O prefeito Fernando Haddad segue hoje uma agenda própria, que confronta tabus de São Paulo, como o protagonismo do carro
É difícil hoje alguém ter a coragem de contestar o fato de que as cidades precisam encontrar novas soluções para o deslocamento em massa, e deixar de construir mais viadutos e túneis. Elas precisam de soluções que não consumam tanto petróleo, que não poluam tanto o ar, que não induzam à impermeabilização do solo e que não gerem tanto congestionamento.
Em São Paulo, nem os maiores opositores da gestão de Fernando Haddad podem negar o fato de que as ações do prefeito estão orientadas para o interesse coletivo, em termos tanto sociais como econômicos e ambientais.
Os 358 km de novas faixas exclusivas de ônibus em São Paulo são ações evidentes nessa direção, assim como os 78 km de ciclofaixas recentemente instaladas (a previsão é chegar a 400 km até o final de 2015). A considerável melhora na avaliação do prefeito pela população é sinal claro dessa consciência.
Diferentemente do que se costuma pensar, a bicicleta pode ser, sim, uma modalidade significativa no transporte da cidade. Isso porque 25% do congestionamento que temos hoje se deve a percursos curtos feitos de carro --menos de 3 km. Mas a bicicleta não é só um meio de transporte menos poluente e mais compacto: sobre ela temos maior empatia com o entorno.
As ações de Haddad se conectam com as recentes mudanças de comportamento. Existe atualmente uma tendência de abandono das regiões suburbanas (como Alphaville e Granja Viana) e de volta para as áreas mais centrais da cidade.
Além disso, o carro vem deixando de ser um bem de consumo imprescindível para as novas gerações, e os espaços públicos passaram a ser mais utilizados e reivindicados pela população, de par com as intensas mobilizações em prol do transporte público como um "direito à cidade".
Daí a tônica do novo Plano Diretor, que procura conectar as ações de mobilidade ao adensamento populacional nesses eixos de transporte, diminuindo a distância entre moradia e trabalho e restringindo o número de vagas de garagem nessas áreas. Isso porque, ao contrário do que ocorre na maior parte do mundo desenvolvido, a nossa legislação até agora exigia números mínimos de vagas, e não máximos.
Outros exemplos positivos da gestão Haddad podem ser citados, como o IPTU progressivo sobre os imóveis vazios, a inauguração das duas primeiras centrais mecanizadas de triagem de resíduos sólidos e a ampliação da coleta seletiva do lixo. Há também o apoio aos moradores da cracolândia por meio de um programa que associa saúde, emprego, moradia e assistência social.
A defesa dessas posições não deve ser confundida com uma campanha eleitoreira. Boa parte da independência das ações da prefeitura se deve, a meu ver, ao próprio isolamento de Haddad dentro do PT.
Visto com má vontade pela mídia, dispondo de baixo Orçamento, engessado pela progressiva judicialização da política e menos comprometido com a "realpolitik" do seu partido, o prefeito não viu outro caminho que não o de seguir a sua própria agenda. Uma agenda que confronta tabus cruciais da nossa sociedade, como o protagonismo do carro na cidade.
Haddad, no entanto, não faz um voo solo. Caso raro entre nós, é um político que concilia ações imediatas e cirúrgicas com uma visão abrangente e de longo prazo. É, portanto, um ator de ponta na política, assumindo uma liderança em decisões estratégicas na linha de outros prefeitos de grandes metrópoles, de espectros políticos variados, como Nova York, Medellín e Bogotá.
Quando a política parece estar submetida à hegemonia do marketing, como um reality show de estatísticas e de pesquisas construídas de maneira autogerada e pouco refletida, vejo a coerência contundente de Haddad com grande admiração. Não me espantarei se esses anos ficarem marcados na história como um ponto de virada civilizatória em São Paulo.
GUILHERME WISNIK, 42, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi curador da 10ª Bienal de Arquitetura de São Paulo, em 2013
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