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quinta-feira, 7 de maio de 2015

O pensamento neo-direita

 Pablo Villaça


Há textos que escrevemos mesmo sabendo que quem deveria lê-lo não o fará. Ainda assim, o texto pede para ser escrito - no mínimo, como desabafo ou como forma de mostrar para tantos outros (que não precisariam lê-lo) que não estão sozinhos.

Este é um destes textos.

Imaginem tentar conversar com uma criança birrenta. Daquelas mal educadas, concentradas em si mesmas (como são todas as crianças, em maior ou menor grau) e que só aceitam ouvir o que reforça suas vontades. Nada de "o mundo não gira ao seu redor" ou "é preciso entender que há outras pessoas com ideias diferentes", apenas "sim, você está certo", "sim, faremos o que você quer", "sim, você determina os rumos do mundo".

Pois não é necessário imaginar. É só observar o comportamento de parte da neo-direita brasileira, aquela que se descobriu como direita há dois anos e que, desde então, vem se comportando exatamente com a imaturidade esperada de uma criança que acabou de aprender a falar.

É a direita que se recusa a dialogar ou a ouvir contrapontos. É a direita que, quando percebe que alguém de quem discorda vai se manifestar, opta por insultos ou por cobrir os ouvidos e emitir "lálálás" em forma de panelaços. É uma direita que se acredita dona da razão absoluta e- mais importante - dona da verdadeira moral e de uma integridade que a esquerda jamais conseguiria ter.

É uma direita que pode ser resumida por bios no Twitter que trazem "reaça orgulhoso", "coxinha e conservador inveterado", "Cidadão de BEM!" ou, como li hoje em um perfil que me disparou vários insultos, "Cara gente boa. Anti-comunista, anti-esquerdista, anti-petista, anti-gayzista, anti-anarquista. Cristão".

Ou como o outro que, sem qualquer traço de ironia, me enviou uma mensagem me chamando de "comunista apátrida".

Revogou minha cidadania sem hesitar. E eu nem sabia que qualquer um tinha o direito de fazer isso, me deixando como um pobre escritor sem nação.

Aliás, outro traço recorrente desta neo-direita é se declarar como "verdadeiros brasileiros". Enchem seus perfis de símbolos nacionais, de verdes e amarelos, de bandeiras. Cantam o hino (intercalando-o com o "Pai Nosso") com a intensidade de um soldado no campo de batalha. Decretam que os que defendem ideais de esquerda devem ir para Cuba ou para a a Venezuela, insinuando, claro, que o Brasil lhes pertence. Temem a "praga comunista" e a "ditadura stalinista". Repetem que os petralhas destruíram o país. Declaram que o PT é o partido mais corrupto de toda a história da galáxia e que é o grande mal do Brasil.

Enviam bordões absolutamente infantis como "Chola mais!" para todos os esquerdistas que identificam, aparentemente esquecendo-se de que foram eles, da neo-direita, que perderam as eleições. Entram em massa em comentários de posts no Facebook para postar insultos ao autor de quem discordam: acusam-no de receber dinheiro para defender o governo (e se você pede alguma prova de algum dia ter recebido um centavo que seja, ignoram a pergunta e o fato de que há pouco descobriu-se que eram representantes da neo-direita que recebiam mesada do governo de São Paulo) e limitam seus argumentos a ‪#‎ForaPT‬, a ‪#‎mimimi‬ e a insultos machistas a Dilma.

São pessoas que não hesitam em usar até mesmo o nome da filha de 6 anos de um oponente político para tentar provocá-lo. Vasculham tweets de quatro, cinco anos de idade, tiram-no do contexto, removem a data de publicação para sugerir que são recentes e fazem montagens que, contrapondo o que não faz sentido contraposto, atingem um resultado quase kuleshoviano de criar um significado onde antes não existia algum.

É uma neo-direita que trata oponentes políticos como inimigos. E que, confrontados com isso, tentam se convencer de que o oponente é quem exibe perversidade digna de ser dizimada.

É uma neo-direita que ignora índices de avanço social, de erradicação da miséria, de melhorias evidentes no combate à corrupção que são reconhecidas até mesmo por entidades internacionais. Uma neo-direita que parece confundir a recusa em se investigar desmandos no passado com uma absurda ausência de corrupção - e nisto mais uma vez parecem crianças: se não enxergam, é porque não existe.

É uma neo-direita que afirma que Lula está sendo investigado pelo Ministério Público porque leu na Época, mas que se recusa a acreditar quando o PRÓPRIO MINISTÉRIO PÚBLICO desmente estar investigando o ex-presidente. É uma neo-direita que, quando confrontada com todos os casos similares de manipulação por parte da mídia, diz que se trata de "paranoia esquerdista". Que exige impeachment sem base legal, como se fossem donos da bola e quisessem tomá-la porque não foram chamados para a posição de titular.

É uma neo-direita que afirma não haver esquerda ou direita no Brasil. Ou que afirma que o PSDB é de esquerda.

É uma neo-direita que acha absurdo o Estado oferecer qualquer tipo de auxílio a populações carentes, mas não vê problema no fato de o segmento mais rico da sociedade pagar menos impostos do que os mais pobres, que acha certíssimo quando um governo como o dos Estados Unidos salva corporações com "bailouts" de bilhões de dólares e que encara a sonegação via paraísos fiscais como um problema menor (ou pior: como algo legítimo, já que "cobramos impostos demais").

É uma neo-direita que chama texto de "textão", que entra em perfis de mulheres esquerdistas e as chamam de "feias", "vacas", "putas", "gordas" (ou que "precisam de homem"). É uma neo-direita que acusa movimentos sociais de "coitadismo" e "vitimismo". Que acredita que os ativistas LGBT querem implantar uma "ditadura gay" e que o feminismo tem interesse em fazer com que as mulheres tenham mais direitos que os homens.

É uma neo-direita que insiste em falar de "meritocracia" mesmo votando em um sujeito que (também repetindo sempre o termo) construiu carreira nas costas do nome do avô e que, aos 17 anos, já tinha emprego público garantido pelos parentes. É uma neo-direita que fala em "meritocracia" como se os indivíduos não vivessem dentro de uma sociedade injusta e que não oferece as mesmas chances a todos.


É, enfim, uma neo-direita que faz muito barulho, mas não consegue ganhar eleições.

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