensamento reto de qualquer soldado PM anônimo que vira herói imediato dos comentaristas de portais da Internet.

Hei de vencer, mesmo que pancadaria braba e covarde seja chamada tecnicamente de “confronto” nas emissoras de rádio e TV

Exclamações sangrentas nas manchetes dos jornais clamam por “Confronto”. Hei de vencer, mesmo eu entrando com a face e o PM com a tonfa, hei-de.

Tonfa neles, por baixo, por cima... Hoje a tonfa vai comer solta. Não foi por falta de aviso. Vai protestar, que deixe sua cabeça em casa. Hoje não tem selfie policial, só tonfa na confa —o mesmo que porrada, correria e confusão—, como o Nelsinho, o vampiro de Curitiba, sempre ele, descreveria o ocorrido no seu distrito.

Por pouco a confa não sobra mesmo até para o vampiro. Conhecendo o cara minimamente, deveria estar na área do “confronto”, na cobiça de uma normalista linda, óbvio. O vampiro tarado busca alimentar seu desejo nos lugares mais impróprios, independentemente das ordens expressas dos sangues de barata de todas as patentes, ideologias, religiões e credos.

O próprio criador, seu Dalton, reza a lenda, flanou, sob a proteção de um boné abaixado e com passadas largas do velho pisante Vulcabrás, no meio da carnificina. No seu raro passeio anual pela cidade, como o mais anônimo dos curitibanos, ninguém deu conta do vencedor do Prêmio Camões de literatura. Seu Dalton afina a surdina existencial todas as manhãs com o canto das corruíras. De tão discreto, seu Dalton nem chorou com gás lacrimogênio.

E por falar em testemunhas oculares da história, quem também deu pinta na área do “confronto” foi o escriba Guilherme Caldas. Saiu para investigar comidinhas de baixa gastronomia, especialidade do seu blog na “Gazeta do Povo”, e voltou com o melhor retrato do sanguinolento ocorrido:

“Gente ferida e assustada, um governador, digamos assim, desonesto, muita sujeira espalhada, incluindo cápsulas de escopeta e de invólucros de bombas molhados pela chuva do começo da noite. No meio daquele final de confusão, encontrei um amigo indignado com, entre outras coisas, a pipoca a R$ 5: “até o pipoqueiro metendo a mão na gente!”.

Hei de vencer, mesmo diante do pensamento reto de qualquer soldado PM anônimo que vira herói imediato dos comentaristas de portais da Internet

Calma, amigos do vampiro, o cronista que combate o raio gourmetizador, ali no meio da confa da tonfa, topou também, graças a Deus, com o Donizete, o Rei do Espetinho, que, alheio às pressões econômicas do momento, vendia seus sapecados de carne, linguiça, frango e coração a R$ 2. Donizete, autêntico habitante daquela Daltolândia, disse mais: só vai ao Centro Cívico em dias de bafafás, greves e protestos. No que o Caldas, safo, se saiu:

“Pedi um de frango, paguei e tomei rumo. Num dia com tantas coisas ruins, o tempero do Rei do Espetinho estava bom”.

Hei de vencer. Não me pergunte como. Hei de vencer, mesmo sendo o professor, naturalmente, um para-raio de tonfas e vampiros.


Xico Sá, jornalista e escritor, publicou “Big Jato” (editora Companhia das Letras), entre outros livros.