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terça-feira, 30 de junho de 2015

Redução da maioridade é vingança patrocinada por imprensa marrom



Metamorfoses

Ao que tudo indica, a casta partidocrática que encontrou guarida no Congresso Nacional irá aprovar nos próximos dias a redução da maioridade penal. Obra de um presidente da Câmara que tenta, custe o que custar, desviar os holofotes de seu indiciamento em um dos mais badalados casos de corrupção da Nova República, assim como esconder seus fracassos na imposição cesariana de pautas ao Congresso, a redução parece uma grande unanimidade nacional, ao menos segundo as pesquisas. 

Dentre os apoiadores da redução há um tipo social peculiar e bastante interessante. Trata-se dos "progressistas com uma face dura", o contrário do velho "socialista com uma face humana". Eles se perguntam se a luta de alguns contra a redução da maioridade penal não seria fruto de uma visão idealizada da infância que luta para retirar nossos adolescentes da trilha da responsabilidade de seus atos. Normalmente, são pessoas que na juventude tiveram seus momentos de desejos de transformação. Mas, com o tempo, aprenderam a cultivar um "desencanto saudável". Na verdade, começaram por aumentar o tamanho do carro, colocar grades na casa, comprar passagens de primeira classe, frequentar vernissages de publicitários travestidos de artistas, reclamar dos impostos e da segurança para terminar tendo muitas posições políticas idênticas aos conservadores, mas por "outras razões, muito mais sensatas". 

Desta forma, eles podem racionalizar os medos de sua nova classe social sem perguntar-se sobre quão estúpido é falar em aumentar o número de presos em um país no qual o sistema prisional é falimentar, criticado por uma miríade de instituições internacionais. Um país que detém a quarta maior população carcerária do mundo sem nunca conseguir reduzir de forma efetiva a criminalidade. 

Ao invés de estarmos discutindo a diminuição desta população, assim como a reversão de tal lógica e o uso mais sistemático de penas alternativas, estamos propondo aumentar os casos passíveis de encarceramento, mesmo sabendo que os adolescentes que serão encarcerados não são, em absoluto, apenas aqueles que praticarão crimes hediondos. Estamos falando de um país que, dependendo do juiz, prende pessoas que cometeram furtos de R$ 150 e que andam com alguns cigarros de maconha. 

O que vocês acham que realmente acontecerá após a redução da maioridade? Andaremos mais seguros na rua? Como a resposta é óbvia, melhor seria se perguntar o que realmente quer quem apoia tal absurdo: segurança, vingança estéril ou mais um espetáculo medieval de expiação do medo, agora patrocinado por algumas revistas que compõem a maior imprensa marrom do planeta?

Prisões são usadas para coagir, diz jurista



Para o advogado Bandeira de Mello, juiz Sergio Moro quer aparecer e usa delação de forma equívoca 

De acordo com especialista, corrupção sempre existiu no país, mas imprensa sempre ficou calada


Crítico da Operação Lava Jato, o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello, 78, diz que a imprensa "monta palco" para o juiz Sergio Moro, que conduz o processo no Paraná, e que, com a Olimpíada, "esse assunto vai morrer". 

Professor da PUC-SP e um dos principais especialistas em direito administrativo no país, em 2013 foi um dos advogados que assinaram um manifesto pelo impedimento de Joaquim Barbosa, relator do mensalão. Hoje, afirma que as prisões estão sendo usadas para coação --ele não advoga para nenhum dos investigados da Lava Jato.

-O juiz

[Sergio Moro] é um juiz que quer aparecer. É evidente que há abuso e excesso. A delação premiada não é um instituto que existe para coagir. Você prende uma pessoa e a mantém presa até que faça uma delação? Isso é coação. Delação deveria ser espontânea. 

As prisões

O que tem sido noticiado é empresário sendo preso e submetido a condições muito insatisfatórias. Vamos ser realistas, se você viveu numa favela, sua condição de vida é uma. Se você está acostumado a um mínimo de privacidade e o colocam numa cela que só tem um buraco [sanitário] sem porta, você está sendo torturado. Colocar alguém nessas condições é submetê-lo a tortura psicológica. 

Papel da imprensa

Com o apoio da imprensa, o país está caminhando, a passos largos, para o fascismo. Se a imprensa não montasse um palco para esse juiz, isso não aconteceria. Tanto é assim que na hora que aparecer algum assunto novo, como a Olimpíada, esse assunto todo vai morrer. Corrupção sempre existiu, mas a novidade é a imprensa tratar disso como um verdadeiro escândalo. 

A corrupção

É óbvio que [as revelações da Lava Jato] são muito graves. Mas corrupção sempre houve. Foi o governo FHC que flexibilizou a Lei de Licitações para as estatais, deixando o galinheiro sob o cuidado da raposa. Agora, esta é a primeira vez que vejo num governo tanto ataque à corrupção. Não é estranho que sempre tenha havido corrupção e a imprensa tenha ficado calada? Não tenho ilusão com a imprensa. 


Estado de Direito

No Estado de Direito, existem certas regras. Num regime fascista ou ditatorial, outras. Com argumentos desse tipo [como pedir prisões para impedir destruição de provas], você pode torturar e matar. Se esse argumento do interesse maior da sociedade prevalecer, pode torturar e matar.

Ao calar o Faustão, Marieta Severo deve ser a próxima global a receber ameaça de morte


Por Kiko Nogueira

O próximo empregado da Globo a sofrer ameaça de morte, depois de Jô Soares, será Marieta Severo. Pode anotar. Marieta foi ao programa do Faustão, uma das maiores excrescências da televisão mundial desde a era paleozóica.

Fausto Silva estava fazendo mais uma daquelas homenagens picaretas que servem, na verdade, para promover um programa da emissora. Os artistas vão até lá por obrigação contratual, não porque gostem, embora todos sorriam obsequiosamente. O apresentador insiste que são “grandes figuras humanas”.

Ele se tornou uma espécie de papagaio do que lê e vê em revistas e telejornais, tecendo comentários sem noção sobre política. Em geral, dá liga quando está com uma descerebrada como, digamos, Suzana Vieira ou um genérico de Toni Ramos.

Quando aparece alguém um pouco mais inteligente, porém, ele se complica. Faustão anda tão enlouquecido em sua cavalgada que não lembrou, talvez, de quem se tratava. Começou com aquela conversa mole sobre o Brasil não ter “estrutura”. A única coisa organizada aqui é o crime, em sua opinião. Somos “o país da desesperança”.

Ela discordou com classe: “Não, eu sou sempre otimista”. O país caminhou muito, falou. “Pra mim, tem uma coisa muito importante: a inclusão social, a luta contra a desigualdade. A gente teve muito isso nos últimos anos. Estamos numa crise, mas vamos sair dela”. Ainda criticou os evangélicos. “Nada contra religião. Só não quero uma legislando a minha vida”, afirmou.

Recentemente, Marieta, que está no papel principal de uma nova série, deu uma longa entrevista no Globo. Se confessou chocada com o que chamou de retrocesso nas conquistas de sua geração (ela tem 68 anos).

“Sou contra a redução da maioridade penal e contra muita coisa que está em evidência e que, para a minha geração, é chocante”, disse a ex-mulher de Chico Buarque. “Eu sou da década de 1960, do feminismo, da liberdade sexual, das igualdades todas”.

Não é preciso dizer que a entrevista no Faustão não foi muito além do script. Marieta deu um recado importante no mesmo dia em que Mantega foi novamente hostilizado num restaurante de São Paulo.

Nas redes sociais, os suspeitos de sempre a enxovalhavam por ter “defendido o PT” (ela não falou no nome do partido). Uma medida sensata seria MS contratar um guarda-costas daqui por diante — inclusive para circular no Projac.

Duvivier: nos países em que você lava a própria privada, ninguém mata por uma bicicleta

De sua coluna na Folha

Cara elite,

sei que não é fácil ser você. Nasci de você, cresci com você, estudei com você, trabalho com você. Resumindo: sou você. (Vou fazer uma camisa: “Je suis elite”). Sei que você (a gente) quer o bem do país.

Sei que era por bem que você não queria abolir a escravidão. “Se a gente tiver que pagar pelo serviço que os negros faziam de graça, o país vai quebrar.” Você não queria que o Brasil quebrasse. Você não precisava ficar nervoso: o Brasil não quebrou.

Sei que era por bem que você pediu um golpe em 64. Você tinha medo do Jango, tinha medo da reforma agrária, tinha medo da União Soviética. Sei que depois você se arrependeu, quando os generais começaram a matar seus filhos. Mas já era tarde.

Sei que você achou que o Collor era honesto. Sei que você achou (acha?) que o Lula é um braço das Farc, que é um braço do Foro de São Paulo, que é um braço do Fidel, que é um braço da Coreia do Norte. Sei que você ainda tem medo de um golpe comunista -mesmo com Joaquim Levy no Ministério da Fazenda. Sei que você tem medo. E o seu medo faz sentido.

Não é fácil ser assaltado todo dia. Dá um ódio muito profundo (digo por experiência própria). A gente comprou um iPhone 6 com o suor do nosso rosto -e pagou muitos impostos. Sei que nessas horas dá uma vontade enorme de morar fora.

Você sabe que lá fora você pode abrir seu laptop na praça, pode deixar a porta aberta, a bicicleta sem cadeado. Mas lá fora, não esqueça, é você quem limpa a sua privada. Você já relacionou as duas coisas?

Nos países em que você lava a própria privada, ninguém mata por uma bicicleta. Nos países em que uma parte da população vive para lavar a privada de outra parte da população, a parte que tem sua privada lavada por outrem não pode abrir o laptop no metrô (quem disse isso foi o Daniel Duclos).

Não adianta intervenção militar, não adianta blindar todos os carros, não adianta reduzir a maioridade penal (SPOILER: isso nunca adiantou em lugar nenhum do mundo).

Sabe por que os milionários americanos doam tanto dinheiro? Não é por empatia pelos mais pobres. Tampouco tem a ver só com isenção fiscal. Doam porque sabem que, quanto mais gente rica no mundo, mais gente consumindo e menos gente esfaqueando por bens de consumo.

Um pobre menos pobre rende mais dinheiro para você e mais tranquilidade nos passeios de bicicleta. A gente quer o seu (o nosso) bem. É melhor ser a elite de um país rico do que a de um país pobre.

domingo, 28 de junho de 2015

Maringoni: É legal à beça colorir as fotos do Facebook


É legal à beça colorir as fotos do Facebook! Estamos comemorando uma decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos.

É medida progressista legalizar a união entre pessoas, qualquer que seja a maneira de se amar.

Não é uma vitória do imperialismo e nem de um governo que massacra países e povos, assim como a conquista dos direitos civis, nos EUA dos anos 1960 também não foi.

As vitórias contra o racismo e a homofobia são vitórias da Humanidade.

A decisão da Suprema Corte dos EUA tem dimensões planetárias, pela posição hegemônica do país no mundo.

A luta pela jornada de oito horas teve seu ponto de virada nas jornadas de Chicago, nos anos 1880. A luta pelos direitos das mulheres tem no país um palco importante.

A música americana – em especial o blues, o jazz e o rock – são ritmos nascidos nas comunidades negras e pobres do meio oeste.

Mesmo o inglês, antes de ser a língua do império, é a língua de Shakespeare, de Yeats, de Whitman, de Hemingway, de Fitzgerald, de John dos Passos, de Hawthorne, de Hammett, de Faulkner, de Capote, de Auster e de um timaço de gênios.

A literatura americana, com sua linguagem direta e seca, surgiu a partir dos pulps, revistas impressas em papel barato, destinadas aos trabalhadores, no final dos anos 1800. A partir dali, um novo tipo de narrativa, com diálogos secos e frases enxutas, surgiu na esteira da revolução do jornal, na virada daquele século.

Hugo Chávez, uma vez disse: “Somos antiimperialistas, não somos antiamericanos”.

A diferença é essencial.

Não percebê-la significa confundir a ação de um Estado dominado por megacorporações com as demandas e conquistas do povo estadunidense. Implica não perceber algo óbvio: lá também existe luta de classes. E de forma encarniçada.

Estampar o arco-íris nas fotos do Facebook diz mais a respeito da luta contra o obscurantismo aqui dentro do que de decisões tomadas em terras gringas. Aliás,nada mais gringo do que o próprio Facebook, com suas bisbilhotices na privacidade alheia.

É uma boa que isso tenha acontecido, mesmo sabendo que sentença semelhante foi proferida pelo STF daqui há um par de anos.

O que soma não atrapalha.

Especialmente se a causa é generosa e contribui para torpedear o atraso.





Na mesa “Que cidade queremos? Apontamentos para o futuro da cidade” doSeminário Internacional Cidades Rebeldes, o Deputado Federal Jean Wyllysfalou e da importância de fazer uso das redes sociais na disputa dos valores e do imaginário político. Neste trecho, partindo da afirmação ousada de que “os homossexuais são o grupo mais odiado da história da humanidade”, atravessando as mais diversas culturas e civilizações, ele reflete sobre como o fascismo opera e insiste na urgência de lutar por uma democracia efetiva.
***

Gilberto Maringoni é doutor em História Social pela FFLCH-USP e professor adjunto de Relações Internacionais na Universidade Federal do ABC. É autor, entre outros, de A Revolução Venezuelana (Editora Unesp, 2009), Angelo Agostini: a imprensa ilustrada da Corte à Capital Federal – 1864-1910 (Devir, 2011) e da introdução do romance O homem que amava os cachorros, do cubano Leonardo Padura. Cartunista, ilustrou algumas capas de livros publicados pela Boitempo Editorial na Coleção Marx Engels, como oManifesto comunista. Integra o conselho editorial do selo Barricada, de quadrinhos da Boitempo.

sexta-feira, 26 de junho de 2015

A desonestidade da Folha no caso do HC de Lula

O dono da Folha




Mark Twain, um dos primeiros grandes críticos da imprensa, observou o seguinte, mais de um século atrás.

“Existem leis para proteger a liberdade da imprensa. Mas não existe nada decente para proteger as pessoas da imprensa.”

No Brasil destes tempos, esta é, ainda, uma verdade doída e revoltante.

Considere o caso do habeas corpus de Lula.

O senador Caiado, que mente todos os dias em sua louca cavalgada antipetista, colocou no Twitter que já havia um HC na justiça pronto para a decretação da ordem de prisão contra Lula por Moro.

Qual a credibilidade de Caiado? Apenas para lembrar, ele disse ter gravado o apedrejamento da perua em que estava ao lado de Aécio na Venezuela, e o vídeo jamais foi visto.

Num primeiro momento, ele culpou a internet venezuelana. Depois, já no Brasil e com a internet boa de que dispõe, não voltou ao assunto.

Mas a Folha comprou a história de Caiado. E não se deu ao trabalho de checar nada, num trabalho pseudojornalístico nota zero com louvor.

E repercutiu o HC.

Você pode imaginar o tom. Entre outras coisas, a Folha insistia numa tese dela mesma, não amparada em nenhuma fonte citada: Lula estaria dizendo aos amigos que seria o próximo alvo da Lava Jato, depois do presidente da Odebrecht.

É um retrato da imprensa brasileira contemporânea: Lula não fala com ela, mas ela não para de falar em Lula, nunca com fatos, mas sempre com especulações inteiramente desfavoráveis.

Você acredita mesmo que algum amigo de Lula passa para jornalistas da Folha, da Veja, da Globo confidências do ex-presidente?

Ou se trata de inimigos interessados, como Caiado, em forjar um noticiário anti-Lula?

Bem, depois veio o choque de realidade.

O autor do HC é um sujeito que parece fazer disso – habeas corpus – um estranho hábito.

Ele já fez 150, e sempre à revelia das pessoas que supostamente deseja proteger. Uma vez agiu em favor de Diogo Mainardi, então colunista da Veja, um pseudojornalista que ganhou sinistra notoriedade por ter sido precursor numa atividade que garante florescentes carreiras na imprensa: atacar sistematicamente Lula e o PT.

Os brasileiros não sabíamos, e a Folha não investigou o suficiente para informar, que qualquer pessoa pode impetrar um HC em nome de quem queira. (É apenas um sinal do funcionamento obtuso da justiça brasileira.)

E então, conhecidos os fatos, a Folha fez o que sempre faz em situações como a do caso do HC de Lula: deu a correção num espaço ínfimo chamado “Erramos”.

Na Dinamarca, onde a frase de Twain já não vigora há tempos graças aos avanços da sociedade, o jornal é obrigado a publicar a errata no mesmo espaço em que cometeu o erro. E com igual destaque.

Isso leva os jornais a serem bem mais cuidadosos que a Folha na hora de publicar notícias.

Algumas pessoas progressistas haviam saudado um editorial da Folha sobre Eduardo Cunha como um sinal de que o jornal estaria voltando a ser “plural”.

Ri sozinho. Sabia que era o triunfo da esperança sobre a experiência.

A Folha se enquadra numa frase de um outro grande crítico da imprensa, George Orwell.

“A imprensa é controlada por um pequeno grupo de homens ricos aos quais interessa tratar de forma desonesta assuntos delicados.”

Divulgue, depois apure: O erro agora é etapa do processo jornalístico?





É lógico que a adrenalina trazida pela possibilidade de divulgar uma notícia antes dos concorrentes vicia jornalistas.

E é compreensível que veículos jornalísticos incentivem seus empregados a darem “furos''. Isso confere prestígio junto ao grande público, aos formadores de opinião e aos anunciantes. Ou apenas massageia o ego junto aos colegas, mas isso já é outra história.

A instantaneidade trazida pela internet, contudo, aumentou a pressão sobre o jornalista, reduzindo o tempo que ele tem para apurar uma informação a quase nada. O prazo de uma notícia quente era sempre dez minutos atrás.

Se ele ou ela fizer o trabalho direitinho e checar tudo conforme manda o figurino, pode ser ultrapassado pelo concorrente que não checou e simplesmente replicou.

Ou pelos leitores munidos de suas contas de Facebook, Twitter, Instagram e WhatsApp, que não têm a mesma preocupação com ética na circulação de notícias. Ou, pelo contrário, querem intencionalmente ver o circo pegar fogo.

No limite, pode ser criticado dentro da redação, cobrado pelo atraso e até dispensado por não se “encaixar'' na empresa.

A ponto de ser comum ouvirmos alguns chefes soltarem a frase: “publique primeiro, corrija se estiver errado depois''.

Ou outra que está cada vez mais famosa: “pega a informação da concorrência, dá um tapa e publica''.

Pois, como sabemos, a seção de “erramos'' não dá audiência como a manchete. Nem viraliza nas redes sociais.

Aliás, quem lê o “erramos'' além de repórteres, assessores de imprensa e professores e estudantes de jornalismo?

O jornalista tem uma única certeza: que vai errar e muito ao longo da profissão. Perceber que errou deveria incomodar e não passar batido. Porque esse incômodo é transformador.

Em outras palavras, estamos internalizando a possibilidade de erro como parte do processo jornalístico. Não o erro como consequência de uma profissão que lida com a natureza humana, mas como etapa inevitável a ser cumprida diante da ausência de tempo. Ausência criada não pela tecnologia em si mas pela maneira como nós a abraçamos sem contestação.

Sai “apurar, checar, escrever e divulgar''.

Entra “copiar, escrever, divulgar, checar, apurar, escrever, divulgar''.

Concordo que o repórter deve estar preparado para produzir algo bom e de forma rápida.

A máquina de moer gente no jornalismo – com redações enxutíssimas em decorrência da crise estrutural da profissão e econômica do país, competindo com sites sem a mesma preocupação com a veracidade dos fatos e chefes impelidos a só enxergar pageviews ao invés de ponderar a qualidade final do trabalho e sua relevância social – está girando mais rápido do que nunca.

No meio do caminho, a versão mais correta dos fatos é atropelada e morre. Não por um caminhão, mas por toda a frota de uma vez. E é enterrada como indigente, porque ninguém reivindica seu corpo.

quinta-feira, 25 de junho de 2015

Essa bancada da idade média precisa ser enfrentada, pois as ideias deles fere os princípios democráticos.



De Gregorio Duvivier no Facebook:


Existe um coro de gente bacana e inteligente dizendo que não vale a pena falar de Feliciano, Malafaia e Bolsonaro porque é isso que eles querem: ibope. (Bernardo Mello Franco, que costumo ler e gostar, disse isso em recente artigo na Folha). Concordo totalmente que não se deve ampliar a voz dos imbecis – por isso não retuíto nem respondo os articulistas que vivem da polêmica e da disseminação do ódio. São macacos de auditório que não merecem nossa audiência. Respondê-los seria amplificá-los.

No entanto, vale lembrar que Feliciano, Malafaia e Bolsonaro são de outra importância. Bolsonaro foi o deputado federal mais votado do Rio. Feliciano foi o terceiro mais votado de São Paulo. Malafaia tem quase um milhão de seguidores no Twitter – a influência dele ficou bem clara nas eleições.

Juntos, são eles que barram qualquer tentativa de se votar uma legislação mais progressista. Aposto que muita gente achou que Hitler fosse um bufão a quem não se devia dar importância. “Ele só quer ibope”. Quem dera fosse eu o responsável por amplificar o ibope deles e quem dera eles quisessem só ibope. Eles já falam com muito mais gente que eu. Ao contrário dos colunistas-macacos-de-auditórios, nossa bancada militar-evangélica já tem audiência de horário nobre e quer muito mais do que isso.

Querem poder – e estão conseguindo.

Ódio


Não vi a entrevista do Jô com a Dilma, mas, conhecendo o Jô, sei que ele não foi diferente do que é no seu programa: um homem civilizado, sintonizado com seu tempo, que tem suas convicções — muitas vezes críticas ao governo — mas respeita a diversidade de opiniões e o direito dos outros de expressá-las. Que Jô fez uma matéria jornalística importante e correta, não é surpresa. Como não é surpresa, com todo esse vitríolo no ar, a reação furiosa que causou pelo simples fato de ter sido feita.

A deterioração do debate político no Brasil é consequência direta de um antipetismo justificável, dado os desmandos do próprio PT no governo, e de um ódio ao PT que ultrapassa a razão. O antipetismo decorre, em partes iguais, da frustração sincera com as promessas irrealizadas do PT e do oportunismo político de quem ataca o adversário enfraquecido. Já o ódio ao PT existiria mesmo que o PT tivesse sido um grande sucesso e o Brasil fosse hoje, depois de 12 anos de pseudossocialismo no poder, uma Suécia tropical. O antipetismo é consequência, o ódio ao PT é inato. O antipetismo começou com o PT, o ódio ao PT nasceu antes do PT. Está no DNA da classe dominante brasileira, que historicamente derruba, pelas armas se for preciso, toda ameaça ao seu domínio, seja qual for sua sigla.

É inútil tentar debater com o ódio exemplificado pela reação à entrevista do Jô e argumentar que, em alguns aspectos, o PT justificou-se no poder. Distribuiu renda, tirou gente da miséria e diminuiu um pouco a desigualdade social — feito que, pelo menos pra mim, entra como crédito na contabilidade moral de qualquer governo. O argumento seria inútil porque são justamente estas conquistas que revoltam o conservadorismo raivoso, para o qual “justiça social” virou uma senha do inimigo.

Tudo isto é lamentável mas irrelevante, já que o próprio Lula parece ter desesperado do PT. Se é verdade que o PT morreu, uma tarefa para investigadores do futuro será descobrir se foi suicídio ou assassinato. Ele se embrenhou nas suas próprias contradições e nunca mais foi visto ou pensou que poderia ser a primeira alternativa bem-sucedida ao domínio dos donos do poder e acordou um dia com um tiro na testa?

De qualquer maneira, será uma história triste.

Alea jacta est", Sérgio Moro finalmente atravessou o Rubicão



Por Fábio de Oliveira Ribeiro

A primeira coisa que causa estranhamento àqueles que ingressam numa Faculdade de Direito é a distinção entre o “ser” e o “dever ser”. As Leis, que permitem, regulam ou proíbem condutas humanas pertencem ao domínio do “dever ser”, ao universo dos valores e potencialidades. A sociedade a que as Leis se destinam pertencem ao domínio do “ser”, ao mundo dos fenômenos tais como estes ocorrem no conflituoso mundo em que vivemos. A tensão entre o “ser” e o “dever ser” é evidente. As Leis nem sempre atuam como deveriam. Os homens poderosos geralmente fazem o que desejam. Os costumes se modificam e condenam algumas Leis ao desuso. Outras nem chegam a ter eficácia apesar de serem válidas.

Uma Constituição é feita para durar, mas nenhum regime político é eterno. Ao estudar História aprendemos isto. Roma foi uma Monarquia, virou uma República e depois se transformou num Império que floresceu e decaiu sendo dividido em duas metades, cada uma delas deixando de existir algum tempo depois (a metade Ocidental foi saqueada por bárbaros em 476 dC; a metade Oriental sucumbiu finalmente aos otomanos em 1453 dC). O Brasil começou como Colônia, foi elevado à condição de Reino Unido à Portugal e Algarves, declarou sua independência e virou um Império que deu lugar à República instável, que oscila entre períodos de democracia e ditaduras brutais. Constituições republicanas tivemos várias (1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988).

Sob cada uma das Constituições republicanas, costumes herdados da era Colonial e Imperial foram preservados. O mais danoso deles é a tendência de interpretar e aplicar as Leis segundo a classe social daqueles que são submetidos a julgamento. A brutal distinção entre as duas metades da sociedade brasileira pode ser vista neste exato momento. O próprio STF sacramentou esta distinção ao julgar pessoas sem foro privilegiado no Mensalão do PT se recusando a fazer o mesmo no Mensalão do PSDB. O resultado não poderia deixar de ser desigual: o Mensalão do PT foi sentenciado com exagerado rigor pelo STF enquanto o Mensalão do PSDB acabou sendo silenciosamente encaminhado para a prescrição em Minas Gerais. O MPF fustiga os petistas suspeitos envolvidos na Lava a Jato, mas o Ministério Público de São Paulo pega leve com os tucanos que foram mandantes e beneficiários da roubalheira no Metrô-SP.

Aqueles que observam com atenção o desenrolar dos fatos, tendem ora a valorizar a Constituição escrita ora a reconhecer que não temos uma Constituição e sim duas constituições. Há aquela que foi discutida, redigida e promulgada em 1988 e que deveria se aplicar a todos os brasileiros. Há uma outra, produto dos refinamentos e atavismos judiciários, que garante a presunção de inocência a criminosos que poderiam ser culpados (caso dos donos do helicóptero com 450 quilos de cocaína e dos tucanos paulistas que organizaram a roubalheira no Metrô-SP) e que permite a condenação de réus "menos iguais" porque eles não provaram sua inocência (caso de José Dirceu, voto de Luiz Fux).

Há um ditado popular que evoca de maneira eloquente as duas constituições em vigor no país: “Cadeia no Brasil é para os três 'pês': preto, pobre e prostituta". Aqueles que não se ajustam à esta definição, ou seja, homens brancos, ricos e moçoilas bem nascidas nunca são recolhidos à prisão mesmo quando cometem crimes. O espetáculo da Lava Jato, comandado com maestria por um ator togado que gosta mais do estrelato que do recato lhe exigido pela Lei Orgânica da Magistratura, parece ter modificado a realidade brasileira. Os mega-empresários começaram, enfim, a ser presos. Doravante teremos apenas uma Constituição? Mas que Constituição será esta?

Maquiavel afirmou que:

“Nada é mais perigoso do que inflamar a cada dia, entre os cidadãos, novos ressentimentos pelos ultrajes cometidos incessantemente contra alguns destes, como acontecia em Roma depois do decenvirato.De fato, todos os decênviros, e muitos outros cidadãos, foram em várias oportunidades acusados e condenados. O temor era geral entre os nobres, que não viam o fim dessas condenações antes que se destruísse toda a sua classe. Disto teria resultado inconvenientes dos mais desastrosos para a república se o tribuno Marco Duélio não houvesse posto termo à situação proibindo, durante um ano, citar ou acusar qualquer cidadão romano, o que fez com que os nobres recobrassem a segurança.

Este exemplo mostra como é perigoso para uma república ou para um príncipe manter os cidadãos em regime de terror contínuo, atingindo-os sem cessar com ultrajes e suplícios. Nada há de mais perigoso do que este tipo de procedimento, porque os homens que temem pela própria segurança começam a tomar todas as precauções contra os perigos que os ameaçam: depois, sua audácia cresce, e em breve nada mais pode conter sua ousadia.” (Comentários Sobre a Primeira Década de Tito Lívio, editora UNB, Brasília, 1994, p. 146).

As sábias palavras de Maquiavel devem ser objeto de meditação cuidadosa no caso do Brasil. Afinal, como vimos, o próprio Poder Judiciário sempre se encarregou de aplicar o rigor da Lei para pobres, pretos e putas, reservando os privilégios senhoriais da constituição não escrita para aqueles que estão no topo da pirâmide socio-econômica. 

Aqueles que nunca estiveram acostumados ao rigor da Lei, os mega-empresários que foram presos por ordem de Sérgio Moro, certamente estranharão mais o comportamento dele do que os “blogueiros sujos” que o criticam o Juiz Federal porque ele estaria fazendo uma distinção entre tucanos e petistas envolvidos na Lava Jato. A reação pública e publicada de duas construtoras às decisões tomadas pelo Juiz é mais importante do que aparenta ser. Ela inaugura uma nova relação entre a sociedade brasileira - estou me referindo aqui à “boa sociedade”, aquela composta pelos homens poderosos acostumados a comprar impunidade e vingar ultrajes grosseiros - e o Poder Judiciário.

Para ferir mortalmente o PT e exibir Lula numa jaula no horário nobre da Rede de TV que o premiou, Sérgio Moro atravessou o Rubicão. O Juiz da Lava Jato fez o impensável: ele revogou os privilégios senhoriais da constituição não escrita que sempre esteve em vigor sob todas as constituições republicanas do Brasil. O que ele fez não encontra paradigma na História do nosso país. Nem Getúlio Vargas no auge de seu poder em 1938, nem Costa e Silva no período mais brutal e tenebroso da Ditadura Militar, tiveram ousadia e coragem para meter a ferros homens brancos, bem nascidos, ricos e donos de vasto cabedal. As vítimas das tiranias brasileiras sempre foram os “outros”: os intelectuais pobres (como Graciliano Ramos), os estudantes abusados (como o jovens José Dirceu e Dilma Rousseff) e os mulatos ousados e destemidos (como Marighella).

O espaço para conciliação das elites deixou de existir no Brasil. O Rubicão atravessado por Sérgio Moro impede que alguns ricos (aqueles que lucraram com os governos Lula e Dima Rousseff) se identifiquem naturalmente com os outros ricos (os que estão ao lado de FHC, Sérgio Moro e os irmãos Marinho). Ninguém precisa ser especialmente inteligente para antecipar turbulências inevitáveis num futuro próximo. Afinal, a guerra civil é sempre um luxo decidido pelos homens poderosos. E nós, os demais, seremos apenas observadores ou soldados armados ou não.

terça-feira, 23 de junho de 2015

Matar uma ideia



"A felicidade é uma ideia nova na Europa." Com esta frase, Louis Antoine de Saint-Just proclamava, em meio à Revolução Francesa, o início de um tempo inquieto. Um tempo que lutaria de todas as formas para que esta ideia nova fosse ouvida em toda a Europa, constituindo uma nova aliança dos povos. Nela, enunciava-se o desejo de uma felicidade que não seria apenas fruto da crença na possibilidade autônoma de autorrealização individual, mas que só seria plena através da constituição de sociedades igualitárias e profundamente solidárias. 

Mais de 200 anos depois, o significante "Europa" voltou a circular no interior de um novo projeto sociopolítico. Era o início da constituição da Comunidade Europeia, sem dúvida uma das mais impressionantes engenharias políticas da história ocidental. Muitos viram, na época, a oportunidade de uma "Europa social" e plural, no interior da qual poderia emergir, pela primeira vez, um poder constituinte pós-nacional. 

Falar isto hoje soa quase como uma piada. Em algumas horas, a Europa irá morrer. Infelizmente, não morrerá o corpo de tecnocratas da Comunidade Europeia com sua ortodoxia econômica feita sob medida para salvar bancos falidos à procura de dinheiro estatal para sobreviver. Não morrerá o corpo político que só consegue estar de acordo para colocar em marcha políticas cada vez mais vergonhosas contra imigrantes. Não morrerá a Europa dos medos seculares. Morrerá a Europa que um dia quis encarnar uma ideia nova de felicidade. 

Independentemente do resultado das negociações com a Grécia, o papel deplorável de uma Europa incapaz de reconhecer que os empréstimos gregos serviram apenas para realimentar os bancos europeus, que luta para levar o povo grego ao abatedouro intervindo, em um nível inimaginável de ingerência, em suas aposentadorias e políticas contra a precarização, estará selado. 

Não há nenhuma ideia nova na Europa, apenas a velha irracionalidade econômica de sempre. Neste sentido, os alemães, arautos atuais da ortodoxia, deveriam lembrar que, se tivessem sido tratados da mesma forma com os empréstimos para a reconstrução nacional depois da Segunda Guerra, estariam até hoje vivendo sob ruínas. Até o Plano Marshall era mais novo que a política atual da Troika. 

Se o governo grego do Syriza fez algum erro foi o de acreditar na racionalidade dos gestores do capitalismo atual. Mais sensato do que ver seu povo destroçado por uma política econômica suicida é pedir moratória e sair de uma vez da zona do euro. De toda forma, a Europa morreu, pois nada vive sem ideia.

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Desafios para garantir direitos humanos no Brasil

Querido pastor


Querido pastor,


Aqui quem fala é Jesus. Não costumo falar assim, diretamente --mas é que você não tem entendido minhas indiretas. Imagino que já tenha ouvido falar em mim --já que se intitula cristão. Durante um tempo achei que falasse de outro Jesus --talvez do DJ que namorava a Madonna-- ou de outro Cristo --aquele que embrulha prédios pra presente-- já que nunca recebi um centavo do dinheiro que você coleta em meu nome (nem quero receber, muito obrigado). Às vezes parece que você não me conhece. 

Caso queira me conhecer mais, saiu uma biografia bem bacana a meu respeito. Chama-se Bíblia. Já está à venda nas melhores casas do ramo. Sei que você não gosta muito de ler, então pode pular todo o Velho Testamento. Só apareço na segunda temporada. 

Se você ler direitinho vai perceber, pastor-deputado, que eu sou de esquerda. Tem uma hora do livro em que isso fica bastante claro (atenção: SPOILER), quando um jovem rico quer ser meu amigo. Digo que, para se juntar a mim, ele tem que doar tudo para os pobres. "É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus". 

Analisando a sua conta bancária, percebo que o senhor talvez não esteja familiarizado com um camelo ou com o buraco de uma agulha. Vou esclarecer a metáfora. Um camelo é 3.000 vezes maior do que o buraco de uma agulha. Sou mais socialista que Marx, Engels e Bakunin --esse bando de esquerda-caviar. Sou da esquerda-roots, esquerda-pé-no-chão, esquerda-mujica. Distribuo pão e multiplico peixe --só depois é que ensino a pescar. 

Se não quiser ler o livro, não tem problema. Basta olhar as imagens. Passei a vida descalço, pastor. Nunca fiz a barba. Eu abraçava leproso. E na época não existia álcool gel. 

Fui crucificado com ladrões e disse, com todas as letras (Mateus, Lucas, todos estão de prova), que elestambém iriam para o paraíso. Você acha mesmo que eu seria a favor da redução da maioridade penal? 

Soube que vocês estão me esperando voltar à terra. Más notícias, pastor. Já voltei algumas vezes. Vocês é que não perceberam. Na Idade Média, voltei prostituta e cristãos me queimaram. Depois voltei negro e fui escravizado --os mesmos cristãos afirmavam que eu não tinha alma. Recentemente voltei transexual e morri espancado. Peço, por favor, que preste mais atenção à sua volta. Uma dica: olha para baixo. Agora mesmo, devo estar apanhando --de gente que segue o senhor.

domingo, 21 de junho de 2015

Um prefeito necessário






Só agora, com Haddad, São Paulo se concentra em si mesma como cidade carente de ações que a direcionem para um novo modo de vida 

São Paulo tem, hoje, o prefeito que deveria ter conhecido há mais de uma década. A engenharia antiurbanística da ditadura militar, que se apresentava como solução para o futuro, era, na verdade, um atraso de vida, uma obsessão viarista de olhos fechados para a qualidade de vida na cidade. 

As administrações de Luiza Erundina (1989-93) e Marta Suplicy (2001-05) se voltaram para realizações sociais, mas não exatamente citadinas. José Serra (2005-06) e Gilberto Kassab (2006-2013) deixaram correr solto o barco da urbe neoliberal. E perdemos tempo. 

Só agora, com Fernando Haddad, São Paulo se concentra em si mesma como realidade socioespacial específica, carente de ações que a direcionem para um novo modo de vida. Haddad entrou em campo muito mal, cambaleante, quase ferido de morte por seus supostos companheiros. 

Ainda durante a campanha eleitoral, a novidade que ele pretendia encarnar foi desfigurada impiedosamente por uma aliança oportunista com Paulo Maluf, que foi obrigado por Lula a fazer. 

Em seguida, Dilma o humilhou publicamente, obrigando-o a recuar numa decisão sobre aumento do preço da passagem de ônibus. Haddad parecia um perdido, um sujeito que seria manobrado facilmente em qualquer direção determinada por seus superiores na hierarquia política (ou partidária) brasileira. 

Mas não é isso o que vem acontecendo. Haddad descobriu, em tempo, que a saída era ser ele mesmo. E tirar partido, inclusive, da distância e do isolamento com relação aos ditames tantas vezes estreitos do PT. Sim, há momentos em que a solidão política é boa conselheira. Até porque o pensamento de Haddad encontrou uma "ecologia" favorável para medrar. 

Era cada vez maior o número de paulistanos convencidos de que a cidade precisava buscar soluções fora da cartilha de sempre, encarando a questão da mobilidade urbana e discutindo sem temor o beco sem saída automobilístico, com todas as suas implicações ambientais. 

É certo que esses paulistanos abertos para as novas soluções constituem ainda uma minoria --e não tão barulhenta quanto a dos proprietários de automóveis individuais. O que significa que Haddad se move, ao mesmo tempo, numa conjuntura mental propícia, mas minoritária. 

A situação cultural e política é complicada. Se é cada vez maior o número dos que aceitam a vantagem ambiental da cidade compacta e a mescla programática de classes sociais no espaço citadino, assim como o retorno ao centro, persistem, na contramão, tabus arraigados, signos de status, falsos direitos adquiridos. E a batalha é pesada. 

Mas Haddad entendeu três coisas fundamentais. Que teria de trabalhar com dificuldades orçamentárias, sem esperar qualquer solidariedade federal. Que teria de repensar e rediscutir o sentido desta cidade em maré adversa, enfrentando os preconceitos do conjunto da população, sem contar com a boa vontade da mídia. E deixar taticamente de lado o projetismo tipo "Arco do Futuro" em favor de um realismo mais pedestre, no horizonte do possível. 

Não teremos mais de levar utopia alguma à sociedade. A sociedade é que se verá obrigada a entender que a cidade ideal, agora, está se fazendo cidade necessária. 


ANTONIO RISÉRIO, 61, antropólogo e urbanista, é autor de "A Cidade no Brasil" (Editora 34)

sábado, 20 de junho de 2015

Virada Cultural é antropofágica desde seu nascimento

Gil Marçal
Especial para o UOL

A Virada Cultural da Cidade de São Paulo é um dos maiores festivais de arte do mundo, conta com diversas atividades artísticas e envolve todos os públicos. Antropofágica de nascimento, a nossa Virada projetou a noite branca e fez acrobacias com a maratona circense de Barcelona, mas imprimiu uma cara única com sua multiculturalidade brasileira. Inspirou versões estaduais e em diversos municípios do Brasil.

Diversas críticas são tecidas ao evento, mas o fato é que a Virada Cultural é uma unanimidade, não necessariamente em sua forma, mas no mínimo em seu acontecimento.

Com a Virada, o direito a cidade, a qualidade de vida dos centros urbanos, o acesso à arte, ao lazer e a diversão se fortalecem. Não pode ser considerada suficiente para promover todos os direitos culturais que a população necessita, mas sem dúvidas ajuda na mobilidade para a ampliação desses e outros direitos. É um momento em que a cidade se mobiliza para a apreciação artística.

Não é possível ver todas as apresentações que são ofertadas, mas é possível escolher, fazer uma programação e ter boas horas assistindo coisas que gosta, mas nunca viu ao vivo, como também se encantar com o que não conhece.

Os recursos financeiros aplicados no evento são revertidos em ingressos muito baratos, como nos casos de compras coletivas, porém pago com os impostos dos contribuintes. É neste momento que, para além da classe média, as pessoas de baixa renda conseguem acessar artistas que normalmente não podem pagar para ver em grandes casas de shows e teatros privados.

Em médio prazo a Virada impulsionou outras atividades na própria cidade como as edições do Quebrada Cultural, SP na Rua e o Mês da Cultura Independente. Todos dialogam com as pessoas na rua, mostram que é possível um uso do espaço público, sobretudo para a juventude.

Nesses momentos a cidade tem a oportunidade de refletir sobre sua juventude. Como se portam? O que vestem? O que pensam? O que gostam de ouvir ou de assistir? Sabemos que em sua maioria não é uma juventude que busca a briga, que faz parte de gangues ou que destrói. Fatos isolados não podem comprometer o todo.

Todos na mesma festa

A Virada em seus primeiros anos reunia uma concentração de palcos no centro e outros palcos nas periferias, ao longo dos anos o centro foi privilegiado como seu grande palco. Um dos fatores foi o transporte público funcionar na madrugada do evento, o que ampliou o acesso dos residentes da periferia ao centro da cidade.

Naquele momento houve uma aposta de que todo mundo gostaria de ser convidado para a mesma festa, que o centro era o espaço que poderia reunir as diferentes regiões da cidade e que a festa era para todos.

As atrações são de portes grandes, médios e pequenos, com artistas consagrados, com a fina nata das belas artes, com os contemporâneos, os eruditos, mas também as atrações da cultura marginal, dos emergentes, das culturas tradicionais e populares, da cultura da periferia.

De certa forma esse momento promove uma horizontalidade entre os artistas, independentemente do tamanho dos seus palcos ou dos seus cachês, ambos são importantes para a cidade. Não me entenda raso neste ponto, muito menos ingênuo.

Em 2011 aconteceu a primeira experiência do Palco Cultura Periférica no evento, na ocasião foram 17 atrações entre Saraus Literários e bandas ou músicos emergentes que circulavam nos espaços de referência das periferias da cidade. Em 2015 a programação reúne mais de 80 apresentações com centenas de grupos agregados em suas atividades. 

Agora um dos cartões postais da cidade, o Vale do Anhangabaú, se abre para apresentar uma programação que reúne um Palco Black, 24 grupos de cultura popular, 24 saraus, diversas etnias Indígena, os quatro elementos do hip hop e ações de mobilidade multural itinerante com bicicletas, kombis e outros.

Esta edição do evento pode retomar a força desta maratona cultural em diversos cantos da cidade, porque é necessários fazer os dois. Serão cinco CEUs como polos de atividades em cada macro região promovendo o encontro entre artistas de grande visibilidade e grupos locais.

Acontece ainda o projeto "Funk SP" em regiões como a Capela do Socorro, Brasilândia e Vila Prudente. Os teatros e centros culturais Vergueiro, da Juventude e de Cidade Tiradentes também escancaram suas portas, como também a rede do SESC, que participa desde o início.

O fato é que, mais de dez anos após da primeira edição da Virada Cultural, a cidade está bem diferente do que quando começou. Naquele momento não havia uma rede de ônibus vinte e quatro horas, não havia ciclovias, nem a cultura periférica, que sempre existiu, estava tão forte quanto agora.


A Virada é para todos os cidadãos, da periferia e do centro, inclusive para os moradores de rua porque é na casa deles que o evento acontece. Convoco-nos a tratarmos eles com respeito. Uma boa Virada Cultural para todos.

A porrada cívica de Boechat em Malafaia




Sobre o caso Boechat x Malafaia, fiz o comentário abaixo num post do camarada Raphael Vidal, que criticou o desabafo padrão MMA do jornalista.

Caro, compreendo sua posição. Eu creio que jamais mandaria alguém procurar uma rola, ainda mais no ar. Mas também entendo o que meu querido amigo Ricardo Boechat fez. Nos últimos dias tenho insisto num ponto: o maior problema não está nos Malafaias e Macedos, mas nas pessoas - políticos, principalmente - que os legitimam. De olho no eleitorado evangélico, muita gente boa se cala diante de constantes agressões a outras religiões, a homossexuais, à própria lógica da vida em sociedade.

Vivemos um momento muito esquisito, quase fundamentalista, de culto a valores retrógrados, que desrespeitam a diversidade e a autonomia do ser humano. Não dá para, em pleno século 21, discutirmos se um adulto tem ou não o direito de cultuar orixás ou de ser ateu; se tem ou não o direito de fazer sexo do jeito que bem entender; se tem ou não o direito de constituir família com pessoa do mesmo sexo, ou com várias pessoas de muitos sexos. 

A rendição a valores que se apresentam como religiosos e cristãos tem feito mal à sociedade, à democracia. É constrangedor testemunhar políticos - inclusive políticos sérios - fingindo ser evangélicos ou católicos, é terrível ver alguns notórios meliantes posando de cristãos. 

Ontem, o o Boechat honrou suas raízes e, revoltado com o silêncio cúmplice de tantos, virou um zagueiro argentino e partiu pra cima do adversário. Foi como a porrada que o Carlos Alberto deu, em 1970, no inglês Lee (sim, eu lembro); como o soco que o jogador do time da Gávea deu naquele chileno na final da Libertadores, como no dia em que o Nilton Santos fez o Armando Marques quicar pela escada do vestiário do Maracanã. Foram lances que não honram o esporte, mas que fazem parte de um momento radical do jogo, que lavam a alma da torcida. Abração, até segunda.

sexta-feira, 19 de junho de 2015

Redução da maioridade penal legalizaria pornografia e álcool aos 16






A redução da maioridade penal de 18 para 16 anos faria com os adolescentes desta idade não fossem mais protegidos pelos crimes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente. Dessa forma, produzir, publicar ou vender pornografia envolvendo jovens de 16 e 17 anos não seria mais crime, nem vender bebida alcoólica ou cigarro a uma pessoa dessa faixa etária.

Essa é a opinião de juristas ouvidos pela revista Consultor Jurídico. De acordo com o advogado e professor de Direito Penal da USP Pierpaolo Cruz Bottini, a redução da maioridade penal faria com que adolescentes com mais de 16 anos recebessem tratamento jurídico criminal de adultos, o que os excluiria da proteção do ECA.

Com isso, as infrações penais e administrativas elencadas no Título VII do ECA deixariam de ser imputáveis a quem as cometesse contra maiores de 16 anos. Além da produção e venda de pornografia (artigos 240 a 241-E do ECA) e da venda de bebidas (artigo 243), também não seria mais possível punir quem submetesse adolescente dessa faixa etária a vexame ou constrangimento (artigo 232), promovesse o seu envio ao exterior para obter lucro (artigo 239), lhe fornecesse arma ou fogos de artifício (artigos 242 e 244) ou hospedasse-o em motel (artigo 250).

O crime de submeter criança ou adolescente à prostituição (artigos 218-B do Código Penal e 244-A do ECA) também não poderia mais ser aplicado a quem praticasse essa conduta com jovens de 16 e 17 anos. Nesse caso, a pessoa deveria responder por favorecimento à prostituição (artigo 228 do CP), que tem penas menores quando envolve somente adultos (reclusão de dois a cinco anos — contra reclusão de quatro a dez).

O juiz e professor de Processo Penal da Universidade Federal de Santa Catarina Alexandre Morais da Rosa também aponta que o crime de corrupção de menores (244-A do ECA) ficaria incoerente. Segundo ele, não faz sentido que um maior de 16 anos possa ser tanto autor quanto objeto de um delito que se destina a proteger a infância e a adolescência.

Além disso, o professor lembra que, caso a diminuição seja aprovada, um adolescente de 16 que tiver uma relação sexual com um de 13 comete estupro de vulnerável, sujeito a reclusão de oito a 15 anos. 

Redução seletiva

A comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou, nesta quarta-feira (17/6), a Proposta de Emenda à Constituição 171/93, que prevê a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos apenas para casos em que forem cometidos crimes hediondos (como estupro e latrocínio), lesão corporal grave e roubo qualificado (quando há sequestro ou participação de dois ou mais criminosos, entre outras circunstâncias). O texto agora segue para votação no plenário da casa.

Juristas ouvidos pela ConJur foram unânimes em criticar essa redução seletiva. Para o desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo Walter de Almeida Guilherme, “isso é uma verdadeira aberração jurídica”. A seu ver, se um maior de 16 tem capacidade de entender a gravidade de um homicídio ou de um roubo qualificado e as consequências que eles acarretam, ele também compreende a gravidade de um furto ou incêndio. De acordo com Almeida Guilherme, ou se faz a redução da maioridade para todos os crimes ou não se faz nada.

Na opinião de Bottini, essa diferenciação de responsabilidade fere o princípio da igualdade. Por causa dessa violação, a emenda constitucional que a instituísse poderia ser questionada no Supremo Tribunal Federal por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade.

Já Morais da Rosa afirma que a diminuição da maioridade apenas para crimes hediondos “não se sustenta do ponto de vista lógico”, e classifica a medida de “populismo penal”. O juiz também entende que projeto contraria a igualdade e aponta mais um argumento para questionar a constitucionalidade da PEC 171/93: o que de que o artigo 228 da Constituição Federal (que estabelece que são penalmente inimputáveis os menores de 18 anos) é uma cláusula pétrea, e não poderia ser modificado devido ao princípio da proibição do retrocesso social. A única forma de alterar seu conteúdo seria via Assembleia Constituinte.

quinta-feira, 18 de junho de 2015

A virada civilizatória de Haddad






O prefeito Fernando Haddad segue hoje uma agenda própria, que confronta tabus de São Paulo, como o protagonismo do carro 


É difícil hoje alguém ter a coragem de contestar o fato de que as cidades precisam encontrar novas soluções para o deslocamento em massa, e deixar de construir mais viadutos e túneis. Elas precisam de soluções que não consumam tanto petróleo, que não poluam tanto o ar, que não induzam à impermeabilização do solo e que não gerem tanto congestionamento. 

Em São Paulo, nem os maiores opositores da gestão de Fernando Haddad podem negar o fato de que as ações do prefeito estão orientadas para o interesse coletivo, em termos tanto sociais como econômicos e ambientais. 

Os 358 km de novas faixas exclusivas de ônibus em São Paulo são ações evidentes nessa direção, assim como os 78 km de ciclofaixas recentemente instaladas (a previsão é chegar a 400 km até o final de 2015). A considerável melhora na avaliação do prefeito pela população é sinal claro dessa consciência. 

Diferentemente do que se costuma pensar, a bicicleta pode ser, sim, uma modalidade significativa no transporte da cidade. Isso porque 25% do congestionamento que temos hoje se deve a percursos curtos feitos de carro --menos de 3 km. Mas a bicicleta não é só um meio de transporte menos poluente e mais compacto: sobre ela temos maior empatia com o entorno. 

As ações de Haddad se conectam com as recentes mudanças de comportamento. Existe atualmente uma tendência de abandono das regiões suburbanas (como Alphaville e Granja Viana) e de volta para as áreas mais centrais da cidade. 

Além disso, o carro vem deixando de ser um bem de consumo imprescindível para as novas gerações, e os espaços públicos passaram a ser mais utilizados e reivindicados pela população, de par com as intensas mobilizações em prol do transporte público como um "direito à cidade". 

Daí a tônica do novo Plano Diretor, que procura conectar as ações de mobilidade ao adensamento populacional nesses eixos de transporte, diminuindo a distância entre moradia e trabalho e restringindo o número de vagas de garagem nessas áreas. Isso porque, ao contrário do que ocorre na maior parte do mundo desenvolvido, a nossa legislação até agora exigia números mínimos de vagas, e não máximos. 

Outros exemplos positivos da gestão Haddad podem ser citados, como o IPTU progressivo sobre os imóveis vazios, a inauguração das duas primeiras centrais mecanizadas de triagem de resíduos sólidos e a ampliação da coleta seletiva do lixo. Há também o apoio aos moradores da cracolândia por meio de um programa que associa saúde, emprego, moradia e assistência social. 

A defesa dessas posições não deve ser confundida com uma campanha eleitoreira. Boa parte da independência das ações da prefeitura se deve, a meu ver, ao próprio isolamento de Haddad dentro do PT. 

Visto com má vontade pela mídia, dispondo de baixo Orçamento, engessado pela progressiva judicialização da política e menos comprometido com a "realpolitik" do seu partido, o prefeito não viu outro caminho que não o de seguir a sua própria agenda. Uma agenda que confronta tabus cruciais da nossa sociedade, como o protagonismo do carro na cidade. 

Haddad, no entanto, não faz um voo solo. Caso raro entre nós, é um político que concilia ações imediatas e cirúrgicas com uma visão abrangente e de longo prazo. É, portanto, um ator de ponta na política, assumindo uma liderança em decisões estratégicas na linha de outros prefeitos de grandes metrópoles, de espectros políticos variados, como Nova York, Medellín e Bogotá. 

Quando a política parece estar submetida à hegemonia do marketing, como um reality show de estatísticas e de pesquisas construídas de maneira autogerada e pouco refletida, vejo a coerência contundente de Haddad com grande admiração. Não me espantarei se esses anos ficarem marcados na história como um ponto de virada civilizatória em São Paulo. 


GUILHERME WISNIK, 42, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi curador da 10ª Bienal de Arquitetura de São Paulo, em 2013

O projeto previsto



Um efeito secundário que nada tem de secundário, na quase certa redução da maioridade penal para 16 anos, ficou perdido como uma observação passageira que os deputados nem perceberam ou não quiseram perceber. Foi feita pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, em audiência anteontem na Câmara. 

Com a redução da maioridade, caem duas autorizações legais hoje restritas aos maiores de 18 anos: os adolescentes de 16 anos poderão dirigir automóveis e consumir bebidas alcoólicas. 

O aumento persistente do consumo de álcool por jovens, mesmo com a limitação atual, está considerado como um problema social e urbano inquietante. Não só pela comprovada propensão a gerar vício e suas sequelas, como pela crescente estatística de incidentes de violência praticados por jovens alcoolizados. O problema é comum a muitos países, mas facilitado no Brasil pela ausência total de providências a respeito. 

Àqueles dois efeitos pessoais e sociais da maioridade em 16 anos, Cardozo soma o custo jurídico alto da redução. O ministro está entre os que consideram a maioridade penal de 18 anos imutável pelo Congresso, sendo uma das chamadas cláusulas pétreas da Constituição. Logo, a nova maioridade seria motivo de batalha a decidir-se no Supremo Tribunal Federal. 

Este aspecto jurídico já está bastante mencionado, porém em vão. A proximidade do PSDB da Câmara com Eduardo Cunha levou ao acordo fácil entre eles e com o PMDB, o que vale, salvo imprevisto, por uma aprovação antecipada de redução da maioridade. 

O projeto aprovado nesse acordo é o do senador peessedebista Aloysio Nunes Ferreira, com uma ou outra modificação decidida por Eduardo Cunha e, como sempre, aceita por PSDB e PMDB. Mas permanece um caroço: as prisões dos autores de crimes graves e com 16 ou mais anos serão providenciadas pela União e pelos Estados. Logo, primeiro virá a falta de verba para criar os estabelecimentos, e até que isso se resolva a lei será burlada de um jeito ou de outro. Depois, virá a falta de verba para evitar que as novas prisões sejam masmorras especializadas no aperfeiçoamento criminal de adolescentes e jovens. 

E falta algo também central no tema. Os adolescentes condenados não poderão ficar na companhia de criminosos adultos, determina o projeto. Mas haverá condenações de 10 anos, logo, com os tais adolescentes fazendo-se adultos. Isso não está previsto no projeto de Aloysio Nunes Ferreira e nos desejos de Eduardo Cunha. 

Continuam os presos todos juntos, contrariando a separação obrigatória? Isso não está previsto. 

Se não, em que idades e em que condições dão-se as separações? Isso não está previsto. 

Se separados os recém-adultos, vão para as cadeias onde se perderiam em tais escolas de crime, ou o que será feito deles? Isso não está previsto. 

Como não estava previsto, mas passa a estar, que a redução da maioridade penal permitirá que adolescentes de 16 anos possam dirigir e consumir bebida alcoólica.

Serra, Lacerda e a Petrobras



O Senado poderá colocar em pauta nos próximos dias o PLS 131/15, de José Serra (PSDB), que pretende alterar o regime de partilha do pré-sal. O projeto retira a condição da Petrobras como operadora única das atividades de extração e derruba a participação mínima de 30% da estatal na exploração de cada campo. Em suma, desfigura o marco regulatório aprovado em 2010. 

O projeto do tucano tem apoio de figuras importantes do PMDB, como os senadores Renan Calheiros e Eunício de Oliveira e o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão. E conta ainda com a simpatia do líder do governo no Senado, o petista Delcídio Amaral. 

O contexto é favorável para essa ampla aliança. Defender a Petrobras nos dias de hoje é automaticamente identificado a uma defesa da corrupção. Atacá-la e defender a entrega do petróleo às transnacionais do ramo parece soar como discurso perfeito para o fim da corrupção, do aparelhamento e defesa da eficiência econômica. O mesmo enredo foi produzido na década de 1990 para legitimar a entrega a preço de banana da Vale do Rio Doce e da Telebrás para empresas privadas. 

Este argumento não pode, é claro, minimizar o escândalo de corrupção na Petrobras. Os envolvidos, seja do lado da estatal seja das empreiteiras privadas, devem ser punidos pelos seus atos. A Petrobras deve construir sistemas de controle interno e fiscalização que impeçam novos cartéis. E fundamentalmente, a sociedade precisa se mobilizar para defender uma reforma política com o fim do financiamento empresarial de campanha, que está na raiz deste caso e de quase todos os esquemas de corrupção no Brasil. 

O que não é aceitável é que a corrupção seja utilizada para desmontar a Petrobras e encobrir interesses das grandes petroleiras internacionais. É o caso do projeto de Serra. O mesmo Serra que em telegrama diplomático divulgado pelo WikiLeaks em 2010 prometeu a uma alta-executiva da Chevron –petroleira norte-americana, cujos interesses no pré-sal foram contrariados– que o modelo de partilha seria revisto. Promessa é dívida. 

Nem o assunto nem a tática são novos. Aliás, a cada dia que passa os tucanos demonstram seu indisfarçável giro lacerdista. Carlos Lacerda era contra a criação da Petrobras em 1953 e defendia a participação estrangeira na exploração do petróleo. A famosa tática lacerdista de plantar escândalos para colher golpes –que funcionou tão bem no ano seguinte e em 1964– daquela vez falhou. 

Agora, Serra a recupera com a PLS 131/15. O que está em jogo é a expansão desregulada do modelo de concessões, que convenhamos não foi interrompido nos governos petistas. Os leilões de campos de petróleo se mantiveram, como no caso emblemático do campo de Libra. Não houve nacionalização do petróleo no Brasil. O que o modelo de partilha fez foi apenas limitar a exploração pelas empresas privadas estrangeiras. E mesmo isso já foi encarado como um ataque ao livre mercado por algumas delas que, sob este argumento, não participaram do leilão. 

Seu apetite é voraz, não aceitam limitações. Não aceitam aqui. Os Estados Unidos, país de origem da Chevron e de muitas das grandes petroleiras, proíbem por lei a exportação de petróleo, visando garantir o abastecimento futuro em detrimento do lucro empresarial de curto prazo. Embora essa lei tenha sofrido exceções, ainda é um pilar da regulação do petróleo norte-americano. 

O modelo adotado na Noruega destina as melhores áreas para a exploração estatal da Statoil, reservando campos menos promissores às empresas estrangeiras, mesmo assim com participação obrigatória da Statoil. No Reino Unido o governo exige legalmente das empresas estrangeiras que comprem todos os equipamentos no país. O que aqui é apenas uma indução –a política de conteúdo local– lá é obrigação. 

Não consta que vigorem governos bolivarianos nos Estados Unidos, Noruega ou Reino Unido. Não parecem tampouco ser exemplos fortes de antiliberalismo. Trata-se unicamente de regulações para impedir a espoliação dos recursos naturais e garantir a soberania nacional. 

José Serra, Renan Calheiros, a Chevron e o petista Delcídio Amaral parecem não estar muito preocupados com essas garantias. Na atual conjuntura do Legislativo, há risco real de que esse retrocesso seja aprovado. Se for, pagaremos todos a conta.

quarta-feira, 17 de junho de 2015

A agenda do obscurantismo

Por Luciano Martins Costa

Os jornais anunciam na quarta-feira (17/6) um acordo entre o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, e a liderança do PSDB, para aprovar uma nova versão do projeto de redução da maioridade penal. A proposta tem o apoio dos partidos Democratas, PSB, Solidariedade e siglas de menor expressão, compondo uma aliança que reúne as correntes mais conservadoras do Parlamento. O que os autores chamam de “flexibilização” é a aplicação da pena de prisão para menores entre 16 e 18 anos que cometam crimes hediondos.

Paralelamente, o Poder Executivo busca uma alternativa que impeça a quebra da Doutrina da Proteção Integral de crianças e adolescentes, cujos fundamentos estão inscritos na Constituição e em tratados internacionais firmados pelo Brasil. A aposta é na sugestão do senador José Serra, defendida também pelo governador paulista, Geraldo Alckmin – ambos do PSDB –, que prevê aumento de três para oito anos o período de internação de menores infratores em casos mais graves.

O governo estuda outras sugestões do mesmo PSDB, como o aumento da pena para adultos que induzem menores de 18 anos ao crime ou que utilizam adolescentes em ações violentas. Também está sendo analisada a proposta de condicionar a aplicação da pena de prisão para menores de 18 anos à interpretação de um juiz. Nesse caso, a decisão judicial poderia determinar se um adolescente que pratique um crime hediondo seria processado com base no Código Penal, caso em que cumpriria a pena em estabelecimento separado do sistema prisional para adultos.

Como se vê, a ampliação do debate pode criar uma fórmula que vença o clima de linchamento criado por parlamentares da chamada “bancada da bala” e amplificado pelos programas policiais da televisão e do rádio.

O ponto não negociável, por parte do Executivo e da parcela do PSDB que ainda tem algum vínculo com as origens do partido, é preservar o princípio constitucional que fundamenta a posição do Brasil sobre a questão, para efeito interno e como parte do concerto mundial de nações: um sistema de justiça que garanta tratamento diferenciado a crianças e adolescentes, mesmo em caso de infração penal.

Igreja versus Estado

Até aqui, os argumentos contra a redução pura e simples da maioridade penal, defendida pelo presidente da Câmara com apoio do chamado “baixo clero” do Parlamento, têm obtido mais repercussão da mídia do que as teses daqueles que defendem um Estado garantidor dos direitos humanos, contra a proposta de um Estado punidor.

Por trás do empenho em criminalizar a adolescência vicejam algumas causas inconfessáveis, como o interesse de parlamentares ligados a seitas religiosas, que pretendem retirar a proteção do Estado sobre a parte mais vulnerável da sociedade, para cooptar famílias que têm filhos em situação de risco.

A imprensa tem oferecido pouca contribuição para esse debate, limitando-se a reproduzir declarações de políticos e os movimentos do Congresso. Na noite de terça-feira (16/6), o noticiário da televisão destacou estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) que desmente o mito da impunidade juvenil. Na quarta-feira, apenas o Estado de S. Paulo deu atenção ao trabalho em sua edição de papel.

A pesquisa do Ipea mostra que, ao contrário do que alardeiam muitos jornalistas e os defensores do retrocesso legal, “a justiça juvenil tende a ser aplicada de forma mais dura do que a Justiça penal comum”, diz o texto do jornal. Apesar de não haver estatísticas precisas sobre violência na maioria dos estados, pode-se comprovar que os menores de 18 anos são mais passíveis de internação e cumprem mais rigorosamente as penas de restrição de liberdade do que os adultos infratores.

A imprensa não costuma se empenhar em elucidar esse e outros enganos sobre a questão da maioridade penal. Um exemplo: na sexta-feira (12/6), o Estado de S. Paulo publicou na primeira página uma chamada para reportagem cujo título dizia: “Ato infracional é maior na faixa de 16 a 18 anos”. Lido rapidamente nas bancas, esse texto certamente induz muita gente a apoiar a proposta de redução da maioridade penal.

Também na abertura da seção “Metrópole”, a reportagem principal (ver aqui) anunciava: “7 em cada 10 atos infracionais em SP envolvem adolescentes de 16 a 18 anos” – o que também reforça a ideia de que menores de 18 anos são os grandes responsáveis pela violência na capital paulista.

Mas o texto que se segue esclarece que “sete em cada dez atos infracionais cometidos por adolescentes na cidade de São Paulo tiveram como autor um menor entre 16 e 18 anos” – mas os crimes hediondos, como latrocínio, cometidos por adolescentes, representam menos de 3% desses crimes.


É com base em textos obtusos como esse que se manifestam os arautos do obscurantismo.

terça-feira, 16 de junho de 2015

Maria Rita Kehl: Justiça não é vingança

"Alguém realmente acredita que reduzir a maioridade penal há de amenizar a violência social de que somos todos, sem exceção, vítimas?", questiona a psicanalista Maria Rita Kehl, que foi integrante da Comissão Nacional da Verdade; "As crianças arregimentadas pelo crime são evidências de nosso fracasso em cuidar, educar, alimentar e oferecer futuro a um grande número de brasileiros. Esconder nossa vergonha atrás das grades não vai resolver o problema"


247 – A psicanalista Maria Rita Kehl, uma das principais vozes do Brasil na defesa dos direitos humanos, se posiciona contra a redução da maioridade penal, no texto Justiça ou vingança?, publicado neste domingo.

"Alguém realmente acredita que reduzir a maioridade penal há de amenizar a violência social de que somos todos, sem exceção, vítimas?", questiona.

Ela também afirma que as punições de menores reproduzirão a lógica da desigualdade brasileira. "É muito evidente que os que conduzem a defesa da mudança na legislação estão pensando em colocar na cadeia, sob a influência e a ameaça de bandidos adultos já muito bem formados na escola do crime, somente os 'filhos dos outros'", diz ela.

"Quem acredita que o filho de um deputado, evangélico ou não, homofóbico ou não, será julgado e encarcerado aos 16 anos por ter queimado um índio adormecido, espancado prostitutas ou fugido depois de atropelar e matar um ciclista?"

Ela também afirma que as saídas são mais educação e mais igualdade. "As crianças arregimentadas pelo crime são evidências de nosso fracasso em cuidar, educar, alimentar e oferecer futuro a um grande número de brasileiros. Esconder nossa vergonha atrás das grades não vai resolver o problema."