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quinta-feira, 4 de junho de 2015

A direita e a falácia do caviar



O nível da direita brasileira já há tempos vinha em franco declínio. Primeiro abandonaram os argumentos para contentar-se com o ódio. Agora, acrescentam ao ódio o fuxico da vida alheia. Tornaram-se patrulhadores dos costumes da esquerda em nome de uma lógica bastante curiosa. 

Para eles, se você defende posições de esquerda, não pode comprar coisas no mercado, está proibido de viajar, frequentar botecos, restaurantes e deve repartir seu salário com os vizinhos. Se te pegam falando no telefone, esteja pronto para ouvir, em tom de triunfo: "Aha! É contra o capitalismo, mas usa celular!". 

Nas páginas do Manifesto Comunista, de 1848, Marx já havia debochado do tacanho pensamento elitista sobre a defesa da socialização: "Para o burguês, a mulher nada mais é do que um instrumento de produção. Ouvindo dizer que os instrumentos de produção serão explorados em comum, conclui naturalmente que o destino de propriedade coletiva caberá igualmente às mulheres". É socialista? Então socialize sua mulher! –diziam os direitistas do século 19. Quase duzentos anos depois, o nível parece o mesmo. 

Raciocínios como esse são mais velhos que o capitalismo. Revelam um primitivismo da razão, sem mediações nem conceitos. Aristóteles, já no século quatro antes de Cristo, dedicou seus Elencos Sofísticos a denunciar essa lógica manca. Dá exemplos: "Cinco é dois mais três. Dois é par e três é ímpar. Logo, cinco é par e ímpar". O argumento sofístico abusa da ambiguidade e da confusão, produzindo falácias racionais. 

É o que faz a direita de hoje. Confunde intencionalmente duas questões distintas: defender o capitalismo e viver no capitalismo. Vivemos em uma sociedade capitalista, com tudo o que isso implica. Viver nela não significa defendê-la, aliás para criticá-la e combatê-la é preciso estar nela. 

O argumento bronco considera tudo isso uma sutileza metafísica e diz, com a argúcia da Idade da Pedra: "Se é contra o agronegócio, então não coma!", "denuncia a privatização, mas usa energia elétrica da AES em casa!", "é socialista, mas tem computador!", e outras pérolas mais. Enfim, a esquerda de verdade deve se alimentar por fotossíntese, usar velas e mimeógrafo. 

Imaginem as mesmas sandices aplicadas do outro lado: "Aha! Vi você dando um pedaço de pão para o seu filho, seu socialista! Não dê o peixe, ensine a pescar!", "Bill Gates é comunista: tem fortes investimentos na China comandada pelo PC.", "pegou crédito imobiliário na Caixa? Seu petralha sem-vergonha! Vai pagar juros para o PT!". 

Recentemente, os bisbilhoteiros de plantão fotografaram o jornalista Leonardo Sakamoto em Nova York. Como pode? É de esquerda e vai para Nova York! Deixando de lado a questão das intrigantes motivações dessa Dona Fifi globalizada, que se dedica a perseguir e fotografar alguém em outro hemisfério, o nível do raciocínio é o mesmo denunciado por Aristóteles: "Sakamoto é de esquerda. Nova York é uma cidade capitalista. Logo, Sakamoto não pode pisar em Nova York". 

Não sabem talvez que o prefeito de Nova York, Bill de Blasio, é considerado comunista pela direita de lá por ser admirador de Cuba e ter apoiado os sandinistas. Mas aí já fica complexo demais para o Tico e o Teco. 

O que essa turma não entende –e possivelmente nunca entenda– é que defender posições de esquerda não significa voto de pobreza, viver a pão e água. Quem impõe a vida a pão e água a bilhões de pessoas ao redor do planeta é o capitalismo e é exatamente por isso que a esquerda o combate. Não se trata de defender a socialização da miséria, mas sim das riquezas. Algo, aliás, profundamente atual num mundo onde elas estão concentradas em 1% da população.

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