Foi preciso que o FBI entrasse em cena para desencadear o escândalo do futebol. Porque, se dependesse do governo, da mídia, dos torcedores... Bem, deixemos para lá
O mundo se curva, o Brasil docet, diriam os antigos romanos. Ensina, leciona de cátedra. Não somos por acaso o país do futebol, a pátria de chuteiras. Em matéria, há tempo deixamos de ser os reis da bola, somos, porém, imbatíveis no gramado da corrupção.
Tudo escancarado há mais de 40 anos, sem ser denunciado e punido. A imponente mazela perpetrada em todos os campos do futebol nativo, a falcatrua constante, o engodo feroz, são vergonhosamente ignorados até pela mídia, esportiva ou não, com raríssimas e digníssimas exceções. Quando não são secundados, ou mesmo incentivados.
Tudo começa, no plano internacional, com João Havelange, dono da Fifa desde 1974, e chega agora a José Maria Marin. Na origem e no desenvolvimento os protagonistas nativos campeiam, graças à inestimável contribuição, com efeitos determinantes no cenário nacional por uma época farta, de Ricardo Teixeira, antecessor de Marin, autoexilado, para salvar a pele, em Boca Raton, paradeiro de nome bastante persuasivo. Nem por isso, seguro, a esta altura do campeonato.
Criatura de Havelange, de quem já foi genro, Teixeira corre riscos até ontem inesperados: entrou no enredo o FBI, aquele que a gente se acostumou a ver triunfar na televisão, e Marin, finalmente alcançado na Suíça, uma vez deportado para os Estados Unidos, lá será julgado e condenado com o rigor de quem leva as coisas a sério. Parece que Teixeira caiu na brasa.
Não haverá um Gilmar Mendes ianque para tirar da enrascada os envolvidos na grande tramoia. Como se deu, só para citar um exemplo, com o banqueiro Daniel Dantas, alcançado pela Operação Satiagraha, preso duas vezes e duas vezes libertado pela intervenção de Mendes, capaz, aliás, de emperrar o funcionamento da Suprema Corte brasileira em proveito dos seus próprios objetivos públicos.
Há certo parentesco entre os casos, a se considerar que Dantas já foi condenado fora do País, em Nova York, em Cayman e em Londres, enquanto aqui na terrinha pode-se permitir viver à larga em perfeito sossego. Desde a clamorosa roubalheira-bandalheira da privatização das comunicações, o maior escândalo da história pátria, até o enterro da Satiagraha e o desterro do delegado Paulo Lacerda para Portugal.
Não recordo que por ocasião destes dois momentos da trajetória de Dantas a mídia nativa tenha entrado em ação para martelar diuturnamente em denúncias e acusações como se dá hoje em relação ao “petrolão”. Do período que vai da Operação Chacal à Satiagraha sobrou a constrangedora impressão de que o banqueiro do Opportunity vive em paz por ter todo mundo no bolso.
A diferença entre Marin, e quantos mais vierem atrás dele, e Dantas, é representada, em primeiro lugar, pela presença do FBI, sem contar que logo após virá a Justiça americana, e os EUA são muito severos em relação à lavagem de dinheiro dentro de suas fronteiras. Por ora, Joseph Blatter, o presidente da Fifa, e outros, estrangeiros e nacionais, todos herdeiros diretos ou indiretos de Havelange, escapam aparentemente à investigação do Federal Bureau. Não se excluam surpresas, contudo.
Faz duas semanas, CartaCapital dedicou uma capa à CBF de Marco Polo Del Nero. A Confederação queixou-se, alegou não ter sido procurada para dirimir nossas dúvidas, como se não estivéssemos largamente habilitados a imaginar quanto teríamos de ouvir. Retrucamos, de todo modo, que muito nos agradaria entrevistar o próprio presidente da entidade, com total liberdade para formular perguntas. Não houve resposta.
Sabemos que na terra brasilis, os donos de poder, em qualquer instância, são intérpretes insuperáveis de uma secular tradição de desfaçatez, prepotência e hipocrisia na certeza da impunidade por direito divino. São os caras de pau-brasil. O futebol, está claro, entre nós não é assunto de somenos, e algo intrigante é a razão por que, sempre a ficar em meros exemplos, as partidas noturnas tenham necessariamente de acontecer depois da novela da Globo. Ah, sim, a Globo... Quanto valerão tantas benesses que lhe foram concedidas?
E é possível que o governo federal, hoje representado por um ministro do Esporte inepto, não intervenha nos gramados da política do futebol, entregue a uma máfia de cartola? Permito-me lembrar que a seleção canarinho adentra aos gramados do mundo ao som do Hino Nacional.
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